JOJO RABBIT
(2019, EUA/Nova Zelândia/República Checa. Dir: Taika Waititi)
Não poderia haver filme mais adequado e
necessário para o Planeta Terra dos anos 2020 do que este simpático “Jojo
Rabbit”. Em sua mistura peculiar de drama com humor negríssimo, ele usa a Alemanha
Nazista como cenário para uma valiosa lição sobre humanidade e empatia - e isso
num momento em que idiotas começam a desfilar com suásticas até no Brasil (algo
que nem me espanta mais num país em que significativa parcela da população é
simpática à volta da Ditadura Militar). Jojo Betzler é um garoto de 10 anos que
vive na Alemanha perto do fim da Segunda Guerra. Tímido e solitário, ele tem
Hitler como amigo imaginário (interpretado pelo próprio diretor Waititi!) e
entra para a Juventude Hitlerista, aquela organização que treinava crianças e
adolescentes alemães para os ideais nazistas, por encontrar ali uma sensação de
pertencimento a algo maior. Logo está deslumbrado com o punhal que recebe para
matar judeus e com a grande fogueira de livros que ajuda a alimentar. Mas o que
Jojo fará quando finalmente encontrar um judeu de carne e osso pela frente - no
caso, uma menina - e descobrir que... Bem, que não passa de um ser humano
exatamente igual a ele? “Jojo Rabbit” é, antes de tudo, uma fábula sobre a cultura
do ódio e sobre como é fácil criar “inimigos” - vide as crianças sendo
preparadas para odiar judeus pelos motivos mais absurdos possíveis. Sam
Rockwell praticamente rouba o filme compondo um personagem tanto cômico quanto
trágico: o oficial nazista que já percebeu que a guerra está perdida, mas
continua treinando garotinhos como bucha-de-canhão porque, afinal, precisa
seguir as ordens que vêm de cima (num tapa de luva no totalitarismo que está voltando à moda).
Há ainda críticas ferinas àquele ultranacionalismo demente da Alemanha de
Hitler, que também voltou à moda em pleno século 21 - o que prova que não se
aprende nada com a história, mesmo. Infelizmente, o filme começa com uma sequência
de créditos ABSOLUTAMENTE GENIAL, em que cenas reais de Hitler sendo recebido
por multidões ensandecidas são editadas com uma versão em alemão de “I Wanna
Hold Your Hand”, dos Beatles (criando uma curiosa analogia entre o amor pelo
líder nazista e as mãozinhas erguidas no 'Heil Hitler' com o fenômeno popular
da Beatlemania), e nada que o filme faça depois chega aos pés desta montagem. Então
parece que Waititi se auto-sabota ao queimar seu principal cartucho logo de
começo. Lá pela metade, também, o ritmo dá uma titubeada e o filme parece
perder um pouco o tom. Mas a força da trama e da mensagem fazem de “Jojo Rabbit” um dos
filmes obrigatórios do ano - além de um dos mais divertidos. Obviamente, ele
vem gerando polêmica desde sua estreia nos festivais, pois muita gente
argumenta que “não se deve brincar com coisa séria” - neste caso, o nazismo.
Esquecem, talvez, que 20 anos atrás o italiano “A Vida é Bela” ganhou uma
cacetada de prêmios (inclusive o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro) fazendo a
mesmíssima coisa. E que, às vezes, “brincar com coisa séria” é apenas uma
maneira de falar sério de uma forma mais acessível ao grande público (já que,
pelo que se vê, aulas e livros de história não estão mais funcionando).
BAD BOYS PARA
SEMPRE (Bad Boys for Life, 2020, EUA. Dir: Adil El Arbi e Bilall Fallah)
Pra começo de conversa, sim, eu gosto bastante
da série “Bad Boys”. Acho o original um filmaço (provavelmente um dos melhores
filmes de ação dos anos 1990), e o segundo um filme inchado e longo demais, mas
ainda assim com alguns momentos bem engraçados. Então é lógico que eu não
perderia este “Bad Boys para Sempre”, sequência tardia, lançada quase 20 anos depois, e com o maior cheirinho de caça-níqueis. O fato de ser o primeiro episódio sem
a direção de Michael Bay poderia tanto comprovar este argumento quanto servir
para injetar sangue novo no negócio. E quer saber? Gostei bastante, dei boas risadas e e novamente
saí satisfeito do cinema. É nítida a tentativa de transformar “Bad Boys” numa franquia estilo
“Máquina Mortífera”, trazendo de volta todo mundo que já apareceu nos filmes anteriores
e até fazendo referências obscuras que só quem gosta muito dos outros dois vai
pegar (tipo a dificuldade do chefe de polícia interpretado por Joe Pantoliano
com o basquete, aqui aparentemente herdada pela filha). As cenas de ação até parecem
melhor dirigidas, ou pelo menos você compreende um mínimo do que está
acontecendo na tela - bem diferente do “estilo Bay” de direção e edição. Mas a
grande sacada do filme, claro, é mais uma vez a química entre os protagonistas. Will Smith e
Martin Lawrence continuam ótimos, e muito engraçados, trabalhando juntos, e
quase todas as piadas funcionam. É um negócio incrível porque, com raras
exceções, eu geralmente não consigo suportar cinco minutos de Smith e Lawrence SOZINHOS,
trabalhando separados em seus próprios filmes, mas consigo aceitar numa boa os
dois em parceria - quem sabe porque um anula os excessos do outro? O roteiro escrito
por (entre outros) Joe Carnahan é muito esperto em fazer brincadeiras com a
idade dos heróis. Enquanto Stallone insistiu em fazer seu Rambo septuagenário
indestrutível e incansável no novo e horroroso filme da sua série, esse
terceiro “Bad Boys” opta por tirar onda do fato de os outrora jovens Smith e
Lawrence já parecerem tiozões na balada, e agora precisarem pintar o cavanhaque
grisalho ou tomar certas pílulas azuis. Quando finalmente coloca óculos para
enxergar melhor ao atirar nos vilões, Lawrence comemora: “Parece imagem em HD!”.
