No começo deste século, Hollywood começou a importar alguns atores e atrizes do Brasil para aparecer em suas megaproduções. Rodrigo Santoro abriu as porteiras em 2003, fazendo uma pequena participação como peguete da Demi Moore em “As Panteras: Detonando”, seguida de papéis de destaque em filmes como “300”, “O Golpista do Ano” e o popular seriado “Lost”. Depois foi a vez de Alice Braga, que começou dividindo o protagonismo com Will Smith em “Eu Sou a Lenda” (2007), e desde então fez longas populares como “Ensaio Sobre a Cegueira”, “Predadores” e até a novíssima aventura do Marvel Studios, “Os Novos Mutantes”. E Wagner Moura foi o terceiro, começando com “Elysium” em 2013, para logo depois ganhar o papel de Pablo Escobar no seriado “Narcos” – atualmente, ele está cotado para estrelar o novo filme de Brian De Palma!
Se esses já começaram bem, estreando lá fora em blockbusters e rodeados de astros e estrelas de Hollywood, houve quem tentasse entrar na “Fábrica dos Sonhos” pela porta dos fundos. É o caso de Luciano Szafir. Mais conhecido aqui no Brasil pela sua participação em novelas diversas (ou, para alguns, como o pai da Sasha Meneghel), Szafir nunca foi ator dos mais brilhantes, tampouco dos mais expressivos. Mas, por ironias do destino, ele acabou fazendo um filme nos Estados Unidos na mesma época em que Rodrigo Santoro e Alice Braga estavam começando a trabalhar nos States.
Vá lá que foi bem longe de Hollywood, e bem longe dos blockbusters dos grandes estúdios, numa produção barata (250 mil dólares, segundo algumas fontes) que deve ter custado o salário de algum dos assistentes de “As Panteras: Detonando” ou “Eu Sou a Lenda”. Bem, o que vale é a intenção, certo? E o fato de a estreia “quase hollywoodiana” de Szafir ser um filme de horror, daqueles repletos de mulher pelada e sangue, torna a coisa toda ainda mais obrigatória.
Estamos falando, claro, de NIGHTMARE MAN (2006), uma obra no mínimo bizarra, que a participação do nosso galã verde-e-amarelo deixou muito mais divertida! Também é uma façanha que inscreve o nome de Szafir no seleto grupo dos artistas brasileiros que foram para o exterior para se sujar de sangue falso no set de produções baratas de horror, ao lado de Florinda Bolkan (massacrada por Lucio Fulci em “O Segredo do Bosque dos Sonhos”), Norma Bengell (“O Planeta dos Vampiros”) e Esmeralda Barros (“O Castelo de Drácula”), entre outros e outras.
Mas e qual é a do filme, afinal? Senta aí que vou contar tudinho...
NIGHTMARE MAN começa como todo bom filme de horror classe B: numa casa qualquer e numa noite escura. Ali encontramos o casal Bill (Szafir!!!) e Ellen (Blythe Metz). Enquanto Santoro estreou em Hollywood saindo todo molhadinho do mar em “As Panteras: Detonando”, a entrada em cena do galã de rodoviária Szafir é saindo de um banho de chuveiro, enrolado numa toalha, mostrando o físico de muso latino-americano e o peito cabeludo. Percebem algum padrão?
Aparentemente, o casamento de Bill e Ellen está em crise. Pelo pouco que eles conversam nesta cena inicial, o rapaz pode inclusive ser impotente – embora a Xuxa tenha alguns argumentos bem convincentes para provar o contrário. Mas seus problemas acabaram, pois Ellen comemora a chegada da sua encomenda vinda de Roma (!!!): uma máscara africana, feita à mão, que supostamente representa o Deus da Fertilidade. “Precisamos de toda ajuda possível”, justifica ela. E quando você precisa apelar para esse tipo de misticismo, a coisa está mesmo feia, hein ô Szafir? (A propósito: será que essa gente nunca ouviu falar em Viagra?)
Ao fazer o unboxing da sua encomenda, a moça se depara com algo bem pouco excitante: a tal máscara é uma carranca com feições demoníacas, que lembra tanto uma versão indígena da máscara de “Demons” (1985), do Lamberto Bava, quanto o rostinho do clássico boneco Zuni – aquele que perseguia a Karen Black no terceiro e melhor segmento do telefilme “Trilogia do Terror” (1975).
