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quinta-feira, 11 de junho de 2020

Ainda mais resenhas curtinhas para analfabetos funcionais

SONIC – O FILME (Sonic the Hedgehog, 2020, EUA/Japão/Canadá. Dir: Jeff Fowler)
Cresci jogando “Sonic” (na época, o porco-espinho acelerado era considerado uma alegoria aos efeitos da cocaína!), mas confesso que só assisti esta adaptação para o cinema para alimentar minhas já conhecidas tendências masoquistas. Mordi a língua: “Sonic – O Filme” é divertidíssimo, a primeira surpresa que tive em 2020. É uma adaptação que escapa da armadilha de mirar somente no público infantil; afinal, o pessoal que jogava “Sonic” na época do lançamento do jogo está na faixa dos 40 anos hoje! E considerando a média bisonha das adaptações de games para o cinema (vide “Street Fighter” e “Double Dragon”), esta pelo menos entendeu que você também precisa de uma história razoavelmente interessante para compensar a impossibilidade de se jogar o filme. Assim, o roteiro de Pat Casey e Josh Miller tem várias referências aos games (como a importância dos anéis que Sonic coleta), para a felicidade dos jogadores de ontem e de hoje; mas também tenta criar uma história nova e independente para quem nunca ouviu falar do porco-espinho hiperativo. A origem do personagem, num universo fantástico povoado por animais falantes, é contada rapidão nos dez minutinhos iniciais, e logo depois Sonic acaba exilado no planeta Terra, onde precisa viver escondido para não denunciar sua verdadeira natureza. Ele consegue se virar bem usando sua super-velocidade, até dar bandeira certa noite e atrair a atenção do exército dos Estados Unidos. Entra em cena o arquiinimigo do herói no videogame, o cientista louco Dr. Robotnik, vivido com perceptível satisfação por Jim Carrey (em seu melhor papel no cinema desde sabe-se lá quando). Seu visual bizarro não parece nada com o personagem dos games, mas calma que no final tudo se explica. Como não pretende virar cobaia do excêntrico Robotnik, o porco-espinho precisa aliar-se ao policial interpretado por James Marsden e fazer uma road trip até San Francisco, para recuperar os preciosos anéis que lhe permitirão fugir para outro planeta. O resultado é uma aventura para todas as idades, do tipo que, se tivesse saído nos anos 1980, seria um clássico da Sessão da Tarde. O diretor novato Jeff Fowler fez um ótimo trabalho, aliando o carisma natural de Sonic e os efeitos especiais de praxe com uma trama repleta de humanidade (a importância da amizade é ressaltada o tempo todo), referências à cultura pop (Sonic, quem diria, é um grande cinéfilo!) e bom humor. O momento em que o bichinho usa sua super-velocidade para se deslocar por uma briga de bar, enquanto todos os humanos parecem congelados no tempo, é para fazer pais e filhos rirem juntos. E o resultado é tão positivo que fico a sonhar com novas adaptações de games da Sega (a empresa que criou Sonic) com este mesmo carinho e entusiasmo. Pelo menos a vinheta da multinacional, nos créditos iniciais, lembra bastante a do Marvel Studios, fazendo crer que há a intenção de criar um universo cinematográfico também para seus jogos de videogames. Muito marmanjo certamente vai ficar sonhando com adaptações de “Alex Kidd”, “Shinobi” ou “Streets of Rage”...


BECKY (2020, EUA. Dir: Jonathan Milott, Cary Murnion)
Becky (Lulu Wilson) é uma adolescente problemática que está para ter dias difíceis na casa de campo da família. Primeiro, o pai viúvo apresenta sua nova futura esposa e o filho dela, que a garota passa a odiar imediatamente (porque ainda não superou a perda da mãe, morta pelo câncer). Depois, quatro perigosos neonazistas, recém-fugidos da cadeia, invadem a casa e fazem todos reféns. Apenas Becky consegue escapar e, tal qual uma Macaulay Culkin com sangue-no-olho, dedica-se a devolver aos invasores um pouquinho do ódio e da brutalidade com que eles trataram sua família. Dirigido por Jonathan Milott e Cary Murnion (do impagável “Cooties – A Epidemia”), “Becky” é um thriller violento que lembra uma versão banhada em sangue de “Esqueceram de Mim”. Filmes sobre crianças enfrentando adultos com violência já não são mais novidade (vide os recentes “A Escala da Agressão” e “Knuckleball”), mas há algo de relaxante em ver neonazis sendo esfolados e mortos dolorosamente com lápis-de-cor, tábuas com pregos e arminhas-de-água cheias de gasolina. O cômico Kevin James (que fez bobices como “Gente Grande” e “Eu os Declaro Marido e... Larry” ao lado de Adam Sandler) se esforça para parecer sério e ameaçador como o grande vilão, ostentando uma careca repleta de suásticas tatuadas. Pena que ele tem seu protagonismo ofuscado pelo gigante Robert Maillet, um cara que assusta só com o olhar. Às vezes parece que o filme exagera um pouco no tom, e que a protagonista adolescente passa um pouco dos limites na sua vingança (lembrando até aquele frenesi de violência da criançada na conclusão do clássico “A Fortaleza”). E há pelo menos duas grandes derrapadas num thriller que se pretende sério: a extrema burrice dos vilões – que fazem os Bandidos Molhados de “Esqueceram de Mim” parecerem gênios do crime –, e uma cena grotesca, e gráfica além da conta, envolvendo um olho arrancado (com efeitos tão toscos que parece algo saído de uma produção da Troma). Claro que é sempre recompensador ver neonazis se ferrando e, com o devido senso de humor, “Becky” se torna uma bela (e sanguinolenta) maneira de passar 90 minutos.


