Em 1960, um Anthony Perkins travestido matou Janet Leigh no chuveiro de um motel vagabundo de beira de estrada, em glorioso preto-e-branco, e o mundo nunca mais foi o mesmo. O cinema de horror tem um débito enorme com Alfred Hitchcock e sua obra-prima absoluta “Psicose” – o thriller muito à frente do seu tempo que apresentou ao mundo o psicótico Norman Bates, inspirando toda uma galeria de vilões sedentos de sangue e garotas seminuas esfaqueadas no chuveiro.
Inspirado num livro de Robert Bloch, que por sua vez inspirou-se nos assassinatos reais do serial killer Ed Gein, “Psicose” deu origem a uma inesperada franquia, com três sequências produzidas entre 1983 e 1990, um inexplicável remake cena a cena dirigido por Gus Van Sant em 1998 e, mais recentemente, um seriado de TV chamado “Bates Motel”, que se dedicou a contar o que aconteceu ANTES de “Psicose” – ou seja, a atribulada relação entre o pobre Norman Bates e sua mãe, Norma.
“Bates Motel” acabou fazendo sucesso e rendeu cinco temporadas, exibidas entre 2013 e 2017. E é claro que eu nunca vi nenhum episódio, já que a vida é muito curta para passar cinco temporadas (ou 2.250 minutos, ou 37,5 horas!) vendo como o jovem Norman Bates resolveu dedicar-se ao homicídio. Ou seja, você caiu na Pegadinha do Mallandro: vou falar de OUTRO “Bates Motel”, um que a mesmíssima Universal Television tentou emplacar quase 30 anos ANTES, e que não deu certo. Um troço ruim pra dedéu, que só poderia ganhar tamanho espaço num blog democrático (e retardado) como o Filmes para Doidos: trata-se do BATES MOTEL original de 1987!
BATES MOTEL é o tipo de delírio que surge num momento em que a televisão dos Estados Unidos estava tentando capitalizar em cima de produtos bem-sucedidos no cinema. Até longas franquias de horror, como “Sexta-feira 13” e “A Hora do Pesadelo”, ganharam versões para a TV, em seriados com pouco ou nada em comum além do título – “Sexta-feira 13: O Legado” era sobre uma loja de antiguidades amaldiçoada, tipo um “Galeria do Terror” dos pobres, e no seriado do Freddy ele era apenas o “apresentador” das histórias, e não um participante ativo.
Na época, a divisão de TV do Universal Studios achou que podia entrar nesse seleto clubinho. Antes, eles já tinham tentado transformar em seriados algumas de suas comédias de sucesso: “Clube dos Cafajestes” virou “Delta House” na TV em 1978, “Picardias Estudantis” virou “Fast Times” na TV em 1986. Mas tais produtos nunca vingavam numa nova mídia, e eram cancelados após uma única temporada com baixíssima audiência. Então por que não tentar com o horror, que estava na moda?
Nos anos 1980, a Universal tinha duas séries longas e razoavelmente bem-sucedidas. Uma era “Tubarão”, que já somava quatro filmes, mas somente com muita imaginação poderia virar uma série de TV. A outra era “Psicose”. O original do Hitchcock, já sabemos e isso ninguém questiona, é uma obra-prima irretocável. Em 1983 o estúdio arriscou-se bastante e produziu “Psicose 2”, dirigido pelo australiano Richard Franklin, que apesar dos pesares revelou-se uma continuação bastante decente, recebendo críticas entusiasmadas que surpreenderam até o estúdio.
Animada, a Universal tentou repetir a dose com “Psicose 3” em 1986, desta vez dirigido pelo próprio Norman Bates, Anthony Perkins, e atualizando a franquia para a Era de Ouro dos slasher movies – ou seja, com mais mortes, e bem sangrentas. Embora bem divertido, este terceiro filme não foi o sucesso de bilheteria esperado, abortando planos para seguir fazendo sequências (um quarto filme seria produzido apenas em 1990, e direto para a TV).