O primeiro comentário do nosso querido Szafir ao ver a “máscara de fertilidade”, pronunciado num inglês cheio de sotaque, é hilário e já faz sua estreia em Hollywood (ou perto disso) muito mais memorável do que a de Rodrigo Santoro no filme d’As Panteras: “Até parece que esse negócio vai me ajudar a levantar! E o que os chifres deveriam representar?”. Coisa fina!
Entre frustrada e assustada, Ellen atira a máscara num canto e vai tomar banho, com direito à tradicional cena de nudez gratuita debaixo do chuveiro. Mas então acaba a energia elétrica da casa e tudo fica na escuridão. Como toda boa personagem de filme de horror B, a moça sai no escuro em busca de Bill, perambula pela casa apenas com uma lanterna e vai checar a caixa de fusíveis (que, também como em todo filme de horror B, sempre fica no escuro porão ou no escuro sótão).
Antes que possa fazer qualquer coisa em relação à energia elétrica, a moça é atacada por um homem vestido de preto e usando a tal máscara de fertilidade. Ela pensa que é Bill fazendo uma brincadeira de mau gosto. Mas, ao arrancar a máscara do rosto do vulto, Ellen descobre que por baixo há uma carranca demoníaca ainda mais aterrorizante – trata-se do “Homem-Pesadelo” anunciado pelo título. Sem conseguir reagir, ela é subjugada e violentada pelo monstro!
Um corte abrupto e reencontramos Ellen e Bill num carro a caminho de um hospital psiquiátrico. “Mesmo pesadelo?”, pergunta Bill. “Eu já disse que não foi um pesadelo”, protesta a esposa. Ao que parece, o tal ataque seguido de estupro que vimos no início foi apenas um sonho recorrente, ou coisa da imaginação da moça. Mas ela ficou tão traumatizada que vive com medo de um possível retorno do Nightmare Man, tratando-se à base de pílulas que são obviamente Tic-Tacts.
Por sua vez, Bill tem certeza de que a esposa está ficando maluca, e por isso pretende deixá-la no manicômio para que ela possa curar sua obsessão. “E se você criou esse homem como uma metáfora para nossos problemas íntimos?”, sugere o rapaz, naquele inglês com sotaque carregado que lembra muito a maneira como o belga Jean-Claude Van Damme falava em seus primeiros filmes.
Mas estamos num filme de horror, e não há tempo a perder com psicologia barata ou sotaques carregados: ainda a caminho do hospital, o carro do casal fica sem gasolina, o celular obviamente não tem sinal, e Bill é obrigado a caminhar 16 quilômetros até um posto de beira de estrada para pegar combustível, deixando Ellen sozinha no automóvel – e numa estrada completamente deserta.
Anoitece, nada do maridão voltar, e eis que o tal Nightmare Man volta a dar as caras para assombrar a pobre moça. Talvez seja só um pesadelo, talvez seja só coisa da sua mente, mas ela não pretende ficar ali parada para descobrir: Ellen sai correndo pela floresta e, após uma longa perseguição que lembra a série “Pânico” (porque o vilão fica tomando porrada da mocinha o tempo todo), encontra uma cabana isolada no meio do mato, onde dois casais de adolescentes se preparam para um final de semana de diversão, à la jovens em slasher movies. Eles são os noivos Trinity (Hanna Putnam) e Jack (James Ferris), e os promíscuos Mia (a deliciosa Tiffany Shepis) e Ed (Jack Sway)
O Nightmare Man desaparece antes que a ajuda possa chegar, enquanto Ellen, ensanguentada e aos gritos, é acolhida pela garotada na cabana. Parece que estamos diante do cenário clichê de um slasher tradicional, e que o vilão vai começar a matar todos para chegar até seu alvo prioritário, certo?
Mas é a partir daqui que NIGHTMARE MAN começa a provocar o espectador e mostrar pretensões maiores do que as de um horror classe B tradicional. Quando um dos jovens consegue falar com Bill pelo celular, o maridão comenta que sua esposa é louca e pode representar um perigo a si mesma e aos demais, que o Nightmare Man não existe e que, se ela está ferida, provavelmente foi a própria Ellen que se machucou enquanto “lutava” com um antagonista imaginário! E agora?
