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sexta-feira, 28 de agosto de 2020

Muito mais resenhas curtinhas para analfabetos funcionais

REDE DE ÓDIO (Sala Samobójców: Hejter, 2020, Polônia. Dir: Jan Komasa)
Quase um documentário sobre práticas recentes tipo o famigerado Gabinete do Ódio, “Rede de Ódio” funciona melhor com o título em inglês, “The Hater”, porque é o termo que melhor define o protagonista Tomasz – interpretado com marcante frieza por Maciej Musialowski. Na cena mais assustadora deste thriller polonês, Tomasz passa horas em claro a manipular febrilmente um debate político no Facebook; sozinho, ele comanda as hostes pró e contra usando algumas dezenas de perfis falsos (comprados da Índia!) e palavras-de-ordem-clichê, de maneira que quando perfis de pessoas reais entram na “discussão” já chegam com a opinião formada, pró ou contra, pela ação iniciada por ele! O diretor Komasa já tinha feito um filme alertando para os riscos da internet em 2011 (“Sala Samobójców”, ou “Suicide Room”), mas este “The Hater” é ainda mais paulada. Não é exatamente um filme de horror, mas assusta por ser atual e por vermos estas práticas todo dia nas redes sociais, nos comentários dos portais de notícias, nos grupos de WhatsApp – enfim, na “discussão” de qualquer que seja a polêmica do momento. O personagem principal Tomasz não tem o menor interesse em política. Para ele, ser o hater do título em inglês é um trabalho muito bem pago, e que, como mentiroso patológico e psicopata que sempre foi, realiza com visível prazer até. Ele mente, manipula, influencia, acende o barril de pólvora e ainda fica pertinho para assistir explodir. Por mais frio e depressivo que seja (e é), este é o filme perfeito para entender de onde vem os robôs e perfis falsos que hoje praticamente monopolizam (quando não criam) o debate político, no Brasil e em considerável parte do mundo. Mas “The Hater” não é exatamente um filme político, já que uma eleição usada como tema incidental na narrativa é apenas mais um trabalho de destruição de reputação para o protagonista. A trama tem paralelos com “A Rede Social” (no uso nocivo das ferramentas digitais), e especialmente com “Taxi Driver” (a jornada do personagem principal em ambos é muito semelhante). Tem seus problemas e forçadas de barra, mas é uma produção obrigatória para o momento – ilustrativa e didática para compreender como uma mentira ridícula tipo a “mamadeira de piroca” viraliza nas redes sociais e ajuda a decidir uma eleição. Deve ser o thriller mais assustador que eu vejo em anos, e que nunca tenta pegar leve com o espectador; pelo contrário, quando os créditos finais sobem não fica nenhuma falsa ilusão de que as coisas possam mudar, nem no mundo de faz-de-conta, nem aqui na vida real. Logo, muito cuidado com os textos e opiniões que vocês compartilham; cuidado com quem “conversam” nas redes sociais ou no zap-zap. Sabe a fake news do momento? Pois alguém como o personagem-título de “The Hater” pode estar por trás dela...


TESLA (2020, EUA. Dir: Michael Almereyda)
Um filme sobre a história (real) de dois inventores em busca da melhor maneira para conduzir eletricidade tinha tudo para ser um convite ao sono. Felizmente, “Tesla” nos poupa de toda a parte mais técnica da coisa: o diretor-roteirista Michael Almereyda prefere fazer com a vida do inventor sérvio Nikola Tesla o mesmo que o malucão Alex Cox fez com o mercenário William Walker na obra-prima “Walker – Uma Aventura na Nicarágua” (1987): uma cinebiografia anacrônica e pouco convencional, sem compromisso com a realidade e quase em tom de fábula. “Tesla” enfoca a rivalidade do protagonista com Thomas Edison (eles são interpretados respectivamente por Ethan Hawke e Kyle MacLachlan) sem qualquer preciosismo histórico, numa abordagem just for fun do episódio verídico. Para quem não sabe – e eu mesmo conhecia bem pouco sobre a vida de Tesla antes do filme –, as teorias do cientista sérvio e algumas de suas patentes deram origem aos sistemas de distribuição de energia elétrica que usamos até hoje, rivalizando com o sistema menos eficiente que Edison estava espalhando pelo mundo no início do século passado. Atualmente Tesla é considerado um gênio e um pioneiro em diversas áreas, mas na sua época era cheio de manias (sofria de TOC, era obcecado por pombos), ganhou fama de cientista louco e morreu sozinho e na miséria. Esta cinebiografia doidona de Almereyda enfoca um pouco de tudo isso de uma forma tão excêntrica quanto o seu biografado. O resultado é menos uma narrativa coesa e mais um montão de esquetes e episódios soltos – algo como um “melhores momentos” da vida do inventor. Sua relação de amor e ódio com Edison dá origem a momentos cartunescos, incluindo um “duelo de sorvetes” que, como a própria narradora esclarece, nunca aconteceu na vida real. Na sua adaptação modernosa de “Hamlet” em 2000, o diretor já tinha tentado atualizar Shakespeare para as novas gerações. Aqui, embora seja um “filme de época”, ele insere elementos modernos para lembrar o espectador do quanto as teorias de Tesla e Edison transformaram o mundo: uma personagem de 100 anos atrás quebra a quarta parede e explica ao espectador detalhes da trama com o auxílio do Google, Thomas Edison checa mensagens no seu smartphone, uma criada limpa o salão com aspirador de pó. Os personagens interagem não em cenários construídos, mas em frente a fotos e painéis projetados no fundo da cena. E, num dos momentos mais incríveis, Tesla aparece cantando “Everybody Wants to Rule the World”, do Tears For Fears, de maneira envergonhada e desafinada, como se estivesse num karaokê – a cena seria apoteótica se usada para fechar o filme. Há quem critique o excesso de didatismo da narração em off, mas como o filme em si não se preocupa em contextualizar muita coisa, e é difícil separar fatos de lendas na história de Nikola Tesla, achei os comentários da narradora bastante necessários, mesmo que nada imparciais e extremamente favoráveis ao protagonista. Diversos momentos e personagens históricos reais, como a estrela do teatro Sarah Bernhardt e o surgimento do cinetoscópio de Edison, são costurados ao redor da trajetória do inventor, dando uma bela ideia do universo e do momento em que ele estava inserido. “Tesla” é diferente do que se espera de uma cinebiografia, fugindo das armadilhas e burocracias inerentes ao formato. Exige um pouco de conhecimento sobre a vida e trajetória do biografado, mas pelo menos escapa da chatice de virar uma mera aula de história graças às brincadeirinhas pós-modernas. É para públicos específicos, entretanto.



SPUTNIK (2020, Rússia. Dir: Egor Abramenko)
A maior curiosidade de “Sputnik” é o fato de ser uma mistura de ficção científica e horror vinda da Rússia, e cuja história se passa na extinta União Soviética dos anos 1980 – mostrada de maneira crítica pelo próprio pessoal de lá. E o argumento é muito bom: um astronauta volta de uma desastrada missão espacial com um alienígena alojado no interior do seu corpo. Nada no estilo “Alien”, porém: os dois organismos parecem conviver pacificamente, com o monstro entrando e saindo do interior do hospedeiro sem feri-lo, e sem que o sujeito tenha qualquer lembrança do que acontece nestes momentos. A médica Tatyana é levada até o laboratório secreto do governo para estudar o caso e tentar descobrir se o alienígena é perigoso ou não, se é um parasita ou um simbionte, e se é possível separá-lo do grande herói russo sem matar um ou outro. Obviamente, as coisas não serão tão simples – e o parasita extraterrestre tem uma dieta alimentar bem sangrenta. Tecnicamente, “Sputnik” está pau a pau com as grandes produções de Hollywood – incluindo efeitos especiais incríveis e um ar de orçamento milionário. Infelizmente, é o tipo de filme que começa melhor do que termina. Algumas reviravoltas pouco convincentes a partir da metade deixam “Sputnik” parecido demais com os blockbusters hollywoodianos que tenta emular, inclusive apelando para toda sorte de absurdos, e com ação e efeitos especiais tomando conta da narrativa. A ideia do parasita é tão asquerosa quanto soa, com um ou dois momentos incômodos envolvendo o bicho saindo do interior do hospedeiro pela boca. Mas uma vez fora, o alienígena produzido por computação gráfica parece fofinho demais para que o espectador o considere nojento ou assustador – lembra uma criatura num filme censura livre do Spielberg, e poderia facilmente virar brinquedo para a molecada. Também há um subplot totalmente dispensável envolvendo o filho do astronauta, abandonado num orfanato, que não acrescenta nada e soa como uma tentativa patética (e frustrada) de ganhar o público pelo dramalhão. O resultado não é de todo ruim porque o final reserva alguns momentos bem sangrentos; mas soa longo demais, e a mudança de tom na metade incomoda bastante. É como se o diretor estreante Egor Abramenko não soubesse direito o tipo de filme que queria fazer. Uma pena, porque o mesmo argumento, com pequenas adaptações aqui e ali, poderia ter dado origem a algo infinitamente melhor. 