Assim, como em 1987 “Psicose” já parecia ter esgotado suas possibilidades no cinema, por que não tentar fazer um seriado na linha de “Sexta-feira 13: O Legado” ou “O Terror de Freddy Krueger”, usando o TÍTULO e o CENÁRIO dos filmes para atrair o interesse do espectador, mas de resto fazendo algo totalmente novo? E assim surgiu a ideia (de jerico) de BATES MOTEL. Norman Bates e sua mamãe não apareceriam no programa, apenas o velho motel da família, repaginado para a década de 1980 por um novo proprietário. O Bates Motel seria o cenário onde aconteceriam histórias independentes – tipo um “Além da Imaginação” ou “Amazing Stories” num motel de beira de estrada. Não parece o melhor dos conceitos. Mas sei lá, soa mais produtivo do que acompanhar cinco temporadas de um novelão sobre o jovem Norman e sua mãe...
A Universal, pelo menos, levava fé no conceito: eles escalaram Richard Rothstein, que era prata-da-casa, para produzir, escrever e dirigir o piloto de BATES MOTEL. Naqueles tempos, piloto, para quem nunca viu “Pulp Fiction”, era um telefilme de 90 minutos exibido em horário nobre para tentar pescar o interesse da audiência num futuro seriado. Se o piloto funcionasse e gerasse interesse e boas críticas, o estúdio dava sinal verde para começar a filmar a primeira temporada da série. Se não funfasse, a ideia de um futuro seriado era abortada e ficava no piloto.
Isso acontecia com frequência. Mia Wallace, a personagem de Uma Thurman em “Pulp Fiction”, tinha participado de um piloto que não deu em nada. Todos os envolvidos em BATES MOTEL, também: o telefilme estreou na emissora NBC em 5 de julho de 1987 (abaixo, o anúncio publicado nos jornais norte-americanos daquela semana), e foi um grandessíssimo fiasco. Logo, jamais virou série, e a julgar por este piloto nos livramos de uma boa!
Rothstein, o faz-tudo encarregado de BATES MOTEL, havia criado um seriado de relativo sucesso chamado “The Hitchhiker”, que eu acho que não chegou a ser exibido no Brasil. Com seis temporadas entre 1983 e 1991, tratava de um caroneiro misterioso (Page Fletcher) que viajava de cidade em cidade, envolvendo-se em histórias misteriosas ou tramas policiais. Além de criador do conceito, Rothstein escreveu dez das histórias das primeiras temporadas, o que lhe credenciou a brincar com uma das franquias, marcas e cenários mais famosos e bem-sucedidos da Universal.
Pois uma das decisões mais curiosas do sujeito foi apagar completamente a cronologia dos acontecimentos: BATES MOTEL é uma sequência direta do original de Hitchcock, num universo em que “Psicose 2” e “Psicose 3” nunca aconteceram (embora este piloto use algumas cenas e até algumas ideias de ambos os filmes). Tipo a franquia “Halloween” fez umas duas ou três vezes, apagando deliberadamente sequências que não acrescentavam nada e tentando seguir do original.
Os créditos iniciais se desenrolam sobre uma panorâmica do famoso casarão da família Bates ao anoitecer, numa cena retirada diretamente do início de “Psicose 2”. Em seguida, cenas em preto-e-branco (acima) nos levam diretamente à fictícia cidade de Fairville, Califórnia. O ano é 1960, e o repórter em frente a um tribunal anuncia que o jovem Norman Bates acabou de ser condenado pelos crimes cometidos no “Psicose” original!
Vemos Norman (interpretado por Kurt Paul, que foi dublê de Anthony Perkins em “Psicose 2” e “Psicose 3”!) saindo do prédio, escoltado por policiais, para ser levado ao Sanatório Estadual de Dunsmore, onde cumprirá sua pena – provavelmente o mesmo lugar onde vimos o Norman Bates original na arrepiante conclusão do filme de Hitchcock. Rolam umas gracinhas, como quando o repórter de TV anuncia que a viatura que está conduzindo Bates passa em frente à lver’s Cutlery, “onde sua mãe costumava mandar afiar as facas da família”.
Pois no tal sanatório também está internado um garotinho, Alex West, que matou o próprio padrasto abusador. Como o menino Michael Myers em “Halloween”, Alex passa os dias em completo silêncio e com o olhar perdido. Até que o médico responsável pelo seu caso, o Dr. Goodman (Robert Picardo), percebe que o menino tem interesse em pássaros empalhados, e acha que é uma boa ideia forçar uma amizade entre ele e um paciente adulto – sim, Norman Bates!