Isso tudo acontece na primeira meia hora de NIGHTMARE MAN, e a partir de então o roteiro segue fazendo o espectador questionar, o tempo inteiro, os rumos que a trama irá tomar – o que não é pouca coisa em se tratando de um terror classe B. Será que o vilão realmente existe, ou é um truque de Bill para deixar a esposa maluca e justificar sua internação? Ou será ainda que é tudo coisa da imaginação esquizofrênica de Ellen, e no fim ela mesma é o Nightmare Man, estilo Tyler Durden? E se for tudo um horror sobrenatural à la “Evil Dead”?
Três reviravoltas praticamente simultâneas, e pelo menos uma delas bastante inesperada, acabam mudando tudo o que você pensava sobre a história no começo, levando a uma conclusão sangrenta que muda o cenário do slasher para o horror sobrenatural...
Ok, eu não vou mentir para vocês: NIGHTMARE MAN exige alguma paciência no início, mesmo para adoradores de filmes na linha “tão ruim que é bom”. Porque o comecinho é bastante irregular, amontoando clichês (problema no carro, celular que não funciona, marido que desaparece) de maneira repetitiva e desinteressante, embora tudo vá se justificar mais adiante.
A história só começa a ficar realmente intrigante a partir do momento em que Ellen chega na cabana onde estão os quatro jovens, e tenho que tirar o chapéu para a maneira como o diretor-roteirista Rolfe Kanefsky consegue levar a trama a partir dali. De repente, aquele clima mais sério de “thriller produzido para a TV” dá lugar a uma atmosfera bobalhona e exagerada de horror direct-to-video dos anos 1980-90, com mortes sangrentas, insinuações sexuais e até Tiffany Shepis segurando uma besta (aquele arco-e-flecha em estilo medieval) vestindo apenas sutiã, calcinha e botas de cano alto!
Caso não tenha reconhecido o nome do responsável por NIGHTMARE MAN, Rolfe Kanefsky é um cineasta independente nova-iorquino que, em 2006, já tinha uma longa e prolífica carreira, fundamentada em produções baratas de horror ou filmes eróticos softcore.
Sua filmografia é sui generis e merece uma análise mais aprofundada no futuro. Ele começou a chamar a atenção com um terror autorreferente chamado “There's Nothing Out There”, de 1992. Produzido e lançado antes de “Pânico”, de Wes Craven, seu filme já trazia personagens fãs de horror citando os clichês do gênero. (A obra é mencionada o tempo todo em NIGHTMARE MAN: um dos personagens usa uma camiseta com o título, enquanto outros vivem repetindo que “Não há nada lá fora!”)
Em seguida, Rolfe embarcou numa pegada softcore, dirigindo desde aventuras da série “Emmanuelle 2000” (que no Brasil eram reprisadas com frequência na Sexta Sexy/Cine Privê, da Band) até adaptações de quadrinhos do gênio Milo Manara!
Em seguida, Rolfe embarcou numa pegada softcore, dirigindo desde aventuras da série “Emmanuelle 2000” (que no Brasil eram reprisadas com frequência na Sexta Sexy/Cine Privê, da Band) até adaptações de quadrinhos do gênio Milo Manara!
Na véspera de trabalhar com nosso galã Luciano Szafir, Kanefsky tinha voltado a apostar nos filmes de horror baratos. Três deles chegaram às videolocadoras brasileiras, embora tenham passado praticamente em branco: “The Hazing / Jovens Amaldiçoados” (2004), com Brad Dourif no elenco; “Corpses / Dr. Morte” (2004), com Jeff Fahey, e “Jacqueline Hyde / A Fórmula” (2005), este último estrelado pela mesma Blythe Metz aqui de NIGHTMARE MAN.
E embora o realizador já tivesse uma ampla filmografia, com 14 filmes até aquele momento, foi NIGHTMARE MAN que ganhou mais destaque, por ter sido selecionado para distribuição pelo selo “8 Films to Die For” (8 Filmes de Morrer, em tradução livre). Na época, o festival de cinema fantástico norte-americano After Dark Horrorfest costumava selecionar oito produção independentes todo ano para lançar comercialmente nos cinemas e em DVD, dentro deste projeto “8 Films to Die For”. A prática garantia uma visibilidade nunca antes obtida por alguns pequenos produtores, e durou até 2015.