CORONA ZOMBIES (2020, EUA. Dir: Charles Band)
Não é de hoje que o produtor norte-americano Charles Band é chegado numa picaretagem – vide “Puppet Master: The Legacy” (2003), uma colcha de retalhos construída com cenas dos outros filmes da série como se fossem flashbacks. Mas “Corona Zombies” é pura apelação até para os padrões dele. Produzido e lançado em tempo recorde para aproveitar a paranóia com o Covid-19, o “filme” tem míseros 61 minutos, que é o mínimo do mínimo para ser considerado um longa-metragem. Destes, apenas uns dez minutos são cenas novas, rodadas pelo próprio Band em um único dia, numa única locação e com míseros dois atores (a protagonista Cody Renee Cameron e um “zumbi”). O resto do “filme” é formado por cenas reaproveitadas de dois outros longas: algumas vieram de “Zombies Vs. Strippers” (2012), terrir produzido por Band e dirigido por Alex Nicolaou, e a maior parte da coisa são imagens recicladas do clássico trash italiano “Hell of the Living Dead / Predadores da Noite” (1980), de Bruno Mattei, redubladas em inglês para incluir referências atuais à pandemia. De início, confesso, a malandragem até que me divertiu. A protagonista está em quarentena forçada em casa, interage com uma amiga pelo celular e “vê” as cenas de “Hell of the Living Dead” sendo exibidas pela TV como se fossem imagens de noticiários – os protagonistas da produção italiana aqui se tornaram o Corona Squad, criado pelo Presidente Trump para investigar as origens do vírus. Sempre fui um incentivador de que novos filmes poderiam ser feitos apenas remontando e redublando cenas de produções antigas em domínio público, porém isso precisa ser feito com um mínimo de criatividade. Aqui, a brincadeira fica cansativa muito rápido. Primeiro, porque “Hell of the Living Dead” já era hilário por si só, e a redublagem contemporânea não consegue torná-lo mais engraçado, muito antes pelo contrário. Uma das poucas tiradas inspiradas desta nova versão é quando um dos soldados do filme de Mattei empurra um zumbi e, na redublagem, exige “distanciamento mínimo de dois metros”. Segundo, porque piadinhas com falta de papel higiênico e álcool-gel ficaram datadas quase que imediatamente. E terceiro porque, tudo considerado, ver “Corona Zombies” é como rever “Hell of the Living Dead” em versão encurtada e porcamente redublada. As poucas cenas extras filmadas por Band, para tentar unir três narrativas diferentes como uma coisa só, são preguiçosas e tecnicamente ruins (vide o efeito em chroma-key da cena final, digno da série Chapolin). A ingênua burrice da protagonista “Barbie” até provoca alguns sorrisos de início, mas também perde a graça rapidinho. Embora tenha ganhado muita mídia pelo oportunismo, “Corona Zombies” não resiste à menor das expectativas, e acaba sendo um belo de um tiro no pé, já que considerável parte do público vai pensar duas vezes antes de cair na próxima picaretagem de Charles Band. A obra acabaria na lata de lixo da história se não fosse pela curiosidade antropológica. Afinal, os momentos mais genuinamente divertidos do “filme” são imagens reais de noticiários que aparecem na TV da casa da mocinha, mostrando bobagens verdadeiras proferidas por Trump em cadeia nacional (da época em que ele ainda negava a existência do vírus), e por imbecis curtindo a spring break lá nos Estados Unidos sem medo da epidemia que logo chegaria. Vejam só como a coisa terminou, não é? Talvez Band devesse sentar e, com calma, pensar em piadas melhores para um “Corona Zombies 2”, explorando um cenário pós-apocalíptico depois do coronavírus.


WE SUMMON THE DARKNESS (2019, EUA. Dir: Marc Meyers)
Pelo pôster, pelo trailer e pelo argumento, parece que este será mais um filme de horror a brincar com a relação popular entre heavy metal e satanismo, na linha dos divertidos “Heavy Metal do Horror” e “Deathgasm”. Estamos em 1988 e três jovens metaleiras (Alexandra Daddario, Maddie Hasson e Amy Forsyth) estão viajando para o interior para ver o show de uma banda. Pelo rádio e pelos jornais, chegam notícias de que um grupo de satanistas estaria matando jovens daquela região em assassinatos ritualísticos. Aí as meninas conhecem três jovens roqueiros na saída do show, e o banho de sangue começa. Se há algo de interessante no filme de Marc Meyers (de “Meu Amigo Dahmer”) é a inesperada inversão de papéis entre as vítimas e algozes de sempre nesse tipo de história. Tem ainda uma ponta curiosa (de cinco minutos, no máximo) do ex-Jackass Johnny Knoxville, tentando segurar o riso como um pastor que combate o suposto culto a Satã por jovens metaleiros – lembrando a hilária participação de Ozzy Osbourne, no mesmíssimo papel, em “Heavy Metal do Horror”. Infelizmente, após um início deveras promissor, o roteiro de Alan Trezza começa a derrapar no segundo ato (ao acumular sucessivas forçadas de barra) e desmorona de vez no ato final, que é simplesmente horroroso e destrói o filme. Antes deste, Trezza escreveu o igualmente irregular “Enterrando Minha Ex”, dirigido por Joe Dante, e sua escrita não melhorou muito desde então. O grande problema de “We Summon the Darkness” é que nem o roteirista, nem o diretor parecem concordar com o tipo de filme que querem fazer: se era para ser uma comédia de humor negro, não tem graça nenhuma; se era para ser um thriller, fica impossível de levar a sério em seus absurdos e “reviravoltas”. A ambientação nos anos 1980 tampouco se justifica e só serve para criar dois ou três momentos de nostalgia. Restam algumas piadinhas sobre música e bandas (os jovens discutem a entrada de Jason Newsted no Metallica, que alguns anos depois iria explodir com o Black Album), e a química entre as três meninas, especialmente na meia hora inicial. De resto, melhor ficar com os já citados “Heavy Metal do Horror” e “Deathgasm”, pois este aqui é tão desafinado e poser quanto uma banda de metal ruim.