TÓXICO (2020, Argentina. Dir: Ariel Martínez Herrera)
Se Zack Snyder é “visionário”, então o argentino Ariel Herrera é Nostradamus: poucas semanas antes da pandemia do Covid-19 varrer o mundo, ele concluiu este belo filme independente sobre uma praga que igualmente se espalha pelo mundo – começando pela Argentina, óbvio –, e que tem MUITAS coisas em comum com o que vimos e seguimos vendo do lado de cá da tela. Na trama, baseada num roteiro escrito lá atrás em 2016, a ameaça biológica que aflige a humanidade não tem nada a ver com o coronavírus, e sim com uma misteriosa e altamente contagiosa epidemia de insônia. Sem conseguir dormir, os infectados vão perdendo a razão e recorrendo ou à violência, ou ao suicídio, antes de morrerem naturalmente por um apagão generalizado do organismo provocado pela privação de sono. Percebendo que o caos se alastra sem controle pelas ruas de Buenos Aires, os protagonistas interpretados por Agustín Rittano e Jazmín Stuart resolvem abastecer um trailer e cair na estrada rumo ao interior, onde supostamente as coisas estão mais calmas. Mas vários problemas aguardam o casal durante a jornada, incluindo a possibilidade de um deles estar infectado. “Tóxico” estreou oficialmente em abril deste ano, quando várias das situações mostradas no filme já eram bem comuns na vida real: os negacionistas evitando usar máscaras para se proteger do vírus, produtos sumindo do comércio e lojas sendo saqueadas, o êxodo das grandes cidades, médicos com roupas anti-contaminação carregando cadáveres, etc. À medida em que o casal avança pela estrada, a situação vai ganhando contornos surreais. O mais assustador de “Tóxico” é como ele conseguiu prever a facilidade com que a sociedade sai dos trilhos frente a uma praga. Ainda que o filme esteja mais focado na relação entre o casal de protagonistas, e em como ela se deteriora à medida que o caos avança – a necessidade de “distanciamento social” impede até que eles se beijem –, lá e cá o diretor nos permite ver de relance algumas imagens de um futuro assustador. Como, por exemplo, uma família que se dedica a explodir pontes, usando aquelas máscaras com bico de pássaro que eram utilizadas pelos médicos durante a Peste Negra. Jazmín Stuart já tinha passado por situação parecida em outro filme argentino sobre vírus mortal, o brilhante “Fase 7”, mas aqui participa mais ativamente da história. Nem importa tanto se ela e o marido vão conseguir chegar a algum lugar seguro, pois dificilmente restará algo (dos protagonistas e da humanidade) depois que a doença passar. Sugere-se, como aconteceu pouco depois com o coronavírus, que a epidemia seria uma vingança da natureza contra os abusos da humanidade. Ou seja, “Tóxico” foi absurdamente profético em quase tudo. Convém ficar de olho no que Ariel Herrera fará em seguida: vai que o hermano continua prevendo o futuro desse jeito?


ROGUE (2020, Reino Unido/África do Sul. Dir: M.J. Bassett)
Curto e grosso: “Rogue” não passa de uma versão feminina do eficiente “Extraction/Resgate”, trocando os sexos do protagonista e do refém que o herói precisa não apenas resgatar, mas especialmente manter vivo num ambiente hostil. Se já era difícil engolir o “Ken” Chris Hemsworth como mercenário fodaralhaço, ver a “Barbie” Megan Fox como mercenária fodaralhaça é algo que atinge os píncaros do absurdo e transforma o filme numa engraçadíssima comédia involuntária. A não ser, claro, que alguém consiga engolir a sumida estrelinha de “Transformers”, super-maquiada (e com pele limpinha e sedosa mesmo quando deveria estar coberta de poeira, sangue e suor), liderando um pelotão de soldados brucutus, muito mais velhos, e que a obedecem cegamente. Fox deve ser a pior tentativa de se criar do zero uma heroína de ação desde Cindy Crawford em “Atração Explosiva”, mas não é nem de longe o maior defeito do longa: “Rogue” tem uns efeitos horríveis em computação gráfica que estragam quase todas as cenas em que são utilizados. Principalmente o helicóptero explodindo em cacos quadriculados, que parece saído de uma daquelas aventuras nigerianas feitas em casa! O plot, se alguém ainda estiver interessado, é o seguinte: Megan Fox é uma mercenária fodaralhaça (desculpem repetir, mas é que fica mais engraçado a cada vez) liderando um pelotão de machos numa missão de resgate na África do Sul. Eles até conseguem libertar a filha de um político, que era mantida em cativeiro por uma violenta milícia. Mas perdem o transporte de fuga (o tal helicóptero que explode em gráficos de videogame 8-bits) e precisam seguir a pé, com dezenas de inimigos fortemente armados em seu encalço. O foco muda quando o grupo chega a uma fazenda abandonada: o que era um filme de ação de repente vira um thriller sobre animais assassinos, pois há um indestrutível e faminto leão de CGI à solta na propriedade, louquinho para devorar heróis e vilões. Sem brincadeira: os efeitos do bichano são tão ruins, num nível “Sharknado” de ruindade, que eu começava a rir cada vez que ele aparecia – mais até do que se fosse uma comédia assumida. O fato de o bicho atacar como um autêntico ninja torna a coisa ainda mais engraçada. Há um momento, por exemplo, em que o felino ataca e arrasta um sujeito que está a dois metros da Megan Fox. A mocinha está de costas e milagrosamente não escuta nem o leão, nem a vítima gritando, nem um único som da vítima sendo arrastada a dois metros de distância dela! Absurdos nesse nível (mais Megan Fox num dos piores castings da história) transformam “Rogue” num trashão de primeira, daqueles para ver com os amigos, sob efeito de álcool, e rir até doer a barriga. Mas justiça seja feita: a diretora M.J. Bassett não deixa a peteca cair e consegue manter o interesse até o final, seja pelas asneiras, seja pela quantidade de vilões sendo mortos, seja pelo tantão de cadáveres dilacerados pelo animal assassino (em cenas sangrentas que quase tornam o filme mais palatável). A ser encarado com o devido senso de humor, ou é melhor passar longe.


PEDRA, PAPEL E TESOURA (Piedra, Papel y Tijera, 2019, Argentina. Dir: Martín Blousson e Macarena García Lenzi)
Um thriller psicológico argentino que é pequeno na parte técnica (baixo orçamento, apenas três atores numa única locação), mas grande no que realmente interessa: clima, desenvolvimento e resultado. Trata de Magdalena, que mora na Espanha e retorna à Argentina para discutir com os meio-irmãos Jesús e Maria José a herança do pai recentemente falecido. Ela percebe um clima estranho no apartamento da família, onde a dupla vive, mas já é tarde demais para fugir: após sofrer um acidente na escada, na saída do local, ela acaba paralisada numa cama e tratada pelos dois familiares, que começam a assombrá-la com jogos cada vez mais perigosos. O filme tem uma situação central no estilo “Misery / Louca Obsessão”, e até compartilha com este alguns elementos – os pés quebrados a marteladas no thriller de Rob Reiner aqui recebem outro tratamento igualmente doloroso. A grande diferença é que, em “Misery”, já se sabia desde o princípio que a personagem de Kathy Bates era completamente maluca, enquanto “Pedra, Papel e Tesoura” é muito hábil em colocar o próprio espectador no lugar de Magdalena, sem saber em qual dos dois irmãos pode confiar, ou se ambos são loucos perigosos e potencialmente homicidas. Considerável parte da trama mostra a protagonista na cama em jogos psicológicos com Jesús e Maria, tentando convencer um ou outro a ficar do seu lado. Mas o filme nunca fica chato ou parado: o roteiro da co-diretora Macarena García Lenzi vai ficando progressivamente mais bizarro e inesperado. Trata-se do primeiro thriller dirigido por Macarena, em parceria com Martín Blousson. Ele já está na estrada há anos, como roteirista e editor de alguns dos filmes de horror argentinos mais interessantes da última década. A julgar pela maneira criativa como a dupla manipula o suspense e a tensão, usando pouquíssimos elementos e num único cenário, ambos estão mais do que preparados para voos maiores. A história ainda inclui curiosas referências cinematográficas, da obsessão de Maria José por “O Mágico de Oz” (o filme dos anos 1930) até uma simpática homenagem ao cinema ‘do-it-yourself’, já que Jesús está tentando fazer seu próprio filme em casa, estrelado pela irmã. Considerando que tanto Blousson quanto o produtor Valentín Javier Diment realizam filmes independente na Argentina há anos, soa como uma bonita nota autobiográfica – comprovando, mais uma vez, que fazer cinema na América do Sul é coisa de louco!


TWO HEADS CREEK (2019, Reino Unido/Austrália. Dir: Jesse O'Brien)
Filmes como “Wake in Fright”, “Razorback / O Corte da Navalha” e até mesmo “Crocodilo Dundee” acostumaram o espectador deste lado do mundo com a ideia da Austrália como um lugar, digamos, bastante peculiar. Agora, a comédia de humor negro “Two Heads Creek” brinca com este conceito e parece assumir que os australianos têm um parafuso a menos. O filme começa com dois irmãos que vivem em Londres (ele um tímido açougueiro, ela uma atriz frustrada) descobrindo que sua finada progenitora de origem polonesa na verdade não era sua mãe biológica. A verdadeira mamãe é da Austrália e vive numa cidadezinha no interior australiano – a Two Heads Creek que dá nome ao filme. Os irmãos decidem viajar para este autêntico fim-do-mundo, povoado de personagens excêntricos e/ou bizarros, apenas para descobrir que a mãe que eles foram procurar morreu dias antes. Desconfiando de que há algo de estranho no local, a dupla investiga e descobre a terrível verdade por trás de Two Heads Creek e da presteza com que seus habitantes recebem e acolhem imigrantes vindos da Ásia. Dirigido por Jesse O'Brien, que é australiano e mostra muito bom humor ao brincar com a imagem que o cinema tem do seu país, o filme dispara para todos os lados: há banhos de sangue, desmembramentos, canibalismo, piadas politicamente incorretas envolvendo zoofilia e necrofilia, e até uma série de assuntos sérios sendo tratados de forma cômica – veganismo e a intolerância em relação a imigrantes entre eles, já que o protagonista sofre preconceito na Inglaterra porque sua mãe adotiva é polonesa, e depois sofre preconceito na Austrália quando todos pensam que ele é inglês! Algumas tiradas são geniais, como a tradução em tempo real do dialeto australiano para o inglês; outras são mais pedantes e apelativas do que propriamente engraçadas. E quem espera um mínimo de horror poderá ficar decepcionado, já que o filme investe mais pesado no humor; inclusive a violência explícita é encenada de maneira exagerada e engraçadinha. Para quem sempre achou que o “Two Thousand Maniacs!” do Herschell Gordon Lewis era uma comédia involuntária levada a sério demais, “Two Heads Creek” surge como uma variação assumidamente cômica do mesmo argumento.