Como já acontecia no segundo filme (cuja conclusão era em Cuba), este também
termina num país latino onde os policiais supostamente não teriam qualquer
jurisdição - agora o México, atual vilão preferido do cinema de ação hollywoodiano.
E com uma contagem de cadáveres absurda que deixa o Rambo velhote a passar
vergonha. Três belas mulheres de diferentes faixas etárias, duas delas latinas
(Paola Nuñez, Kate del Castillo e Vanessa Hudgens), complementam o programa e
participam ativamente da ação como heroínas e vilãs. Os dois pontos baixos são a participação muito pequena da impagável Theresa Randle, como a esposa do personagem de Lawrence, e o final difícil de
engolir, em que tudo se resolve fácil demais com o grande malvado da
trama. Deixa-se as portas escancaradas para um possível quarto filme da
ressuscitada franquia, agora quem sabe com uma nova geração de protagonistas.
Mas ora bolas, se uma coisa terrível como “Velozes e Furiosos” pode se perpetuar, por que
não os “bad boys, bad boys, what you gonna do”?
FACA NO CORAÇÃO
(Un Couteau dans le Coeur, 2018, França/Suíça/México. Dir: Yann Gonzalez)
Um belíssimo 'neo-giallo queer' que pode ser
resumido assim: é como se o Dario Argento, na sua melhor fase, tivesse escrito
o roteiro de “Cruising / Parceiros do Crime”, do Friedkin, e dado para o
Almodóvar dos tempos de “Matador” dirigir. O resultado é um filme com cenas
"artísticas" de assassinato inseridas numa história no limite da paródia,
repleta de cenários e figurinos kitsch. Estamos na Paris de 1979 e no
universo do cinema pornográfico gay. Vanessa Paradis interpreta uma diretora especializada
no gênero que está em crise após separar-se da companheira. Enquanto tenta terminar um
novo filme, seus atores começam a ser assassinados por um psicopata mascarado
cuja arma é um... dildo com uma faca embutida na ponta! Depois do segundo crime, e
percebendo que a polícia não tem lá muito interesse em investigar a morte de gays,
a diretora resolve adicionar os assassinatos como tema principal do pornô que está
filmando e rebatizá-lo “Homocidal”, dando ares de metalinguagem à história.
Lindamente filmado, “Faca no Coração” mostra que o diretor Gonzalez não apenas
tentou homenagear o cinema de gênero dos anos 1960-70, como muita gente vem
fazendo por esses tempos, mas também aprendeu direitinho o que tornava esses
filmes tão especiais e eficientes. Seu thriller tem um psicopata com visual
assustador, horror e absurdo em doses eficientes, uma belíssima trilha sonora
plena de personalidade própria (que não se limita a copiar Morricone ou Bruno Nicolai), e
ainda toneladas de referências ao cinema do mencionado período - da trama que
bebe confessadamente de “O Pássaro das Plumas de Cristal”, do Argento
(novamente com uma imagem funcionando como catalisador da fúria homicida do
vilão), ao icônico vestido da “Miss Muerte” de Jess Franco, reutilizado num
número musical. Uma pequena obra-prima que merece ser mais conhecida – mesmo que a
ambientação e o teor queer do argumento possam assustar e afastar certa
parcela do público.
CAPITÃ MARVEL
(Captain Marvel, 2019, EUA/Austrália. Dir: Anna Boden e Ryan Fleck)
“Eu não preciso provar nada a você!”, diz a
Capitã Marvel interpretada por Brie Larsen antes de fulminar, com o máximo dos
seus poderes, o inimigo machão que pedia um briguinha mano a mano para ver qual dos dois era o
melhor lutador. A sentença também cai como uma luva para toda a galerinha que
fez campanha contra o filme antes mesmo de ele chegar aos cinemas, reclamando da representatividade que este defende nas telas e fora delas. Pois bem: mesmo não precisando provar nada para ninguém, “Capitã Marvel” é uma delícia de filme de aventura e um fenômeno de
bilheteria (tendo faturado mais de um bilhão de dólares só nos cinemas). Cheguei a
colocá-lo na minha lista dos 10 melhores de 2019, pois foi um dos raros filmes
de super-herói recentes a me fazer sentir como um garotinho na sala de cinema
– uma experiência parecida com a que tive quando vi o “Superman” do Richard Donner ou
o “Batman” do Tim Burton pela primeira vez, e que estava cada vez mais difícil de reproduzir.
Isso porque, ao contrário de outros filmes recentes do próprio Marvel Studios,
“Capitã Marvel” tem alma: ele pega uma heroína relativamente desconhecida do
grande público e consegue escapar de praticamente todas as armadilhas inerentes ao formato do “filme de
origem”. A protagonista é “Vers”, uma guerreira alienígena Kree, cuja raça está
em eterno combate com os arquinimigos Skrulls (transmorfos que podem assumir a
forma de qualquer criatura viva). Durante uma missão, ela cai na Terra dos anos
1990 e faz parceria forçada com um jovem Nick Fury (Samuel L. Jackson,
rejuvenescido por CGI), numa época anterior ao surgimento de todos os outros
super-heróis do Universo Cinematográfico Marvel - o que acaba rendendo belas piadas e
referências aos outros filmes que vieram antes, mas que se passam cronologicamente depois. Assim como o espectador, Brie Larsen (absolutamente
fantástica como protagonista) vai descobrindo aos poucos a verdade sobre sua
identidade e a plena capacidade dos seus incríveis poderes. E é uma jogada de
mestre, considerando que a Capitã, a exemplo do Superman, é poderosa DEMAIS, e fica
muito difícil criar um filme inteiro ao redor de uma personagem que pode
destruir facilmente qualquer ameaça na Terra ou fora dela. Não contente, o roteiro bem construído
(assinado pela dupla de diretores mais Geneva Robertson-Dworet) vai adicionando
camadas e mais camadas para agradar a diferentes tipos de público. Há um quê de buddy movie na parceria forçada entre Vers e Fury, que começam se odiando e
terminam por respeitar-se mutuamente. Há um sentimento de nostalgia com a
ambientação na década de 1990, que permite inclusive utilizar uma trilha sonora
descoladíssima e formada quase que totalmente por sucessos executados e/ou
compostos por mulheres. Há uma radical mudança de rumo em relação aos gibis,
alterando o protagonismo-antagonismo em relação a Krees e Skrulls, dando ares
de novidade mesmo para quem já é especialista nos quadrinhos Marvel. Há o
impagável gatinho Goose, mascote da heroína, que, num dos melhores
momentos do filme, se revela uma inesperada arma de destruição em massa. E há
referências obscuras aos gibis para saciar os nerds, tipo a aparição de uma ainda criança Monica Rambeau (cuja
versão adulta, nos quadrinhos, foi Capitã Marvel durante certo período). Tudo isso
somado dá origem a uma das grandes surpresas do Marvel Studios, embora a partir de agora seja muito complicado
fazer a personagem funcionar num novo filme solo. E este é, provavelmente, o melhor filme de
super-heroína já produzido, o que nem chega a ser grande vitória quando os
competidores são filmes bons-porém-problemáticos como o recente “Mulher Maravilha”, ou bombas atômicas tipo o “Supergirl” de 1984 e o “Elektra” com a Jennifer Garner...