RESGATE (Extraction, 2020, EUA. Dir: Sam Hargrave)
Os filmes de ação mais interessantes da atualidade estão sendo feitos por dublês promovidos a diretores – caso de David Leicht e Chad Stahelski no cinemão classe A, e de Jesse V. Johnson no lado B. Esses caras sabem coreografar e filmar as cenas de tiro, porrada e bomba como ninguém, então por que colocar outro diretor menos experiente só para estragar o resultado final? O novo dublê-cineasta no rolê é Sam Hargrave, que trabalhou com os irmãos Anthony e Joe Russo nos filmes que eles dirigiram para o Marvel Studios, e recebeu as bênçãos da dupla para comandar este “Resgate”. Baseado numa minissérie em quadrinhos dos próprios Irmãos Russo, o filme é adrenalina pura. Não tem absolutamente nada de novo na história ou na forma de contá-la, mas são duas horas de ação incessante e bem dirigida, em que o número de mortos e feridos atinge níveis estratosféricos. O Thor Chris Hemsworth aparece como um mercenário fodaralhaço, enviado para a Índia com a missão de resgatar o filho de um bandidão local das mãos de uma quadrilha rival. Ele cumpre a missão logo no início do filme, porém é traído pelos empregadores (que não querem pagar a conta do resgate), e precisa fugir com o moleque pelas ruas de um país que não conhece, sendo caçado por homens das duas facções, por policiais corruptos e até por bandidos pé-de-chinelo em busca de fama e fortuna. As cenas de ação não se resumem aos tiros e explosões de praxe, com Hemsworth encontrando as maneiras mais dolorosas de espancar, quebrar e eliminar seus inimigos – o que deve ter custado uns bons arranhões (pra não dizer ossos quebrados) à equipe de dublês. E o novato Hargrave visivelmente está se divertindo muito na função. Ele se dá ao capricho de filmar um longo “falso plano sequência” que é de tirar o chapéu: uma explosiva perseguição de carros movida a tiros e colisões que é um prodígio de técnica e execução. Vá lá que o Thor como herói de ação não me convence totalmente, e que o papel ficaria melhor com um brucutu das antigas (se eles não estivessem muito velhos para dar conta do recado). Vá lá, também, que há uns defeitos gritantes, tipo o CGI porco numa cena de mergulho no início, ou a quantidade de vezes em que os personagens principais são atropelados/atingidos por carros e saem ilesos, ou toda a gratuita sequência envolvendo o personagem de David Harbour. Mas o filme nunca fica chato, e cumpre o que promete (ação incessante) como poucas produções recentes. Como curiosidade, a graphic novel que deu origem ao filme, chamada “Ciudad”, não se passava na Índia, e sim em Ciudad del Leste, no Paraguai – e o moleque a ser resgatado na verdade era uma menina, filha de um poderoso traficante brasileiro. A ambientação originalmente sul-americana ajuda a explicar a quantidade de policiais corruptos a serviço dos vilões no filme, bem como o clima meio “Cidade de Deus”, que inclui até uma quadrilha de moleques fortemente armados perseguindo o herói. Já o eletrizante tiroteio numa ponte, que acontece na cena final do filme, nos quadrinhos rola na Ponte da Amizade, que liga o Paraguai ao Brasil! Taí algo que seria interessante de ver, embora eu suspeite que o pobre Hemsworth não iria durar 15 minutos na América do Sul...


INHERITANCE (2020, EUA. Dir: Vaughn Stein)
Quando o patriarca de uma rica e influente família morre, sua filha – uma jovem promotora pública envolvida com um caso rumoroso – herda os “esqueletos no armário” do pai. Neste caso, literalmente: há um bunker secreto no bosque ao lado da mansão da família, onde um homem está sendo mantido acorrentado há 30 anos! Envolvida num dilema moral entre justiça e família, já que se o assunto vier a público destruirá a carreira do pai e a sua própria, a moça tenta descobrir quem é o misterioso prisioneiro, para decidir como lidar com a situação. Mas as conversas que mantém com o amargurado desconhecido começam a revelar terríveis segredos da sua família, bem em meio à campanha de reeleição do seu irmão congressista. Com um ponto de partida curioso que tem um quê do recente “Parasita”, de Bong Joon Ho, “Inheritance” é aquele tipo de thriller baseado mais em interpretações do que em “ação”. Lily Collins (como a filha) e Simon Pegg (como o prisioneiro) dão conta do recado relativamente bem, embora ele pareça uma escolha equivocada para o personagem em questão. Os longos diálogos entre os dois no bunker escuro, sempre à distância um do outro, parecem tentar repetir a relação entre Clarice Sterling e Hannibal Lecter em “O Silêncio dos Inocentes”, só que Pegg passa muito longe de soar ameaçador como Anthony Hopkins naquele filme. À medida que o tempo passa – e são duas horas de filme! –, o espectador começa a se dar conta do absurdo da coisa toda e se sente enganado. Afinal, por que diabos o pai deixou o prisioneiro como “herança” para a filha promotora, e não para o filho político que parece mais propenso a burlar as leis ao seu favor? Melhor ainda: por que o pai simplesmente não manteve o homem aprisionado como seu segredo particular, levando-o para o túmulo e deixando o sujeito morrer no esquecimento em seu bunker? E quando pensamos em retrospecto: sendo o único responsável pelo bunker e pela alimentação do homem lá embaixo, o finado pai nunca fez uma longa viagem em que teve que se ausentar por semanas ou meses? Como diabos o prisioneiro sobreviveu tanto tempo? E por aí vai... Da metade em diante, uma série de reviravoltas pouco convincentes tentam compensar o excesso de falatório com alguma dose de suspense e violência, mas aí já é tarde demais. E a última “revelação” é a pá-de-cal que faltava para deixar o roteiro do estreante Matthew Kennedy ainda mais ridículo e absurdo. As duas horas poderiam ser facilmente resumidas para um curta, e talvez assim o filme funcionasse melhor – dando menos tempo para o espectador pensar em como a coisa toda não faz o menor sentido.


SCREAM, QUEEN! – MY NIGHTMARE ON ELM STREET (2019, EUA. Dir: Roman Chimienti
e Tyler Jensen)