GHOSTS OF WAR (2020, Reino Unido. Dir: Eric Bress)
Vejam bem: em pleno ano de 2020, existem dois tipos de finais de filme (aliás, de histórias em geral, qualquer que seja a mídia) que deveriam ser proibidos por já terem sido usados em excesso. Um é o “Personagens acordam e foi tudo um sonho”; outro é o “Descobriram que estavam mortos e não sabiam”. Pois o duro de uma bomba tipo “Ghosts of War” é que os caras desenvolvem um mistério razoavelmente interessante durante oitenta-e-poucos minutos para, no final, tacar na cabeça do espectador uma conclusão abominável – que não é exatamente nenhuma das mencionadas, e sim uma terceira que mistura as outras duas de maneira ainda menos convincente! “Ghosts of War” é sobre um grupo de soldados norte-americanos na França ocupada pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. Sua missão é defender um casarão no campo, ponto estratégico cobiçado pelos inimigos, e mantê-lo seguro até que chegue o reforço. Que a casa vai se demonstrar assombrada todo mundo meio que já desconfia (aparentemente, os nazistas fizeram barbaridades com os antigos moradores); a explicação para o “mistério” é que é realmente de foder! Misturar horror sobrenatural com os horrores bastante reais da Segunda Guerra Mundial não é exatamente uma novidade. Lembra filmes de ontem e de anteontem, como “Operação Overlord” ou “A Fortaleza Infernal” – neste último, ironicamente, são os nazistas que precisam ocupar e manter um ponto estratégico assombrado pelas forças do mal –, mas não chega aos pés nem de um, nem de outro. Assinado pelo mesmo cara que fez “Efeito Borboleta” em 2004, e que desde então não tinha dirigido coisa alguma (o que devia ser considerado um sinal de alerta), “Ghosts of War” até consegue segurar a atenção do espectador por uns 20 minutos. Mas quando fantasminhas de computação gráfica e jump scares de quinta categoria passam a aparecer com mais frequência do que o recomendado, o filme começa a se perder. E a meia hora final manda tudo às favas, com uma “revelação” que se pretende inteligente, mas só falta chamar o espectador de imbecil. Uma pontinha de Billy Zane, que de uns anos para cá anda topando qualquer parada, deixa a coisa toda com um ar ainda mais bagaceiro. Então faça como os soldados deveriam fazer ao chegar no casarão e fuja correndo deste filme – eles não têm escolha, mas você tem!


YOU DON’T NOMI (2019, EUA. Dir: Jeffrey McHale)
É um fenômeno raro, mas às vezes acontece: uma produção que foi malhada na época da estreia ganha reavaliação crítica e popular e, subitamente, deixa de ser um enorme fracasso para virar uma obra-prima injustiçada. Eu mesmo defendo esta reavaliação para, por exemplo, “Waterworld”. Mas jamais vou entender porque resolveram fazê-la justamente com “Showgirls”. Vi esta tralha do Paul Verhoeven na estreia (1995) e achei um horror; tentei rever uns 15 anos depois e não consegui passar da metade. Apesar disso, há quem defenda que é uma maravilha incompreendida. Este documentário de Jeffrey McHale analisa tal fenômeno de maneira leve e divertida, mostrando como a grande bomba de 1995 virou cult movie e fenômeno pop. Ao invés de tentar convencer o espectador de que “Showgirls” é uma obra-prima que ninguém entendeu, “You Don’t Nomi” (um inspirado trocadilho com o nome da personagem principal de Verhoeven e a expressão “Você não me conhece” em inglês) prefere propor uma espécie de mediação entre os diferentes argumentos existentes: que o filme é uma bomba e não funciona de forma alguma, que é uma fantástica comédia involuntária, e que é uma crítica autoral e ousada aos excessos dos anos 1990. Como no documentário “Room 237 / O Labirinto de Kubrick”, os diferentes entrevistados têm opiniões variadas, e contradizem um ao outro (um deles é Adam Nayman, autor do livro “It Doesn't Suck: Showgirls”!). Confesso que vendo, aqui, algumas cenas de “Showgirls” fora do contexto, e sem precisar suportar as duas horas de martírio do negócio inteiro, o filme realmente parece algo “tão ruim que é bom”, no estilo do já clássico “The Room” (e talvez no futuro tenhamos um longa de ficção sobre as filmagens de “Showgirls”, como “Artista do Desastre” fez com “The Room”!). Alguns depoimentos chamam a atenção para bobagens que eu nunca tinha percebido, como um insólito diálogo em que as protagonistas Elizabeth Berkley e Gina Gershon confessam que já comeram comida de cachorro – e gostaram! E o documentário aproveita para reavaliar a carreira do diretor Verhoeven como um todo, incluindo trechos dos filmes da sua fase holandesa para comprovar que ele repete temas e imagens. Infelizmente não há entrevistas novas com ninguém envolvido com “Showgirls”, apenas farto material de arquivo de 1995, quando todo mundo ainda achava que estava fazendo um sucesso de bilheteria. Que pena que não procuraram o desaparecido roteirista (e grande charlatão) Joe Eszterhas, que por algum tempo foi o sujeito mais bem pago de Hollywood para escrever asneiras como “Atração Fatal” e “Showgirls”. Aliás, um dos momentos mais legais de “You Don’t Nomi” é quando se desmonta a teoria de que o filme do Verhoeven seria uma comédia de humor negro proposital. O próprio cineasta holandês tem usado este argumento para tentar redimir a obra – logo ele, que em 1996 foi voluntariamente aceitar os quatro Razzies (o “Oscar dos Filmes Ruins”) que “Showgirls” recebeu, incluindo pior filme e diretor. Só que aí o documentário apresenta um livro de ensaios lançado em 1995, na época da estreia do filme, e repleto de artigos pretensiosos e totalmente sérios escritos pelo diretor, comprovando que ele tentava fazer um drama sério sobre sexo e ambição desde o início. Fãs de “Showgirls”, seja como obra-prima injustiçada ou trashão escancarado, vão adorar os argumentos dos entrevistados puxando para um ou outro lado. Eles analisam algumas camadas da obra (boas e ruins) que não necessariamente a tornam melhor ou pior, mas estão lá. Já aqueles que, como eu, continuam achando “Showgirls” uma bela de uma bomba poderão encarar “You Don’t Nomi” como um estudo de caso bastante rico e curioso, que nunca tenta convencer o espectador de uma coisa nem de outra, preferindo documentar esta trajetória sui generis de grande fracasso a filme cultuado (por uma razão ou outra).


SKULL – A MÁSCARA DE ANHANGÁ (2020, Brasil. Dir: Kapel Furman e Armando Fonseca)
Os diretores Kapel e Armando, juntamente com o produtor Raphael Borghi, têm uma longa bagagem no cinema de gênero brasileiro, seja fazendo filmes, seja assinando sangrentos efeitos especiais para produções alheias (o trio inclusive apresenta o reality CineLab, coordenando aspirantes a técnicos de efeitos). Então o novo filme do trio, “Skull – A Máscara de Anhangá”, não poderia ser diferente: trata-se de um horror sanguinolento que não tem medo de se assumir como tal, abraçando a aura e a estética de “filme B”, e indo na contramão de parte considerável dos realizadores brasileiros desta nova geração (cujos filmes de gênero ganham verniz mais “artístico” para ganhar prêmios em festivais). O longa trata de uma máscara misteriosa e milenar, cuja existência data de antes da Colonização das Américas. Encontrada nos dias atuais, ela “possui” o corpo de um hospedeiro humano e sai tocando o terror pelas ruas de São Paulo. Na essência um slasher movie – na linha de “Sexta-feira 13” e suas imitações –, “Skull” não se rende à simplicidade inerente a este subgênero. Embora apele para a já conhecida figura do assassino mascarado, o roteiro mete dúzias de outros elementos e personagens no mesmo balaio, numa salada de referências que nem sempre funcionam bem entre si. Há um prólogo que se passa nos anos 1940 e mostra nazistas na Amazônia, uma máscara mística que remete a divindades sul-americanas, uma policial com passado nebuloso, um milionário com sede de poder, seu capanga com óculos espelhados e rabo-de-cavalo, um padre hábil no manejo de espadas, um ex-guerrilheiro das FARC, uma mão mumificada usada como amuleto, crianças sequestradas, e por aí afora. Felizmente, o gigante assassino possuído pela Máscara de Anhanguá não está pra brincadeira, e se dedica a cortar (literalmente) os excessos e pontas soltas do roteiro. Ao contrário de muitos slashers famosos, “Skull” assume a máscara, e não seu usuário, como a verdadeira vilã da história. Porque a marcante máscara de caveira está viva, gruda ao hospedeiro e o torna praticamente imortal para sair matando por aí (numa comparação tosca, é como se o uniforme do Spawn envolvesse o corpo do Jason!). O resultado é bastante satisfatório inclusive porque altera a ambientação comum a esse tipo de filme (e ao cinema de horror brasileiro como um todo), do meio do mato para uma megalópole. E é mesmo muito legal ver o assassino caminhando pelas ruas de São Paulo, à la “Jason Ataca em Nova York”, invadindo bocas de fumo e casas noturnas, com um uniforme branco que vai ficando progressivamente mais vermelho-escuro à medida em que ele extermina o elenco secundário. As mortes são bem sangrentas, mesmo que tenha faltado um pouquinho mais de criatividade na maneira de despachar as vítimas. Há uma profusão de cabeças cortadas e corações arrancados, que não são elementos novos no subgênero, mas o sangue flui aos litros e em meio a efeitos predominantemente práticos, num nível raramente visto no cinema nacional. Às vezes o filme se leva mais a sério do que deveria, algumas atuações são medonhas, e o fato de um gigante coberto de sangue e com máscara de caveira passar dias zanzando por São Paulo sem chamar a atenção é duro de engolir. Seja como for, é um caso positivo de realizadores pecando pelo excesso, e não pela falta – até porque slashers simplistas/simplórios já temos aos montes! “Skull” inclusive propõe novos rumos ao cinema de gênero feito no Brasil: além de bem dirigido, vai na contramão daquele “horror artístico” que geralmente se faz no país, abraçando os excessos sem nenhuma sutileza e deixando as portas abertas para o nascimento de uma franquia com seu próprio vilão 100% brasileiro (ou sul-americano), ao invés de copiar monstros e criaturas importadas. Que venha “Skull Parte 2”!


