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domingo, 2 de fevereiro de 2020

As primeiras resenhas curtinhas para analfabetos funcionais de 2020

JOJO RABBIT (2019, EUA/Nova Zelândia/República Checa. Dir: Taika Waititi)
Não poderia haver filme mais adequado e necessário para o Planeta Terra dos anos 2020 do que este simpático “Jojo Rabbit”. Em sua mistura peculiar de drama com humor negríssimo, ele usa a Alemanha Nazista como cenário para uma valiosa lição sobre humanidade e empatia - e isso num momento em que idiotas começam a desfilar com suásticas até no Brasil (algo que nem me espanta mais num país em que significativa parcela da população é simpática à volta da Ditadura Militar). Jojo Betzler é um garoto de 10 anos que vive na Alemanha perto do fim da Segunda Guerra. Tímido e solitário, ele tem Hitler como amigo imaginário (interpretado pelo próprio diretor Waititi!) e entra para a Juventude Hitlerista, aquela organização que treinava crianças e adolescentes alemães para os ideais nazistas, por encontrar ali uma sensação de pertencimento a algo maior. Logo está deslumbrado com o punhal que recebe para matar judeus e com a grande fogueira de livros que ajuda a alimentar. Mas o que Jojo fará quando finalmente encontrar um judeu de carne e osso pela frente - no caso, uma menina - e descobrir que... Bem, que não passa de um ser humano exatamente igual a ele? “Jojo Rabbit” é, antes de tudo, uma fábula sobre a cultura do ódio e sobre como é fácil criar “inimigos” - vide as crianças sendo preparadas para odiar judeus pelos motivos mais absurdos possíveis. Sam Rockwell praticamente rouba o filme compondo um personagem tanto cômico quanto trágico: o oficial nazista que já percebeu que a guerra está perdida, mas continua treinando garotinhos como bucha-de-canhão porque, afinal, precisa seguir as ordens que vêm de cima (num tapa de luva no totalitarismo que está voltando à moda). Há ainda críticas ferinas àquele ultranacionalismo demente da Alemanha de Hitler, que também voltou à moda em pleno século 21 - o que prova que não se aprende nada com a história, mesmo. Infelizmente, o filme começa com uma sequência de créditos ABSOLUTAMENTE GENIAL, em que cenas reais de Hitler sendo recebido por multidões ensandecidas são editadas com uma versão em alemão de “I Wanna Hold Your Hand”, dos Beatles (criando uma curiosa analogia entre o amor pelo líder nazista e as mãozinhas erguidas no 'Heil Hitler' com o fenômeno popular da Beatlemania), e nada que o filme faça depois chega aos pés desta montagem. Então parece que Waititi se auto-sabota ao queimar seu principal cartucho logo de começo. Lá pela metade, também, o ritmo dá uma titubeada e o filme parece perder um pouco o tom. Mas a força da trama e da mensagem fazem de “Jojo Rabbit” um dos filmes obrigatórios do ano - além de um dos mais divertidos. Obviamente, ele vem gerando polêmica desde sua estreia nos festivais, pois muita gente argumenta que “não se deve brincar com coisa séria” - neste caso, o nazismo. Esquecem, talvez, que 20 anos atrás o italiano “A Vida é Bela” ganhou uma cacetada de prêmios (inclusive o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro) fazendo a mesmíssima coisa. E que, às vezes, “brincar com coisa séria” é apenas uma maneira de falar sério de uma forma mais acessível ao grande público (já que, pelo que se vê, aulas e livros de história não estão mais funcionando).


BAD BOYS PARA SEMPRE (Bad Boys for Life, 2020, EUA. Dir: Adil El Arbi e Bilall Fallah)
Pra começo de conversa, sim, eu gosto bastante da série “Bad Boys”. Acho o original um filmaço (provavelmente um dos melhores filmes de ação dos anos 1990), e o segundo um filme inchado e longo demais, mas ainda assim com alguns momentos bem engraçados. Então é lógico que eu não perderia este “Bad Boys para Sempre”, sequência tardia, lançada quase 20 anos depois, e com o maior cheirinho de caça-níqueis. O fato de ser o primeiro episódio sem a direção de Michael Bay poderia tanto comprovar este argumento quanto servir para injetar sangue novo no negócio. E quer saber? Gostei bastante, dei boas risadas e e novamente saí satisfeito do cinema. É nítida a tentativa de transformar “Bad Boys” numa franquia estilo “Máquina Mortífera”, trazendo de volta todo mundo que já apareceu nos filmes anteriores e até fazendo referências obscuras que só quem gosta muito dos outros dois vai pegar (tipo a dificuldade do chefe de polícia interpretado por Joe Pantoliano com o basquete, aqui aparentemente herdada pela filha). As cenas de ação até parecem melhor dirigidas, ou pelo menos você compreende um mínimo do que está acontecendo na tela - bem diferente do “estilo Bay” de direção e edição. Mas a grande sacada do filme, claro, é mais uma vez a química entre os protagonistas. Will Smith e Martin Lawrence continuam ótimos, e muito engraçados, trabalhando juntos, e quase todas as piadas funcionam. É um negócio incrível porque, com raras exceções, eu geralmente não consigo suportar cinco minutos de Smith e Lawrence SOZINHOS, trabalhando separados em seus próprios filmes, mas consigo aceitar numa boa os dois em parceria - quem sabe porque um anula os excessos do outro? O roteiro escrito por (entre outros) Joe Carnahan é muito esperto em fazer brincadeiras com a idade dos heróis. Enquanto Stallone insistiu em fazer seu Rambo septuagenário indestrutível e incansável no novo e horroroso filme da sua série, esse terceiro “Bad Boys” opta por tirar onda do fato de os outrora jovens Smith e Lawrence já parecerem tiozões na balada, e agora precisarem pintar o cavanhaque grisalho ou tomar certas pílulas azuis. Quando finalmente coloca óculos para enxergar melhor ao atirar nos vilões, Lawrence comemora: “Parece imagem em HD!”. Como já acontecia no segundo filme (cuja conclusão era em Cuba), este também termina num país latino onde os policiais supostamente não teriam qualquer jurisdição - agora o México, atual vilão preferido do cinema de ação hollywoodiano. E com uma contagem de cadáveres absurda que deixa o Rambo velhote a passar vergonha. Três belas mulheres de diferentes faixas etárias, duas delas latinas (Paola Nuñez, Kate del Castillo e Vanessa Hudgens), complementam o programa e participam ativamente da ação como heroínas e vilãs. Os dois pontos baixos são a participação muito pequena da impagável Theresa Randle, como a esposa do personagem de Lawrence, e o final difícil de engolir, em que tudo se resolve fácil demais com o grande malvado da trama. Deixa-se as portas escancaradas para um possível quarto filme da ressuscitada franquia, agora quem sabe com uma nova geração de protagonistas. Mas ora bolas, se uma coisa terrível como “Velozes e Furiosos” pode se perpetuar, por que não os “bad boys, bad boys, what you gonna do”?


FACA NO CORAÇÃO (Un Couteau dans le Coeur, 2018, França/Suíça/México. Dir: Yann Gonzalez)
Um belíssimo 'neo-giallo queer' que pode ser resumido assim: é como se o Dario Argento, na sua melhor fase, tivesse escrito o roteiro de “Cruising / Parceiros do Crime”, do Friedkin, e dado para o Almodóvar dos tempos de “Matador” dirigir. O resultado é um filme com cenas "artísticas" de assassinato inseridas numa história no limite da paródia, repleta de cenários e figurinos kitsch. Estamos na Paris de 1979 e no universo do cinema pornográfico gay. Vanessa Paradis interpreta uma diretora especializada no gênero que está em crise após separar-se da companheira. Enquanto tenta terminar um novo filme, seus atores começam a ser assassinados por um psicopata mascarado cuja arma é um... dildo com uma faca embutida na ponta! Depois do segundo crime, e percebendo que a polícia não tem lá muito interesse em investigar a morte de gays, a diretora resolve adicionar os assassinatos como tema principal do pornô que está filmando e rebatizá-lo “Homocidal”, dando ares de metalinguagem à história. Lindamente filmado, “Faca no Coração” mostra que o diretor Gonzalez não apenas tentou homenagear o cinema de gênero dos anos 1960-70, como muita gente vem fazendo por esses tempos, mas também aprendeu direitinho o que tornava esses filmes tão especiais e eficientes. Seu thriller tem um psicopata com visual assustador, horror e absurdo em doses eficientes, uma belíssima trilha sonora plena de personalidade própria (que não se limita a copiar Morricone ou Bruno Nicolai), e ainda toneladas de referências ao cinema do mencionado período - da trama que bebe confessadamente de “O Pássaro das Plumas de Cristal”, do Argento (novamente com uma imagem funcionando como catalisador da fúria homicida do vilão), ao icônico vestido da “Miss Muerte” de Jess Franco, reutilizado num número musical. Uma pequena obra-prima que merece ser mais conhecida – mesmo que a ambientação e o teor queer do argumento possam assustar e afastar certa parcela do público.


CAPITÃ MARVEL (Captain Marvel, 2019, EUA/Austrália. Dir: Anna Boden e Ryan Fleck)
“Eu não preciso provar nada a você!”, diz a Capitã Marvel interpretada por Brie Larsen antes de fulminar, com o máximo dos seus poderes, o inimigo machão que pedia um briguinha mano a mano para ver qual dos dois era o melhor lutador. A sentença também cai como uma luva para toda a galerinha que fez campanha contra o filme antes mesmo de ele chegar aos cinemas, reclamando da representatividade que este defende nas telas e fora delas. Pois bem: mesmo não precisando provar nada para ninguém, “Capitã Marvel” é uma delícia de filme de aventura e um fenômeno de bilheteria (tendo faturado mais de um bilhão de dólares só nos cinemas). Cheguei a colocá-lo na minha lista dos 10 melhores de 2019, pois foi um dos raros filmes de super-herói recentes a me fazer sentir como um garotinho na sala de cinema – uma experiência parecida com a que tive quando vi o “Superman” do Richard Donner ou o “Batman” do Tim Burton pela primeira vez, e que estava cada vez mais difícil de reproduzir. Isso porque, ao contrário de outros filmes recentes do próprio Marvel Studios, “Capitã Marvel” tem alma: ele pega uma heroína relativamente desconhecida do grande público e consegue escapar de praticamente todas as armadilhas inerentes ao formato do “filme de origem”. A protagonista é “Vers”, uma guerreira alienígena Kree, cuja raça está em eterno combate com os arquinimigos Skrulls (transmorfos que podem assumir a forma de qualquer criatura viva). Durante uma missão, ela cai na Terra dos anos 1990 e faz parceria forçada com um jovem Nick Fury (Samuel L. Jackson, rejuvenescido por CGI), numa época anterior ao surgimento de todos os outros super-heróis do Universo Cinematográfico Marvel - o que acaba rendendo belas piadas e referências aos outros filmes que vieram antes, mas que se passam cronologicamente depois. Assim como o espectador, Brie Larsen (absolutamente fantástica como protagonista) vai descobrindo aos poucos a verdade sobre sua identidade e a plena capacidade dos seus incríveis poderes. E é uma jogada de mestre, considerando que a Capitã, a exemplo do Superman, é poderosa DEMAIS, e fica muito difícil criar um filme inteiro ao redor de uma personagem que pode destruir facilmente qualquer ameaça na Terra ou fora dela. Não contente, o roteiro bem construído (assinado pela dupla de diretores mais Geneva Robertson-Dworet) vai adicionando camadas e mais camadas para agradar a diferentes tipos de público. Há um quê de buddy movie na parceria forçada entre Vers e Fury, que começam se odiando e terminam por respeitar-se mutuamente. Há um sentimento de nostalgia com a ambientação na década de 1990, que permite inclusive utilizar uma trilha sonora descoladíssima e formada quase que totalmente por sucessos executados e/ou compostos por mulheres. Há uma radical mudança de rumo em relação aos gibis, alterando o protagonismo-antagonismo em relação a Krees e Skrulls, dando ares de novidade mesmo para quem já é especialista nos quadrinhos Marvel. Há o impagável gatinho Goose, mascote da heroína, que, num dos melhores momentos do filme, se revela uma inesperada arma de destruição em massa. E há referências obscuras aos gibis para saciar os nerds, tipo a aparição de uma ainda criança Monica Rambeau (cuja versão adulta, nos quadrinhos, foi Capitã Marvel durante certo período). Tudo isso somado dá origem a uma das grandes surpresas do Marvel Studios, embora a partir de agora seja muito complicado fazer a personagem funcionar num novo filme solo. E este é, provavelmente, o melhor filme de super-heroína já produzido, o que nem chega a ser grande vitória quando os competidores são filmes bons-porém-problemáticos como o recente “Mulher Maravilha”, ou bombas atômicas tipo o “Supergirl” de 1984 e o “Elektra” com a Jennifer Garner...