Encontrei Kanefsky nas redes sociais e ”conversamos por e-mail”. O homem é a simpatia em pessoa, e contou histórias hilárias sobre seu passado fazendo sexploitation e o caminho até NIGHTMARE MAN – parte dessas histórias deixaremos para um futuro próximo. Segundo ele, as filmagens do horror com Luciano Szafir foram em agosto de 2005, enquanto o lançamento em alguns festivais aconteceu em 2006. Mas o filme jamais teria qualquer distribuição nos Estados Unidos se não fosse pela seleção como um dos “8 Films to Die For” de 2007, confirma o próprio diretor.
“Isso foi como uma dádiva de Deus, porque até aquele momento todas as empresas de distribuição tinham recusado o filme. Nós não conseguimos nem um lançamento direto para vídeo, e de repente, quase três anos depois de pronto, o filme ganhou cópias em 35 mm e recebeu lançamento comercial em 500 cinemas! Também apareceu muito na imprensa, mas infelizmente isso não abriu nenhuma porta e nunca recuperamos nosso dinheiro”, lamentou Rolfe, completando: “Meus pais investiram a maior parte do que foi gasto no filme, como haviam feito no meu primeiro longa, ‘There’s Nothing Out There’. Ouvi dizer que NIGHTMARE MAN foi extremamente bem-sucedido para o After Dark e para a Lions Gate [responsável pela distribuição], mas os cineastas nunca viram um centavo”.
Uma das coisas mais legais em NIGHTMARE MAN (além da curiosidade da presença de Luciano Szafir para nós, brasileiros) é que as mocinhas não estão no elenco só para aparecer peladas (embora o façam), elas também enfrentam o antagonista ao invés de ficar gritando, até enchem ele de porrada. E os personagens do filme são mais inteligentes do que a média desse tipo de produção.
Diante da menor possibilidade de uma ameaça rondando a casa, por exemplo, Tiffany saca uma besta para se defender (“Há ursos na região, é preciso se prevenir”, anuncia, para justificar a existência da prosaica arma na cabana). Quando Ellen aparece ferida e alegando estar sendo perseguida por um assassino, a primeira coisa que os jovens fazem é apagar as luzes da cabana, para que não possam ser vistos pelo vilão do lado de fora através das vidraças. Finalmente, quando suspeitam que realmente pode haver algo lá fora, os jovens ficam TODOS JUNTOS (ao invés de se separar estupidamente, como em qualquer sequência de “Sexta-feira 13”), barricados atrás de um sofá e apontando uma arma para a única porta por onde o vilão poderia entrar!
Mas é claro que essa suposta inteligência não interfere em outros elementos tradicionais do subgênero slasher, que NIGHTMARE MAN reverencia e homenageia. As mortes são bem sangrentas, repetindo inclusive aquele momento da “facada no pescoço que faz a ponta da faca aparecer no interior da boca da vítima”, visto na obra-prima “Terror na Ópera” (1987), de Dario Argento.
E a personagem de Tiffany Shepis é a típica garota safadinha desse tipo de produção, que fala de sacanagem o tempo inteiro e, claro, vai aparecer peladona diversas vezes. E inclusive neste departamento o filme brinca com as expectativas do espectador, pois é a loirinha Hanna Putnam, interpretando a pudica Trinity, quem irá protagonizar uma das cenas mais, digamos, interessantes do filme, ao simular um exagerado e barulhento orgasmo durante uma brincadeira de “truth or dare” (a cena é editada de maneira divertida, com os gritinhos e espasmos da moça sendo usados em contraste com takes de Ellen lutando com o Nightmare Man na floresta!).