“A Hora do Pesadelo 2 – A Vingança de Freddy” foi o primeiro filme da série que eu vi, ainda criança, numa época em que você só conseguia ver filmes de terror quando eles passavam na TV (neste caso, no SBT). Eu ainda era muito moleque e moscão para entender o que estava acontecendo, e só achei o filme assustador pra cacete. Anos depois, revendo-o e analisando-o por outra ótica, percebi que tinha algo diferente ali: certo subtexto gay, escancarado até demais para ser considerado “subtexto”, e sobre o qual cheguei a escrever quando a internet ainda era mato. Pois eis que agora fizeram este incrível documentário dedicado totalmente ao assunto! Não é exatamente sobre “A Hora do Pesadelo 2”, e sim sobre seu astro, Mark Patton. Em 1985, Patton era um jovem ator gay que ainda não tinha saído do armário, porque o surgimento da Aids havia aumentado o preconceito contra homossexuais, especialmente no mundo da TV e do cinema (à época, os últimos dias do ex-galã Rock Hudson, morto em decorrência da doença, foram escrutinados com brutal sensacionalismo). “A Hora do Pesadelo 2” seria seu primeiro grande papel principal numa produção famosa; ironicamente, o filme pronto acabou com a sua carreira. O tom homoerótico da trama deixou-o marcado como “ator gay”. E alguns envolvidos na produção consideraram Mark o verdadeiro culpado pelo resultado final parecer mais alguma bizarra fábula homossexual do que um filme de horror. Logo depois da estreia de “A Hora do Pesadelo 2”, o jovem ator foi forçado a largar tudo e desapareceu do mapa. Até agora. Eu confesso que esperava um documentário mais divertido sobre os bastidores da segunda “aventura” de Freddy Krueger, mas “Scream, Queen!” é uma história dramática, às vezes bastante dura, sobre tudo que aconteceu a Mark Patton – algo que era totalmente desconhecido inclusive pelos fãs da série “A Hora do Pesadelo”. Descobrimos que o coitado se exilou no México durante 30 anos, evitando qualquer contato com o mundo do cinema e sua antiga carreira. Nem mesmo o atual companheiro sabia que ele tinha sido ator, e participado de filmes conhecidos! Isso até um improvável ressurgimento como ativista gay, falando a uma nova geração sobre temas importantes como HIV e homofobia. Um dos momentos mais bonitos do documentário é o primeiro reencontro da turma de “A Hora do Pesadelo 2” desde 1985, para uma convenção de horror. Lá estão Patton, Robert Rusler, a sósia de Meryl Streep Kim Myers, Clu Gulager, Marshall Bell, o diretor Jack Sholder e, claro, o Freddy em pessoa, Robert Englund. Acho até que os diretores poderiam ter aproveitado melhor este momento único, e as histórias de bastidores decorridas do reencontro. Mas ver todos eles reunidos, envelhecidos e se divertindo é um dos pontos altos. Outro é aquele em que Patton finalmente enfrenta o roteirista de “A Hora do Pesadelo 2”, David Chaskin, que o ator sempre julgou culpado pelo tom “diferente” do filme. Percebe-se certa tensão e animosidade com os dois frente a frente, que vai se dissipando enquanto conversam, num bonito momento. “Scream, Queen!” toca em temas pesados e espinhosos, e mostra que a vida de Mark Patton pós-Freddy Krueger foi muito dramática. Merecia um documentário como este para narrá-la, especialmente neste momento em que “A Hora do Pesadelo 2” começa a ser reavaliado com um olhar mais positivo. Gays de todas as idades falam para a câmera sobre como este filme os ajudou primeiro com seus dilemas pessoais, depois a finalmente se sentirem representados no cinema de horror. Particularmente, é o meu “A Hora do Pesadelo” preferido da série depois do original, e é muito bom vê-lo receber o devido reconhecimento. Vale até uma sessão dupla com este documentário.


AMEAÇA PROFUNDA (Underwater, 2020, EUA. Dir: William Eubank)
Filmado em 2017 e engavetado pelo estúdio (20th Century Fox) durante quase três anos, este é um daqueles filmes que, a julgar pelo pôster e pelo argumento, você não investiria 50 centavos. Todo mundo já viu coisa parecida, e mais de uma vez, no final dos anos 1980, quando de uma tacada só saíram três filmes sobre gente enfrentando monstros no fundo do oceano. Depois de vencer o preconceito inicial e dar play, o espectador percebe o quanto estava enganado. “Ameaça Profunda” já começa a mil por hora, com um terrível desastre acontecendo nos primeiros minutinhos, inundando uma plataforma submarina e matando quase todo mundo a bordo. A personagem de Kristen Stewart, que estava no banheiro escovando os dentes logo após acordar, é atirada no meio de um autêntico inferno e precisa correr e lutar pela sobrevivência, resgatando quem ainda encontra vivo pelo caminho e tentando encontrar uma saída para a trágica situação. A partir daí, o filme não pára mais e simplesmente não dá folga para o espectador. Enquanto enfrentam túneis particialmente submersos ou desmoronados – em cenas que soarão como uma provocação aos claustrofóbicos –, os sobreviventes percebem que o pior ainda está por vir, e há misteriosos monstros aquáticos assassinos louquinhos para devorá-los. Em seu terceiro longa, o diretor Eubank mostra total domínio da narrativa: a ação vai se desenrolando praticamente na corrida, com o pouco de informação sobre os personagens sendo apresentado enquanto eles estão lutando para tentar sobreviver às sucessivas ameaças. Misturando elementos de títulos tão díspares quanto “O Segredo do Abismo”, “Aliens – O Resgate” e “O Destino do Poseidon”, o filme funciona como thriller ou filme-catástrofe, com vários momentos de suspense de prender a respiração, e também como terror (os monstros submarinos são mantidos quase sempre off-screen ou na escuridão, para alimentar a tensão). Já a ambientação numa estação submersa ajuda a criar uma sensação de confinamento e de tragédia iminente para os personagens, rodeados de água numa profundidade impossível de sobreviver. Conhecida por raramente mudar suas expressões faciais na série “Crepúsculo”, Stewart até que convence como uma Tenente Ripley para a nova geração, enquanto o francês Vincent Cassel empresta certa dignidade ao elenco jovem. Como bônus, e última recompensa para o espectador que vencer o preconceito e encarar, “Ameaça Profunda” termina com uma referência direta ao autor de horror H.P. Lovecraft – que não compromete a conclusão para quem não conhece sua obra, mas certamente vai garantir um belo sorriso de satisfação a quem reconhecer a identidade da ameaça submarina em questão. Outra das grandes surpresas de 2020 até o momento.