O JOGADOR (The Gambler, 1974, EUA. Dir: Karel Reisz)
"Por 10 mil eles quebram seus braços; por 20 mil eles quebram suas pernas. Axel Freed está devendo 44 mil". A frase no pôster já resume perfeitamente a monstruosidade de filme que é este “O Jogador”. James Caan, baita ator que deveria estar sendo melhor aproveitado pela nova geração de diretores, interpreta Axel Freed, um professor universitário viciado em jogos de azar. Dez minutos depois de perder a pequena fortuna de 44 mil dólares num cassino ilegal dirigido por gângsters de alta periculosidade, Freed pára o carro no acostamento e perde mais 20 dólares apostando com um bando de moleques que jogam basquete, por pura bobagem. Troque a jogatina por álcool, sexo ou drogas pesadas, e temos aqui mais um estudo de personagem exaurido pela própria dependência, na linha de petardos como “À Procura de Mr. Goodbar” ou “Trainspotting”. Mesmo sabendo que o protagonista é um sujeito escravizado pela adrenalina do ganhar ou perder, e que jamais conseguirá se livrar desta compulsão, o espectador sofre com ele, chega a torcer que ele dê a volta por cima. Mas é óbvio que caras como Freed já estão com seu destino escrito. E tão logo ele põe as mãos nos 44 mil que deve, resolve partir para uma derradeira odisséia de apostas em Las Vegas, ao invés de pagar logo os bandidões para quem está devendo. Mais ou menos como Nicolas Cage fez 20 anos depois em “Despedida em Las Vegas”, preferindo uma última viagem para beber até morrer na Cidade do Pecado do que tentar lutar contra o vício. Paul Sorvino novinho e Burt Young (o Paulie da série “Rocky”) com a mesma cara de velho de sempre aparecem interpretando, obviamente, mafiosos. E um James Woods igualmente novinho surge em pequena participação como caixa de banco. Lauren Hutton novinha é a amante desesperançada que sabe que seu amado mais cedo ou mais tarde vai acabar mal. Uma das melhores coisas do filme é que não há julgamentos nem estereótipos. Os bandidões do filme são mostrados até com certa simpatia como “empreendendores homens de negócio”. E quando Burt Young arrebenta um sujeito que lhe deve uma grana preta, é apenas mais um dia de trabalho no escritório. O final aberto deixa claro que há pouca esperança de redenção para Axel Freed, mas também evita ser pedante ou moralista. Seu último sorriso cínico pode significar muitas coisas - terá finalmente aprendido a lição, ou aquela é a primeira vez em muito tempo que se sente vivo? Quarenta anos depois, o filme foi refilmado como “O Apostador”, com Mark Wahlberg no papel que fora de Caan. E o mesmo argumento, quem diria, deu origem a um outro filmaço recente, conforme veremos a seguir...


JOIAS BRUTAS (Uncut Gems, 2019, EUA. Dir: Benny e Josh Safdie)
Toda e cada palavra que eu escrevi para descrever “O Jogador”, logo acima, poderia ser repetida para definir este “Uncut Gems” - que é, com o perdão do trocadilho, uma verdadeira gema, ou a “joia bruta” anunciada pelo título brasileiro. O irritante Adam Sandler aparece visualmente acabadão como um joalheiro viciado em jogo que deve dinheiro para todo mundo, incluindo os sujeitos mais perigosos da cidade, mas não paga ninguém e segue torrando o pouco que ganha em apostas impulsivas. Enquanto espera que o leilão de uma rara peça não-lapidada de opalas possa lhe trazer uma mínima estabilidade financeira para pagar as contas (e sustentar o negócio, a família e a amante), ele penhora coisas valiosas que não lhe pertencem só para conseguir algum dinheiro que permita seguir em frente tentando se dar bem. Mas é claro que a paciência dos agiotas começa a terminar, e as ameaças dão lugar aos atos de violência. Enquanto “O Jogador” era um filme mais lento, com vários momentos de silêncio e contemplação, “Uncut Gems” é o extremo oposto: frenético e gritado, parece os 20 minutos finais de “Os Bons Companheiros”, do Scorsese, esticados por 2h15min. Ao final, deixa o espectador tão esgotado psicologicamente quanto seus personagens. E como eu havia feito no supracitado filme estrelado pelo James Caan, você acaba dividido entre odiar o personagem principal (pelas suas ações condenáveis e índole) e torcer para que ele finalmente ganhe sua tão sonhada bolada e, quem sabe, sossegue - mesmo sabendo que ele provavelmente vai empenhar tudo em outra aposta mirabolante minutos depois da vitória. Sandler é a grande surpresa; o homem está simplesmente espetacular como protagonista. Parei de ver filmes com ele sabe-se lá quando (“Click”, talvez?), e no início do filme é um pouco difícil dissociá-lo do papel de bobo-alegre que parece ser sua especialidade. A voz irritante e esganiçada também não ajuda. Mas aí você se acostuma com o jeitão do cara e percebe que o personagem deveria ser tão irritante quanto o autêntico Sandler. E esta é uma rara oportunidade que lhe dão para atuar de verdade - a cena em que o protagonista tenta voltar para a esposa após brigar com a amante, algo entre o patético e o cínico com notas de tristeza, comprova que existe um ator esforçado debaixo de várias camadas de Adam Sandler. “Uncut Gems” também tem diversas celebridades como “elas mesmas”, tipo o jogador de basquete Kevin Garnett, mais o puta ator Eric Bogosian ressurgindo do limbo e até John Amos, em participação-relâmpago, como “o vizinho famoso que apareceu em 'Um Príncipe em Nova York'”! O ritmo frenético e a escolha de Sandler para o papel principal são apostas arriscadas; mas o filme é justamente sobre apostas, e os Irmãos Safdie, quem diria, tinham um autêntico royal flush na mão.


ENTRE FACAS E SEGREDOS (Knives Out, 2019, EUA: Rian Johnson)
Depois de sofrer backlash por nerds virjões por causa do “polêmico” (ironia) “Star Wars – Os Últimos Jedi”, o diretor Rian Johnson poderia ter se deixado abatar pela fama de “maldito” e viver a chorar as pitangas pelos cantos. Mas resolveu mandar recado dirigindo e escrevendo este “Knives Out”, uma delícia de filme feito especialmente para quem cresceu lendo Agatha Christie e Sir Arthur Conan Doyle (ambos citados abertamente na trama). Foi um inesperado sucesso que, ironicamente, acabou mais badalado do que o “Star Wars” seguinte (o frustrante “A Ascensão Skywalker”), e ganhou até indicações ao Oscar e ao Globo de Ouro, mandando um belo “Chupa!” para os chorões que reclamavam que ele tinha estragado “Star Wars”. “Knives Out” é um 'whodunit', aquele tipo de mistério onde alguém investiga um assassinato e tenta descobrir o criminoso entre vários suspeitos. Algo cômico, algo misterioso, trata da morte de um famoso autor de thrillers policiais, e a disputa que se inicia entre a sua nada amorosa família pela milionária herança. Daniel Craig interpreta o detetive fodão que tenta ajudar a polícia a descobrir se algum dos parentes teria matado o velho pela sua fortuna. Mas a investigação será complicada por dois motivos: primeiro, todo mundo ali tinha motivo para despachar a vítima; segundo, a história por trás do “crime” é bem diferente do que parece. Trata-se do tipo de roteiro que parece simples de começo, mas só parece. Sua história vai se desdobrando em algumas ótimas surpresas, do detetive fodaralhaço que na verdade é um grande bobão ao culpado do crime sendo revelado desde cedo, nos levando a torcer para que ele/ela consiga apagar as pistas que levam à sua identidade. Falar mais sobre a trama estragaria algumas destas surpresas, mas é fato que Johnson conseguiu fugir com esperteza e certa elegância das convenções do gênero, criando reviravoltas novas e inesperadas. Embora a duração de 130 minutos seja um tanto excessiva, o elenco de astros e estrelas, todos muito à vontade interpretando canalhas, me lembrou aquelas luxuosas adaptações de Agatha Christie feitas nos anos 1970. Além de Craig, tem Jamie Lee Curtis, Don Johnson, Michael Shannon, Toni Collette, o Capitão América, e até Christopher Plummer, veteraníssimo e ainda batendo cartão. Há umas farpas políticas lá e alguma crítica social cá, mas ao final sacramenta-se que “Knives Out” não passa de uma grande bobagem, mas uma grande bobagem muito divertida.


HERÓI OU ASSASSINO (Deadly Hero, 1975, EUA. Dir: Ivan Nagy)
Nestes tempos estranhos em que a população pede mais policiamento para combater a sensação de insegurança ao mesmo tempo em que reclama da brutalidade policial, um filme esquecido tipo “Deadly Hero” volta a tornar-se relevante. Produzido em 1975, continua atualíssimo quase meio século depois. Don Murray (visto recentemente como o chefe de Dougie Jones na terceira temporada de“Twin Peaks”) interpreta um veterano policial de Nova York, condecorado por bravura e prestes a se aposentar. Ele é respeitado na comunidade, tem família, filha pequena e ambições políticas. Ao mesmo tempo, os anos trabalhando numa metrópole ultraviolenta o deixaram mentalmente instável, e só falta uma pequena faísca para explodir o barril de pólvora. Quando o tira intervém num caso aparentemente banal, em que uma popular compositora foi feita refém por um maníaco, não pensa duas vezes: ou porque o meliante é uma ameaça irrecuperável que em breve estará nas ruas novamente, ou porque é negro, ou por ambos os motivos, resolve executá-lo friamente a tiros, sem ligar para o fato de o criminoso estar desarmado. Vira herói da noite para o dia, capa de jornal, e começa a ser usado para alavancar a campanha política de um candidato a prefeito. Mas a compositora tomada como refém sabe que o policial agiu com excesso de força. E pretende contar à Corregedoria para evitar que ele faça isso de novo. Com sua carreira de herói e seu futuro político ameaçados, como o policial irá reagir? Embora puxe mais para o lado do drama do que para a ação, e tenha uma conclusão um tanto frustrante, “Deadly Hero” traz aquele clima nu e cru típico dos anos 1970, com rompantes de violência e tirambaços que pintam as paredes de vermelho. Já o estilo quase documental, com filmagens nas ruas retratando uma Nova York suja, violenta e fora de controle, é o tipo de coisa que a nova geração de cineastas não vai conseguir repetir nem com milhões de filtros na pós-produção. O elenco tem vários nomes que ficariam famosos posteriormente, como Treat Williams e James Earl Jones (e até Debbie Harry e Danny DeVito em pontas invisíveis). Mas é Don Murray, um eterno figurante, quem brilha neste seu raro papel principal do policial violento que, num único erro de julgamento, pode colocar toda a carreira a perder - uma versão mais realista de tiras durões/heróicos como Dirty Harry ou Stallone Cobra. Vale conhecer, nem que seja para alimentar o popular debate sobre a polícia que (não) queremos (e a “nós” me refiro às pessoas com mais de dois neurônios, obviamente).