Rola um salto no tempo e descobrimos que Alex e Norman realmente se tornaram grandes e inseparáveis amigos – mesmo que continue me parecendo uma ideia absurda juntar uma pobre criança e um psicopata que convivia com a própria mãe mumificada. E em 1987, o “tempo presente” quando BATES MOTEL foi lançado, o pobre Norman Bates morre por causas nunca explicadas, deixando ao agora adulto Alex (interpretado por Burt Cort) a escritura do seu Bates Motel!
O Dr. Goodman, que também envelheceu junto com o paciente (curioso como no cinema as pessoas nunca trocam de trabalho, né não?), sugere que chegou a hora de Alex voltar ao “mundo lá fora”, reabrindo o Bates Motel para provar à sociedade que está plenamente regenerado. Novamente, não me parece a melhor das ideias, já que obviamente o pobre Alex passou a vida inteira naquela sanatório, desde criança, e não faz a menor ideia do que o “mundo lá fora” representa, tampouco tem qualquer experiência para administrar um motel! Esse Dr. Goodman deve ser o pior médico/psiquiatra da história!
Mas bem, estamos num obra de ficção, e é assim que acontece: sem dinheiro, sem experiência, sem conhecer ninguém do lado de fora dos muros do Sanatório Estadual de Dunsmore, o pobre rapaz é despejado de volta na sociedade, e “boa sorte, tchauzinho” pra ele – o que imediatamente me lembrou o caso do Bandido da Luz Vermelha no Brasil, libertado depois de passar 30 anos na cadeia apenas para ser assassinado poucos meses depois num mundo que já não compreendia...
Milagrosamente, o Alex West que viveu sua vida entre muros de um sanatório não apenas dá sorte de chegar até Fairville, mas ainda encontra aquela que parece ser uma das únicas pessoas honestas da região: o construtor Henry Watson (Moses Gunn), que lhe oferece uma carona até o motel. E como coincidência pouca é bobagem, Watson também trabalhou para a família Bates quando jovem (!!!), e aproveita para contar a Alex (e ao espectador desavisado) a história assustadora por trás do imóvel e da família que o administrava.
Claro que nada disso importa para o nosso protagonista: ou porque é bobo/ingênuo, ou porque não tem outro lugar para ir, ou simplesmente porque é um louco não-recuperado a quem o bendito Dr. Goodman deu alta antes da hora, Alex resolve estabelecer-se no Bates Motel e pôr em prática um absurdo plano de revitalização do imóvel – lembre-se: o sujeito passou a vida num manicômio, não tem dinheiro e não conhece ninguém!
A chegada do protagonista ao seu novo imóvel é um dos momentos mais interessantes de BATES MOTEL, capaz de provocar um arrepio de nostalgia em todo fã do clássico de Hitchcock: Alex caminha pelo característico cenário usado na franquia, agora em ruínas (lembre-se que em teoria o motel está fechado desde 1960, e que “Psicose 2” e “Psicose 3” nunca aconteceram).
Ele passa pelos apartamentos com portas abertas e janelas escancaradas, pelo antológico luminoso (com o “No Vacancy” em destaque), e finalmente entra na recepção, que conserva os pássaros empalhados de Norman adornando as paredes do escritório. No velho e amarelado livro de registro, ainda aberto sobre o balcão, podemos ver como último registro “Marie Samuels, Los Angeles”, em julho de 1960. Foi o nome falso usado por Marion Crane ao se hospedar ali no filme de Hitchcock, horas antes de ser morta por Norman durante o banho de chuveiro mais famoso da história do cinema!
Ainda em clima de referência ao “Psicose” original, Alex pega a chave do quarto número 1 (aquele que, em 1960, hospedou a finada Marion Crane) e toma um banho de chuveiro, desta vez sem ser esfaqueado ao som da trilha de Bernard Herrman. E sim, eu também não entendo como pode haver energia elétrica e água corrente num imóvel fechado e abandonado há 20 anos, mas é assim que é.