"Por 10 mil eles quebram seus braços; por
20 mil eles quebram suas pernas. Axel Freed está devendo 44 mil". A frase
no pôster já resume perfeitamente a monstruosidade de filme que é este “O
Jogador”. James Caan, baita ator que deveria estar sendo melhor aproveitado pela
nova geração de diretores, interpreta Axel Freed, um professor universitário
viciado em jogos de azar. Dez minutos depois de perder a pequena fortuna de 44
mil dólares num cassino ilegal dirigido por gângsters de alta periculosidade, Freed pára o carro no
acostamento e perde mais 20 dólares apostando com um bando de moleques que
jogam basquete, por pura bobagem. Troque a jogatina por álcool, sexo ou
drogas pesadas, e temos aqui mais um estudo de personagem exaurido pela própria
dependência, na linha de petardos como “À Procura de Mr. Goodbar” ou “Trainspotting”. Mesmo
sabendo que o protagonista é um sujeito escravizado pela adrenalina do ganhar
ou perder, e que jamais conseguirá se livrar desta compulsão, o espectador
sofre com ele, chega a torcer que ele dê a volta por cima. Mas é óbvio que
caras como Freed já estão com seu destino escrito. E tão logo ele põe as mãos
nos 44 mil que deve, resolve partir para uma derradeira odisséia de apostas em
Las Vegas, ao invés de pagar logo os bandidões para quem está devendo. Mais ou
menos como Nicolas Cage fez 20 anos depois em “Despedida em Las Vegas”,
preferindo uma última viagem para beber até morrer na Cidade do Pecado do que
tentar lutar contra o vício. Paul Sorvino novinho e Burt Young (o Paulie da
série “Rocky”) com a mesma cara de velho de sempre aparecem interpretando,
obviamente, mafiosos. E um James Woods igualmente novinho surge em pequena
participação como caixa de banco. Lauren Hutton novinha é a amante
desesperançada que sabe que seu amado mais cedo ou mais tarde vai acabar mal. Uma
das melhores coisas do filme é que não há julgamentos nem estereótipos. Os
bandidões do filme são mostrados até com certa simpatia como “empreendendores
homens de negócio”. E quando Burt Young arrebenta um sujeito que lhe deve uma
grana preta, é apenas mais um dia de trabalho no escritório. O final aberto
deixa claro que há pouca esperança de redenção para Axel Freed, mas também
evita ser pedante ou moralista. Seu último sorriso cínico pode significar
muitas coisas - terá finalmente aprendido a lição, ou aquela é a primeira vez
em muito tempo que se sente vivo? Quarenta anos depois, o filme foi refilmado
como “O Apostador”, com Mark Wahlberg no papel que fora de Caan. E o mesmo
argumento, quem diria, deu origem a um outro filmaço recente, conforme veremos a
seguir...
JOIAS BRUTAS
(Uncut Gems, 2019, EUA. Dir: Benny e Josh Safdie)
Toda e cada palavra que eu escrevi para
descrever “O Jogador”, logo acima, poderia ser repetida para definir este
“Uncut Gems” - que é, com o perdão do trocadilho, uma verdadeira gema, ou a
“joia bruta” anunciada pelo título brasileiro. O irritante Adam Sandler aparece visualmente acabadão como um joalheiro viciado em jogo que deve dinheiro para todo mundo,
incluindo os sujeitos mais perigosos da cidade, mas não paga ninguém e segue
torrando o pouco que ganha em apostas impulsivas. Enquanto espera que o leilão
de uma rara peça não-lapidada de opalas possa lhe trazer uma mínima
estabilidade financeira para pagar as contas (e sustentar o negócio, a família
e a amante), ele penhora coisas valiosas que não lhe pertencem só para conseguir algum
dinheiro que permita seguir em frente tentando se dar bem. Mas é claro que a paciência
dos agiotas começa a terminar, e as ameaças dão lugar aos atos de violência.
Enquanto “O Jogador” era um filme mais lento, com vários momentos de silêncio
e contemplação, “Uncut Gems” é o extremo oposto: frenético e gritado, parece os
20 minutos finais de “Os Bons Companheiros”, do Scorsese, esticados por
2h15min. Ao final, deixa o espectador tão esgotado psicologicamente quanto seus
personagens. E como eu havia feito no supracitado filme estrelado pelo James
Caan, você acaba dividido entre odiar o personagem principal (pelas suas ações
condenáveis e índole) e torcer para que ele finalmente ganhe sua tão sonhada
bolada e, quem sabe, sossegue - mesmo sabendo que ele provavelmente vai
empenhar tudo em outra aposta mirabolante minutos depois da vitória. Sandler é a grande
surpresa; o homem está simplesmente espetacular como protagonista. Parei de ver
filmes com ele sabe-se lá quando (“Click”, talvez?), e no início do filme é um
pouco difícil dissociá-lo do papel de bobo-alegre que parece ser sua
especialidade. A voz irritante e esganiçada também não ajuda. Mas aí você se
acostuma com o jeitão do cara e percebe que o personagem deveria ser tão
irritante quanto o autêntico Sandler. E esta é uma rara oportunidade que lhe
dão para atuar de verdade - a cena em que o protagonista tenta voltar para a
esposa após brigar com a amante, algo entre o patético e o cínico com notas de
tristeza, comprova que existe um ator esforçado debaixo de várias camadas de
Adam Sandler. “Uncut Gems” também tem diversas celebridades como “elas mesmas”,
tipo o jogador de basquete Kevin Garnett, mais o
puta ator Eric Bogosian ressurgindo do limbo e até John Amos, em
participação-relâmpago, como “o vizinho famoso que apareceu em 'Um Príncipe em
Nova York'”! O ritmo frenético e a escolha de Sandler para o papel principal
são apostas arriscadas; mas o filme é justamente sobre apostas, e os Irmãos Safdie,
quem diria, tinham um autêntico royal flush na mão.