Para quem acompanha a cena do horror direct-to-video, Tiffany Shepis já é um nome bastante conhecido: a moça estreou no cinema em produções-podreira da Troma, como “Tromeo & Julieta” (1996), “Terror Firmer” (1999) e “Citizen Toxie: The Toxic Avenger IV” (2000). Desde então, já fez quase 150 filmes, aparecendo inclusive em produções pregressas do diretor Kanefsky (dos softcores da série “Emmanuelle 2000” até suas produções de horror). Mais recentemente, e já com fama de “atriz cult”, integrou o elenco de franquias de sucesso como “Sharknado 2” (2014) e “Terror no Pântano 4” (2017).
Já o caso de Hannah Putnam é o completo oposto: se Tiffany Shepis já era um nome razoavelmente popular na época das filmagens, Hannah era uma desconhecida garçonete que sonhava ser estrela de cinema. Rolfe a conheceu por acaso na lanchonete onde ela trabalhava, se encantou com a moça e a chamou para fazer o filme – sua estreia no cinema. O papel originalmente exigia nudez, mas ela se sentia desconfortável para aparecer pelada. Como Tiffany e Blythe já cumpriam a cota de peitolância, o diretor resolveu que a simulação de orgasmo já estava de bom tamanho para a estreante. Logo depois, Hannah abandonou o trabalho na lanchonete para dedicar-se integralmente à carreira de atriz, e segue fazendo filmes até hoje (sua participação mais popular foi na trilogia “Feast / Banquete no Inferno”).
Em nossa troca de e-mails, Rolfe comentou sobre o festival de referências em seu filme, que presta reverência a três décadas de cinema fantástico, os anos 1970, 80 e 90: “Pensei que seria divertido criar uma história simples, que começa como um suspense sutil e uma vibe de produção para a TV dos anos 1970, como ‘Criaturas da Noite’ e ‘Trilogia do Terror’. O ‘When a Stranger Calls’ original também foi uma inspiração. Então, meu filme se torna um horror tipo ‘Sexta-feira 13’ e ‘Halloween’, quando eu abraço os filmes de terror dos anos 1980 e tento me divertir com isso. Mas no final o sobrenatural assume o controle, e é aí que surgem fortes influências de ‘Evil Dead’, ‘Demônios da Noite’ e ‘A Noite dos Demônios 2’. E então, na última cena, o roteiro vai ‘full circle’ com uma última imagem que é uma homenagem total a Karen Black em ‘Trilogia do Terror’. Algumas pessoas disseram que o filme inteiro é uma homenagem a ‘Trilogia do Terror’, e de muitas maneiras elas estão certas. Eu queria inclusive que a máscara [do Nightmare Man] fosse muito semelhante ao boneco Zuni de ‘Trilogia do Terror’, embora eu veja muitas comparações com ‘Demons’ e ‘A Máscara de Satã‘. Mesmo na sequência dos créditos iniciais do filme, o clima é de uma produção feita para a televisão dos anos 1970”.
Ainda no campo das referências, perguntei a Rolfe sobre certa “sexualidade perversa” que aparece em quase todos os seus filmes de horror. Já na sua estreia, em “There’s Nothing Out There”, havia um monstro alienígena interessado em violentar garotas da Terra, e NIGHTMARE MAN é sobre um demônio igualmente safadinho. Sua resposta comprova que, como todos nós, ele cresceu nas videolocadoras e vendo um pouco de tudo:
“Bem, eu alugava muitos filmes de terror nos anos 1980, e percebi que vários deles tinham algum momento exagerado envolvendo sexo e violência, sobre o qual todo mundo falava depois. O estupro por galhos de árvore em ‘Evil Dead’, a cena do batom em ‘Night of the Demons’, a cena da cabeça decepada em ‘Re-Animator’, Linnea Quigley como zumbi pelada em ‘A Volta dos Mortos-Vivos’... Era algo marcante em muitos desses filmes clássicos. Além disso, eu nunca fui um grande fã de violência gráfica. Quer dizer, eu amo ‘O Enigma de Outro Mundo’, mas muita coisa dentro do posterior ‘torture porn’ não funciona comigo. Então comecei a pensar em como meus filmes poderiam se destacar de todas as outras produções de baixo orçamento, e resolvi me concentrar na sexualidade e no humor. Eu adoro o desafio de tentar combinar sexo, horror e humor num mesmo momento. E claro, monstros que se interessam sexualmente por mulheres não são novidade, já aparecem em ‘O Monstro da Lagoa Negra’ e filmes como ‘Enigma do Mal’, ‘Poltergeist’, ‘Humanoids From the Deep’, e talvez o mais famoso de todos, ‘Galáxia do Terror’, que tem um estupro por um verme gigante numa cena dirigida pelo diretor da segunda unidade James Cameron! Então, entre Sam Raimi, Stuart Gordon, Cameron e Tobe Hooper com ‘Força Sinistra‘, acho que estou em boa companhia”.