BUTT BOY (2019, EUA. Dir: Tyler Cornack)
Tente segurar o riso: “Butt Boy” é um filme sobre um sujeito normal que, após fazer um exame de próstata, fica com a compulsão de enfiar coisas no próprio ânus – e não apenas objetos inanimados, mas também seres vivos como cães e bebês! Conseguiu segurar o riso? Pois é justo aqui que reside parte da genialidade da obra: o diretor, roteirista, editor e astro Tyler Cornack parte de uma das premissas mais machistas da história (o medo que muito “tiozão” tem de que o exame de próstata possa “transformá-lo em viado”), cria um conceito tão original quanto absurdo ao redor dela, e leva tudo surpreendentemente a sério, ao invés de apelar para a comédia! Este é o tipo de roteiro que, se filmado pela Troma, seria um festival de baixaria e escatologia; Cornack optou por fazer um thriller – e um que vai ficando cada vez mais tresloucado sem se render ao humor fácil. Me lembrou da surpresa que tive quando vi “A Centopéia Humana” pela primeira vez (o original, não as sequências). Eu já fui preparado para o pior, mas acabei surpreendido com um belo filme de suspense que sugeria mais do que mostrava. “Butt Boy” vai na mesma pegada, e está focado menos em objetos e seres vivos sendo enfiados no rabo e mais na relação entre seus protagonistas: Cornack como o personagem-título, e Tyler Rice como um policial tentando se livrar do alcoolismo e colocar a vida e a carreira de volta nos trilhos. Eles se conhecem numa reunião do Alcoólicos Anônimos (pois o protagonista usa os encontros como desculpa para controlar sua compulsão anal), e acabam virando inimigos quando o policial assume a investigação do desaparecimento de uma criança que pode ter acabado no traseiro do colega. Eu tenho plena noção do quanto parece ridículo só de ler isso tudo, mas acredite: a situação vai ficando mais e mais séria e mais e mais bizarra, até chegar num ponto em que mesmo quem não está gostando nada do filme fica preso pela curiosidade de descobrir onde essa maluquice toda vai terminar. Considerando o que poderia ter sido (piadas com cu, peidos, merda e afins de cinco em cinco minutos), e o thriller sinistro e inesperado que virou, “Butt Boy” é uma daquelas surpresas que aparecem de tempos em tempos, com grande potencial para virar cult. Definitivamente não é para qualquer um: muita gente vai achar a ideia e a execução ridículas, outros vão justamente lamentar que o filme não apele para a escatologia. Mas são projetos originais e diferentes como este aqui que o fã de horror e fantasia deveria comemorar em meio ao milésimo filme de zumbi ou slasher lançado todo ano. Muito curioso para ver o que o diretor, roteirista, editor e astro fará a seguir.


AVA (2020, EUA. Dir: Tate Taylor)
Anos atrás, “Ava” seria um veículo estritamente masculino para alguém tipo Jason Statham ou Bruce Willis. É o mesmo roteiro tosco que já vimos um milhão de vezes sobre um super-assassino que começa a desenvolver consciência e é traído pela própria organização. Só que agora, no lugar de Statham, Willis ou qualquer outro brucutu com calvície, temos uma garota, Jessica Chastain, tocando o terror: ela luta, atira e explode coisas com semelhante desenvoltura. Alguns podem até celebrar pela representatividade, mas tem algo que me parece bem machista em aventuras com protagonista feminina tipo “Ava”: se o título do filme fosse um prenome masculino, Statham ou Willis provavelmente não enfrentariam a mesma carga de draminhas absolutamente dispensáveis que Chastain é obrigada a lidar em seu filme de ação apenas pelo fato de ser mulher! Porque além de disparar sopapos e tiros, a super-assassina Ava ainda é obrigada a lidar com intermináveis problemas de família (a doença da mãe, a recente morte do pai, a irmã casada com o antigo namorado que ela ainda ama) e com o fato de ser uma alcoólatra em recuperação. É como se outros filmes de ação recentes capitaneados por mulheres, como “Atômica” ou “Haywire – A Toda Prova”, fossem adaptados para uma novela das oito pelo Manoel Carlos. Todas essas situações ocupam mais espaço na narrativa do que deveriam, freando o ritmo do filme. E, ao invés de humanizar a protagonista, tamanha quantidade de dramalhão só torna a personagem-título mais problemática, de maneira que, até a conclusão, dificilmente alguém terá qualquer empatia pela moça. O roteiro de Matthew Newton também é bem ruim: Ava começa a manifestar consciência pelas vítimas que deveria matar sem pensar, mas não parece se importar quando tem que executar duas dezenas de seguranças do seu alvo (lembrando que entre os capangas deveria haver muita gente inocente apenas tentando garantir o sustento da família). Já a sua organização resolve, de uma hora para a outra, eliminar a melhor assassina do quadro de funcionários, ao invés de buscar um desfecho pacífico para a situação – mesmo sabendo que ela provavelmente vai conseguir vencer qualquer algoz que eles enviarem para tentar “aposentá-la”. Isso posto, e para quem conseguir se manter acordado, “Ava” tem um elenco cheio de nomes conhecidos (e aparentemente com contas para pagar) e duas ou três cenas de ação bem boas, especialmente uma inesperada lutinha entre John Malkovich (!!!) e Colin Farrell, e o confronto final entre a heroína e o grande vilão – repleto de porradas e de hematomas bem convincentes. Porém, no conjunto, o filme é tão descartável quanto uma versão masculina estrelada por Statham ou Willis; nesse caso, ainda pior pelos múltiplos dramalhões secundários com os quais os protagonistas homens dificilmente perderiam tanto tempo da narrativa. Talvez a única curiosidade de “Ava” seja o fato de o filme ressuscitar duas atrizes que andavam sumidas: Joan Chen, de “Twin Peaks”, como uma bandidona, e Geena Davis como a mãe de Ava – no que parece uma piscadela para os fãs de ação, já que a própria Davis interpretou uma super-assassina nos anos 1990 (no muito superior “O Despertar de um Pesadelo”, de Renny Harlin).


PREDADORES (Predators, 2010, EUA. Dir: Nimród Antal)
A estrelinha do cinema independente Robert Rodriguez escreveu o roteiro para uma terceira sequência de “Predador” ainda em 1994, quando o segundo filme da franquia (lançado em 1990) ainda estava fresquinho. Mas o projeto foi engavetado e só viu a luz do dia 15 anos depois. A julgar pelo resultado, é uma pena que Rodriguez não tenha passado esse tempo todo melhorando seu roteiro para ele estar perfeito quando finalmente chegasse a hora de filmar – ou desistido do projeto de uma vez por todas. “Predadores” é sobre um monte de caras fodões, mais uma mulher fodona e sniper interpretada pela brasileira Alice Braga, levados para outro planeta para enfrentar as criaturas mais mortais do Universo. Já começa com o pé no acelerador, quando encontramos o protagonista interpretado por Adrien Brody retomando a consciência em plena queda livre de uma aeronave! Quando os humanos finalmente se reúnem, descobrimos que eles integram a “nata” do planeta Terra: soldados que não pensam duas vezes em apertar o gatilho, um Yakuza, um integrante dos cartéis mexicanos (interpretado, obviamente, por Danny Trejo), um serial killer, e por aí vai. E o tal planeta é a reserva de caça usada pelos Predadores para se divertir. Poderia ser uma bela desculpa para um festival de ação e violência nos moldes dos outros dois filmes. Mas, depois de começar a duzentos por hora, a narrativa vai perdendo o fôlego e tornando-se repetitiva. Já vimos tudo isso antes, e melhor; o fato de o tal planeta parecer a selva sul-americana onde se passa o original dirigido por John McTiernan também não agrega muito no quesito “criatividade”. Pelo menos a culpa não foi totalmente do Rodriguez: ele pulou fora do projeto e assumiu apenas a produção do filme, deixando a área livre para Nimród Antal dirigir; já aquele seu roteiro original dos anos 1990 foi reescrito por Alex Litvak e Michael Finch, mantendo apenas algumas ideias centrais (originalmente, caso o filme tivesse sido feito 25 anos atrás, Rodriguez queria os personagens de Schwarzenegger e Danny Glover, de “Predador” 1 e 2, entre os heróis). Infelizmente, nenhum dos três recém-chegados conseguiu fazer algo que se aproveite com o material – o diretor Antal chega a desperdiçar uma luta de espadas entre o Yakuza e um Predador! Lá pelas tantas aparece um personagem misterioso, interpretado por Laurence Fishburne, que parece representar um mínimo sopro de criatividade e novidade na coisa toda (ele é um humano que sobreviveu ao confronto com os Predadores e até já matou alguns deles). Mas é apenas um alarme falso: o filme desperdiça este personagem misterioso junto com todo o resto. O resultado é um filme de ação que dá sono, com pouquíssimas ideias novas e a sensação de que não vai terminar nunca. Se algumas coisas devem ficar no passado, os pobres Predadores certamente estão no topo da lista – a “nova geração” de diretores e roteiristas desaprendeu totalmente como fazer aventuras com essas criaturas.