EXTRAORDINARY MISSION (Fei fan ren wu, 2017, China. Dir: Alan Mak e Anthony Pun)
Apesar do pôster fodaralhaço estilo “América Vídeo: Nossos filmes explodem como dinamite!”, a aventura chinesa “Extraordinary Mission” passa bem longe da excitação que promete. E, a exemplo de outras produções orientais recentes na mesma linha (“The Raid 2”, “Headshot”), é inchada demais, cheia de personagens e situações desnecessárias, que separam as mirabolantes cenas de ação com longos espaços de tédio. Para dar uma ideia melhor do drama: o filme tem duas horas cravadas, mas os primeiros 60 minutos poderiam tranquilamente ser reduzidos para 15, já que são gastos apresentando e desenvolvendo personagens que morrem logo em seguida, quando a trama principal finalmente começa a engrenar (um problema sério que também aflige o “The Raid 2”). O filme tem dois diretores, Alan Mak e Anthony Pun, e o primeiro, caso você não tenha reconhecido por nome, fez uma obra-prima duas décadas atrás chamada “Conflitos Internos” (refilmada pelo Scorsese como “Os Infiltrados”, mas o original é bem melhor). Aparentemente, Mak nunca esqueceu do grande filme da sua carreira e tenta repeti-lo neste aqui, que também conta a história de um policial infiltrado numa perigosa quadrilha (agora, de narcotraficantes) que começa a viver seu papel com mais realismo do que gostaria. Lá pelas tantas, os vilões deixam o X-9 viciado em heroína para poder controlá-lo melhor (estilo “Operação França 2”), mas é outra das boas ideias desperdiçadas pelo roteiro. Afinal, o foco aqui são os tiros, as explosões e as perseguições de carro, e nisso os dois diretores se saem razoavelmente bem - embora deixem aquela sensação de “Ok, já vi isso antes” a cada nova cena de ação. Pelo menos a meia hora final é realmente eletrizante, com uma daquelas guerrilhas “três homens contra 300” estilo Peckinpah ou John Woo dos bons tempos. Mas é preciso um pouco de paciência para chegar até ali, e uma recauchutagem do roteiro/montagem poderia ter tirado um filme muito melhor desta completa (e desnecessária) bagunça.


CAÇADOR DE DEMÔNIOS (Dont Kill It, 2016, EUA. Dir: Mike Mendez)
Começando por “The Convent” (que parece “Demons” sob efeito de ecstasy), passando por “The Gravedancers” (um filme B sobre fantasmas realmente assustador), até chegar aos monstros gigantes dos impagáveis “Big Ass Spider” e “Lavalantula”, o diretor Mike Mendez tem demonstrado um talento único para fazer filmes muito divertidos com pouquíssimo dinheiro - e que, infelizmente, ainda não alcançaram grandes audiências. Seu recente “Don’t Kill It” é a epítome do "'cinema Mendeziano": curto e grosso (menos de 90 minutos), estrelado por um ícone dos anos 1980 (Dolph Lundgren), repleto de cenas absurdas de morte e violência, e reciclando situações já vistas em outras produções (a idéia, Mike confessa, veio do clássico filme B “The Hidden”, do Jack Sholder). Vários astros de ação dos anos 1980 enfrentaram o Capeta - incluindo Chuck Norris, em “Perigo Mortal”, e Schwarzenegger em “Fim dos Dias” -, e agora Mendez faz este favor a Lundgren, colocando-o como um caçador de demônios veterano em busca de uma criatura particularmente maligna, que possui corpos humanos e força o hospedeiro a sair matando desenfreadamente. Quando o corpo é morto ou destruído, o demônio imediatamente pula para a pessoa que o matou, tornando a contenção da ameaça um tantinho complicada. O enredo poderia ser um desastre se levado muito a sério, mas felizmente Mike não chega nem perto de fazer isso. O personagem de Lundgren, chamado Jebediah Woodley (!!!), é uma caricatura ambulante, e o ator deve ter mais diálogos nos 80 minutos de “Dont Kill It” do que em toda a sua carreira! A habitué do gênero Kristina Klebe também aparece como agente do FBI/parceira do “herói”. Mesmo trabalhando com um orçamento visivelmente baixo, o diretor arregaçou as mangas e produziu cenas de ação e violência explícita impressionantes, como o banho de sangue na reunião do conselho da cidade, que lembra (em uma escala pequena, mas igualmente sanguinolenta) o massacre da igreja em “Kingsman - Serviço Secreto”. Infelizmente, a recepção nos EUA foi muito fraca, mesmo tendo recebido críticas muito boas e entusiasmadas. Isso significa o fim prematuro de um personagem fantástico (o “caçador de demônios” Jebediah Woodley), que poderia render toda uma franquia de histórias de horror classe B. Enquanto isso, um negócio sem nenhum neurônio como “Sharknado” já soma inacreditáveis SEIS filmes! O mundo é realmente um lugar muito injusto.


DOOMED - THE UNTOLD STORY OF ROGER CORMAN'S THE FANTASTIC FOUR (2015, EUA.
Dir: Marty Langford)
Este é mais um daqueles documentários obrigatórios para qualquer cinéfilo, e que eu às vezes recomendo por aqui mesmo sabendo que uma minoria da humanidade vai procurar. Trata-se de um impressionante trabalho de pesquisa sobre a já lendária adaptação do “Quarteto Fantástico” produzida por Roger Corman (por uma mixaria) entre 1992-93. Vale lembrar que, na época, não existia Marvel Studios e filmes de super-neróis ainda não eram sinônimo de superproduções bilionárias, embora a DC estivesse torrando dinheiro pesado nas aventuras do Batman. Corman recrutou um diretor desconhecido (Oley Sassone) e um elenco sem astros para filmar uma aventura do Quarteto a toque de caixa, prometendo um lançamento limitado nos cinemas e, ora bolas, alguma visibilidade no mundo nerd, por estarem adaptando um gibi tão popular. Logo, apesar de trabalharem em condições extremamente adversas, diretor e equipe acreditaram estar fazendo algo com potencial para alavancar suas carreiras a produções maiores e melhores. O problema é que o negócio já estava condenado (“doomed”) desde o início: sem que a equipe soubesse, esta adaptação fazia parte de um maquiavélico “1-7-1” dos produtores para assegurar os direitos cinematográficos sobre o Quarteto Fantástico, que iriam caducar e voltar para a Marvel em alguns meses. E a ideia inicial nunca foi foi realmente LANÇAR o filme, mas apenas “chantagear” algum grande estúdio para poder vender-lhe estes direitos por muito dinheiro! O documentário entrevista praticamente todos os envolvidos no imbróglio, que falam sobre sua surpresa ao descobrir que o pequeno filme em que empenharam sangue, suor e lágrimas seria engavetado para sempre. Pior: para desespero de todos eles, os negativos originais teriam sido comprados e QUEIMADOS quando a Fox assegurou os direitos para fazer sua própria adaptação do Quarteto Fantástico, impedindo que o “primo pobre” seja decentemente lançado em algum momento! Felizmente, os deuses do cinema olham por nós e a amaldiçoada versão nunca lançada do Quarteto sobreviveu em fitas piratas (o diretor Sassone chega a agradecer, no documentário, a quem quer que tenha pirateado o filme). Mesmo com péssima qualidade de áudio e vídeo, esta é a única maneira de ver, hoje, como seria o Quarteto Fantástico pobretão. Teve um outro documentário recente sobre um filme de super-herói que não foi produzido: “The Death of Superman Lives”, de Jon Schnepp, sobre o Super-Homem que seria dirigido por Tim Burton nos anos 1990, com Nicolas Cage no papel principal. A diferença é que, neste caso, você fica até feliz que tamanha bomba não tenha saído do papel. Já no caso narrado por “Doomed” a história é muito, muito triste. Ninguém acreditava que Sassone e cia conseguiriam fazer um filme inteiro com tão pouco dinheiro, como eles acabaram por fazer. E é de partir o coração que estas pessoas tenham trabalhado tanto num projeto que nunca foi concebido para ver a luz do dia. Alguns dos atores contam, no documentário, que na época participaram de convenções de quadrinhos, tirando dinheiro do próprio bolso, apenas para poder interagir com os fãs do Quarteto; outro diz que seu filho pequeno se recusou a ver as adaptações milionárias dos heróis feitas depois por considerar que seria uma traição ao pai. Logo, um documentário tão obrigatório quanto a adaptação maldita do Quarteto Fantástico por Roger Corman, que nunca vai ser lançada em blu-ray e nem passar no Netflix, mas se recusa a morrer e continua circulando em cópias piratas. Ironicamente, ela é muito melhor que todas aquela terríveis superproduções lançadas depois!