ENTRE FACAS E
SEGREDOS (Knives Out, 2019, EUA: Rian Johnson)
Depois de sofrer backlash por nerds virjões
por causa do “polêmico” (ironia) “Star Wars – Os Últimos Jedi”, o diretor Rian Johnson
poderia ter se deixado abatar pela fama de “maldito” e viver a chorar as pitangas
pelos cantos. Mas resolveu mandar recado dirigindo e escrevendo este “Knives
Out”, uma delícia de filme feito especialmente para quem cresceu lendo Agatha
Christie e Sir Arthur Conan Doyle (ambos citados abertamente na trama). Foi um
inesperado sucesso que, ironicamente, acabou mais badalado do que o “Star Wars” seguinte (o
frustrante “A Ascensão Skywalker”), e ganhou até indicações ao Oscar e ao Globo de
Ouro, mandando um belo “Chupa!” para os chorões que reclamavam que ele tinha
estragado “Star Wars”. “Knives Out” é um 'whodunit', aquele tipo de mistério
onde alguém investiga um assassinato e tenta descobrir o criminoso entre
vários suspeitos. Algo cômico, algo misterioso, trata da morte de um famoso
autor de thrillers policiais, e a disputa que se inicia entre a sua nada amorosa
família pela milionária herança. Daniel Craig interpreta o detetive fodão que
tenta ajudar a polícia a descobrir se algum dos parentes teria matado o velho
pela sua fortuna. Mas a investigação será complicada por dois motivos:
primeiro, todo mundo ali tinha motivo para despachar a vítima; segundo, a
história por trás do “crime” é bem diferente do que parece. Trata-se do tipo de
roteiro que parece simples de começo, mas só parece. Sua história vai se
desdobrando em algumas ótimas surpresas, do detetive fodaralhaço que na verdade
é um grande bobão ao culpado do crime sendo revelado desde cedo, nos levando a
torcer para que ele/ela consiga apagar as pistas que levam à sua identidade. Falar
mais sobre a trama estragaria algumas destas surpresas, mas é fato que Johnson
conseguiu fugir com esperteza e certa elegância das convenções do gênero, criando reviravoltas novas e inesperadas. Embora a duração de 130 minutos seja um
tanto excessiva, o elenco de astros e estrelas, todos muito à vontade interpretando canalhas, me lembrou aquelas luxuosas adaptações de Agatha Christie feitas
nos anos 1970. Além de Craig, tem Jamie Lee Curtis, Don Johnson, Michael
Shannon, Toni Collette, o Capitão América, e até Christopher Plummer,
veteraníssimo e ainda batendo cartão. Há umas farpas políticas lá e alguma
crítica social cá, mas ao final sacramenta-se que “Knives Out” não passa de uma
grande bobagem, mas uma grande bobagem muito divertida.
HERÓI OU
ASSASSINO (Deadly Hero, 1975, EUA. Dir: Ivan Nagy)
Nestes tempos estranhos em que a população
pede mais policiamento para combater a sensação de insegurança ao mesmo tempo
em que reclama da brutalidade policial, um filme esquecido tipo “Deadly
Hero” volta a tornar-se relevante. Produzido em 1975, continua atualíssimo
quase meio século depois. Don Murray (visto recentemente como o chefe
de Dougie Jones na terceira temporada de“Twin Peaks”) interpreta um veterano
policial de Nova York, condecorado por bravura e prestes a se aposentar. Ele é
respeitado na comunidade, tem família, filha pequena e ambições políticas. Ao
mesmo tempo, os anos trabalhando numa metrópole ultraviolenta o deixaram
mentalmente instável, e só falta uma pequena faísca para explodir o barril de
pólvora. Quando o tira intervém num caso aparentemente banal, em que uma
popular compositora foi feita refém por um maníaco, não pensa duas vezes: ou
porque o meliante é uma ameaça irrecuperável que em breve estará nas ruas
novamente, ou porque é negro, ou por ambos os motivos, resolve executá-lo
friamente a tiros, sem ligar para o fato de o criminoso estar desarmado. Vira herói da
noite para o dia, capa de jornal, e começa a ser usado para alavancar a
campanha política de um candidato a prefeito. Mas a compositora tomada como refém
sabe que o policial agiu com excesso de força. E pretende contar à Corregedoria
para evitar que ele faça isso de novo. Com sua carreira de herói e seu futuro
político ameaçados, como o policial irá reagir? Embora puxe mais para o lado do
drama do que para a ação, e tenha uma conclusão um tanto frustrante, “Deadly
Hero” traz aquele clima nu e cru típico dos anos 1970, com rompantes de
violência e tirambaços que pintam as paredes de vermelho. Já o estilo quase
documental, com filmagens nas ruas retratando uma Nova York suja, violenta e
fora de controle, é o tipo de coisa que a nova geração de cineastas não vai
conseguir repetir nem com milhões de filtros na pós-produção. O elenco tem
vários nomes que ficariam famosos posteriormente, como Treat Williams e James
Earl Jones (e até Debbie Harry e Danny DeVito em pontas invisíveis). Mas é Don
Murray, um eterno figurante, quem brilha neste seu raro papel principal do
policial violento que, num único erro de julgamento, pode colocar toda a
carreira a perder - uma versão mais realista de tiras durões/heróicos como
Dirty Harry ou Stallone Cobra. Vale conhecer, nem que seja para alimentar o
popular debate sobre a polícia que (não) queremos (e a “nós” me refiro às
pessoas com mais de dois neurônios, obviamente).