O PREDADOR (The Predator, 2018, EUA/Canadá. Dir: Shane Black)
Enquanto eu me contorcia no sofá tentando chegar ao fim de “Predadores” (acima), parte do meu cérebro pensava em como seria fácil fazer infinitas sequências do filme original de 1987 apenas mudando a ambientação e a época. Porque como a Parte 2 assumiu que os alienígenas estavam caçando na Terra há séculos, poderíamos ver Predadores contra cavaleiros medievais, Predadores no Velho Oeste, Predadores enfrentando samurais, e por aí vai. Entra Shane Black, um dos roteiristas de ação mais populares dos anos 1980-90 (e que por coincidência estava no elenco do “Predador” original), com ideias para “revitalizar” a série depois do frustrante terceiro filme. Shane até resgatou do limbo ninguém menos que Fred Dekker, o cara que escreveu e dirigiu os incríveis “A Noite dos Arrepios” e “The Monster Squad” na década de 1980, para dar uma mãozinha no roteiro. Dekker tinha sumido de Hollywood depois de ter destruído a série “Robocop” ao dirigir e escrever o pavoroso terceiro filme da franquia. Bem, como já cantava Britney Spears: “Oops! I Did It Again”. Embora seja melhorzinho que o anterior “Predadores”, este quarto filme enterra a série de vez por simplesmente não conseguir decidir a que público se destina. Na trama, um novo Predador cai na Terra e é aprisionado por uma agência secreta do governo. Enquanto o soldado que testemunhou a queda da nave foge levando artefatos alienígenas roubados da criatura, uma cientista é convocada para analisar o Predador capturado – que logo escapa e dá início ao banho de sangue esperado. Ao mesmo tempo em que claramente miram no espectador adulto, atirando sangue e vísceras pra todo lado, Shane Black e Fred Dekker adotam um excesso de humor e piadinhas que não combina com a proposta, muitas vezes até irritam. Ao mesmo tempo em que tentam fazer um filme “para adultos”, colocam um moleque xarope como um dos personagens principais. E ao mesmo tempo em que tentam adicionar novas ideias a um conceito já conhecido, a dupla acaba por refazer aquilo que já vimos mais de uma vez – o ato final, interminável, novamente joga humanos e predadores no meio de uma floresta, repetindo a ambientação e os truques do original de 1987! Por mais que as referências e citações aos outros filmes provoquem um leve sorriso nostálgico (as brincadeiras com “Get to the chopper!” e “You’re one ugly motherfucker” são particularmente inspiradas), “O Predador” falha em criar algo minimamente novo ou interessante. Aliás, tudo que Black & Dekker (piada pronta?) criaram de novo é muito ruim, constrangedor até – tipo o “Super Predador” bombadão, ou os “cães-predador” que têm dreads iguaizinhos aos donos. A única ideia razoavelmente interessante, um traje chamado Predator Killer que parece saído da série “Homem de Ferro”, só entra em cena nos cinco minutos finais, quando já não há mais tempo de usar (pelo visto, alguém estava pensando num “Predador 5” o tempo todo)! Até mesmo os tiros, explosões e esquartejamentos começam a soar repetitivos depois de meia hora, e os personagens mal-desenvolvidos (com destaque para a cientista nerd que de repente se transforma numa guerreira boa de tiro e de porrada) não ajudam. Se a ideia era revitalizar a série, “O Predador” apenas comprova que os produtores não têm nenhuma ideia nova para fazê-lo. Este é, facinho, o “Robocop 3” da franquia, e duvido que o pobre Fred Dekker consiga outro emprego em Hollywood depois desse mico...


ANTOLOGIA DA PANDEMIA (2020, Brasil. Dir: Vários Diretores)
Este ano (2020), o Fantaspoa – Festival Internacional de Cinema Fantástico de Porto Alegre teve que adiar sua edição presencial por causa da pandemia de coronavírus. Mesmo assim, lançou um concurso de curtas on-line, para incentivar realizadores do mundo inteiro a filmarem a partir de suas quarentenas. Posteriormente, os diretores do Festival resolveram agregar os 13 melhores curtas recebidos em “Antologia da Pandemia”, uma rara antologia recente de histórias de horror que faz algum sentido ou tenta seguir um tema único. Dos 13 episódios, sete são brasileiros de cinco Estados (RS, SP, RJ, MG e CE); os demais são da Argentina, Uruguai, Estados Unidos, Reino Unido e Chipre. O resultado é irregular, com os altos e baixos tradicionais dessas coletâneas de histórias curtas; mas, no conjunto, os diretores, roteiristas, atores e atrizes envolvidos deram um show de criatividade, trabalhando (quase) sem recursos e em completo isolamento. Como não poderia deixar de ser, a quarentena e a pandemia são o tema central de quase todas as histórias, mas algumas delas (“A Mancha na Parede”, de Daniel Pires, e “Desenterrado”, do inglês Karl Holt) são arrepiantes contos de fantasmas que não abordam diretamente o Covid-19, preferindo prestar homenagem a longas e curtas de horror tipo “Ju-On” e “Lights Out”. De modo geral, entretanto, os episódios fazem um recorte preciso deste tenebroso ano, e imagino que num futuro próximo serão analisados e estudados justamente enquanto documento histórico. Foram filmados quase que 100% nos apartamentos dos próprios realizadores, com raras cenas externas. O drama do distanciamento social é tema comum, tornando particularmente doloroso de assistir quando, na vida real, também estamos longe ou impedidos de abraçar as pessoas de quem gostamos. Um deles (“Baldomero”, do argentino Martín Blousson) inclusive brinca com as armadilhas de se usar o Tinder em tempos de lockdown. Alguns dos diretores fizeram seus curtas completamente sozinhos; outros dirigiram seus atores à distância por Skype e chamada de vídeo do WhatsApp (caso dos eficientes “Às Vezes Ela Volta”, de Matheus Maltempi, e “Quarentena Sem Fim”, de Fabrício Bittar), o que diz muito sobre como o cinema se tornou uma arte mais acessível graças à tecnologia. Teve também quem aproveitou para fazer uma relação explícita entre o horror da epidemia e a catástrofe que foi a atuação do Governo Bolsonaro durante esta crise gravíssima (“Psicopompo”, de Giordano Gio, inclui os panelaços contra o presidente, e “Estúpidemia”, de Junior Larethian, é uma divertida sátira que relaciona o comportamento dos “cidadãos de bem” a zumbis). E há ainda os que preferiram divertir: numa antologia carregadíssima nas tintas, horrores e dramas, os bem-humorados “Jérôme – Um Conto de Natal”, de Beatriz Saldanha (estrelado por um simpático gato que fica sozinho em casa com a morte dos donos), e “Pique Esconde Macabro”, de Julio Napoli Filho (uma homenagem declarada ao clássico “Trilogia do Terror” e seu boneco Zuni), aliviam um pouco o clima pesado e rendem os momentos mais leves e simpáticos do longa. O mais assustador de “Antologia da Pandemia” não são exatamente as histórias, mas a sensação de isolamento e solidão que o filme passa. Raramente vemos mais de um ator no mesmo quadro, comprovando que 2020 foi um ano de distanciar-se do mundo e dos demais. Terá o coronavírus mudado as relações humanas para sempre, ou elas já estavam assim e a peste apenas tornou tudo mais evidente? “Antologia da Pandemia” não responde essa pergunta, e tomara que muito em breve estejamos vendo o filme apenas para relembrar tristes tempos que, se tivermos sorte e um pouquinho mais de responsabilidade, não se repetirão.

sexta-feira, 21 de agosto de 2020

BATES MOTEL (1987)


Em 1960, um Anthony Perkins travestido matou Janet Leigh no chuveiro de um motel vagabundo de beira de estrada, em glorioso preto-e-branco, e o mundo nunca mais foi o mesmo. O cinema de horror tem um débito enorme com Alfred Hitchcock e sua obra-prima absoluta “Psicose” – o thriller muito à frente do seu tempo que apresentou ao mundo o psicótico Norman Bates, inspirando toda uma galeria de vilões sedentos de sangue e garotas seminuas esfaqueadas no chuveiro.