WYATT EARP (1994, EUA: Dir: Lawrence Kasdan)
Xerife, jogador de cartas, caçador de búfalos e consultor dos primeiros filmes produzidos em Hollywood. Não se pode dizer que a vida do verdadeiro Wyatt Earp (1848-1929), uma das lendas reais do Velho Oeste norte-americano, foi chata. Já no caso deste filme aqui... Durante absurdas e intermináveis 3h10min, o diretor Kasdan tentou fazer a adaptação definitiva da vida de Earp para a telona – uma história já contada inúmeras vezes antes pelo próprio cinema hollywoodiano, com astros como Burt Lancaster e Henry Fonda dando vida ao lendário pistoleiro. Aqui, a tarefa coube a Kevin Costner, então um super-astro que reinava absoluto nas bilheterias. Acabou se tornando seu primeiro grande fracasso, pouco antes de “Waterworld” (1995) adicionar outro prego no caixão da sua carreira. “Wyatt Earp” poderia ser utilizado em faculdades de cinema como um belo exemplo da importância do editor no processo de se fazer um filme – pelos motivos errados, óbvio. Porque a duração absurda nunca se justifica: há inclusive umas elipses gigantescas em certos momentos do primeiro ato, que parecem saltar por cima de informações importantes, como se tivesse pelo menos mais uma hora de filme que foi cortada! Ao final, eu continuei sabendo tão pouco sobre o que motivava Wyatt Earp quanto sabia ao começar a ver. Não entendi a necessidade de empenhar tempo considerável mostrando não um, nem dois, mas TRÊS casos amorosos do protagonista, enquanto vários episódios muito mais cruciais da sua trajetória são “explicados” em questão de segundos, ou sequer o são. Tipo sua longa amizade com outra lenda da vida real, Doc Holliday, que a narrativa nunca chega a contextualizar ou justificar. Já os outros integrantes da família Earp são tão mal apresentados que eu os identificava tipo “Um é o Michael Madsen, o outro não”, sem conseguir sequer lembrar seus nomes. Uma cacetada de gente famosa e/ou conhecida aparece ao longo desta metragem absurda. Alguns, como Bill Pullman, Gene Hackman e a pobre Isabella Rossellini, têm participação meramente decorativa – suas cenas não duram 10 minutos, têm pouca ou nenhuma importância e, não fossem famosos, provavelmente terminariam no chão da sala de edição. Também dão as caras Dennis Quaid, Jeff Fahey, Mark Harmon, Catherine O'Hara, Tom Sizemore, JoBeth Williams, Mare Winningham, Adam Baldwin, Jim Caviezel, Téa Leoni e até Martin Kove, e identificar esta gente toda ajuda o espectador a ficar acordado. Enfim, é uma história que podia tranquilamente ser contada em 120 minutos, mas alguém resolveu lhe dar um tratamento épico à força, não por merecimento. Óbvio, o resultado é um filme bonito e grandioso, ao qual se resiste até o final por causa da qualidade da parte técnica (fotografia e trilha sonora, especialmente). E que às vezes também soa demasiado artificial e encenado, com diálogos rebuscados que chegam a doer nos ouvidos, e pelo menos uma cena ruim mesmo: o tiroteio em O.K. Corral, um dos momentos mais importante na história de Earp, aqui apresentado em sequência tão mal-editada que sequer permite entender direito quem está atirando em quem, quem está morrendo e quem não está. Um ano antes, em 1993, George Pan Cosmatos contou a mesma história em “Tombstone: A Justiça Está Chegando”, que tem uma hora a menos de duração e, se não me falha a memória, saiu-se bem melhor que este épico inchado do Kasdan (o diretor também teve sua carreira ascendente sepultada pelo fracasso do filme).


PACTO DE JUSTIÇA (Open Range, 2003, EUA. Dir: Kevin Costner)
Terceiro (e provavelmente último) filme dirigido pelo ator Kevin Costner, “Pacto de Justiça” é a ovelha negra da família, considerando o caráter megalomaníaco (em tom e duração) de seus trabalhos anteriores, “Dança com Lobos” e “O Mensageiro”. Também é o completo oposto do inchadaço “Wyatt Earp”, estrelado por Kevin e discutido logo acima. Trata-se de um faroeste minimalista, seco e amargurado, com pouquíssimos personagens, pouquíssimos cenários e uma única situação dramática, bem simples, esticada por 140 minutos. Uma espécie de projeto dos sonhos do ex-astro, que cresceu lendo as histórias de faroeste de Lauran Paine (autor do livro que deu origem ao filme), “Pacto de Justiça” tem uma narrativa mais realista, seguindo a linha das incursões de Monte Hellman pelo gênero nos anos 1960 (“The Shooting” e “Ride in the Whirlwind”), e também do Oscarizado “Os Imperdoáveis” (1992), de Clint Eastwood. Ao contrário daqueles pistoleiros clássicos vividos por John Wayne, que apareciam exterminando dúzias de índios e bandidos com um sorrisinho no rosto, este faroeste é protagonizado pelo que parecem ser pessoas reais, que procuram fugir do confronto e têm medo de matar e de morrer. No Velho Oeste de 1882, o próprio Costner e Robert Duvall são dois veteranos vaqueiros conduzindo um rebanho através da pradaria, com a ajuda de uma dupla de cowboys mais jovens (um deles é o Diego Luna). Ao cruzarem por acaso as terras de um rico fazendeiro, eles dão início a um imprevisível e violento confronto. Não foram eles que começaram a pauleira, mas os velhotes certamente estão determinados a encerrá-la custe o que custar. Pelas próximas duas horas da narrativa, o espectador acompanha os personagens de Costner e Duvall enquanto eles se preparam para um iminente tiroteio infernal com seus inimigos, que muito provavelmente terminará com todo mundo morto, e que está reservado para os 20 minutos finais. Até ali, temos um filme introspectivo, que ameaça várias vezes com algum conflito e logo volta atrás, e permanece centrado no relacionamento entre seus personagens. O de Costner matou soldados e civis durante a Guerra Civil e jurou nunca mais tirar a vida de ninguém, por isso está dividido entre voltar a matar ou entregar-se e morrer. Desconstruindo clichês do gênero, as implicações do ato de tirar a vida de outrém assombram os protagonistas. O diretor Costner embala o filme com boa dose de sensibilidade – como no belo momento em que Duvall, temendo a morte iminente, gasta um montão de dinheiro para saborear uma raríssima barra de chocolate suíço no mercadinho da cidade. E ainda entrega duas atuações monstruosas (a própria e a de Robert Duvall), num faroeste quase sem tiros que ainda assim mantém o espectador com os olhos grudados na tela. É uma produção “barata” para os padrões do astro-diretor (custou 22 milhões de dólares), que comprova o seu talento por trás da câmera – um talento reconhecido com os Oscars de “Dança com Lobos” e desperdiçado naquela ego trip que foi “O Mensageiro”. Eu definitivamente não me importaria de ver mais filmes como este dirigidos por Kevin Costner, mas é uma possibilidade que parece cada vez mais remota.