Apesar do pôster fodaralhaço estilo “América
Vídeo: Nossos filmes explodem como dinamite!”, a aventura chinesa
“Extraordinary Mission” passa bem longe da excitação que promete. E, a exemplo
de outras produções orientais recentes na mesma linha (“The Raid 2”,
“Headshot”), é inchada demais, cheia de personagens e situações desnecessárias,
que separam as
mirabolantes cenas de ação com longos espaços de tédio. Para dar uma ideia
melhor do drama: o filme tem duas horas cravadas, mas os primeiros 60 minutos
poderiam tranquilamente ser reduzidos para 15, já que são gastos apresentando e
desenvolvendo personagens que morrem logo em seguida, quando a trama principal
finalmente começa a engrenar (um problema sério que também aflige o “The Raid 2”). O
filme tem dois diretores, Alan Mak e Anthony Pun, e o primeiro, caso você não
tenha reconhecido por nome, fez uma obra-prima duas décadas atrás chamada “Conflitos
Internos” (refilmada pelo Scorsese como “Os Infiltrados”, mas o original é bem
melhor). Aparentemente, Mak nunca esqueceu do grande filme da sua carreira e
tenta repeti-lo neste aqui, que também conta a história de um policial
infiltrado numa perigosa quadrilha (agora, de narcotraficantes) que começa a
viver seu papel com mais realismo do que gostaria. Lá pelas tantas, os vilões
deixam o X-9 viciado em heroína para poder controlá-lo melhor (estilo “Operação
França 2”), mas é outra das boas ideias desperdiçadas pelo roteiro. Afinal, o foco aqui são os tiros, as explosões e as perseguições de carro, e nisso
os dois diretores se saem razoavelmente bem - embora deixem aquela
sensação de “Ok, já vi isso antes” a cada nova cena de ação. Pelo menos a meia
hora final é realmente eletrizante, com uma daquelas guerrilhas “três homens
contra 300” estilo Peckinpah ou John Woo dos bons tempos. Mas é preciso um
pouco de paciência para chegar até ali, e uma recauchutagem do roteiro/montagem
poderia ter tirado um filme muito melhor desta completa (e desnecessária) bagunça.
Começando por “The Convent” (que parece
“Demons” sob efeito de ecstasy), passando por “The Gravedancers” (um filme B
sobre fantasmas realmente assustador), até chegar aos monstros gigantes dos
impagáveis “Big Ass Spider” e “Lavalantula”, o diretor Mike Mendez tem
demonstrado um talento único para fazer filmes muito divertidos com pouquíssimo
dinheiro - e que, infelizmente, ainda não alcançaram grandes audiências. Seu recente
“Don’t Kill It” é a epítome do "'cinema Mendeziano": curto e grosso (menos de 90
minutos), estrelado por um ícone dos anos 1980 (Dolph Lundgren), repleto de cenas
absurdas de morte e violência, e reciclando situações já vistas em outras
produções (a idéia, Mike confessa, veio do clássico filme B “The Hidden”, do
Jack Sholder). Vários astros de ação dos anos 1980 enfrentaram o Capeta - incluindo Chuck
Norris, em “Perigo Mortal”, e Schwarzenegger em “Fim dos Dias” -, e agora Mendez faz este
favor a Lundgren, colocando-o como um caçador de demônios veterano em busca de
uma criatura particularmente maligna, que possui corpos humanos e força o
hospedeiro a sair matando desenfreadamente. Quando o corpo é morto ou destruído,
o demônio imediatamente pula para a pessoa que o matou, tornando a contenção da
ameaça um tantinho complicada. O enredo poderia ser um desastre se levado muito
a sério, mas felizmente Mike não chega nem perto de fazer isso. O personagem de
Lundgren, chamado Jebediah Woodley (!!!), é uma caricatura ambulante, e o ator
deve ter mais diálogos nos 80 minutos de “Don’t Kill It” do que em toda a sua
carreira! A habitué do gênero Kristina Klebe também aparece como agente do FBI/parceira
do “herói”. Mesmo trabalhando com um orçamento visivelmente baixo, o diretor
arregaçou as mangas e produziu cenas de ação e violência explícita
impressionantes, como o banho de sangue na reunião do conselho da cidade, que
lembra (em uma escala pequena, mas igualmente sanguinolenta) o massacre da
igreja em “Kingsman - Serviço Secreto”. Infelizmente, a recepção nos EUA foi muito fraca, mesmo tendo recebido críticas muito boas e entusiasmadas. Isso significa o fim prematuro de
um personagem fantástico (o “caçador de demônios” Jebediah Woodley), que poderia
render toda uma franquia de histórias de horror classe B. Enquanto isso, um
negócio sem nenhum neurônio como “Sharknado” já soma inacreditáveis SEIS filmes! O mundo é realmente
um lugar muito injusto.