Inspirado num livro de Robert Bloch, que por sua vez inspirou-se nos assassinatos reais do serial killer Ed Gein, “Psicose” deu origem a uma inesperada franquia, com três sequências produzidas entre 1983 e 1990, um inexplicável remake cena a cena dirigido por Gus Van Sant em 1998 e, mais recentemente, um seriado de TV chamado “Bates Motel”, que se dedicou a contar o que aconteceu ANTES de “Psicose” – ou seja, a atribulada relação entre o pobre Norman Bates e sua mãe, Norma.

“Bates Motel” acabou fazendo sucesso e rendeu cinco temporadas, exibidas entre 2013 e 2017. E é claro que eu nunca vi nenhum episódio, já que a vida é muito curta para passar cinco temporadas (ou 2.250 minutos, ou 37,5 horas!) vendo como o jovem Norman Bates resolveu dedicar-se ao homicídio. Ou seja, você caiu na Pegadinha do Mallandro: vou falar de OUTRO “Bates Motel”, um que a mesmíssima Universal Television tentou emplacar quase 30 anos ANTES, e que não deu certo. Um troço ruim pra dedéu, que só poderia ganhar tamanho espaço num blog democrático (e retardado) como o Filmes para Doidos: trata-se do BATES MOTEL original de 1987!


BATES MOTEL é o tipo de delírio que surge num momento em que a televisão dos Estados Unidos estava tentando capitalizar em cima de produtos bem-sucedidos no cinema. Até longas franquias de horror, como “Sexta-feira 13” e “A Hora do Pesadelo”, ganharam versões para a TV, em seriados com pouco ou nada em comum além do título – “Sexta-feira 13: O Legado” era sobre uma loja de antiguidades amaldiçoada, tipo um “Galeria do Terror” dos pobres, e no seriado do Freddy ele era apenas o “apresentador” das histórias, e não um participante ativo.

Na época, a divisão de TV do Universal Studios achou que podia entrar nesse seleto clubinho. Antes, eles já tinham tentado transformar em seriados algumas de suas comédias de sucesso: “Clube dos Cafajestes” virou “Delta House” na TV em 1978, “Picardias Estudantis” virou “Fast Times” na TV em 1986. Mas tais produtos nunca vingavam numa nova mídia, e eram cancelados após uma única temporada com baixíssima audiência. Então por que não tentar com o horror, que estava na moda?


Nos anos 1980, a Universal tinha duas séries longas e razoavelmente bem-sucedidas. Uma era “Tubarão”, que já somava quatro filmes, mas somente com muita imaginação poderia virar uma série de TV. A outra era “Psicose”. O original do Hitchcock, já sabemos e isso ninguém questiona, é uma obra-prima irretocável. Em 1983 o estúdio arriscou-se bastante e produziu “Psicose 2”, dirigido pelo australiano Richard Franklin, que apesar dos pesares revelou-se uma continuação bastante decente, recebendo críticas entusiasmadas que surpreenderam até o estúdio.

Animada, a Universal tentou repetir a dose com “Psicose 3” em 1986, desta vez dirigido pelo próprio Norman Bates, Anthony Perkins, e atualizando a franquia para a Era de Ouro dos slasher movies – ou seja, com mais mortes, e bem sangrentas. Embora bem divertido, este terceiro filme não foi o sucesso de bilheteria esperado, abortando planos para seguir fazendo sequências (um quarto filme seria produzido apenas em 1990, e direto para a TV).


Assim, como em 1987 “Psicose” já parecia ter esgotado suas possibilidades no cinema, por que não tentar fazer um seriado na linha de “Sexta-feira 13: O Legado” ou “O Terror de Freddy Krueger”, usando o TÍTULO e o CENÁRIO dos filmes para atrair o interesse do espectador, mas de resto fazendo algo totalmente novo? E assim surgiu a ideia (de jerico) de BATES MOTEL. Norman Bates e sua mamãe não apareceriam no programa, apenas o velho motel da família, repaginado para a década de 1980 por um novo proprietário. O Bates Motel seria o cenário onde aconteceriam histórias independentes – tipo um “Além da Imaginação” ou “Amazing Stories” num motel de beira de estrada. Não parece o melhor dos conceitos. Mas sei lá, soa mais produtivo do que acompanhar cinco temporadas de um novelão sobre o jovem Norman e sua mãe...


A Universal, pelo menos, levava fé no conceito: eles escalaram Richard Rothstein, que era prata-da-casa, para produzir, escrever e dirigir o piloto de BATES MOTEL. Naqueles tempos, piloto, para quem nunca viu “Pulp Fiction”, era um telefilme de 90 minutos exibido em horário nobre para tentar pescar o interesse da audiência num futuro seriado. Se o piloto funcionasse e gerasse interesse e boas críticas, o estúdio dava sinal verde para começar a filmar a primeira temporada da série. Se não funfasse, a ideia de um futuro seriado era abortada e ficava no piloto.

Isso acontecia com frequência. Mia Wallace, a personagem de Uma Thurman em “Pulp Fiction”, tinha participado de um piloto que não deu em nada. Todos os envolvidos em BATES MOTEL, também: o telefilme estreou na emissora NBC em 5 de julho de 1987 (abaixo, o anúncio publicado nos jornais norte-americanos daquela semana), e foi um grandessíssimo fiasco. Logo, jamais virou série, e a julgar por este piloto nos livramos de uma boa!


Rothstein, o faz-tudo encarregado de BATES MOTEL, havia criado um seriado de relativo sucesso chamado “The Hitchhiker”, que eu acho que não chegou a ser exibido no Brasil. Com seis temporadas entre 1983 e 1991, tratava de um caroneiro misterioso (Page Fletcher) que viajava de cidade em cidade, envolvendo-se em histórias misteriosas ou tramas policiais. Além de criador do conceito, Rothstein escreveu dez das histórias das primeiras temporadas, o que lhe credenciou a brincar com uma das franquias, marcas e cenários mais famosos e bem-sucedidos da Universal.

Pois uma das decisões mais curiosas do sujeito foi apagar completamente a cronologia dos acontecimentos: BATES MOTEL é uma sequência direta do original de Hitchcock, num universo em que “Psicose 2” e “Psicose 3” nunca aconteceram (embora este piloto use algumas cenas e até algumas ideias de ambos os filmes). Tipo a franquia “Halloween” fez umas duas ou três vezes, apagando deliberadamente sequências que não acrescentavam nada e tentando seguir do original.


Os créditos iniciais se desenrolam sobre uma panorâmica do famoso casarão da família Bates ao anoitecer, numa cena retirada diretamente do início de “Psicose 2”. Em seguida, cenas em preto-e-branco (acima) nos levam diretamente à fictícia cidade de Fairville, Califórnia. O ano é 1960, e o repórter em frente a um tribunal anuncia que o jovem Norman Bates acabou de ser condenado pelos crimes cometidos no “Psicose” original!

Vemos Norman (interpretado por Kurt Paul, que foi dublê de Anthony Perkins em “Psicose 2” e “Psicose 3”!) saindo do prédio, escoltado por policiais, para ser levado ao Sanatório Estadual de Dunsmore, onde cumprirá sua pena – provavelmente o mesmo lugar onde vimos o Norman Bates original na arrepiante conclusão do filme de Hitchcock. Rolam umas gracinhas, como quando o repórter de TV anuncia que a viatura que está conduzindo Bates passa em frente à lver’s Cutlery, “onde sua mãe costumava mandar afiar as facas da família”.


Pois no tal sanatório também está internado um garotinho, Alex West, que matou o próprio padrasto abusador. Como o menino Michael Myers em “Halloween”, Alex passa os dias em completo silêncio e com o olhar perdido. Até que o médico responsável pelo seu caso, o Dr. Goodman (Robert Picardo), percebe que o menino tem interesse em pássaros empalhados, e acha que é uma boa ideia forçar uma amizade entre ele e um paciente adulto – sim, Norman Bates!

Rola um salto no tempo e descobrimos que Alex e Norman realmente se tornaram grandes e inseparáveis amigos – mesmo que continue me parecendo uma ideia absurda juntar uma pobre criança e um psicopata que convivia com a própria mãe mumificada. E em 1987, o “tempo presente” quando BATES MOTEL foi lançado, o pobre Norman Bates morre por causas nunca explicadas, deixando ao agora adulto Alex (interpretado por Burt Cort) a escritura do seu Bates Motel!


O Dr. Goodman, que também envelheceu junto com o paciente (curioso como no cinema as pessoas nunca trocam de trabalho, né não?), sugere que chegou a hora de Alex voltar ao “mundo lá fora”, reabrindo o Bates Motel para provar à sociedade que está plenamente regenerado. Novamente, não me parece a melhor das ideias, já que obviamente o pobre Alex passou a vida inteira naquela sanatório, desde criança, e não faz a menor ideia do que o “mundo lá fora” representa, tampouco tem qualquer experiência para administrar um motel! Esse Dr. Goodman deve ser o pior médico/psiquiatra da história!

Mas bem, estamos num obra de ficção, e é assim que acontece: sem dinheiro, sem experiência, sem conhecer ninguém do lado de fora dos muros do Sanatório Estadual de Dunsmore, o pobre rapaz é despejado de volta na sociedade, e “boa sorte, tchauzinho” pra ele – o que imediatamente me lembrou o caso do Bandido da Luz Vermelha no Brasil, libertado depois de passar 30 anos na cadeia apenas para ser assassinado poucos meses depois num mundo que já não compreendia...