JAMES VS. HIS FUTURE SELF (2019, Canadá. Dir: Jeremy LaLonde)
Como o “We Summon the Darkness” mais acima, este “James vs. His Future Self” sofre bastante com a indecisão entre o tipo de filme que quer ser: o trailer anuncia uma divertida comédia, mas o produto final está mais para um romance açucarado misturado com fantasia, onde as raras insinuações de humor quase nunca funcionam. E na conclusão, de maneira inesperada, o diretor apela para a imagem extremamente violenta de uma mão sendo atravessada por uma flecha – algo que não combina de forma alguma com o filme inofensivo que vinha construindo até então. Como o título já anuncia, a trama começa com James (Jonas Chernick), um cientista obcecado com suas pesquisas sobre viagem no tempo, sendo visitado por uma versão dele mesmo vinda do futuro. O “future self” de James é interpretado pelo sempre ótimo (e sumido) Daniel Stern, uma escolha curiosa porque fisicamente não tem nada a ver com o outro ator, nem mesmo em altura. Enfim: o James do futuro tenta convencer o James mais jovem a abandonar suas pesquisas, porque a obsessão pelo trabalho fará com que ele perca seu grande amor – a colega de trabalho vivida pela gracinha Cleopatra Coleman –, e consequentemente se torne um ser humano solitário e amargurado dentro de alguns anos. O James mais jovem até tenta emplacar um romance com a moça, mas sua falta de traquejo social parece apontar para o futuro dramático que o outro James tenta impedir. Ainda que o resultado seja fofinho, com uma bela mensagem sobre como não pensamos a longo prazo ao construir o nosso futuro, é de se lamentar que o diretor e corroteirista Jeremy LaLonde não tenha tentado fazer nada mais elaborado com este argumento. Porque quase tudo que vemos aqui já foi mostrado antes, e muito melhor, numa cacetada de outros filmes, tipo a série “De Volta para o Futuro”. Também não há tanto humor quanto o trailer anuncia, e algumas tentativas de fazer graça soam realmente patéticas – como o James do futuro fazendo-se reconhecer pela sua versão mais jovem ao mostrar-lhe o pinto. É somente no finalzinho que o cineasta tenta mudar o tom da história, deixando-a mais absurda e fantasiosa (com direito ao momento da flecha atravessada na mão, já mencionado). Só que aí o espírito já não combina mais com o resto do filme, e a impressão é de que outro realizador assumiu o projeto. Perfeitamente assistível e totalmente esquecível, “James vs. His Future Self” deixa uma ideia interessante picando para virar um filme melhor num futuro próximo. Bem que o “future self” do diretor LaLonde poderia fazer uma visitinha à sua versão atual para lhe dar umas dicas.


STUBER – A CORRIDA MALUCA (Stuber, 2019, EUA. Dir: Michael Dowse)
Se tem uma coisa que o cinema norte-americano faz bem são comédias de ação protagonizadas por duplas completamente diferentes, mas forçadas a unir esforços por um objetivo em comum. A fórmula funcionou à perfeição nos anos 1980 (em sucessos como “48 Horas”), e segue sendo reciclada até hoje. “Stuber” é uma bela versão contemporânea do argumento. O brutamontes Dave Bautista interpreta um policial que fez um procedimento nos olhos e ficou com a visão comprometida, e justo no dia em que surge a oportunidade de dar um flagrante no sádico terrorista que persegue há tempos (interpretado por Iko Uwais, de “The Raid”). A solução que o tira encontra para tentar pegar o sujeito, mesmo sem enxergar um palmo à sua frente, é chamar um Uber e pedir ajuda ao seu motorista (o paquistanês Kumail Nanjiani). Como o coitado precisa desesperadamente melhorar sua cotação no aplicativo, ele presta assistência forçada ao passageiro policial com a promessa de receber “cinco estrelinhas” ao final da viagem. A história é uma completa bobagem, óbvio; algo que no passado certamente seria um belo veículo para juntar Stallone ou Schwarzenegger com Eddie Murphy ou Jim Belushi. Mas se a trama policial é esquemática e esquecível, “Stuber” funciona principalmente pelo contraste entre a insólita dupla de heróis, que passa o filme se cutucando e brigando (verbalmente e no braço mesmo). No duelo de protagonismo é Bautista (quem diria!) aquele que demonstra mais timing para o humor. Isso acontece porque Nanjiani tenta forçar a graça usando caretas e gritinhos, num perceptível desespero para fazer rir que lembra Jim Carrey em início de carreira – e mais irrita do que diverte. Já as cenas de ação são muito boas, equilibrando tiros, porradas e explosões com um humor besta e físico (vide o momento em que Nanjiani dá uma “bicicletada” na cabeça do parceiro). O roteiro do desconhecido Tripper Clancy aproveita ainda para fazer humor com o próprio formato do Uber, algo que infelizmente deverá ficar datado bem rápido e perder o sentido num futuro próximo. Como divertimento rasteiro, e sem maiores pretensões, “Stuber” é mais eficiente que o próprio Uber – e, enquanto brucutu bem-humorado, Dave Bautista funciona bem melhor que colegas como The Rock.


MAGNATAS DO CRIME (The Gentlemen, 2019, Reino Unido/EUA. Dir: Guy Ritchie)
O que dizer de Guy Ritchie? Em 1998 vi seu primeiro longa, “Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes”. Era um sub-Tarantino, uma variação de “Pulp Fiction” como tantas outras, mas até achei divertidinho. Dois anos depois, em 2000, vi seu segundo filme, “Snatch – Porcos e Diamantes”, que era basicamente a mesma coisa que o outro: bandidos bobos com nomes engraçados falando mais rápido do que o cérebro humano consegue processar, duzentas reviravoltas por segundo, violência “divertida”, trilha sonora esperta e edição modernex, cheia de cortes rápidos e com narrativa fora de ordem cronológica. Pra mim era o bastante, e resolvi que já tinha perdido tempo demais com o cineasta inglês. Corta para vinte anos no futuro, e depois de aventurar-se com Sherlock Holmes, Madonna, o Agente da U.N.C.L.E. e até com o Rei Arthur, Guy Ritchie tem um novo filme sobre o submundo do crime, “The Gentlemen”, que parece animador. Resolvo interromper meu jejum; afinal, em 20 anos o cara já deve estar fazendo algo diferente, não é mesmo? Pois bem, e isso não é spoiler: não, Guy Ritchie continua fazendo o mesmíssimo filme! A trama simplória, sobre um traficante norte-americano que vive em Londres e tenta vender suas lucrativas plantações de maconha, é narrada fora de ordem, está repleta de bandidos bobos com nomes engraçados (como Big Dave e Dry Eye; este último um oriental, claro), falando mais rápido do que o cérebro humano consegue processar, duzentas reviravoltas por segundo, violência “divertida”, trilha sonora esperta (onde rola até “That's Entertainment”, do The Jam) e aquela edição modernex que já cheira a naftalina, com cortes rápidos e toda sorte de brincadeiras narrativas, incluindo cenas repetidas por dois pontos de vista. Enquanto o Tarantino, que popularizou muitas dessas coisas lá atrás, soube se reinventar, e lapidar seu estilo para não ficar tão repetitivo, Ritchie continua chutando pra torcida, ou, neste caso, para seus poucos fãs (se é que ainda restou algum). Nem acho que “The Gentlemen” é um filme ruim; mas é que parece tão datado, tão “anos 1990”, que fica aquela velha sensação de se estar ouvindo a mesma piada pela décima vez – ela pode até ser bem contada, e ainda nos fazer rir ao final, só que já ouvimos antes (e, no caso em questão, a piada repetida ainda dura duas horas!). Para quem tiver paciência, e não se importar em rever “Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes” refeito pela enésima vez, há alguns momentos bem divertidos envolvendo Matthew McConaughey, Hugh Grant (o “narrador” que NUNCA cala a boca) e até o sumido Colin Farrell. Certa visão ferina sobre o mundo do cinema hollywoodiano (o personagem de Hugh Grant está contando a história do filme como se fosse um roteiro que escreveu) também diverte, e revela certa mágoa de Ritchie com o sistema que lhe deu fama e fortuna. Seja como for, duvido que verei qualquer outra coisa do diretor pelos próximos vinte anos – e duvido que ele faça algo diferente pelos próximos vinte anos.