Bem longe da realidade milionária e mais confortável daqueles blockbusters com Santoro, Braga e Moura, NIGHTMARE MAN também teve a sua cota de histórias divertidas por trás das câmeras. O diretor lembrou especialmente de um episódio envolvendo a atriz principal Blythe Metz, com quem ele já tinha trabalhado antes em “A Fórmula”. Segundo ele, foi durante uma das filmagens noturnas em Big Bear, uma área de floresta que fica duas horas distante de Los Angeles:
“Blythe era uma atriz ‘do Método’ [referindo-se ao polêmico Método de Interpretação para o Ator, que sugere que o artista coloque-se literalmente no lugar do personagem], e trabalhou duro para acreditar que estava realmente sendo perseguida pelo assassino. Ela queria parecer assustada de verdade. Então estávamos filmando a cena em que Blythe escapa do assassino e encontra
“Blythe era uma atriz ‘do Método’ [referindo-se ao polêmico Método de Interpretação para o Ator, que sugere que o artista coloque-se literalmente no lugar do personagem], e trabalhou duro para acreditar que estava realmente sendo perseguida pelo assassino. Ela queria parecer assustada de verdade. Então estávamos filmando a cena em que Blythe escapa do assassino e encontra
a casa onde os jovens estão hospedados. Ela estava do lado de fora se preparando para filmar, pulando para cima e para baixo, correndo por aí aos gritos para tentar entrar no clima da personagem. O problema é que havia outra cabana nas proximidades que estava sendo alugada por uma família que tratava crianças e adolescentes que sofreram abuso ou passaram por experiências traumáticas! Eles estavam ali para ajudar esses jovens a relaxar com a paz e o sossego da natureza, tentando superar suas fobias e traumas. E de repente são onze da noite e eles começam a ouvir esta mulher (Blythe) gritando aterrorizada que alguém está tentando matá-la! Acho que ela acordou todo mundo naquela cabana, e seus gritos estavam assustando todos os jovens em recuperação. Enviamos um dos membros da equipe para acalmar Blythe, mas ela estava totalmente no personagem e começou a fugir dele gritando, o que só piorou tudo. A família que administrava aquele programa chamou a polícia, e tivemos que explicar que ninguém estava em perigo real, que era apenas um filme. No fim nos deixaram continuar, mas com a condição de não filmar naquela área depois das dez da noite. E oferecemos algum dinheiro à família por sua dor e sofrimento. Espero que ninguém tenha sofrido transtornos mentais permanentes por causa de NIGHTMARE MAN”.
E é óbvio que eu não poderia deixar de questionar Rolfe Kanefsky sobre como diabos Luciano Szafir acabou em NIGHTMARE MAN. Segundo ele, a culpa foi do pernambucano radicado nos Estados Unidos Frederico Lapenda, um dos investidores/produtores do filme.
Lapenda tem uma trajetória polêmica pelo mundo do vale-tudo, sendo acusado de picareta por alguns lutadores e de visionário por outros. De acordo com o livro “Filho Teu Não Foge à Luta” (de Fellipe Awe, sobre os bastidores do MMA), Frederico foi o responsável por levar para os Estados Unidos os atletas Marco Ruas e Vitor Belfort. Isso lhe deu alguma moral para entrar no ramo com o qual ele sempre sonhou: o cinema. Primeiro com documentários sobre Rickson Gracie e Mark Kerr, depois com filmes coproduzidos pela sua própria empresa, a Paradigm Films, que o brasileiro abriu em Beverly Hills.