Depois, nosso protagonista resolve instalar-se na casa da família, igualmente em péssimas condições, embora objetos pessoais dos Bates continuem guardados no local desde os anos 1960. E sem demora Alex descobre que não está sozinho no imóvel: ali também vive... uma galinha gigante? Não, é apenas Willie, uma jovem maluquete e sem-teto interpretada por Lori Petty (a futura Tank Girl, no filme de Rachel Talalay), que trabalha vestida de galinha para uma rede de fast-food das proximidades!
Willie é aquela típica garota descolada que o cinema dos anos 1980 adorava mostrar: com jaqueta de couro e jeans rasgados nos joelhos, ela passa o filme falando alto e rápido, gesticulando e enchendo o saco de todo mundo, mas era para isso ter funcionado como alívio cômico (hoje me parece simplesmente insuportável). Ela convence Alex a deixá-la ficar por perto como uma espécie de “sócia”, para garantir que ninguém o enrole em seu projeto de reabrir o motel. Assim, Willie seria a sidekick do protagonista caso a série tivesse vingado. Graças aos céus que não vingou!
No dia seguinte, Alex vai ao banco local pedir um empréstimo para reformar o imóvel. É atendido pelo seboso Tom Fuller (que desde já sabemos que não presta porque é interpretado pelo Gregg Henry, de “Dublê de Corpo”). O bancário fica estupefato ao perceber que o rapaz tem uma área de terra cobiçada por todo investidor da região, mas pretende reabrir o motel ao invés de construir um condomínio ou edifício no local. Porém, percebendo que está diante de um bobo/ingênuo (ou louco), libera-lhe um empréstimo sob condições absurdas, de maneira que o imóvel possa reverter para o banco quando Alex não conseguir quitar sua dívida.
O restante desta primeira hora de BATES MOTEL acompanha as obras de revitalização do icônico imóvel, que Alex e Willie procuram deixar da forma mais brega e “anos 1980” possível – incluindo uma fonte no centro do estacionamento e um novíssimo restaurante/café para atrair motoristas.
Só que, durante as obras, coisas estranhas começam a acontecer. No casarão dos Bates, a cadeira-de-balanço da velha mãe de Norman se mexe sozinha. Um vulto vestido de preto pode ser visto, às vezes, naquela famosa janelinha do segundo andar da casa. Finalmente, os operários parecem assombrados por alguma espécie de maldição: quando não são eletrocutados ao encontrar cabos de força nos lugares errados, estão desenterrando cadáveres secretamente sepultados no entorno do motel!
O primeiro esqueleto a aparecer, dentro de um caixão, é o da própria Sra. Bates! Quando o xerife local (Lee de Broux) é chamado para ver a ossada, ele confirma que nunca chegaram a encontrar o cadáver da velha – o que, claro, é um completo absurdo, porque o esqueleto estava no porão da casa no final de “Psicose”, quando Norman foi preso, e não houve tempo algum para que ele pudesse enterrar a mamãe! A prefeitura resolve pagar um enterro cristão para a Sra. Bates, mas durante o velório (do qual praticamente todo o elenco fixo do piloto participa) Alex enxerga novamente o vulto da mulher de preto por alguns poucos segundos.
O segundo cadáver desenterrado é de ninguém menos que Jake Bates, o pai de Norman! Acontece que, na cronologia deste BATES MOTEL, o sujeito sumiu misteriosamente e nunca foi encontrado até então – o velho Watson, que funciona como enciclopédia oficial sobre a história da família neste piloto, alega que Jake era um mulherengo e provavelmente foi morto e sepultado pela própria esposa.
O esqueleto convenientemente usa um anel com as iniciais “J.B.”, que, ainda segundo Watson (hehehe), o finado nunca tirava do dedo. Isso tudo contraria o “Psicose” original, tanto livro quanto filme, em que o pai (que nunca chegou a ser chamado de Jake) morreu quando Norman ainda era garoto, sem qualquer menção a desaparecimento ou crime passional.