MERCENARY (2019, EUA. Dir: Jesse V. Johnson)
Imagine aquela cena do padre lutando karatê no terrir “Fome Animal” (o tal que “Chuta traseiros em nome do Senhor”) levada a sério e esticada por 90 minutos, e você terá este “Mercenary”, o novo filme dirigido pelo hiperativo Jesse V. Johnson. O cara está lançando uns três filmes por ano e já fez por merecer a alcunha de novo rei da ação classe B. Também é extremamente irregular: quando erra, erra feio; quando acerta, se prepare que lá vem pancadaria cascuda. É o caso desta autêntica pedrada aqui, que diverte e desce redondo como aqueles velhos filmes da Cannon dos anos 1980, que você pegava em VHS na locadora. Há algo de ironicamente simbólico na figura do padre que deixa os sermões de lado para empunhar armas e facas. É como se eles esquecessem os acenos pacifistas do Novo Testamento (tipo o “Dar a outra face”) para abraçar a chuva de fogo e enxofre do Antigo Testamento. Não por acaso, o western spaghetti deitou e rolou com o tema, em filmes tipo “Reverendo Colt” e “As Armas de Deus”. Aqui, o brucutu Dominiquie Vandenberg encarna o papel de padre impedioso que se dedica a acelerar o contato dos vilões com o Criador. Dublê em várias produções classudas (de “Mortal Kombat” a “Gangues de Nova York”), Vandenberg ganha um raro papel de protagonista e o abraça com gosto. Ele integra um grupo de mercenários que faz missões arriscadas pelo mundo. Até que acaba traído, e deixado para morrer pelos próprios colegas, numa selva colombiana. Mas sobrevive e encontra uma segunda chance (e uma possível redenção) ao ser adotado como “sacerdote honorário” pela igrejinha local. Claro que os antigos companheiros, agora a serviço de um cartel de drogas local, logo vão aparecer querendo problemas, forçando o padre-mercenário a “chutar traseiros em nome do Senhor”. O resultado é uma aventura boba, com roteiro extremamente esquemático e previsível, porém bastante eficiente no que se propõe. Num momento em que os filmes de ação dos grandes estúdios estão pegando mais leve e carregando no humor, “Mercenary” traz um matador de batina esmagando cabeças e eviscerando inimigos on-screen, em efeitos sanguinolentos que não deixam nada para a imaginação. Ele chega a ser crucificado de verdade pelos vilões, tipo aconteceu com Van Damme em “Cyborg – O Dragão do Futuro”, e dá o troco (e não a outra face) na conclusão, numa chacina que parece saída de um terror slasher. Vandenberg (que visualmente lembra muito o General Zod de Terence Stamp em “Superman 2”) interpreta o papel totalmente a sério, sem nunca soltar uma piadinha. Ele não chega a convencer de todo como protagonista, mas encarna um exímio e sádico matador que tem visível prazer em mutilar e exterminar seus inimigos – certamente o “herói” mais barra-pesada que apareceu no cinema de gênero nesses últimos tempos. Para quem tem saudade daqueles filmes de ação baratos, grosseiros e exagerados produzidos direto para VHS/DVD nos anos 1980-90, “Mercenary” é um prato cheio – servido bem mal-passado e pingando sangue.


BEST WORST MOVIE (2009, EUA. Dir: Michael Paul Stephenson)
Em 1989, Michael Paul Stephenson era criança e estrelou aquele que é considerado um dos piores filmes de todos os tempos: “Troll 2”, do italiano Claudio Fragasso. Vinte anos depois, Stephenson relembrou a experiência, como uma espécie de terapia para superar o fracasso, e dirigiu este documentário incrível, que acompanha sua busca pelos colegas de elenco para entender porque “Troll 2” acabou se tornando um cult movie entre adoradores de filmes ruins. A maior parte do documentário é focada não no próprio Stephenson (que prefere ficar atrás da câmera), mas sim em George Hardy, um ator de primeira viagem que interpretou seu pai em “Troll 2” lá em 1989, e depois largou o showbiz para virar dentista numa pequena cidade, onde ninguém conhecia seu passado como ator. Hardy deve ser uma das pessoas mais simpáticas da face da Terra, e é através do seu olhar ora ingênuo, ora bobo-alegre que o documentário tenta entender o apelo do “melhor pior filme de todos os tempos”, bem como as armadilhas e peculiaridades desses cultos muito particulares. Primeiro testemunhamos o sorriso do dentista-ator ao ser recebido como celebridade em exibições especiais de “Troll 2” organizadas por fãs; depois, a maneira como ele parece deslocado em grandes convenções de horror e comic-cons, onde precisa disputar a atenção da molecada com o cara que interpretou Jason em “Sexta-feira 13 Parte 4”. Horrorizado com aquela indústria de futilidade, Hardy comenta para a câmera lá pelas tantas: “Como é que essas pessoas ainda vivem dessas coisas que fizeram 20, 30 anos atrás?” – numa ironia absurda, já que ele está fazendo a mesmíssima coisa! “Best Worst Movie” é uma belezura porque Stephenson  conseguiu localizar praticamente todo o elenco de um filme classe Z de vinte anos atrás, e lhes deu a oportunidade de falar sobre a experiência e sobre a “fama” como intérpretes de algo que virou lenda pela ruindade. Incluindo uma atriz que, pelo visto, ficou meio maluca com a experiência e vive num anonimato voluntário (este momento é triste e assustador ao mesmo tempo). Lá pelas tantas, também entra em cena o próprio diretor Fragasso, que acaba provocando sentimentos conflitantes: se de início é muito bonito e emocionante vê-lo receber o carinho dos fãs de “Troll 2”, ainda mais depois de seu filme ter sido esnobado por duas décadas, o italiano acaba se revelando um grandessíssimo cuzão, ao tentar roubar o estrelato dos atores em convenções e exibições do longa, além de criticá-los on camera por suas declarações sobre a “qualidade” do seu filme. Para quem quiser entender o apelo por trás de grandes catástrofes cinematográficas, “Best Worst Movie” é um documentário essencial, que consegue unir sequências muito divertidas com outras que fazem pensar, e até emocionam. E o dentista George Hardy, quem diria, conseguiu engatar uma nova carreira como “ator cult” depois disso, fazendo participações especiais em produções classe Z – incluindo uma inesperada sequência não-oficial de seu maior sucesso, “Trolls World”, a ser lançada este ano (2020)!