Este é mais um daqueles documentários
obrigatórios para qualquer cinéfilo, e que eu às vezes recomendo por aqui mesmo
sabendo que uma minoria da humanidade vai procurar. Trata-se de um
impressionante trabalho de pesquisa sobre a já lendária adaptação do “Quarteto
Fantástico” produzida por Roger Corman (por uma mixaria) entre
1992-93. Vale lembrar que, na época, não existia Marvel Studios e filmes de
super-neróis ainda não eram sinônimo de superproduções bilionárias, embora a DC
estivesse torrando dinheiro pesado nas aventuras do Batman. Corman recrutou um
diretor desconhecido (Oley Sassone) e um elenco sem astros para filmar
uma aventura do Quarteto a toque de caixa, prometendo um lançamento limitado
nos cinemas e, ora bolas, alguma visibilidade no mundo nerd, por estarem
adaptando um gibi tão popular. Logo, apesar de trabalharem em condições
extremamente adversas, diretor e equipe acreditaram estar fazendo algo com
potencial para alavancar suas carreiras a produções maiores e melhores. O
problema é que o negócio já estava condenado (“doomed”) desde o início: sem que a
equipe soubesse, esta adaptação fazia parte de um maquiavélico “1-7-1” dos
produtores para assegurar os direitos cinematográficos sobre o Quarteto
Fantástico, que iriam caducar e voltar para a Marvel em alguns meses. E a ideia
inicial nunca foi foi realmente LANÇAR o filme, mas apenas “chantagear” algum
grande estúdio para poder vender-lhe estes direitos por muito dinheiro! O
documentário entrevista praticamente todos os envolvidos no imbróglio, que
falam sobre sua surpresa ao descobrir que o pequeno filme em que empenharam
sangue, suor e lágrimas seria engavetado para sempre. Pior: para desespero de
todos eles, os negativos originais teriam sido comprados e QUEIMADOS quando a
Fox assegurou os direitos para fazer sua própria adaptação do Quarteto
Fantástico, impedindo que o “primo pobre” seja decentemente lançado em algum
momento! Felizmente, os deuses do cinema olham por nós e a amaldiçoada versão
nunca lançada do Quarteto sobreviveu em fitas piratas (o diretor Sassone
chega a agradecer, no documentário, a quem quer que tenha pirateado o filme). Mesmo com péssima qualidade de áudio e vídeo, esta é a única maneira de ver,
hoje, como seria o Quarteto Fantástico pobretão. Teve um outro documentário
recente sobre um filme de super-herói que não foi produzido: “The Death of
Superman Lives”, de Jon Schnepp, sobre o Super-Homem que seria dirigido por Tim
Burton nos anos 1990, com Nicolas Cage no papel principal. A diferença é que,
neste caso, você fica até feliz que tamanha bomba não tenha saído do papel. Já
no caso narrado por “Doomed” a história é muito, muito triste. Ninguém acreditava que
Sassone e cia conseguiriam fazer um filme inteiro com tão pouco dinheiro, como
eles acabaram por fazer. E é de partir o coração que estas pessoas tenham
trabalhado tanto num projeto que nunca foi concebido
para ver a luz do dia. Alguns dos atores contam, no documentário, que na época
participaram de convenções de quadrinhos, tirando dinheiro do próprio bolso, apenas para poder interagir com os fãs do Quarteto;
outro diz que seu filho pequeno se recusou a ver as adaptações milionárias dos
heróis feitas depois por considerar que seria uma traição ao pai. Logo, um
documentário tão obrigatório quanto a adaptação maldita do Quarteto Fantástico
por Roger Corman, que nunca vai ser lançada em blu-ray e nem passar no Netflix,
mas se recusa a morrer e continua circulando em cópias piratas. Ironicamente,
ela é muito melhor que todas aquela terríveis superproduções
lançadas depois!
A definição a seguir é aquela que vai atrair ou
afastar para sempre um espectador em potencial deste novo filme do inglês Peter
Strickland: “In Fabric” é uma história de horror, sem medo de se assumir como
tal, sobre um vestido vermelho assassino. Ponto. Embora não cite nos
créditos, o roteiro do próprio diretor parece ter tirado inspiração de “I'm
Dangerous Tonight”, uma novela de Cornell Woolrich publicada em 1937, que já
tinha sido adaptada como filme de horror homônimo, em 1990, por ninguém menos
que Tobe Hooper (no Brasil, o título traduzido ficou “A Morte Veste Vermelho”). A
fantástica Marianne Jean-Baptiste interpreta uma bancária negra e cinquentona que
acabou de ser abandonada pelo marido, e tem que se virar dividindo a casa com o
filho rebelde e a namorada abusada deste. Ela começa a buscar futuros
pretendentes naqueles antigos serviços de namoro por telefone (a trama se passa
em época desconhecida, mas certamente entre os anos 1970-80). Querendo
arrasar num dos primeiros encontros, vai a uma loja badalada da cidade para
renovar o guarda-roupa. Acaba se deparando com o tal vestido vermelho, que
parece atrair todo tipo de desgraça ao seu portador. Durante pelo menos 60
minutos, “In Fabric” é um puta de um filmaço: Strickland optou por manter o tom
absolutamente sério e enigmático mesmo contando com um argumento tão bobo,
correndo um risco tremendo, mas foi bem-sucedido em criar um clima eficiente de
absurdo e estranhamento. O vestido vermelho mortífero é um “vilão” no mínimo
curioso, e o filme remete, em música e visual, ao cinema de gênero europeu dos
anos 1970. Vá lá que o diretor às vezes pese a mão e exagere ao retratar a estranheza da loja onde o vestido foi comprado e das pessoas que ali
trabalham. Eu já tinha entendido que havia algo muito suspeito envolvendo o
local, não era necessário filmar um longo ritual de bruxaria para comprovar
isso. Mas o que realmente mata o filme é que, passada esta hora inicial que é uma bela de
uma história de horror old-school, Strickland sacaneia o espectador ao mudar
totalmente o foco da narrativa. A bancária negra cinquentona cuja vida
acompanhamos com interesse até então some da história, e passamos a ver o mesmo vestido
vermelho provocando estragos na vida de outro núcleo de personagens - um
sujeito que trabalha consertando máquinas de lavar roupa e sua insuportável
noiva. E aí a coisa despenca. Primeiro porque esse novo núcleo de personagens
não é nem de longe tão interessante quanto o outro. Segundo porque o filme
começa a repetir tudo que já vimos na metade anterior: o vestido provocando
alergia na pessoa que o veste, o vestido se recusando a ser lavado e destruindo
a máquina de lavar, etc etc. E terceiro porque, pra mim, esta reviravolta do
“Vamos trocar o protagonista no meio do filme” funciona apenas em casos muito
específicos, como “Psicose”, mas em geral é um recurso beeeeeem frustrante
(vide o “Death Proof”, do Tarantino), já que nos faz acompanhar determinado grupo de personagens durante tempo considerável apenas para
descartá-los de súbito e apresentar outros nem sempre tão
interessantes. Em suma, “In Fabric” são dois filmes em um, mas em nenhum
momento esta decisão faz sentido ou torna a narrativa mais interessante. Eu
entenderia se fosse uma espécie de antologia, com o vestido mortífero
provocando estragos em diferentes personagens ao longo da trama, mas a mudança
de foco aqui é absolutamente desnecessária e mal-sucedida. O próprio ESTILO do
filme muda totalmente: se antes o tom era mais de horror e mistério, na
segunda metade ficamos à mercê de um humor bizarro estilo David Lynch. Se
recomendo “In Fabric” mesmo assim? Certamente. É um filme visualmente
fantástico, com uma direção de arte absurda de linda e uma trilha sonora
incrível. Para muitos funcionará apenas por isso, como “experiência sensorial”,
e lá e cá até lembra o Argento fazendo cinema fantástico nos bons tempos (com
“Suspiria” e especialmente “Mansão do Inferno”). A trama é ótima durante toda a primeira
metade, com coragem para colocar uma mulher negra de meia-idade como
protagonista, e com alguma boa vontade é até possível esquecer que há uma
segunda história ridícula durante a outra metade. E é,
disparado, a melhor coisa já feita sobre um vestido vermelho assassino - muito
melhor que a própria novela de Cornell Woolrich.