Quando parece que BATES MOTEL vai ficar nisso (vultos e esqueletos aparecendo pelos arredores do imóvel), a meia hora final traz uma trama completamente diferente, acompanhando a primeira hóspede do recém-inaugurado motel, agora sob nova direção de Alex West. A honra cabe à escritora Barbara Peters (Kerrie Keane), que na verdade pretende cometer suicídio na banheira do quarto após três casamentos fracassados – como são zicados esses banheiros do Bates Motel, não? Sem esquecer que o subplot da suicida no banheiro foi emprestado diretamente de “Psicose 3”...
Porém, no momento em que Barbara está para acabar com tudo no fio de uma navalha, uma menina entra por acidente no seu quarto e interrompe o suicídio. Acontece que o Bates Motel foi repentinamente invadido por um grupo de adolescentes saídos do seu baile de formatura – todos vestidos como se estivessem nos anos 1950! Eles resolveram continuar a festa no local, com banda tocando rock e tudo mais (legal que o “novo” Bates Motel tem um espaço para eventos e shows, hein?).
A menina convence a suicida em potencial a abandonar seus planos e juntar-se à molecada na festa. Ali, Barbara conhece um rapaz introspectivo chamado Tony, com quem tem um lance rápido. O interessante é que a diferença de idade entre os dois (ela quarentona, ele menor de idade) nunca é mencionada; mas, bem, estamos nos anos 1980! E o fato de Tony ser interpretado por um jovem Jason Bateman, com a maior cara de virjão do Universo, torna a cena toda muito mais engraçada.
Só que aí rola a reviravolta: Barbara descobre que todos aqueles jovens são, na verdade, FANTASMAS (!!!) de adolescentes que se suicidaram nos anos 1950 (por isso suas roupas e carros demodê), que voltaram dos mortos apenas para dizer-lhe que o “outro lado” é um vazio imenso e não vale a pena acabar com a própria vida. Por que diabos o restante do staff do Bates Motel também vê os fantasmas, e não apenas Barbara, nunca fica claro.
Este segmento terrível dá uma ideia de como seriam as futuras temporadas de BATES MOTEL, caso essa desgraça tivesse vingado como seriado. Os episódios não iriam girar em torno de Norman ou sua fantasmagórica mãe, pois o assunto com ambos é encerrado definitivamente ainda neste piloto. Tampouco teríamos hóspedes sendo mortos, no chuveiro ou fora dele, a cada semana – nesta introdução aqui não morre absolutamente ninguém, a não ser que consideremos os fantasminhas camaradas. Logo, a possível série contaria histórias independentes, com o novo Bates Motel funcionando como catalisador de ocorrências misteriosas e/ou fantasmagóricas, que provavelmente assombrariam os novos hóspedes do local. O que exatamente Richard Rothstein estaria preparando para o futuro, jamais saberemos. Também jamais saberemos porque ele escolheu justamente a história mais desinteressante para dar início aos trabalhos...
Ainda falta um pouquinho para o piloto encerrar, e nesse finalzinho temos um desfecho também para as aventuras de West e seus sidekicks Willie e Watson (Trio WWW?). Eis que Alex está voltando para o casarão, para uma boa noite de sono após um dia de trabalho, quando se depara com ninguém menos que O FANTASMA DA SRA. BATES, no topo da escada onde, 27 anos atrás, ela (ou Norman travestido) esfaqueou o rosto do detetive Arbogast no filme de Hitchcock!
É o mais perto de algo assustador que acontece no telefilme inteiro: a assombração ameaça Alex, com um facão em punho, dizendo que ele deve ir embora e nunca mais voltar. Mas eis que Watson surge de repente, derruba a fantasma no chão (!!!) e, num hilário momento Scooby-Doo, arranca a máscara de caveira mumificada, revelando o rosto de... tcham-tcham-tcham! Aquele bancário escroto que “ajudou” Alex mais cedo, e que obviamente só o fez para tentar assustá-lo e ficar com a cobiçada área de terra (eu disse que não dava para confiar no Gregg Henry!).
Parece que a coisa não pode piorar, mas BATES MOTEL ainda revela uma segunda reviravolta – de, com o perdão do trocadilho, fazer Hitchcock se revirar no túmulo. Antes que o vilanesco bancário possa olhar para a câmera e dizer “Eu teria conseguido se não fosse por esses garotos xeretas e esse cachorro vira-lata!”, eis que o FANTASMA DA SRA. BATES realmente aparece.