“Luciano Szafir foi escolhido por insistência de Lapenda. Ele investiu um pouco de dinheiro no filme em troca dos direitos de lançamento no Brasil e de escolhermos Luciano para o papel do marido. Frederico também é brasileiro e queria um nome que pudesse vender. Precisávamos do dinheiro para fazer o filme e concordamos. Na época me diziam que Luciano era o ‘Tom Cruise brasileiro’. Ele era um cara muito legal e muito bonito”, destacou o diretor.
Como eu imaginei que o próprio Luciano Szafir jamais me responderia sobre sua experiência em NIGHTMARE MAN, perguntei ao diretor como foi trabalhar com o galã brasileiro: “Ele se esforçou bastante para falar inglês e entendeu o personagem. Não acho que ele tenha um desempenho ruim, mas o sotaque dói porque ele estava lutando para dizer as falas corretamente em inglês. Não tive nenhum problema para dirigi-lo e acho que ele deu tudo de si. Não tenho histórias ruins com Luciano no set, ele se deu bem com o elenco e se divertiu muito. Não sei se a sua presença ajudou a vender NIGHTMARE MAN no Brasil, porque nunca recebemos nenhum relatório de Lapenda. Espero que tenha encontrado seu público. E o fato de você estar me entrevistando me faz pensar que sim”.
Infelizmente, NIGHTMARE MAN nunca chegou aos cinemas brasileiros, nem foi lançado em nossas videolocadoras – embora outros filmes de Kanefsky tenham recebido tal distinção no país. Nem mesmo o fato de ser estrelado por um ator brasileiro popular ajudou na carreira nacional do longa (Szafir inclusive esteve presente na pré-estréia nos Estados Unidos, realizada em Los Angeles em agosto de 2006). Durante curto espaço de tempo, o coprodutor Frederico Lapenda realmente considerou algum lançamento comercial no Brasil. Ou pelo menos foi o que ele contou a veículos de imprensa como o jornal Folha de São Paulo, a revista Caras e o site Omelete lá em 2006.
Na época, Lapenda chegou a contar à Caras, com bastante exagero, que o diretor Kanefsky estava sendo considerado “o novo Hitchcock” em Hollywood, para tentar valorizar o filme B de horror onde investiu seu dinheiro. Quando contei sobre esta comparação a Rolfe, ele achou engraçado: “Bem, todo mundo sabe que ao vender um filme você tenta exaltá-lo o máximo que pode. Eu não sabia que ele tinha me chamado de ‘o novo Hitchcock’, mas anos antes, quando exibimos ‘There’s Nothing Out There‘ no Houston Film Festival, um jornal escreveu um artigo sobre mim chamado ‘O próximo Spielberg?’. Usei essa manchete o tempo todo. E como sou um grande fã de Hitchcock, se alguém quiser me comparar com ele eu não vou reclamar. Agora, se eu estivesse sendo chamado de ‘O próximo Ed Wood’, aí não seria tão lisonjeiro”.
Por último mas não menos importante, Rolfe me lembrou que Luciano Szafir não foi o primeiro brasileiro no elenco de seus filmes: na sua obra de estreia, o já mencionado “There’s Nothing Out There”, uma gatinha brasileira chamada Claudia Flores aparece interpretando “uma intercambista do Brasil”, e falando um inglês muito melhor do que o do pai da Sasha. Claudia despencou direto para o esquecimento depois, mas tem uma participação bem marcante no longa.
“Ela era modelo e nunca havia atuado antes quando fez o teste para ‘There’s Nothing Out There’. A personagem foi escrita como uma garota tímida de óculos mas, quando conheci Claudia, ela era tão adorável e simpática que decidi mudar o papel para uma estudante de intercâmbio brasileira”, lembrou o diretor, que também aproveitou para solucionar o mistério do desaparecimento da moça: “Alguns anos atrás ouvi dizer que Claudia havia se mudado de volta para o Brasil e agora era dona de uma pousada em algum lugar, então acredito que ela desistiu de atuar”.
“Até onde eu sei”, continua Rolfe, “Claudia e Luciano foram os únicos dois atores brasileiros com quem tive o prazer de trabalhar até agora. Por coincidência, esses dois filmes [‘There’s Nothing Out There’ e NIGHTMARE MAN] são os únicos que meus pais e eu produzimos e agora possuímos os direitos. De várias maneiras, estes dois também foram meus filmes de maior sucesso. Então talvez os atores brasileiros tenham funcionado como um amuleto de boa sorte para a minha carreira!”.