12 comentários:

João Paulo disse...

Heh, o grande motivo para ver "Sonic" é a atuação presepeira do Carrey, que caiu como uma luva para o lunático Dr. Ivo Robotnik.

E também acho "Ameaça Profunda" um longa muito bom, com um visual impressionante, apesar de ter uns clichês bem velhos...

Herbert Richards disse...

Top interessante,postagem!!��

Daniel I. Dutra disse...

Não vi "WE SUMMON THE DARKNESS", mas me parece, pela resenha, que o filme se passar nos anos 80 se justifica porque foi nessa época que o heavy-metal virou mainstream e bandas começaram a ser acusadas de adoração ao diabo, com religiosos queimando discos do iron maiden e metaleiros como Dee Snyder do Twisted Sister tendo que prestar depoimento no congresso americano.

Filmes que misturam horror e heavy metal podem se passar nos dias de hoje, como o Deathgasm, por exemplo.

Porém, você terá que mudar as referências para adaptar aos tempos atuais. Deathgasm trata mais do subgênero chamado genericamente de Death metal, e também da sua variante Black metal, do que do heavy metal tradicional. O filme faz algumas piadas/referências que apenas quem curte esses subgêneros vai entender.

Ao contrário do heavy metal tradicional, que virou coisa de tiozão, as vertentes mais extremas do metal continuam populares entre os jovens. Em suma, o que quero dizer é que um filme sobre metal nos dias de hoje com jovens falando sobre iron maiden e metallica soaria tão estranho quanto um filme no Brasil de hoje onde os jovens escutam titãs e Lobão.

Falando nisso, um filme sobre metal digno de resenha nesse blog é "Lord of Chaos", baseado na história real do assassinato e queima de igrejas cometidos por Varg Virkenes na Noruega nos anos 90. É uma história real e bizarra, nível "Henry - O Retrato de um Assassino", mais horror que muitos desses filmes sobre heavy metal e criaturas do além.

Leonardo Peixoto disse...

Normalmente eu ignoro as resenhas curtinhas de vários filmes em favor das resenhas quilométricas de um filme cada , pois as acho mais divertidas e delas tiro ideias interessantes para usar depois . Mas tive que fazer uma exceção por causa de "Corona Zombies" . Primeiro , por alguém fazer uma ficção sobre a pandemia de Covid-19 ainda durante a já citada pandemia . Segundo , porque não sabia que Charles Band ainda produzia filmes ... na verdade nem sabia que ele ainda tava vivo .
Sem falar que "Corona Zombies" é muita apelação mesmo , é como fazer uma aventura de Jack Deth ou Brick Bardo enfrentando terroristas e lança-lo na mesma semana do 11 de setembro .

Alexandre Carvalho disse...

Opa, eu sou fã das resenhas rápidas.

Quem diria,nosso amigo Bruno Mattei foi "vítima" de uma "picaretagem", hilário.

Eu me lembro dos seus dossiês,eram muito bons,nunca mais encontrei eles.

É impressionante a quantidade de filmes em que Kevin Costner atua que passam das três horas de duração.

Felipe M. Guerra disse...

DANIEL DUTRA, sim, por esse lado faz sentido. Se bem que vivemos uma onda de conservadorismo tão grande que não seria nada surpreendente um filme relacionando heavy metal e satanismo hoje. Não teve o caso do sujeito nomeado para presidir a Funarte dizendo que o rock era coisa do diabo, em pleno século 21? hehehe.

makintochi disse...

A hora do pesadelo 2 e a melhor das sequençias de a hora do pesadelo tentando seguir um caminho diferente do original e apesar de todas as provas eu ainda duvido do subtexto gay afinal foi o amor do protagonista pela mocinha que derrotou freddy

Janio disse...

Olá, Felipe!
Você sabe o nome de um filme de faroeste (ACHO que é um western spaghetti) onde um cara está andando e acaba indo parar em uma praia onde as moças estão todas nuas? Ao vê-lo, elas saem correndo desesperadas. Hehe
Abs e parabéns pelo blog!

Felipe M. Guerra disse...

MAKINTOCHI, mas esta é justamente a ideia tosca do filme: a de que o Freddy representaria o lado gay do protagonista tentando aflorar, mas no final seu lado hetero é salvo pela mocinha e Freddy é destruído. A cena em que o Krueger literalmente sai de dentro do rapaz seria uma alegoria nada sutil a esse lado gay se libertando das amarras do corpo masculino - mais escancarado que isso, só se mostrasse o Freddy saindo de dentro de um armário!

spektro 72 disse...

Assisti hoje "Sonic - O Filme" muito bom filme o melhor do ano de 2020 se que vão lançar alguma coisa ainda esse ano, pois á pandemia continua á nos aterrorizar ,acho que outro grande filme na grande tela do cinema só em 2021 se é que terá alguem habitando esse mundo ainda,Jim Carrey está excelente como o Dr.Robotnik,uma diversão para qualquer um ate mesmo para quem nunca jogou Sonic, que nos caso eu, vai gostar do filme ,as piadas do filme funcionam ao contrario de muito filmes por aí ,que nem as piadas ajudam o roteiro preguiçoso, Logico! filmes ruins para mim e excelente para os outros ,ótima postagem e um abraço,Felipe .

nightrider disse...

Assisti Sonic com meu filho nos cinemas (fui meio que forçado pela patroa hahahaha),mas tive uma surpresa ao ver Jim Carrey lá e por ser um filme realmente divertido!Eu conheço o Sonic,mas não sabia nada do filme!
Grata surpresa para esse fatídico ano!

Anônimo disse...

"Os filmes de ação dos grandes estúdios estão pegando mais leve e carregando no humor", culpa dos filmes da Marvel.

Todos os filmes anteriores à era MCU eram diferentes em seus tons e temas. Extremamente distinto, mas relacionável. Mas agora !! 🤮🤮

Mcu destruiu não apenas os filmes de quadrinhos, mas toda a percepção do próprio cinema. 😔

Todo filme tem o mesmo humor brega, mesmo que seja um filme de terror.