Furiosa com a intrusão do bancário crossdresser, a nova assombração o ameaça de facão em punho, alheia às outras pessoas no recinto. Depois que o vilão-de-araque praticamente mija nas calças de medo, esta nova Sra. Bates também tira a máscara de caveira mumificada... Era apenas Willie fantasiada, tentando dar ao coitado do vilão uma dose do próprio remédio! Mas cáspita, quantos vestidos pretos e máscaras de Sra. Bates essa gente tem afinal?
Felizmente, já não há mais tempo para um terceiro fantasma falso aparecer (mas seria engraçado se acontecesse pela TERCEIRA vez), e BATES MOTEL encerra com Alex West olhando diretamente para a câmera e dizendo: “Sabe, com um pouco de sorte, acho que vamos nos dar bem aqui”. Sabendo que o piloto foi um fracasso tremendo, a afirmação fica involuntariamente engraçada.
“Oh, e a propósito, se um dia você quiser um quarto, apareça! Nunca se sabe o que poderá encontrar”, conclui o novo anfitrião do Bates Motel, confirmando que, caso a série tivesse vingado, veríamos histórias independentes com o local como cenário. Felizmente, continuamos todos sem saber o que poderíamos encontrar...
Não é difícil entender o fracasso de BATES MOTEL na época em que foi originalmente transmitido. Até porque o negócio continua ruim demais mesmo para os padrões de hoje. Os novos protagonistas são fraquíssimos, a tentativa de cortar todos os laços possíveis com a narrativa do “Psicose” original não funciona, e a ideia de usar apenas o motel da família Bates como cenário principal, quase como protagonista da coisa toda, jamais se justifica (não é como se o motel fosse assombrado no filme original). A primeira historinha independente escolhida, da hóspede suicida com os fantasminhas camaradas, é desinteressante e nada tem de assustador, e a ausência da famosa trilha sonora de Bernard Herrman em algum lugar tampouco ajuda.
Em comparação, é como se aquele velho seriado inspirado (só no título) em “Sexta-feira 13” trouxesse unicamente tramas passadas no acampamento de férias Crystal Lake, mas sem Jason, sem máscara de hockey, sem a trilha sonora característica dos filmes – o formato e a variedade de histórias a serem contadas se esgotaria bem rapidinho, e o espectador iria trocar de canal ao invés de assistir três temporadas, como fez com “Sexta-feira 13: O Legado”...
Bud Cort também não é a pessoa mais indicada para carregar uma série nas costas. Com feições delicadas, lembrando uma criança crescida, o ator é mais lembrado até hoje pelo papel do problemático Harold no clássico “Ensina-me a Viver”, de Hal Ashby. Depois ele jogou a carreira fora com diversas escolhas equivocadas (esta, inclusive).
Ao interpretar seu Alex West com uma permanente expressão de bobo, e um jeitão assustado/inofensivo, Cort faz com que BATES MOTEL fique sem um protagonista interessante. É como se Alex West fosse um louco não-recuperado, que nunca deveria ter sido libertado do sanatório. Talvez o projeto todo fosse mais interessante se a influência de Norman Bates no protagonista, durante os quase 30 anos que passaram juntos, fosse NEGATIVA, e não de amizade, e o piloto terminasse dando qualquer pista de que Alex poderia se tornar ele próprio um homicida com o desenrolar da série.
Já a falastrona Willie, que faz o contraponto “malandra da quebrada” à ingenuidade e timidez de Alex, não funciona nem como alívio cômico, nem como personagem feminina decente – Willie, aliás, é tão assexuada em nome, figurinos e corte de cabelo que poderia ser interpretada por um rapaz sem que uma única linha do roteiro precisasse ser alterada.