Milagrosamente, o Alex West que viveu sua vida entre muros de um sanatório não apenas dá sorte de chegar até Fairville, mas ainda encontra aquela que parece ser uma das únicas pessoas honestas da região: o construtor Henry Watson (Moses Gunn), que lhe oferece uma carona até o motel. E como coincidência pouca é bobagem, Watson também trabalhou para a família Bates quando jovem (!!!), e aproveita para contar a Alex (e ao espectador desavisado) a história assustadora por trás do imóvel e da família que o administrava.

Claro que nada disso importa para o nosso protagonista: ou porque é bobo/ingênuo, ou porque não tem outro lugar para ir, ou simplesmente porque é um louco não-recuperado a quem o bendito Dr. Goodman deu alta antes da hora, Alex resolve estabelecer-se no Bates Motel e pôr em prática um absurdo plano de revitalização do imóvel – lembre-se: o sujeito passou a vida num manicômio, não tem dinheiro e não conhece ninguém!


A chegada do protagonista ao seu novo imóvel é um dos momentos mais interessantes de BATES MOTEL, capaz de provocar um arrepio de nostalgia em todo fã do clássico de Hitchcock: Alex caminha pelo característico cenário usado na franquia, agora em ruínas (lembre-se que em teoria o motel está fechado desde 1960, e que “Psicose 2” e “Psicose 3” nunca aconteceram).

Ele passa pelos apartamentos com portas abertas e janelas escancaradas, pelo antológico luminoso (com o “No Vacancy” em destaque), e finalmente entra na recepção, que conserva os pássaros empalhados de Norman adornando as paredes do escritório. No velho e amarelado livro de registro, ainda aberto sobre o balcão, podemos ver como último registro “Marie Samuels, Los Angeles”, em julho de 1960. Foi o nome falso usado por Marion Crane ao se hospedar ali no filme de Hitchcock, horas antes de ser morta por Norman durante o banho de chuveiro mais famoso da história do cinema!


Ainda em clima de referência ao “Psicose” original, Alex pega a chave do quarto número 1 (aquele que, em 1960, hospedou a finada Marion Crane) e toma um banho de chuveiro, desta vez sem ser esfaqueado ao som da trilha de Bernard Herrman. E sim, eu também não entendo como pode haver energia elétrica e água corrente num imóvel fechado e abandonado há 20 anos, mas é assim que é.

Depois, nosso protagonista resolve instalar-se na casa da família, igualmente em péssimas condições, embora objetos pessoais dos Bates continuem guardados no local desde os anos 1960. E sem demora Alex descobre que não está sozinho no imóvel: ali também vive... uma galinha gigante? Não, é apenas Willie, uma jovem maluquete e sem-teto interpretada por Lori Petty (a futura Tank Girl, no filme de Rachel Talalay), que trabalha vestida de galinha para uma rede de fast-food das proximidades!


Willie é aquela típica garota descolada que o cinema dos anos 1980 adorava mostrar: com jaqueta de couro e jeans rasgados nos joelhos, ela passa o filme falando alto e rápido, gesticulando e enchendo o saco de todo mundo, mas era para isso ter funcionado como alívio cômico (hoje me parece simplesmente insuportável). Ela convence Alex a deixá-la ficar por perto como uma espécie de “sócia”, para garantir que ninguém o enrole em seu projeto de reabrir o motel. Assim, Willie seria a sidekick do protagonista caso a série tivesse vingado. Graças aos céus que não vingou!

No dia seguinte, Alex vai ao banco local pedir um empréstimo para reformar o imóvel. É atendido pelo seboso Tom Fuller (que desde já sabemos que não presta porque é interpretado pelo Gregg Henry, de “Dublê de Corpo”). O bancário fica estupefato ao perceber que o rapaz tem uma área de terra cobiçada por todo investidor da região, mas pretende reabrir o motel ao invés de construir um condomínio ou edifício no local. Porém, percebendo que está diante de um bobo/ingênuo (ou louco), libera-lhe um empréstimo sob condições absurdas, de maneira que o imóvel possa reverter para o banco quando Alex não conseguir quitar sua dívida.


O restante desta primeira hora de BATES MOTEL acompanha as obras de revitalização do icônico imóvel, que Alex e Willie procuram deixar da forma mais brega e “anos 1980” possível – incluindo uma fonte no centro do estacionamento e um novíssimo restaurante/café para atrair motoristas.

Só que, durante as obras, coisas estranhas começam a acontecer. No casarão dos Bates, a cadeira-de-balanço da velha mãe de Norman se mexe sozinha. Um vulto vestido de preto pode ser visto, às vezes, naquela famosa janelinha do segundo andar da casa. Finalmente, os operários parecem assombrados por alguma espécie de maldição: quando não são eletrocutados ao encontrar cabos de força nos lugares errados, estão desenterrando cadáveres secretamente sepultados no entorno do motel!


O primeiro esqueleto a aparecer, dentro de um caixão, é o da própria Sra. Bates! Quando o xerife local (Lee de Broux) é chamado para ver a ossada, ele confirma que nunca chegaram a encontrar o cadáver da velha – o que, claro, é um completo absurdo, porque o esqueleto estava no porão da casa no final de “Psicose”, quando Norman foi preso, e não houve tempo algum para que ele pudesse enterrar a mamãe! A prefeitura resolve pagar um enterro cristão para a Sra. Bates, mas durante o velório (do qual praticamente todo o elenco fixo do piloto participa) Alex enxerga novamente o vulto da mulher de preto por alguns poucos segundos.


O segundo cadáver desenterrado é de ninguém menos que Jake Bates, o pai de Norman! Acontece que, na cronologia deste BATES MOTEL, o sujeito sumiu misteriosamente e nunca foi encontrado até então – o velho Watson, que funciona como enciclopédia oficial sobre a história da família neste piloto, alega que Jake era um mulherengo e provavelmente foi morto e sepultado pela própria esposa.

O esqueleto convenientemente usa um anel com as iniciais “J.B.”, que, ainda segundo Watson (hehehe), o finado nunca tirava do dedo. Isso tudo contraria o “Psicose” original, tanto livro quanto filme, em que o pai (que nunca chegou a ser chamado de Jake) morreu quando Norman ainda era garoto, sem qualquer menção a desaparecimento ou crime passional.


Quando parece que BATES MOTEL vai ficar nisso (vultos e esqueletos aparecendo pelos arredores do imóvel), a meia hora final traz uma trama completamente diferente, acompanhando a primeira hóspede do recém-inaugurado motel, agora sob nova direção de Alex West. A honra cabe à escritora Barbara Peters (Kerrie Keane), que na verdade pretende cometer suicídio na banheira do quarto após três casamentos fracassados – como são zicados esses banheiros do Bates Motel, não? Sem esquecer que o subplot da suicida no banheiro foi emprestado diretamente de “Psicose 3”...

Porém, no momento em que Barbara está para acabar com tudo no fio de uma navalha, uma menina entra por acidente no seu quarto e interrompe o suicídio. Acontece que o Bates Motel foi repentinamente invadido por um grupo de adolescentes saídos do seu baile de formatura – todos vestidos como se estivessem nos anos 1950! Eles resolveram continuar a festa no local, com banda tocando rock e tudo mais (legal que o “novo” Bates Motel tem um espaço para eventos e shows, hein?).


A menina convence a suicida em potencial a abandonar seus planos e juntar-se à molecada na festa. Ali, Barbara conhece um rapaz introspectivo chamado Tony, com quem tem um lance rápido. O interessante é que a diferença de idade entre os dois (ela quarentona, ele menor de idade) nunca é mencionada; mas, bem, estamos nos anos 1980! E o fato de Tony ser interpretado por um jovem Jason Bateman, com a maior cara de virjão do Universo, torna a cena toda muito mais engraçada.

Só que aí rola a reviravolta: Barbara descobre que todos aqueles jovens são, na verdade, FANTASMAS (!!!) de adolescentes que se suicidaram nos anos 1950 (por isso suas roupas e carros demodê), que voltaram dos mortos apenas para dizer-lhe que o “outro lado” é um vazio imenso e não vale a pena acabar com a própria vida. Por que diabos o restante do staff do Bates Motel também vê os fantasmas, e não apenas Barbara, nunca fica claro.


Este segmento terrível dá uma ideia de como seriam as futuras temporadas de BATES MOTEL, caso essa desgraça tivesse vingado como seriado. Os episódios não iriam girar em torno de Norman ou sua fantasmagórica mãe, pois o assunto com ambos é encerrado definitivamente ainda neste piloto. Tampouco teríamos hóspedes sendo mortos, no chuveiro ou fora dele, a cada semana – nesta introdução aqui não morre absolutamente ninguém, a não ser que consideremos os fantasminhas camaradas. Logo, a possível série contaria histórias independentes, com o novo Bates Motel funcionando como catalisador de ocorrências misteriosas e/ou fantasmagóricas, que provavelmente assombrariam os novos hóspedes do local. O que exatamente Richard Rothstein estaria preparando para o futuro, jamais saberemos. Também jamais saberemos porque ele escolheu justamente a história mais desinteressante para dar início aos trabalhos...


Ainda falta um pouquinho para o piloto encerrar, e nesse finalzinho temos um desfecho também para as aventuras de West e seus sidekicks Willie e Watson (Trio WWW?). Eis que Alex está voltando para o casarão, para uma boa noite de sono após um dia de trabalho, quando se depara com ninguém menos que O FANTASMA DA SRA. BATES, no topo da escada onde, 27 anos atrás, ela (ou Norman travestido) esfaqueou o rosto do detetive Arbogast no filme de Hitchcock!