Esta simpaticíssima “aventura infanto-juvenil
para adultos” poderia ter sido um dos meus filmes preferidos de todos os
tempos se eu tivesse visto na Sessão da Tarde quando moleque. Óbvio que só vi
agora, depois de marmanjo, porque o próprio filme é recente, mas ele traz todos aqueles elementos que eu adorava nas produções dos anos 1980.
Imagine “Risco Total” misturado com “Fuga de Nova York”, mas com um moleque de
13 anos no lugar do Stallone ou do Kurt Russell, e o resultado é este filme
aqui. O tal garoto (Onni Tommila) vive numa região remota da Finlândia e precisa
cumprir o “ritual de passagem” da sua tribo para provar que é um grande
caçador: embrenhar-se sozinho por uma floresta congelada para matar algum
grande animal usando apenas seu arco-e-flecha. Seu objetivo é provar aos adultos da vila (e
especialmente ao seu pai) que não é apenas uma criança mimada, mas sim “um
deles”. Ocorre que, no mesmo momento, o Air Force One é abatido por terroristas
ali pertinho, e o pequeno caçador vê-se obrigado não apenas a provar sua
coragem como caçador, mas também resgatar o presidente dos Estados Unidos -
ninguém menos que Samuel L. Jackson, interpretando uma versão casca-grossa de
Barack Obama! Confesso que voltei à infância ao ver um molequinho salvando
Samuel L. Jackson (!!!) de terroristas usando apenas um arco-e-flecha!
Infelizmente, “Caçada ao Presidente” não fez o sucesso que deveria e foi
pouquíssimo visto, mesmo para a geração que, como eu e o diretor finlandês Jalmari
Helander, cresceu justamente com esse tipo de filme. Para quem arriscar e
embarcar na proposta, certamente será um nostálgico retorno àquelas belas
aventuras infanto-juvenis tipo “Os Heróis Não Têm Idade” (que eu também amo),
em que a presença de uma criança como protagonista não poupa o espectador de
tiros, explosões, cadáveres ensanguentados ou da morte violenta dos vilões! Fica a dica principalmente para os leitores que já passaram os genes adiante: entre um filme de super-herói e outro da “Frozen”, coloquem os pequenos para ver filmes bacanas como este aqui, que são autênticos formadores de caráter!
Ultimamente, o pessoal do Marvel Studios vem
demonstrando um curioso talento para fazer ótimas aventuras de estreia de seus
heróis somente para estragar tudo nas sequências. Foi assim com a continuação
de “Homem-Formiga”, e a bola da vez é o Homem-Aranha. Após o simpático e
divertidíssimo “Homem-Aranha – De Volta ao Lar”, que não deixava nenhuma
saudade dos filmes do Sam Raimi, o mesmo diretor Jon Watts descarta tudo que
havia funcionado no anterior ao fazer esta sequência, “Longe de Casa”. E isso que o argumento
era promissor: o jovem Peter Parker e seus colegas partem numa viagem escolar à
Europa, onde o rapaz precisa lidar, ao mesmo tempo, com múltiplas tentativas frustradas de
confessar seu amor pela colega MJ e com a aparição frequente de misteriosos monstros gigantes vindos de
outra dimensão. Se no filme anterior as doses de aventura, comédia e comédia
romântica funcionavam e pareciam bem dosadas, isso acontecia porque Parker/Homem-Aranha lidava com desafios do seu tamanho - problemas na escola, problemas em casa, problemas financeiros e um vilão HUMANO. Por isso soa estranho rever o mirrado herói
enfrentando monstros com dez vezes o seu tamanho e muito mais poderosos do que ele - uma
ameaça digna do time completo dos Vingadores. Claro que há uma reviravolta lá pela metade para justificar que
tudo não passou de um plano diabólico do vilão da vez, o Mysterio de Jake
Gyllenhaal, aqui em uma versão mais realista que estraga o clássico arquiinimigo
dos quadrinhos (tipo fizeram com o Mandarim em “Homem de Ferro 3”). O pior é
que a suposta explicação dos poderes do vilão torna o filme todo ainda mais
ridículo, porque seus efeitos de “ilusionismo” jamais funcionariam naquela escala.