Diz a lenda que em 1986, na época do lançamento de “Psicose 3”, o autor Robert Bloch (responsável pelo livro que deu origem ao original de Hitchcock) declarou que logo estariam fazendo uma comédia estilo “Abbott and Costello Meet Norman Bates”. A julgar pelo tom cômico da dupla Alex e Willie aqui, Bloch sem querer fez um comentário visionário! Claro que esse tipo de humor não funciona, e nem faz qualquer sentido no universo de “Psicose”. Mas, embora o roteiro seja muito sem graça, existe pelo menos um momento genuinamente divertido: logo no início, ao ler o testamento de Norman, o advogado começa “Eu, Norman Bates, estando são de mente...”, e a seguir arregala os olhos!
Fãs de “Psicose”, tanto do clássico quanto das sequências, pelo menos terão um mínimo de diversão com as cenas que se passam em cenários conhecidos (tipo a piadinha de pôr Bud Cort tomando banho de chuveiro no famigerado quarto número um...). Quem sabe, se o seriado vingasse, no futuro Alex poderia descobrir o buraco na parede por trás do quadro “Suzanne et les Vieillards”, de Frans van Mieris, por onde Norman Bates observou Marion Crane se despindo para tomar banho em “Psicose”. Ou mais podres escondidos pela família no local. Quando este piloto menciona a enorme dívida com o banco que Alex contrai, eu juro que pensei que eles poderiam encontrar, em algum momento, aquele dinheiro roubado por Marion Crane em “Psicose”, e que talvez a mocinha tivesse escondido dentro do quarto de motel esse tempo todo!
Só que ao mesmo tempo em que demonstra certo respeito pelo material (ao usar detalhes como a página de 1960 no livro de registros do motel), Richard Rothstein também comete uns erros bem amadores relacionados à mitologia da série. A cidade fictícia em que se passa a história, por exemplo, chamava-se Fairvale, e não Fairville. Já a mãe de Norman, que se chamava Norma nos filmes, sem nenhuma justificativa virou Gloria Bates aqui.
No fim, o mais sensato nessa história toda foi Anthony Perkins. Nos primeiros estágios da produção do piloto, o ator foi procurado para reviver Norman Bates. Talvez ele fosse o protagonista da futura série, o que certamente tornaria o programa mais interessante – um homicida regenerado tentando se readequar à sociedade e tocar seu motel, enquanto fatos misteriosos acontecem ao seu redor ao longo dos episódios. Só que Perkins não se convenceu e pulou fora. Em 1988, numa convenção de horror, perguntaram ao ator o que ele tinha achado de BATES MOTEL, e seu único comentário foi: “Simplesmente terrível”. Ironicamente, ele reapareceu mais tarde como Norman Bates no telefilme “Psicose 4 – A Revelação” (1990), de Mick Garris, que também é bem ruim e o capítulo mais fraco da série (tá, não tão fraco quanto BATES MOTEL, mas...).
25 anos depois, com o surgimento de um outro “Bates Motel” como seriado de TV (desta vez bem-sucedido), este piloto fracassado, que tinha sido varrido para a lata de lixo da história, ganhou uma segunda chance. Embora terrível em todos os departamentos, é uma daquelas tragédias que alguns cinéfilos gostam de redescobrir nem que seja movidos por curiosidade mórbida.
Fãs de “Psicose” de várias gerações começaram a correr atrás do “Bates Motel que não deu certo”, e que durante anos só existiu em fita cassete – disputada como relíquia de colecionador em sites tipo E-Bay e Mercado Livre. No Brasil, o piloto foi lançado pela CIC Vídeo mais de 30 anos atrás, e estava fora de catálogo desde então (abaixo, a fita que tenho na minha coleção).
Percebendo o interesse renovado por algo que foi ignorado em sua época, a Universal lançou, há algum tempo, um box de DVD chamado “Midnight Marathon Pack: Psychos”, que traz as três sequências de “Psicose” mais BATES MOTEL. Infelizmente, esta edição nunca chegou ao Brasil: as sequências saíram cada uma em seu DVD separadamente, enquanto o piloto fracassado permanece inédito em mídia digital no país. Claro que, procurando bem, é possível encontrá-lo em sites de compartilhamento de filmes, e então descobrir com os próprios olhos porque isso falhou em virar seriado em 1987. Tudo considerado, entretanto, ainda é melhor que aquele injustificável remake cena a cena feito pelo Gus Von Sant...
PS 1: O inconfundível George 'Buck' Flower faz uma pontinha no papel pelo qual ficou marcado – o de mendigo bêbado!