IN FABRIC (2018, Reino Unido. Dir: Peter Strickland)
A definição a seguir é aquela que vai atrair ou afastar para sempre um espectador em potencial deste novo filme do inglês Peter Strickland: “In Fabric” é uma história de horror, sem medo de se assumir como tal, sobre um vestido vermelho assassino. Ponto. Embora não cite nos créditos, o roteiro do próprio diretor parece ter tirado inspiração de “I'm Dangerous Tonight”, uma novela de Cornell Woolrich publicada em 1937, que já tinha sido adaptada como filme de horror homônimo, em 1990, por ninguém menos que Tobe Hooper (no Brasil, o título traduzido ficou “A Morte Veste Vermelho”). A fantástica Marianne Jean-Baptiste interpreta uma bancária negra e cinquentona que acabou de ser abandonada pelo marido, e tem que se virar dividindo a casa com o filho rebelde e a namorada abusada deste. Ela começa a buscar futuros pretendentes naqueles antigos serviços de namoro por telefone (a trama se passa em época desconhecida, mas certamente entre os anos 1970-80). Querendo arrasar num dos primeiros encontros, vai a uma loja badalada da cidade para renovar o guarda-roupa. Acaba se deparando com o tal vestido vermelho, que parece atrair todo tipo de desgraça ao seu portador. Durante pelo menos 60 minutos, “In Fabric” é um puta de um filmaço: Strickland optou por manter o tom absolutamente sério e enigmático mesmo contando com um argumento tão bobo, correndo um risco tremendo, mas foi bem-sucedido em criar um clima eficiente de absurdo e estranhamento. O vestido vermelho mortífero é um “vilão” no mínimo curioso, e o filme remete, em música e visual, ao cinema de gênero europeu dos anos 1970. Vá lá que o diretor às vezes pese a mão e exagere ao retratar a estranheza da loja onde o vestido foi comprado e das pessoas que ali trabalham. Eu já tinha entendido que havia algo muito suspeito envolvendo o local, não era necessário filmar um longo ritual de bruxaria para comprovar isso. Mas o que realmente mata o filme é que, passada esta hora inicial que é uma bela de uma história de horror old-school, Strickland sacaneia o espectador ao mudar totalmente o foco da narrativa. A bancária negra cinquentona cuja vida acompanhamos com interesse até então some da história, e passamos a ver o mesmo vestido vermelho provocando estragos na vida de outro núcleo de personagens - um sujeito que trabalha consertando máquinas de lavar roupa e sua insuportável noiva. E aí a coisa despenca. Primeiro porque esse novo núcleo de personagens não é nem de longe tão interessante quanto o outro. Segundo porque o filme começa a repetir tudo que já vimos na metade anterior: o vestido provocando alergia na pessoa que o veste, o vestido se recusando a ser lavado e destruindo a máquina de lavar, etc etc. E terceiro porque, pra mim, esta reviravolta do “Vamos trocar o protagonista no meio do filme” funciona apenas em casos muito específicos, como “Psicose”, mas em geral é um recurso beeeeeem frustrante (vide o “Death Proof”, do Tarantino), já que nos faz acompanhar determinado grupo de personagens durante tempo considerável apenas para descartá-los de súbito e apresentar outros nem sempre tão interessantes. Em suma, “In Fabric” são dois filmes em um, mas em nenhum momento esta decisão faz sentido ou torna a narrativa mais interessante. Eu entenderia se fosse uma espécie de antologia, com o vestido mortífero provocando estragos em diferentes personagens ao longo da trama, mas a mudança de foco aqui é absolutamente desnecessária e mal-sucedida. O próprio ESTILO do filme muda totalmente: se antes o tom era mais de horror e mistério, na segunda metade ficamos à mercê de um humor bizarro estilo David Lynch. Se recomendo “In Fabric” mesmo assim? Certamente. É um filme visualmente fantástico, com uma direção de arte absurda de linda e uma trilha sonora incrível. Para muitos funcionará apenas por isso, como “experiência sensorial”, e lá e cá até lembra o Argento fazendo cinema fantástico nos bons tempos (com “Suspiria” e especialmente “Mansão do Inferno”). A trama é ótima durante toda a primeira metade, com coragem para colocar uma mulher negra de meia-idade como protagonista, e com alguma boa vontade é até possível esquecer que há uma segunda história ridícula durante a outra metade. E é, disparado, a melhor coisa já feita sobre um vestido vermelho assassino - muito melhor que a própria novela de Cornell Woolrich.


CAÇADA AO PRESIDENTE (Big Game, 2014, EUA/Reino Unido/Finlândia. Dir: Jalmari Helander)
Esta simpaticíssima “aventura infanto-juvenil para adultos” poderia ter sido um dos meus filmes preferidos de todos os tempos se eu tivesse visto na Sessão da Tarde quando moleque. Óbvio que só vi agora, depois de marmanjo, porque o próprio filme é recente, mas ele traz todos aqueles elementos que eu adorava nas produções dos anos 1980. Imagine “Risco Total” misturado com “Fuga de Nova York”, mas com um moleque de 13 anos no lugar do Stallone ou do Kurt Russell, e o resultado é este filme aqui. O tal garoto (Onni Tommila) vive numa região remota da Finlândia e precisa cumprir o “ritual de passagem” da sua tribo para provar que é um grande caçador: embrenhar-se sozinho por uma floresta congelada para matar algum grande animal usando apenas seu arco-e-flecha. Seu objetivo é provar aos adultos da vila (e especialmente ao seu pai) que não é apenas uma criança mimada, mas sim “um deles”. Ocorre que, no mesmo momento, o Air Force One é abatido por terroristas ali pertinho, e o pequeno caçador vê-se obrigado não apenas a provar sua coragem como caçador, mas também resgatar o presidente dos Estados Unidos - ninguém menos que Samuel L. Jackson, interpretando uma versão casca-grossa de Barack Obama! Confesso que voltei à infância ao ver um molequinho salvando Samuel L. Jackson (!!!) de terroristas usando apenas um arco-e-flecha! Infelizmente, “Caçada ao Presidente” não fez o sucesso que deveria e foi pouquíssimo visto, mesmo para a geração que, como eu e o diretor finlandês Jalmari Helander, cresceu justamente com esse tipo de filme. Para quem arriscar e embarcar na proposta, certamente será um nostálgico retorno àquelas belas aventuras infanto-juvenis tipo “Os Heróis Não Têm Idade” (que eu também amo), em que a presença de uma criança como protagonista não poupa o espectador de tiros, explosões, cadáveres ensanguentados ou da morte violenta dos vilões! Fica a dica principalmente para os leitores que já passaram os genes adiante: entre um filme de super-herói e outro da “Frozen”, coloquem os pequenos para ver filmes bacanas como este aqui, que são autênticos formadores de caráter!


HOMEM-ARANHA – LONGE DE CASA (Spider-Man: Far from Home, 2019, EUA. Dir: Jon Watts)
Ultimamente, o pessoal do Marvel Studios vem demonstrando um curioso talento para fazer ótimas aventuras de estreia de seus heróis somente para estragar tudo nas sequências. Foi assim com a continuação de “Homem-Formiga”, e a bola da vez é o Homem-Aranha. Após o simpático e divertidíssimo “Homem-Aranha – De Volta ao Lar”, que não deixava nenhuma saudade dos filmes do Sam Raimi, o mesmo diretor Jon Watts descarta tudo que havia funcionado no anterior ao fazer esta sequência, “Longe de Casa”. E isso que o argumento era promissor: o jovem Peter Parker e seus colegas partem numa viagem escolar à Europa, onde o rapaz precisa lidar, ao mesmo tempo, com múltiplas tentativas frustradas de confessar seu amor pela colega MJ e com a aparição frequente de misteriosos monstros gigantes vindos de outra dimensão. Se no filme anterior as doses de aventura, comédia e comédia romântica funcionavam e pareciam bem dosadas, isso acontecia porque Parker/Homem-Aranha lidava com desafios do seu tamanho - problemas na escola, problemas em casa, problemas financeiros e um vilão HUMANO. Por isso soa estranho rever o mirrado herói enfrentando monstros com dez vezes o seu tamanho e muito mais poderosos do que ele - uma ameaça digna do time completo dos Vingadores. Claro que há uma reviravolta lá pela metade para justificar que tudo não passou de um plano diabólico do vilão da vez, o Mysterio de Jake Gyllenhaal, aqui em uma versão mais realista que estraga o clássico arquiinimigo dos quadrinhos (tipo fizeram com o Mandarim em “Homem de Ferro 3”). O pior é que a suposta explicação dos poderes do vilão torna o filme todo ainda mais ridículo, porque seus efeitos de “ilusionismo” jamais funcionariam naquela escala. Em meio ao festival de efeitos e destruição pela Europa, Watts desperdiça o que havia de mais interessante no filme anterior: os dilemas adolescentes do jovem Peter Parker e seu relacionamento com MJ, com o amigo gordinho Ned e demais colegas. A Tia May de Marisa Tomei, coitadinha, quase que foi apagada da trama, a locação na Europa é completamente desperdiçada, e o roteiro parece insistir em transformar o herói numa espécie de “Homem de Ferro Júnior” – tanto seu uniforme quanto seus poderes estão cada vez menos parecidos com o Aranha dos gibis e mais semelhantes aos de Tony Stark. Talvez a ordem fosse justamente fazer um filme mais leve e mais bobo para entreter os fãs da Marvel após a cacetada que foi “Avengers – Endgame”, mas não me convenceu. Ainda há alguns momentos pontuais e piadinhas que salvam o filme da total perda de tempo, e de ser tão ruim quanto “Homem-Formiga e a Vespa”; Tom Holland parece ter nascido para o papel, intercalando inocência e trapalhadas com bravura quando necessário; e uma aparição-surpresa no final, que cria um link inusitado entre este novo Aranha e a série dirigida pelo Sam Raimi, deixa as portas escancaradas para uma sequência, com um gancho muito bem bolado. Quiçá os realizadores reavaliem as prioridades e coloquem o personagem de volta nos trilhos até lá.


SHIRKERS – O FILME ROUBADO (Shirkers, 2018, EUA/Reino Unido. Dir: Sandi Tan)
Todo mundo que já se meteu a fazer cinema independente tem alguma história inacreditável de filme inacabado ou perdido (eu mesmo tenho a minha). Mas poucas são tão trágicas, assustadoras e emocionantes quanto a narrada neste brilhante documentário produzido pela Netflix. Sua diretora Sandi Tan, uma cineasta de Singapura, narra a própria história; ou, melhor dizendo, a história de “Shirkers”, um longa-metragem experimental que ela e os amigos rodaram no começo dos anos 1990, quando todo mundo era novinho e ainda não era relativamente fácil, como hoje, para fazer um filme (as câmeras não eram digitais e filmavam em película, o que encarecia consideravelmente o processo e exigia profissionais que soubessem um mínimo do que estavam fazendo). “Shirkers” podia ter colocado essa galera toda no mapa de jovens realizadores, numa época em que o mundo começava a olhar com interesse para esse tipo de produção independente. Infelizmente, um dos integrantes roubou todas as latas de negativo ao final das filmagens e desapareceu do mapa com elas. Durante duas décadas, nada se soube sobre o sujeito ou sobre o filme. Até agora. A história em si já é intrigante, e a diretora consegue narrá-la de forma dinâmica, sem forçar a barra em causa própria. Sandi usa um amplo arsenal de recursos audiovisuais para apresentar ao espectador não só como era a vida desses jovens de Singapura tentando fazer um filme do próprio bolso, mas também a vida cultural no país do período (quando, acredite se quiser, até mascar chicletes era proibido pelo governo!). O sumiço do filme acabou com a carreira de Sandi, então uma talentosa adolescente de 16 anos cheia de sonhos e ideias, que viu-se obrigada a cancelar seu projeto de virar cineasta para trabalhar como crítica de cinema. Lá pelas tantas a narrativa ganha contornos de thriller (e até de filme de terror), quando ela começa a investigar o passado do sujeito que sumiu com seu filme. Pois eis que o sujeito era um mistério ambulante, do tipo que mentia até sobre o local onde nasceu. Sem querer spoilear nada (já que imagens de “Shirkers” são usadas fartamente ao longo do documentário), pelo menos a moça teve a possibilidade de recuperar seu cobiçado filme perdido e rever aquelas imagens do seu passado uma vez mais. Não apaga, claro, a triste história de uma obra cuja existência foi negada aos próprios realizadores durante tempo demais. Mas resta o consolo de que serviu de inspiração para um documentário incrível, que finalmente fez justiça ao talento da realizadora, ao mesmo tempo em que lhe permitiu exorcisar demônios particulares e fazer as pazes com o passado. Já é uma grande conquista, sem dúvida.