Longe de ser uma obra-prima (e nem parece ser esta a proposta), NIGHTMARE MAN é um horror assumidamente barato destinado a públicos específicos, que tem sua cota de sangue, nudez e surpresas para entreter até fãs de horror que pensam que já viram de tudo. Lembrando que a presença de Luciano Szafir deixa tudo duplamente divertido. Tal qual um Bruce Campbell tupiniquim, nosso galã não teve receio de gritar, cobrir-se de sangue falso e combater as forças do mal, numa estreia “quase hollywoodiana” muito mais memorável do que a de Rodrigo Santoro no filme d’As Panteras.
Fica a dica para outros atores e atrizes brasileiros tentando a sorte em Hollywood: se não se importarem de tirar a roupa, nem de se sujar de gosma e sangue falso, procurem Rolfe Kanefsky! Quem sabe vocês não ganham um divertido filme B de horror para colocar no currículo, ao mesmo tempo em que funcionam como amuleto de boa sorte para o realizador?
PS: Nosso Bruce Campbell brasileiro infelizmente não seguiu carreira no horror classe B, embora tenha feito coisas bem mais assustadora (no mau sentido) depois – tipo o dramalhão “Nossa Senhora de Caravaggio – O Filme” (2006), ou “Xuxa em O Mistério de Feiurinha” (2009). Mas o IMDB informa que ele está no elenco de uma produção nacional recente chamada “Hopekillers”, de Thiago Moyses, que é anunciada como uma aventura com vampiros, e talvez remeta ao Luciano Szafir dos tempos de NIGHTMARE MAN. Vamos ficar de olho...
Trailer de NIGHTMARE MAN
11 comentários:
Muito bacana qdo vc consegue entrevistar alguém envolvido com os filmes analisados - sei que deve dar um baita trabalho, mas por mais postagens assim!
texto ótimo como sempre, parábens. e como sempre, deu vontade de assistir este pérola...
Vou procurar esse filme.
Nana Gouvêa também faz parte do time de brasileiros em Hollywood. Ela apareceu no horror lovecraftiano (pelo menos é vendido assim, não vi o filme) "Black Wake".
Szafir está lembrando o serial killer Richard Ramirez nesse filme.
Outro texto fascinante, Felipe!
Luciano Szafir é o herói do filme?
ANÔNIMO, não posso estragar a surpresa, mas ele tem um papel de destaque! :-D
Caraca mano, na época de lançamento desse filme eu estava assistindo tudo quanto é tralha lançada nas locadoras (tipo floresta dos condenados, pânico no deserto e outras porcarias variadas ihahahaha) seria um deleite para min ter descoberto essa "perola" naqueles tempos. Uma pena que não teve lançamento Nacional, mas antes tarde do que nunca né, vou procurar ele na internet para assistir.
Boa sorte. Estou há dias tentando achar e não consigo.
Pior que esta não é a primeira vez que não consigo achar um filme recomendado pelo Felipe. "O farol da Morte" foi outro filme que também nunca achei para baixar. O Felipe consegue achar umas obscuridade que nem Deus (ou seria o diabo?) sabem que existe.
Ei ,Daniel ! É por isso que eu denominei o Felipe "Mestre dos Filmes Underground Obscuros" e sem duvidas ele é e á prova é esse nunca ouvi dizer desse filme "NIGHTMARE MAN".
e outra coisa interessante é que o Luciano Szafir tinha dado uma entrevista acho que para á revista Contigo falando que ele quase estreou á serie americana "Barrados no Baile" e o inglês dele era impecável .. mas ele não conseguiu passar no teste ou não quis fazer essa serie ,não me lembro agora o motivo real dessa entrevista ,mas é engraçado como brasileiro gosta de mentir em se tratando de linguística ,todo os atores e atrizes nacionais acham que dominam outra língua fácil ou já nasceram dominam á mesma .. tem uns atores novos que nunca pisaram em palco de teatro e se denominam atores ... Ótima postagem ,excelente texto com uma leitura fácil e explicativa sobre o filme em questão ,parabéns ,Mestre Felipe !
Um abraço de Spektro 72
Bacana o texto.
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