É o mais perto de algo assustador que acontece no telefilme inteiro: a assombração ameaça Alex, com um facão em punho, dizendo que ele deve ir embora e nunca mais voltar. Mas eis que Watson surge de repente, derruba a fantasma no chão (!!!) e, num hilário momento Scooby-Doo, arranca a máscara de caveira mumificada, revelando o rosto de... tcham-tcham-tcham! Aquele bancário escroto que “ajudou” Alex mais cedo, e que obviamente só o fez para tentar assustá-lo e ficar com a cobiçada área de terra (eu disse que não dava para confiar no Gregg Henry!).


Parece que a coisa não pode piorar, mas BATES MOTEL ainda revela uma segunda reviravolta – de, com o perdão do trocadilho, fazer Hitchcock se revirar no túmulo. Antes que o vilanesco bancário possa olhar para a câmera e dizer “Eu teria conseguido se não fosse por esses garotos xeretas e esse cachorro vira-lata!”, eis que o FANTASMA DA SRA. BATES realmente aparece.

Furiosa com a intrusão do bancário crossdresser, a nova assombração o ameaça de facão em punho, alheia às outras pessoas no recinto. Depois que o vilão-de-araque praticamente mija nas calças de medo, esta nova Sra. Bates também tira a máscara de caveira mumificada... Era apenas Willie fantasiada, tentando dar ao coitado do vilão uma dose do próprio remédio! Mas cáspita, quantos vestidos pretos e máscaras de Sra. Bates essa gente tem afinal?


Felizmente, já não há mais tempo para um terceiro fantasma falso aparecer (mas seria engraçado se acontecesse pela TERCEIRA vez), e BATES MOTEL encerra com Alex West olhando diretamente para a câmera e dizendo: “Sabe, com um pouco de sorte, acho que vamos nos dar bem aqui”. Sabendo que o piloto foi um fracasso tremendo, a afirmação fica involuntariamente engraçada.

“Oh, e a propósito, se um dia você quiser um quarto, apareça! Nunca se sabe o que poderá encontrar”, conclui o novo anfitrião do Bates Motel, confirmando que, caso a série tivesse vingado, veríamos histórias independentes com o local como cenário. Felizmente, continuamos todos sem saber o que poderíamos encontrar...


Não é difícil entender o fracasso de BATES MOTEL na época em que foi originalmente transmitido. Até porque o negócio continua ruim demais mesmo para os padrões de hoje. Os novos protagonistas são fraquíssimos, a tentativa de cortar todos os laços possíveis com a narrativa do “Psicose” original não funciona, e a ideia de usar apenas o motel da família Bates como cenário principal, quase como protagonista da coisa toda, jamais se justifica (não é como se o motel fosse assombrado no filme original). A primeira historinha independente escolhida, da hóspede suicida com os fantasminhas camaradas, é desinteressante e nada tem de assustador, e a ausência da famosa trilha sonora de Bernard Herrman em algum lugar tampouco ajuda.

Em comparação, é como se aquele velho seriado inspirado (só no título) em “Sexta-feira 13” trouxesse unicamente tramas passadas no acampamento de férias Crystal Lake, mas sem Jason, sem máscara de hockey, sem a trilha sonora característica dos filmes – o formato e a variedade de histórias a serem contadas se esgotaria bem rapidinho, e o espectador iria trocar de canal ao invés de assistir três temporadas, como fez com “Sexta-feira 13: O Legado”...


Bud Cort também não é a pessoa mais indicada para carregar uma série nas costas. Com feições delicadas, lembrando uma criança crescida, o ator é mais lembrado até hoje pelo papel do problemático Harold no clássico “Ensina-me a Viver”, de Hal Ashby. Depois ele jogou a carreira fora com diversas escolhas equivocadas (esta, inclusive).

Ao interpretar seu Alex West com uma permanente expressão de bobo, e um jeitão assustado/inofensivo, Cort faz com que BATES MOTEL fique sem um protagonista interessante. É como se Alex West fosse um louco não-recuperado, que nunca deveria ter sido libertado do sanatório. Talvez o projeto todo fosse mais interessante se a influência de Norman Bates no protagonista, durante os quase 30 anos que passaram juntos, fosse NEGATIVA, e não de amizade, e o piloto terminasse dando qualquer pista de que Alex poderia se tornar ele próprio um homicida com o desenrolar da série.


Já a falastrona Willie, que faz o contraponto “malandra da quebrada” à ingenuidade e timidez de Alex, não funciona nem como alívio cômico, nem como personagem feminina decente – Willie, aliás, é tão assexuada em nome, figurinos e corte de cabelo que poderia ser interpretada por um rapaz sem que uma única linha do roteiro precisasse ser alterada.

Diz a lenda que em 1986, na época do lançamento de “Psicose 3”, o autor Robert Bloch (responsável pelo livro que deu origem ao original de Hitchcock) declarou que logo estariam fazendo uma comédia estilo “Abbott and Costello Meet Norman Bates”. A julgar pelo tom cômico da dupla Alex e Willie aqui, Bloch sem querer fez um comentário visionário! Claro que esse tipo de humor não funciona, e nem faz qualquer sentido no universo de “Psicose”. Mas, embora o roteiro seja muito sem graça, existe pelo menos um momento genuinamente divertido: logo no início, ao ler o testamento de Norman, o advogado começa “Eu, Norman Bates, estando são de mente...”, e a seguir arregala os olhos!


Fãs de “Psicose”, tanto do clássico quanto das sequências, pelo menos terão um mínimo de diversão com as cenas que se passam em cenários conhecidos (tipo a piadinha de pôr Bud Cort tomando banho de chuveiro no famigerado quarto número um...). Quem sabe, se o seriado vingasse, no futuro Alex poderia descobrir o buraco na parede por trás do quadro “Suzanne et les Vieillards”, de Frans van Mieris, por onde Norman Bates observou Marion Crane se despindo para tomar banho em “Psicose”. Ou mais podres escondidos pela família no local. Quando este piloto menciona a enorme dívida com o banco que Alex contrai, eu juro que pensei que eles poderiam encontrar, em algum momento, aquele dinheiro roubado por Marion Crane em “Psicose”, e que talvez a mocinha tivesse escondido dentro do quarto de motel esse tempo todo!

Só que ao mesmo tempo em que demonstra certo respeito pelo material (ao usar detalhes como a página de 1960 no livro de registros do motel), Richard Rothstein também comete uns erros bem amadores relacionados à mitologia da série. A cidade fictícia em que se passa a história, por exemplo, chamava-se Fairvale, e não Fairville. Já a mãe de Norman, que se chamava Norma nos filmes, sem nenhuma justificativa virou Gloria Bates aqui.


No fim, o mais sensato nessa história toda foi Anthony Perkins. Nos primeiros estágios da produção do piloto, o ator foi procurado para reviver Norman Bates. Talvez ele fosse o protagonista da futura série, o que certamente tornaria o programa mais interessante – um homicida regenerado tentando se readequar à sociedade e tocar seu motel, enquanto fatos misteriosos acontecem ao seu redor ao longo dos episódios. Só que Perkins não se convenceu e pulou fora. Em 1988, numa convenção de horror, perguntaram ao ator o que ele tinha achado de BATES MOTEL, e seu único comentário foi: “Simplesmente terrível”. Ironicamente, ele reapareceu mais tarde como Norman Bates no telefilme “Psicose 4 – A Revelação” (1990), de Mick Garris, que também é bem ruim e o capítulo mais fraco da série (tá, não tão fraco quanto BATES MOTEL, mas...).


25 anos depois, com o surgimento de um outro “Bates Motel” como seriado de TV (desta vez bem-sucedido), este piloto fracassado, que tinha sido varrido para a lata de lixo da história, ganhou uma segunda chance. Embora terrível em todos os departamentos, é uma daquelas tragédias que alguns cinéfilos gostam de redescobrir nem que seja movidos por curiosidade mórbida.

Fãs de “Psicose” de várias gerações começaram a correr atrás do “Bates Motel que não deu certo”, e que durante anos só existiu em fita cassete – disputada como relíquia de colecionador em sites tipo E-Bay e Mercado Livre. No Brasil, o piloto foi lançado pela CIC Vídeo mais de 30 anos atrás, e estava fora de catálogo desde então (abaixo, a fita que tenho na minha coleção).


Percebendo o interesse renovado por algo que foi ignorado em sua época, a Universal lançou, há algum tempo, um box de DVD chamado “Midnight Marathon Pack: Psychos”, que traz as três sequências de “Psicose” mais BATES MOTEL. Infelizmente, esta edição nunca chegou ao Brasil: as sequências saíram cada uma em seu DVD separadamente, enquanto o piloto fracassado permanece inédito em mídia digital no país. Claro que, procurando bem, é possível encontrá-lo em sites de compartilhamento de filmes, e então descobrir com os próprios olhos porque isso falhou em virar seriado em 1987. Tudo considerado, entretanto, ainda é melhor que aquele injustificável remake cena a cena feito pelo Gus Von Sant...

PS 1: O inconfundível George 'Buck' Flower faz uma pontinha no papel pelo qual ficou marcado – o de mendigo bêbado!

PS 2: O diretor-roteirista Rothstein, que faleceu em 2018, é mais lembrado e celebrado como um dos responsáveis por escrever um certo blockbuster de 1992, sobre soldados mortos no Vietnã ressuscitados para serem reutilizados como arma de guerra. Exatamente: “Soldado Universal”, com Van Damme e Dolph Lundgren!



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