BAD DAY FOR THE CUT (2017, Reino Unido. Dir: Chris Baugh)
Se alguém pegasse os arquivos originais de “Bad Day for The Cut”, jogasse num desses programas de pós-produção e enchesse de filtros para “envelhecer” a imagem, provavelmente o espectador desavisado imaginaria estar diante de um daqueles thrillers de vingança pesadões dos anos 1970, tipo “Desejo de Matar”. Primeiro longa do diretor-roteirista Chris Baugh, já provocando certo burburinho no Festival de Sundance, conta a história de Donal, um pacato fazendeiro cinquentão que vive sozinho no campo com a mãe idosa, e que precisou sacrificar a própria vida para ficar cuidando dela. Quando a velhinha é morta por misteriosos bandidos, Donal resolve ir para a cidade com uma espingarda de dois canos para fazer justiça com as próprias mãos. O filme é muito bem dirigido e aproveita tanto as paisagens rurais quanto as urbanas da pequena cidadezinha irlandesa em que foi filmado; a interpretação do praticamente desconhecido Nigel O'Neill como fazendeiro vigilante também é um achado. O único problema é que, na comparação com as histórias de vingança setentistas que parece tentar emular, o filme nunca é tão violento quanto poderia (e deveria) ser. Ainda mais considerando que martelos, marretas e até ferros de passar roupa são utilizados por Donal como instrumentos de extermínio de criminosos. Com um final inesperado e amargo, a melhor coisa de “Bad Day for the Cut” é comprovar que a vingança é um círculo vicioso: você pode até acertar suas contas com alguém, mas logo um outro alguém vai estar querendo acertar suas contas com você. E disso os irlandeses entendem muito bem, já que passaram décadas mergulhados num sangrento conflito entre católicos e protestantes, onde família inteiras foram aniquiladas no sistema “vinga daqui, vinga de lá”. Vale ficar de olho nos próximos trabalhos do diretor (se houver algum, lógico).


THE PERFECTION (2018, EUA. Dir: Richard Shepard)
É por causa de uns troços tipo esse aqui que deveria ser instituído um Oscar para Melhor Trailer. Porque você assiste o preview do filme do Richard Shepard e pensa que vai ver um terror classudo sobre loucura e obsessão no mundo da música - algo tipo “Cisne Negro” com visual e trilha sonora de uma obra do Dario Argento. Só que o filme na verdade é uma completa asneira, uma daquelas histórias movidas a reviravoltas (são três, no total) em que o espectador precisa fechar um olho para a lógica “perdoar” muita coisa - do conceito de que você pode INDUZIR alucinações em alguém que misturou medicamento e bebida alcoólica até a proposta de “salvar” uma pessoa de um destino aparentemente terrível amputando-lhe a mão direita, e deixando-a deficiente pelo resto da vida! A trama vai mudando de foco a todo instante, e às vezes lembra vários filmes em um. De começo parece tratar da rivalidade entre duas violoncelistas e do plano macabro de uma delas para eliminar o talento da outra. A primeira meia hora tem toques de body horror que funcionam, e é realmente bem tensa. Mas aí começam as reviravoltas e descobrimos que nada é o que parecia ser: o suposto malvado pode na verdade ser bonzinho e quem parecia bonzinho definitivamente é bem malvadão. Depois do segundo plot twist eu já comecei a me contorcer no sofá, ofendido com o fato de os realizadores estarem me chamando de idiota tão escancaradamente, mas ainda tem um terceiro que é pra afundar o filme de vez. E os caras também usaram a sério um dos efeitos mais quinta série do cinema - o de “fita rebobinando” para mostrar fatos acontecidos ou previamente acordados entre os personagens ANTES de algo que acabou de ser mostrado. No fim, todas as cenas boas estão no trailer, algumas delas inclusive usadas fora de contexto (porque no filme elas não aparecem com intenção de choque ou horror, apenas... aparecem!). E é no mínimo irônico que um negócio tão desconjuntado e bobo possa se chamar “A Perfeição”.


LOBISOMEM (Wilkolak, 2018, Polônia/Holanda/Alemanha. Dir: Adrian Panek)
Em 1945, no finalzinho da Segunda Guerra, os nazistas encerraram as atividades de seus campos de concentração exterminando todos os prisioneiros antes da chegada dos aliados. Sobreviventes de um desses campos, oito crianças e adolescentes percebem que o pesadelo apenas começou ao se verem finalmente livres, mas sem familiares nem adultos para tomar conta deles. Isolados em um casarão abandonado no meio da floresta, sem comida nem água, eles acabam presos uma segunda vez quando os cães de guarda dos nazistas - agora também livres, mas ainda seguindo as ordens terríveis para as quais foram programados - cercam o prédio e impedem qualquer um de sair ou de entrar. Esta é a premissa de “Wilkolak”, tenso drama/thriller polonês que ganhou o prêmio de Melhor Filme no Fantaspoa em 2019. O título, que traduzido significa “Lobisomem”, não faz sentido à primeira vista, pois não há nenhum homem-lobo à moda antiga na narrativa. Mas tenho certeza de que é metáfora ou simbolismo para algo que fiquei com preguiça de refletir sobre ou pesquisar sobre. Não que um lobisomem “de verdade” faça falta: esta é uma daquelas histórias onde a grande ameaça são os monstros verdadeiros, seja alguns poucos nazistas avulsos que ainda circundam a área, seja soldados aliados que combatem nazistas mas não veem nada de errado em estuprar meninas, seja a maldade surgindo na cabeça das próprias crianças (porque é impossível não perder a inocência e abraçar o Lado Negro da Força depois de passar pelo que eles passaram, não é?). Em seu segundo longa, o diretor-roteirista Adrian Panek demonstra absurdo domínio da câmera e da narrativa. Sem cenas de extrema violência ou sangue jorrando, o filme perturba com imagens que evocam o isolamento, a fome e a sede - de uma menina tentando comer graxa (duas vezes) ao rapaz lambendo a água que escorre por uma parede úmida. Às vezes parece que a situação teria sido bem menos traumática e terrível se aqueles garotos tivessem sido executados com os outros prisioneiros ao invés de conseguir fugir, mas felizmente o filme termina com uma nota otimista após 90 minutos de barbaridades sem intervalo. E um dos aspectos mais interessantes remete diretamente ao senso de intolerância e revanchismo da nossa sociedade atual, que a conclusão de “Wilkolak” procura evitar. Num momento em que todo e qualquer espectador estará torcendo para que as crianças deem o troco em seus algozes, elas preferem perdoar - uma decisão embasada ou na inocência infanto-juvenil, ou na consciência de que, vingando-se, elas se tornariam tão más quanto os vilões. É uma resolução inesperada que escapa do lugar-comum do “olho por olho” e dá uma pontinha de esperança em relação ao futuro (mesmo sabendo que o futuro desses personagens é esse nosso presente todo errado).


PROJETO GEMINI (Gemini Man, 2019, EUA/China. Dir: Ang Lee)
“Gemini Man” é uma ideia genial que circulava por Hollywood desde a metade dos anos 1990: um super-assassino envelhecido é obrigado a enfrentar uma versão mais jovem e melhorada dele mesmo - um clone feito pelos seus empregadores sem que ele soubesse. Joe Carnahan tentou durante anos tirar o projeto do papel com Clint Eastwood no papel principal, o que teria sido simplesmente lindo (dá um confere nessa montagem que o próprio Carnahan fez, usando cenas de filmes antigos do Clintão, pra sentir como ficaria). Só que os efeitos especiais ainda não eram avançados o suficiente para rejuvenescer o ator principal de forma convincente. Muito bem: quando a tecnologia para tal finalmente fica disponível, o que é que os caras fazem? Desperdiçam uma ideia genial colocando WILL SMITH no papel do “veterano” e da cópia mais jovem - logo ele que quase não mudou de cara desde os tempos de “Independence Day”! É óbvio que uma ideia como essa foi desenvolvida para alguém com o rosto já detonado pelo tempo, tipo o Stallone enrugado de agora enfrentando o Stallone dos tempos de “Rocky”, ou o Schwarzenegger versão geriátrica lutando contra o John Matrix de “Comando para Matar”. Não bastasse o lamentável erro de casting, ainda colocaram Ang Lee como diretor, ele que não é exatamente um especialista em cinema de ação (e já tinha demonstrado não entender muito da coisa no catastrófico “Hulk” de 2003). Também foi divulgada uma suposta nova e avançadíssima tecnologia para o CGI que, na prática, simplesmente não funciona: nas cenas em que o Will Smith velho briga com o Will Smith novo, tudo que vemos são dois bonecões duros de computação gráfica que parecem saídos de um velho fliperama do Mortal Kombat  - completamente artificiais nos movimentos e expressões. A pá de cal é uma conclusão covarde que resolve muito fácil o confronto entre gerações, e que parece ter sido feita sob medida para não arranhar a imagem de “simpaticão/PG-13” do astro escolhido – imagino que o desfecho seria diferente com um Clint Eastwood ou Stallone no comando da ação. Que triste esperar tanto tempo para um argumento sair do papel e os caras fazerem isso da forma mais atrapalhada possível. Só não desisti de ver o filme antes do final por causa da gracinha Mary Elizabeth Winstead, interpretando uma mulher fodona que parece ter mais colhões que o “super-assassino” (pffff...) vivido por Will Smith. Então taí um filme que desde já fico na torcida para ter reboot/remake num futuro próximo. Ou que alguém com muito tempo nas mãos faça um fan film usando cenas novas e antigas de produções do Clint Eastwood, tipo o Joe Carnahan fez como teste. Melhor sorte da próxima vez.


TERROR NOS BASTIDORES (The Final Girls, 2015, EUA/Canadá. Dir: Todd Strauss-Schulson)
Se você é fã de slasher movies (aqueles filmes de terror bagaceiros em que um psicopata mascarado persegue e mata adolescentes com hormônios em ebulição), pare tudo que estiver fazendo e assista imediatamente a este “The Final Girls”, uma comédia genial de 2015 que quase fugiu ao meu radar. A citação no pôster, de que ele seria “uma carta de amor aos slashers dos anos 1980”, não exagera: diferente dos slashers satíricos e autorreferenciais que viraram quase um subgênero do subgênero nos anos 1990-2000 (depois do sucesso de “Pânico”), “The Final Girls” opta por uma brincadeira de metalinguagem muito parecida com a do também recente “O Segredo da Cabana”. A trama joga (magicamente e sem maiores explicações) um grupo de adolescentes do século 21 dentro do clássico slasher dos anos 1980 que eles estavam vendo no cinema. Cientes de tudo que acontecerá e das “regras para sobreviver num slasher movie”, eles tentam escapar da enrascada e ainda salvar da morte certa os personagens do próprio filme, com quem eles são obrigados a interagir - tão burros e precoces como os personagens de filmes slasher geralmente são. A tarefa sairá menos simples do que parece, lembrando uma bizarra mistura de “Sexta-feira 13” com “O Último Grande Herói” (personagens que entram num filme e tentam convencer seus personagens de que tudo aquilo é de mentira), mais toques de “O Feitiço do Tempo” (os personagens estão presos ao tempo de projeção do filme, que, ao terminar, volta para o começo). Embora fique devendo no quesito mulher pelada e violência (e isso apesar de estar justamente emulando um estilo de filme que abusava destes dois elementos), “The Final Girls” tem ideias incríveis que remetem aos clichês recorrentes dos slashers, como o assassino mascarado que aparece magicamente no momento em que uma menina abre sua blusa (artifício que, logicamente, é usado pelos personagens para atrair o vilão a uma armadilha), ou o fato de ser possível escapar da morte simplesmente recontando a “lenda do vilão” (porque aí a ação é interrompida para a tradicional cena de flashback em preto-e-branco!!!). O falso filme dentro do filme, chamado “Camp Bloodbath”, também é bem divertido e tem elementos que lembram títulos de verdade, como “Sexta-feira 13”, “Sleepaway Camp” e “The Burning”. Isso tudo, e mais uma trilha nostálgica e espertíssima, resulta num verdadeiro deleite para quem curte o tipo de cinema que está sendo homenageado/satirizado, e é muito mais eficiente que a série do Wes Craven, ou os “Todo Mundo em Pânico” da vida. Tenha em mente, entretanto, que se trata de uma comédia escrachada, e não de um filme de horror. Sugiro para uma impagável sessão tripla com “O Segredo da Cabana” e “Behind the Mask: The Rise of Leslie Vernon”, pois os três são recentes e tratam com bastante bom humor e inteligência (além de boa dose de respeito e reverência) um fenômeno cultural que, como os bons assassinos de slasher movies, simplesmente se recusam a morrer.