PS 2: O diretor-roteirista Rothstein, que faleceu em 2018, é mais lembrado e celebrado como um dos responsáveis por escrever um certo blockbuster de 1992, sobre soldados mortos no Vietnã ressuscitados para serem reutilizados como arma de guerra. Exatamente: “Soldado Universal”, com Van Damme e Dolph Lundgren!
Comercial de TV de BATES MOTEL
7 comentários:
"HOTEL BATES" passou na TV Aberta umas duas vezes na TV Globo ,ás duas vezes foi no Corujão quando esse exibia filmes inéditos as vezes nas madrugadas de sexta para sábado e de sábado para domingo ,eu assisti nessa época em
esse filme passou na TV e achei horrível e quando saiu em VHS ,eu vi esse fita na locadora que tinha no meu antigo bairro que morava e nem quis aluga-lo ,pois já tinha assistido ele na TV .
Mestre Felipe ,"THE HITCHHIKER" passou no Brasil como o titulo de "O CARONA" foi exibido na Rede Globo entre 1985 ate 1992 ,seus episódios eram exibidos depois da "'SESSÃO DE GALA" nos sábado e depois em 1992 seus episódios foram reprisados depois dos filmes do "CORUJÃO" ,mas pouco tempo durou e depois foi substituído pela á serie "ESQUADRÃO CLASSE A" ,era uma grande serie de terror da década de 80 ou ate mesmo á melhor dela ,eu adorava as suas historias eram historia de muito suspense e que prendia muito atenção do telespectador ,foi lançado em DVD nos E.U.A ,com poucos episódios e cortes ,pois serie em si mostrava nudez ,isso por que ela exibida pelo o canal á cabo HBO ,á censura americana não interfere no conteúdo das TV's á cabo.
" SEXTA-FEIRA 13 - O LEGADO" foi exibido no Brasil como "LOJA DO TERROR " foi exibido na todas as quinta -feira ,substituído "MISSÃO IMPOSSIVEL" na Rede Globo e depois ele foi exibido na TV Gazeta em parceira com á TV Globo em 1990 ... mas poucos episódios foram exibidos .
Parabéns por mais essa postagem de filmes que não viraram series de TV e fracassaram .
Um Abraço de Spektro 72
A serie Terror de Freddy Kruger na verdade tinha relação direta a A Hora do pesadelo,era basicamente as crianças que Freddy tinha tão pouco interesse em matar que nem aparecia nos pesadelos dels
Do jeito que a coisa anda não duvido que façam um seriado do "Tubarão". Se até o "Critters", uma obscura cópia de "Gremlins dos anos 80, ganhou seriado, porque não o filme do Spielberg?
Inclusive o Jack Deth de Trancers, já resenhado no filmes para Doidos e cuja resenha foi dedicada a mim (valeu, Felipe!) quase ganhou um seriado nos anos 90.
Há quem diga que o foco da produção audiovisual hoje em dia está em seriados por causa da revolução dos streamings. Tendo a concordar porque cada vez mais vejo mais pessoas falando sobre qual seriado assistem no netflix do que o último filme que viram no cinema, ou seja, estamos vivendo uma situação oposta à de 30 anos atrás.
No caso pelo nivel de tosquice, esse Bates Motel faz parte de uma trilogia composta por "Psicose Remake" e "Loucos, Birutas e Debiloides" kkkkk
Lembro que fizeram o remake cena-a-cena de Psicose porque "o original é clássico, só vamos fazer uma versão 'colorida' dele".
Sobre a primeira tentativa de levar Psicose para a TV, deu com os burros n'água mas fizeram um autêntico filme para doidos!
Achei bem na pegada de “Ilha da Fantasia”, e que alguém chegava a ilha com alguma angustia ou insatisfação e acaba sendo convencido de que se aceitar é melhor e bla bla bla. Acho que seria mais ou menos isso os episódios, como a suicida que muda de ideia de se matar na segunda metade do filme. É um conceito bem chatinho, mas fazia certo sucesso na época, tendo outras cópias como “O Barco do Amor” com a mesma ideia.
Crítica fantástica, amei demais
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