SEOUL STATION (Seoulyeok, 2016, Coreia do Sul. Dir: Yeon Sang-ho)
Acho o sul-coreano “Train to Busan / Invasão Zumbi”, de Yeon Sang-ho, um dos melhores filmes de horror dos últimos tempos. Por isso foi curioso descobrir que o mesmo diretor tinha lançado, e no mesmo ano de 2016 (mas com alguns meses de intervalo), uma espécie de prelúdio ao longa, em animação, chamado “Seoul Station” (mais tarde também descobri que Sang-Ho é especialista em animações com temática de horror, e que este aqui não é o seu primeiro trabalho na área). A trama do prelúdio acompanha a madrugada imediatamente anterior ao embarque dos passageiros em “Train to Busan”, mostrando como a praga zumbi se espalhou pela capital da Coreia do Sul. E talvez este seja exatamente o seu grande defeito: enquanto o filme já começa a milhão com a coisa indo para o brejo, e não perde tempo com frivolidades, a animação demora um bom tempo para engatar e chegar aos finalmentes. Além disso, por dedicar-se a mostrar “como tudo começou”, repete aqueles mesmos clichês da cartilha das histórias de zumbis pela milésima vez (nada que já não se tenha visto antes desde o “Night of the Living Dead” dos anos 1960!). Um ponto positivo é abordar o outro lado de “Train to Busan” ao invés de contar uma história igual: se no filme live action os personagens pertencem a uma classe social mais privilegiada, aqui em “Seoul Station” os protagonistas são moradores de rua e uma garota de programa tentando abandonar a profissão. Em suma, já estão na merda e os mortos-vivos são apenas mais um problema na longa lista de dificuldades do dia-a-dia. A crítica social também é muito mais acentuada que no outro longa, abordando desde a dificuldade para se conseguir ajuda a um mendigo moribundo (o que, ironicamente, acaba facilitando a proliferação do vírus zumbi), até o exército que parece mais interessado em combater (e massacrar) os vivos do que os mortos-vivos. Mas o desfecho é frustrante, incluindo uma revelação ridícula sobre um dos personagens; a abordagem não é das mais inspiradas e não há grandes surpresas na história ou na maneira como ela é contada - um dos diferenciais do filme feito logo depois pelo mesmo diretor. O formato de animação deveria dar total liberdade para criar cenas violentas mais gráficas e cenas de ação mais absurdas do que um filme com atores, mas tudo aqui parece acontecer numa escala bem menor do que em “Train to Busan”. E quem reclamou do suposto excesso de melodrama do longa deve simplesmente passar longe da animação - que, entre outros chororôs, tem um momento à beira do constrangedor em que um sem-teto, às lágrimas, lamenta: “Eu queria voltar para casa... mas não tenho casa!”. Enfim, parece mais uma espécie de treino do diretor para fazer muito mais (e melhor) na versão live action.


THE REZORT (2015, Reino Unido/Espanha/Bélgica. Dir: Steve Barker)
E já que estamos falando de zumbis, eis aqui um pequeno filme de horror que tenta uma abordagem bem diferente (e totalmente “Romeriana”) deste tema mais do que batido. No universo de “The Rezort”, já rolou um Apocalipse Zumbi e a humanidade conseguiu sobreviver a ele. Como resultado, os cadáveres ambulantes que restaram foram despachados para uma ilha, transformada em resort (ops, reZort) de luxo para a galera da alta sociedade fazer caríssimos safáris com mortos-vivos! Tudo muito bonito, tudo muito bom, até que dá merda: o sistema de segurança do lugar entra em colapso, os mortos-vivos se libertam e invertem os papeis caçando os playboys - levando a “luta de classes” tão comum ao cinema contemporâneo a níveis escatológicos! O filme tem um ponto de partida bastante promissor e original, embora não passe de uma variação de “Jurassic Park” (e, antes dele, de “Westworld – Onde Ninguém Tem Alma”), adaptada para o monstro do momento. Pena que o ponto de partida bastante promissor rapidamente descambe para “o filme de zumbi da semana”, sem trazer absolutamente nenhuma novidade além do fato de que aqui, pelo menos, os personagens já sabem desde o início o que são zumbis e que você precisa atirar na cabeça para matá-los, sem a necessidade de redescobrir tudo do zero. Não demora para o corre-corre começar a se arrastar e se repetir, os personagens não são nada carismáticos e no fim tanto faz quem vive ou quem morre. Destaque negativo para a “revelação”, no final, sobre a origem dos zumbis, que qualquer pessoa com dois neurônios vai sacar já no segundo minuto do filme. Talvez esteja na hora de o diretor britânico Barker mudar um pouquinho de assunto, já que os três únicos filmes que ele fez na vida são de zumbis (os outros dois, igualmente razoáveis e pouco memoráveis, são “Outpost” 1 e 2, sobre mortos-vivos na Segunda Guerra Mundial). Para quem curte o subgênero e assiste qualquer coisa com zumbis, “The Rezort” funcionará como se fosse um episódio especial de “Walking Dead”. Já para aqueles que, como eu, estão enjoados do tema e acham que todos os filmes bons de zumbis já foram feitos (salvo raras exceções, como o já mencionado “Train to Busan”), este aqui serve apenas para confirmar o argumento, e como passatempo completamente descartável, a ser esquecido cinco minutos depois que os créditos finais começam a subir.


SONHO MORTAL (Bad Dreams, 1988, EUA. Dir: Andrew Fleming)
Lembra daquele filme dos anos oitenta em que um grupo de jovens internados num hospital psiquiátrico está tendo pesadelos com um vilão terrivelmente queimado, que acaba levando-os ao suicídio em mortes violentas? E que tem a Jennifer Rubin no elenco? Sim, parece “A Hora do Pesadelo 3 - Os Guerreiros dos Sonhos”, mas na verdade estou falando de “Bad Dreams”, um simples e eficiente terror esquecido do final daquela década, que saiu apenas um ano depois do filme do Freddy Krueger, e sabe-se lá como seus realizadores conseguiram escapar de um processinho por plágio (até o título remete a pesadelos para lembrar a turminha marota lá da Rua Elm!). A principal diferença entre os dois filmes é que esse aqui se leva um pouquinho mais a sério; ou seja, está livre das piadinhas do Freddy versão comediante (foi a partir do terceiro filme que o vilão começou a degringolar para uma versão palhaçona dele mesmo, lembra?). O vilão tostadinho desse é ninguém menos que o mitológico Richard Lynch, no papel de um pastor maluco estilo Jim Jones que comandou um suicídio coletivo com fogo. Uma das suas discípulas (Jennifer) conseguiu escapar e foi parar no tal hospital psiquiátrico, onde agora o espectro do pastor queimadão aparece para tocar o terror, forçando os demais pacientes a cometer suicídio, e sempre das maneiras mais gráficas e absurdas - tipo levar a expressão “murro em ponta de faca” ao pé da letra, ou se atirar nas hélices do sistema de ar condicionado do hospital para fazer chover sangue e carne moída sobre uma ala inteira! Este é o primeiro filme de Andrew Fleming, que depois faria de tudo um pouco (“Jovens Bruxas”, “Três Formas de Amar”, uma cacetada de seriados...), e acho que é a única coisa que eu gosto de tudo que ele fez. O elenco tem várias caras conhecidas da época, como Bruce Abbott (interpretando outro médico logo depois de “Reanimator”) e Dean Cameron, um dos fanáticos por Leatherface na antológica comédia “Curso de Verão”, aqui repetindo o papel de psicopata engraçadinho. A trilha sonora também é um desbunde - toca desde “cover do cover” do Sid Vicious para “My Way” até “La Donna è Mobile” e “Sweet Child O' Mine”!!! Revendo esses filmes despretensiosos e muito divertidos, às vezes me pego com saudade de uma época mais inocente, em que as coisas não eram produzidas com intenção de gerar franquias intermináveis, e se bastavam nos seus 90-e-poucos minutos. Por conta disso, eles hoje até parecem melhores do que eram na sua época. Entre as várias pérolas esquecidas da celebrada década de oitenta, “Bad Dreams” é uma das que vale a pena desenterrar.


PRIMAL (EUA, 2019. Dir: Nick Powell)
Todo mundo já sabe, mas recordar é viver: era uma vez um sujeito malucão chamado Nicolas Cage, que encasquetou de virar ator e ficou conhecido pela sua excentricidade tanto dentro quanto fora do set, mas pelo menos tentava dar uma segurada quando o diretor gritava “Ação!”. Só que esses tempos de “Despedida em Las Vegas” e “Coração Selvagem” há muito já passaram, e hoje o astro (ex-astro?) já nem se esforça mais. Primeiro, topa qualquer coisa - de aventura de época a filme evangélico -; depois, assumiu um bizarro estilo de interpretação do tipo “quanto mais descontrolado, melhor”, pois assim ele pode continuar virando meme e ficar eternizado pelo menos nas redes sociais, já que nas bilheterias não está rolando. “Primal” é um desses trabalhos que Cage pegou menos pelos méritos artísticos da coisa, mais para pagar o aluguel e poder tocar o terror na frente da câmera. Ele interpreta (do seu jeito característico, óbvio) Frank Walsh, um caçador ilegal que se sustenta vendendo animais raros no mercado negro. Na cena inicial, que dá o tom do restante do filme pela gritaria e tosquice, o protagonista sua a camisa para pegar um enorme jaguar em plena Floresta Amazônica! Aí ele dá o azar de embarcar no mesmo navio onde está sendo transportado um assassino perigosíssimo. Que, claro, lá pelas tantas foge da cela, solta todos os animais transportados (inclusive o felino faminto) e começa uma competição para ver quem mata mais o elenco humano, ele ou a bicharada. E agora, quem poderá nos defender, ainda mais diante de soldados das Forças Especiais que parecem criancinhas assustadas que nunca dispararam um tiro na vida? Um descontrolado Nicolas Cage, claro - e qualquer semelhança com “Con Air” NÃO deve ser mera coincidência! “Primal” é uma aventura sem-vergonha e ridícula, que diverte pelos motivos errados e que teria interesse zero sem o astro malucão no elenco. Lembra bastante um filme B dos anos 1990 chamado “Tentáculos”, que também se passava num barco, onde o elenco humano era destroçado por um monstro marinho em CGI (coincidentemente, os dois títulos trazem Famke Janssen no elenco). A pegada aqui é mais ou menos a mesma: tem que ter nascido ontem para não adivinhar de cara quem morre e quem vive. Os animais produzidos por computação gráfica são horríveis, mas felizmente eles são a ameaça secundária; o verdadeiro foco do filme é o jogo de gato e rato entre Frank e o assassino psicopata, turbinado pela presença de serpentes venenosas e outras criaturas perigosas em liberdade. Mas tudo bem despretensioso, besta até; aquele tipo de filme feito sob medida para o Domingo Maior, que desaparece da mente em minutos, mesmo com as excentricidades e gritarias de Nicolas Cage. Para públicos específicos, mas acredito que melhore bastante se visto sob efeito de álcool/drogas.


ASSIM NA TERRA COMO NO INFERNO (As Above So Below, 2014, EUA. Dir: John Erick Dowdle)
Às vezes é legal você ver um filme sem saber absolutamente nada sobre ele, para ser surpreendido pelo que vem pela frente - faço isso o tempo todo. Mas às vezes, parafraseando um famoso filósofo brasileiro, “é uma cilada, Bino!”. Pois “cilada” é a maneira perfeita para descrever este terror com título curioso. Não tinha lido/ouvido nada sobre esse negócio antes de ver, mas fui atraído pelo nome e pela belíssima arte do pôster. Se tivesse visto as letrinhas miúdas no pôster, entretanto, teria constatado que o diretor-roteirista era o John Erick Dowdle, o responsável por um dos piores remakes da história do cinema (“Quarentena”, onde ele destruiu o terror espanhol “REC” praticamente cena a cena). Se tivesse pesquisado antes, também descobriria que o filme é mais um found footage, o subgênero mais chato e desgastado do horror moderno. Ou seja, se tivesse me informado um mínimo, teria escapado dos 90 minutos de tédio dessa bomba - mais um filme incompetente que desperdiça uma locação extraordinária, as horripilantes e claustrofóbicas catacumbas de Paris (igualmente sub-aproveitadas no pseudo-slasher “Catacumbas”). Após uma desculpa qualquer para colocar pessoas levando câmeras - e filmando o tempo inteiro, mesmo enquanto morrem - nos túneis escuros e repletos de esqueletos, a coisa não demora a desandar e virar aquela bobagem de sempre. A saber: câmera sacudindo, longas cenas no escuro e sustos baratos movidos pelo surrado artifício “câmera se move do ponto A para o ponto B, volta para o ponto A e então tem alguma assombração ali”. Dowdle é tão fraco e sem ideias que chega a recriar um momento de “REC” (o corpo que despenca de repente de uma altura considerável e assusta todo mundo), que ele já tinha refeito mal em “Quarentena”, e nem pela segunda vez conseguiu acertar! Obviamente, por questões mercadológicas, não há uma única pessoa com mais de 30 anos de idade em cena, e aí você é obrigado a engolir um menina com Doutorado em Arqueologia que parece ter 22 anos e um “especialista em aramaico” que mal tem pêlos na cara (crianças-prodígio, devem ter começado a estudar aos 11). E quando a trama resolve, pela milionésima vez na história do cinema de horror, despachar os personagens através dos seus “pecados” ou erros do passado, percebi que eu mesmo estava sendo punido pelo erro de não ter procurado referências antes de encarar o filme...


STARSHIP TROOPERS (Uchû no senshi, 1988, Japão. Dir: Tetsurô Amino)
Lançado dez anos antes do maravilhoso “Tropas Estelares” de Paul Verhoeven, este anime foi a primeira tentativa de adaptar para as telas o famigerado livro “Starship Troopers”, de Robert Heinlein. Dividida em seis episódios de 25 minutos, e com toda a liberdade que o formato “animação” garante para que os realizadores enfiem o pé na jaca, a obra infelizmente fica no meio do caminho entre uma adaptação mais fiel do livro e a aventura sangrenta dirigida por Verhoeven em live action. A narrativa aqui segue o livro bem mais de perto do que o filme, dando destaque ao treinamento militar do protagonista Juan “Johnnie” Rico e seus companheiros da Infantaria Móvel, enquanto na adaptação de Verhoeven o foco eram as violentas batalhas contra insetos monstruosos. Inclusive, dos seis episódios, apenas uns dois realmente mostram os soldados em ação contra os invasores alienígenas (que aqui não são insetos, como no livro e no filme, mas umas formas gosmentas). Ao contrário de Verhoeven, que preferiu deixar de lado os exoesqueletos do livro - armaduras robóticas gigantes que os soldados “vestem” para poder combater os invasores de igual pra igual -, aqui os trajes são um elemento central da narrativa, e o anime gasta um tempão mostrando o treinamento dos recrutas apenas para conseguir manipular esta tecnologia (algo que também acontecia no livro). Ironicamente, algumas liberdades poéticas tomadas em relação ao texto de Heinlein também foram reutilizadas uma década depois no filme, como o fato de Rico se alistar no Exército apenas para ficar mais perto da amada Carmen Ibanez (no livro, o casal nunca sai da 'friend zone'). O ponto negativo é que o anime elimina completamente a sociedade futurística fascista que é o elemento principal do livro, e que foi satirizada implacavelmente por Verhoeven no seu filme. O futuro retratado na animação japonesa parece maravilhoso de se viver, sem nenhuma referência a governos totalitários ou à obrigatoriedade de servir ao Exército para tornar-se efetivamente um “cidadão”. O professor fascistóide que tenta impor a importância da violência e da guerra nos jovens alunos (interpretado por Michael Ironside no filme) também foi eliminado da trama, enfraquecendo o conjunto. Tudo considerado, “Starship Troopers” é curioso como uma adaptação alternativa do livro, e aborda alguns elementos deste muito melhor do que o filme. Mas falta ação, violência, vergonha na cara (a trilha sonora das cenas de batalha é um pop-rock dos mais farofas) e, principalmente, uma motivação para a narrativa, já que o espectador acompanha a odisseia do jovem Rico com certo desinteresse durante os 150 minutos de duração da série. E o final relativamente aberto é brochante - fica até a impressão de que iriam desenvolver uma segunda temporada que acabou nunca sendo realizada.


A ÚLTIMA RESSACA DO ANO (Office Christmas Party, 2016, EUA. Dir: Josh Gordon e Will Speck)
Quem nunca teve a oportunidade de participar de uma festa de fim de ano da firma provavelmente nunca sentiu aquele misto de vergonha-alheia e melancolia ao testemunhar colegas de trabalho, às vezes até os chefes, enchendo a cara e pagando um mico federal – a situação é ainda mais traumática quando quem enche a cara e apronta é VOCÊ! Enfim, trata-se do argumento perfeito para uma comédia inconsequente, mas infelizmente este “A Última Ressaca do Ano” não consegue aproveitar o potencial da coisa. O filme mostra como a festa de Natal dos executivos almofadinhas de uma empresa de tecnologia sai rapidamente do controle, graças aos excessos com álcool e (acidentalmente neste caso) com cocaína. Podia ser um filmão para adultos na linha do sucesso “Se Beber, Não Case!”, mas as únicas cenas mais ou menos engraçadas estão no trailer, de maneira que ninguém precisa perder tempo com o longa. Confesso que esperava algo na linha do clássico “A Última Festa deSolteiro”, onde o que parecia uma simples festinha privê entre adultos vira um autêntico pandemônio “adultescente” regado a sexo e drogas, mas a coisa nunca chega nesta escala. A falta de inspiração é tão grande que, ao invés de focar nas doideiras da festa em si, os roteiristas preferem ficar criando subtramas românticas e um ato final completamente dispensável em que o patrão da turma é sequestrado por um serviço desonesto de prostitutas, e seus funcionários precisam resgatá-lo. Enfim, não é exatamente ruim, mas pra bom também não serve, e é uma tremenda bola-fora vindo da dupla que dirigiu o muito mais engraçado “Escorregando para a Glória” (2007), com Will Ferrell e Jon Heder.


HEADSHOT (2016, Indonésia. Dir: Kimo Stamboel e Timo Tjahjanto)
Este filme de ação da Indonésia chegou a ser comparado à obra-prima “The Raid / Operação Invasão” na época do lançamento, e não por acaso traz no elenco três atores vistos em “The Raid 2”, incluindo o protagonista Iko Uwais. Azar dos realizadores, pois isso acaba criando uma expectativa muito grande que não se justifica. Trata-se da milionésima versão daquela mesma trama batida sobre o criminoso que é traído pela sua organização mas sobrevive para se vingar. O protagonista aqui (Uwais, claro) perdeu a memória após sofrer um atentado realizado pelos antigos colegas, e acabou num hospital gravemente ferido e sem identidade. Os bandidos pretendem completar o serviço de qualquer maneira, forçando o desmemoriado herói a fugir, lutar e recuperar as lembranças no processo, entre uma porrada e outra. Segue-se um festival de tiroteios e pancadarias, mas sem nada de realmente novo ou muito emocionante. Os tiros e esguichos de sangue em CGI incomodam de início, mas quando a coisa entra no corpo a corpo, meu amigo, a brutalidade rola solta, com direito a rostos esmagados a socos, fraturas expostas e outras imagens dignas de filme de horror (não por acaso, este é o gênero em que a dupla de diretores geralmente atua, vide o sanguinolento “Macabro”). “Headshot” traz também os bandidos mais lazarentos dos últimos tempos, daquele tipo que não hesita em metralhar uma van repleta de inocentes só para mandar uma mensagem ao herói, capazes de fazer até o Gandhi sair a gritar para a tela da TV que “bandido bom é bandido morto”. O resultado fica na média mas batendo na trave - uma espécie de sub-“The Raid”, longo demais, que podia tranquilamente ter uns 30 ou 40 minutos a menos.


ENTERRANDO MINHA EX (Burying the Ex, 2014, EUA. Dir: Joe Dante)
Sei muito bem que não está fácil pra ninguém, mas é realmente muito triste acompanhar a morte lenta de dois dos heróis da minha infância e campeões da Sessão da Tarde, John Landis e Joe Dante. Pelo menos o primeiro está se resguardando e não dirige nada, bom ou ruim, desde 2010. Enquanto isso, o pobre Dante segue insistindo e passando vergonha - como é que um cara genial como ele assina um troço tão bobo quanto este “Enterrando Minha Ex”? Trata-se de uma comédia romântica de humor negro com romance demais e humor negro de menos. Conta as agruras de um rapaz (Anton Yelchin, morto cedo demais na vida real, e num acidente idiota) que precisa lidar com a ressurreição da sua ex-namorada morta, e isso justamente quando superou a perda e está apaixonado por outra (Alexandra Daddario, melhor coisa do filme). É o tipo de situação em que um cara como o Dante poderia pirar, mas infelizmente o resultado fica numa escala muito aquém do que o argumento promete. O humor negro envolvendo a presença da morta, e da sua progressiva decomposição, rende uma ou duas piadinhas bem fracas - neste mesmo campo, “A Morte lhe Cai Bem”, do Robert Zemeckis, lançado vinte anos antes, foi muito mais criativo. Parece até que o roteiro do estreante Alan Trezza (inspirado num curta que ele mesmo dirigiu anos antes) não sabe aproveitar a presença da morta-viva, que passa a maior parte do filme escondida em casa. E a completa estupidez e passividade do protagonista, que prefere ficar escondendo a ex transformada em zumbi ao invés de tentar resolver a situação, também incomoda. Lá e cá, Dante despeja um caminhão de citações a filmes antigos (o nome da morta-viva é Evelyn, numa óbvia brincadeira com “The Night Evelyn Came Out of Her Grave”, e daí para baixo). Rende uns poucos sorrisos amarelos, mas parece ter sido dirigido por qualquer cabeça-de-bagre recém-saído da faculdade de cinema, e não por um verdadeiro autor que, no passado, nos entregou maravilhas como os dois “Gremlins”. Triste fim...


THE VELOCIPASTOR (2018, EUA. Dir: Brendan Steere)
Você não faz um “bom filme ruim” como os do Ed Wood forçando a ruindade de propósito. A graça de algo tipo “Plan 9 From Outer Space” é que os caras se esforçaram para fazer um filme bom, acreditaram que tudo estava perfeito mesmo estando horrível, e, ainda que o resultado seja tenebroso, percebe-se claramente que todos, do diretor aos atores, estão levando aquela catástrofe a sério. Por isso que fica engraçado. Por isso que fica “tão ruim que é bom”. Aí volta-e-meia surge uma besteira tipo os “Sharknado”, ou esse novo “The Velocipastor”. Os caras que os fizeram tinham plena noção da ruindade do que estavam fazendo, mas tentaram FORÇAR a ruindade justamente para tentar entrar nesse panteão de bons filmes ruins. E tome microfones aparecendo de propósito. Tome câmera tremendo ou saindo do foco de propósito. Tome efeito tosco de propósito. Tome interpretações ruins/exageradas de propósito. Ou seja, uma tentativa escancarada de se “falsificar” um filme ruim/problemático, que acaba sem um pingo da graça de um filme ruim/problemático de verdade, tipo um “The Room” ou um “Deadly Prey”, onde essas coisas todas acontecem SEM QUERER! “The Velocipastor” tem um título e um argumento geniais: é a história de um padre que adquire o dom de virar dinossauro (!!!) e o utiliza para enfrentar uma quadrilha de ninjas malvados. Poderia ter saído algo pelo menos divertido, mas o diretor insiste tão escancaradamente nessa coisa da estética da pobreza e da ruindade que o filme, mesmo tendo apenas 70 minutos, parece se arrastar por três horas. É uma piada sem graça repetida 'over and over again', que talvez funcionasse melhor como trailer falso do que como longa, tipo “Machete” (não por acaso, a gênese da coisa é justamente um fake trailer que o diretor fez anos atrás). O pior é que graças a uns memes e vídeos de YouTube, alegando que seria “o filme mais bizarro de todos os tempos” (passa longe), “The Velocipastor” recebeu mais atenção do que deveria. Principalmente por parte da molecada que chegou agora e parece que nunca viu um “filme ruim” antes, O diretor, que deve ter feito o negócio no quintal de casa, certamente está rindo à toa - não estranhem se a coisa virar franquia e logo surgir um “Velocipastor Versus Sharknado”, ou coisa parecida. Mas talvez seu único mérito seja o de ter feito “Carnossauro”, aquela cópia vagabunda de “Jurassic Park” produzida pelo Roger Corman, parecer um blockbuster.

18 comentários:

Raphael Silvierri disse...

Show Felipe! Seus textos são sempre uma leitura saborosa...inclusive entrei no face procurando algo que escreveu sobre "Predadores Assassinos" e me deparei com este post fantástico!

spektro 72 disse...

Ótima resenhas de filmes ,eu já tinha assistido esse filme
" CAÇADA AO PRESIDENTE" na TV e achei fraquinho ,um tipico filme de Sessão da Tarde esse dois filmes mencionados aqui,eu não assisti e nem vou assisti-los nem de graça e nem me pagando "CAPITÃ MARVEL & O HOMEM ARANHA -LONGE DE CASA " gostei da sua analisei desses filmes ao qual não assisti e ainda bem que não vou assisti-los, é que hoje em dia esse tipo de gênero de filmes de heróis de HQ na tela não me atrai mais.. desde do "Homem de Ferro 3 " que para mim foi uma decepção e depois de ter visto ele no cinema ,eu decidi nunca mais assisti um filme de herói adaptado dos HQ para á tela de cinema ,tanto no cinema quanto em home vídeo do meu dinheiro eles nunca mais verão ,estou fora desse universo de HQ isso já faz muito tempo, eu era um colecionador de gibis que vendeu tudo em 1999 e depois disso nunca mais comprei nada da Marvel ou DC ,prefiro HQ underground pelo são mais ousados e criativos e esse filmes da Marvel Studios são irritantes e insuportáveis e sem criatividade nenhuma .
Um Abraço de Spektro 72.

Dominic Purcell disse...

Se Velocipastor for como Sharknado mesmo vou assistir, adorei aquela besteira.

Unknown disse...

Já viu Climax do Gaspar Noe?

Felipe M. Guerra disse...

UNKNOWN, não vejo mais nada do Noé e nem do Lars Von Trier. A vida é muito curta.

Daniel I. Dutra disse...

Estou surpreso de ver o Felipe elogiando a Brie Larson, mesmo os mais ardorosos fãs de Capitã Marvel não costumam tecer grandes elogios a performance dela.

Dando uma de advogado do diabo, as reclamações dos nerds não são totalmente gratuitas. Brie Larson não é exatamente a pessoa mais simpática do mundo, e deu declarações infelizes do tipo "capitã Marvel não é para homens heterossexuais brancos", e pior, a atriz se recusa a ser entrevistada por jornalistas homens brancos heterossexuais, alegando falta de diversidade no jornalismo.

Resumo: se Brie Larson evitasse declarações polêmicas, o filme não causaria reações tão exaltadas. Basta ver que Gal Gadot nunca teve problemas com nerds. Na verdade ela é a antítese da Brie Larson, visto que ela disse que "Mulher Maravilha é um filmes para todos".

Mas apesar das besteiras ditas por Brie Larson, concordo que é um filme de super herói acima da média, apesar de alguns problemas (as cenas de flashbacks da vida dela são desnecessárias e caricatas na forma como retratam os homens). Se bem que hoje em dia fazer filme de super herói acima da média não é difícil, visto que parecem todos iguais.

Felipe M. Guerra disse...

DANIEL, meu negócio é ver o filme e analisar O FILME. Qualquer bobagem que a moça tenha feito ou falado fora do filme, antes ou depois dele, não poderia me interessar menos. E realmente teve muita gente criticando "Capitã Marvel" e propondo boicote por não gostar do discurso dela, o que me parece uma estupidez. Tampouco importa se a Brie Larson é simpática ou uma cuzona fora do filme, eu escrevi que como Capitã Marvel ela funciona muito bem e já me basta (nem lembro se já vi algum outro filme com a moça antes). Se for fiscalizar artista para além da obra, é notório o fato de John Carpenter ser um baita cuzão fora do set, dando respostas atravessadas para fãs e jornalistas, mas nem por isso eu vou deixar de gostar dos filmes do cara - só perdi a vontade de querer conhecê-lo pessoalmente, o que é uma pena.

spielberg disse...

Ainda no aguardo do textão de Braddock 3. Enquanto isso, vou lendo esse monte de resenhas quase curtas.

RMoreira disse...

Felipe, tendo em conta que gostou de Jojo Rabbit, recomendo aquilo que pode ser visto como a versão portuguesa: Capitão Falcão, lançado em Portugal em 2015.

Anônimo disse...

O Homem-Aranha pode ser qualquer coisa, mas Peter Parker é um personagem bem definido, e tê-lo como sidekick e depois querer viver de acordo com o
legado do Homem de Ferro vão contra toda a concepção do personagem que Lee e Ditko imaginaram. Há uma razão pela qual existem interpretações
errôneas.
Homem-Aranha ter um mentor/ser a ala de alguém vai contra toda a concepção do personagem. Homem-Aranha é um herói feito por si mesmo com
tecnologia limitada (de sua própria criação) com orçamento limitado. Ele foi feito como o rebelde para contrastar com o Quarteto
Fantástico/Vingadores.
O Homem-Aranha deve ser o cara com quem você se relaciona quando ele não está sob a máscara. Ele não é um soldado ou um playboy rico, é apenas um
cara comum que pode fazer coisas extraordinárias, mas age com um senso de responsabilidade. Em vez disso, obtivemos um conjunto de filmes do
Homem-Aranha que têm pouco mérito além de seus laços com o MCU.

Anônimo disse...

Ei Felipe, o que tu acha do remake de A Hora do Espanto? O remake de Fright Night, que é uma renovação moderna fascinante do original dos anos 80 que não recebe o crédito que merece. Farrell também é ótimo nisso.

O remake de Fright Night é um dos melhores filmes de terror dos últimos anos que explora completamente a metáfora do vampirismo como estupro e o vampiro alfa predatório como uma figura de medo e não de sedução. Farrell é muito bom em andar nessa linha tênue de sedutor e repulsivo.

Felipe M. Guerra disse...

ANÔNIMO, achei o remake de "A Hora do Espanto" simplesmente horroroso. hehehe.

Já escrevi algumas linhas sobre ele tempos atrás, procure no Índice de Postagens.

Anônimo disse...

"Enquanto isso, um negócio sem nenhum neurônio como “Sharknado” já soma inacreditáveis SEIS filmes! O mundo é realmente um lugar muito injusto" - assim como filmes como Dredd de 2012 e o Hellboy do Del Toro não tiveram continuações mais os filmes repetitivos da Marvel que não pode passar 20 segundos sem uma piada brega que estraga um momento dramático.

Anônimo disse...

Apesar de De Volta ao Lar ter me desagradado com essa
história de Peter aprendiz de Stark, ainda conseguia ver um
pouco da essência do herói naquele filme.

Infelizmente o mesmo não pode ser dito da sua
sequência.


Homem Aranha: Longe de Casa é qualquer coisa, exceto um filme do
Homem Aranha.

Chega á ser irônico que mesmo o Homem de Ferro estando morto,
o Peter continua na sua sombra.


Não me entendam mal, o filme não é um desastre completo,
ele tem cenas de ação legais e algumas piadas engraçadas,
mas sem querer ser repetitivo, mas já sendo: A essência do
personagem sumiu e qualquer um que ler os quadrinhos ou
assistiu aos filmes antigos, sabe que essência é essa:

Grandes poderes trazem grandes responsabilidades.


Esse Peter chega até ser egoísta, querendo que outros resolvessem
um problema, que poderia destruir o mundo, caso ele não ajudasse.


Sem falar na descaraterização forte que o personagem sofre no
filme.


Aquele Peter Parker que vimos em Capitão América: Guerra Civil
era bem mais parecido com as HQs, do que ele está agora.

Espero que alguém dentro da Marvel se lembre disso.

Anônimo disse...

Fanboys da Marvel só se importam mais com as bilheterias, ou piadas de merda, do que a história ou o legado que estava sendo construído nessas
histórias.

Anônimo disse...

A Marvel não pode passar 20 segundos sem uma piada brega que estraga um momento dramático. Lixo.

Anônimo disse...

É realmente engraçado que o Captã Marvel tenha tanto ódio. inspirou milhões de meninas e desafiou homens. Eu acho que os caras não podem aceitar que uma garota é mais forte que seu vingador favorito.

Anônimo disse...


"Filmes bons-porém-problemáticos como o recente Mulher Maravilha".

Mulher Maravilha foi tudo que uma personagem feminina deveria ser. Forte, determinada, mas ao mesmo tempo gentil e amorosa, como toda heroína

Do mesmo jeito que a aparição da WW nos quadrinhos revolucionou o mercado, WW foi uma revolução no blockbuster

Esperemos mais filmes de personagem femininas na mesma qualidade de WW, e menos capitã marvel e aves de rapina.