Em meio ao festival de efeitos e destruição pela Europa, Watts desperdiça o que havia de
mais interessante no filme anterior: os dilemas adolescentes do jovem Peter Parker e seu
relacionamento com MJ, com o amigo gordinho Ned e demais colegas. A Tia May de
Marisa Tomei, coitadinha, quase que foi apagada da trama, a locação na Europa é completamente desperdiçada, e o roteiro parece insistir em
transformar o herói numa espécie de “Homem de Ferro Júnior” – tanto seu uniforme
quanto seus poderes estão cada vez menos parecidos com o Aranha dos gibis e
mais semelhantes aos de Tony Stark. Talvez a ordem fosse justamente fazer um
filme mais leve e mais bobo para entreter os fãs da Marvel após a cacetada que
foi “Avengers – Endgame”, mas não me convenceu. Ainda há alguns momentos pontuais e piadinhas que salvam o filme da total perda de tempo, e de ser tão ruim quanto
“Homem-Formiga e a Vespa”; Tom Holland parece ter nascido para o papel,
intercalando inocência e trapalhadas com bravura quando necessário; e uma
aparição-surpresa no final, que cria um link inusitado entre este novo Aranha e
a série dirigida pelo Sam Raimi, deixa as portas escancaradas para uma
sequência, com um gancho muito bem bolado. Quiçá os realizadores reavaliem as
prioridades e coloquem o personagem de volta nos trilhos até lá.
Todo mundo que já se meteu a fazer cinema
independente tem alguma história inacreditável de filme inacabado ou perdido
(eu mesmo tenho a minha). Mas poucas são tão trágicas, assustadoras e
emocionantes quanto a narrada neste brilhante documentário produzido pela
Netflix. Sua diretora Sandi Tan, uma cineasta de Singapura, narra a própria
história; ou, melhor dizendo, a história de “Shirkers”, um longa-metragem
experimental que ela e os amigos rodaram no começo dos anos 1990, quando todo
mundo era novinho e ainda não era relativamente fácil, como hoje, para fazer um filme
(as câmeras não eram digitais e filmavam em película, o que encarecia
consideravelmente o processo e exigia profissionais que soubessem um mínimo do
que estavam fazendo). “Shirkers” podia ter colocado essa galera toda no mapa de
jovens realizadores, numa época em que o mundo começava a olhar com interesse
para esse tipo de produção independente. Infelizmente, um dos integrantes
roubou todas as latas de negativo ao final das filmagens e desapareceu do mapa
com elas. Durante duas décadas, nada se soube sobre o sujeito ou sobre o filme. Até agora. A história em si já é intrigante, e a diretora consegue
narrá-la de forma dinâmica, sem forçar a barra em causa própria. Sandi usa um amplo arsenal de recursos audiovisuais para apresentar ao espectador não
só como era a vida desses jovens de Singapura tentando fazer um filme do
próprio bolso, mas também a vida cultural no país do período (quando, acredite
se quiser, até mascar chicletes era proibido pelo governo!). O sumiço do filme
acabou com a carreira de Sandi, então uma talentosa adolescente de 16 anos
cheia de sonhos e ideias, que viu-se obrigada a cancelar seu projeto de virar
cineasta para trabalhar como crítica de cinema. Lá pelas tantas a narrativa
ganha contornos de thriller (e até de filme de terror), quando ela começa a investigar o passado do sujeito que sumiu com seu filme.
Pois eis que o sujeito era um mistério ambulante, do tipo que mentia até sobre
o local onde nasceu. Sem querer spoilear nada (já que imagens de “Shirkers” são
usadas fartamente ao longo do documentário), pelo menos a moça teve a
possibilidade de recuperar seu cobiçado filme perdido e rever aquelas imagens
do seu passado uma vez mais. Não apaga, claro, a triste história de uma obra
cuja existência foi negada aos próprios realizadores durante tempo demais. Mas
resta o consolo de que serviu de inspiração para um documentário incrível, que
finalmente fez justiça ao talento da realizadora, ao mesmo tempo em que lhe
permitiu exorcisar demônios particulares e fazer as pazes com o passado. Já é
uma grande conquista, sem dúvida.
Se alguém pegasse os arquivos originais de
“Bad Day for The Cut”, jogasse num desses programas de pós-produção e enchesse
de filtros para “envelhecer” a imagem, provavelmente o espectador desavisado
imaginaria estar diante de um daqueles thrillers de vingança pesadões dos anos
1970, tipo “Desejo de Matar”. Primeiro longa do diretor-roteirista Chris Baugh, já provocando certo burburinho no Festival de Sundance, conta a história de Donal, um pacato fazendeiro cinquentão que vive sozinho no
campo com a mãe idosa, e que precisou sacrificar a própria vida para ficar cuidando
dela. Quando a velhinha é morta por misteriosos bandidos,
Donal resolve ir para a cidade com uma espingarda de dois canos para fazer
justiça com as próprias mãos. O filme é muito bem dirigido e aproveita tanto as
paisagens rurais quanto as urbanas da pequena cidadezinha irlandesa em que foi
filmado; a interpretação do praticamente desconhecido Nigel O'Neill como
fazendeiro vigilante também é um achado. O único problema é que, na comparação
com as histórias de vingança setentistas que parece tentar emular, o filme
nunca é tão violento quanto poderia (e deveria) ser. Ainda mais considerando
que martelos, marretas e até ferros de passar roupa são utilizados por Donal
como instrumentos de extermínio de criminosos. Com um final inesperado e
amargo, a melhor coisa de “Bad Day for the Cut” é comprovar que a vingança é um
círculo vicioso: você pode até acertar suas contas com alguém, mas logo um outro alguém
vai estar querendo acertar suas contas com você. E disso os irlandeses entendem muito bem,
já que passaram décadas mergulhados num sangrento conflito entre católicos e
protestantes, onde família inteiras foram aniquiladas no sistema “vinga daqui,
vinga de lá”. Vale ficar de olho nos próximos trabalhos do diretor (se houver
algum, lógico).
É por causa de uns troços tipo esse aqui que
deveria ser instituído um Oscar para Melhor Trailer. Porque você assiste o
preview do filme do Richard Shepard e pensa que vai ver um terror classudo
sobre loucura e obsessão no mundo da música - algo tipo “Cisne Negro” com
visual e trilha sonora de uma obra do Dario Argento. Só que o filme na verdade
é uma completa asneira, uma daquelas histórias movidas a reviravoltas (são
três, no total) em que o espectador precisa fechar um olho para a lógica “perdoar” muita coisa - do conceito de que você
pode INDUZIR alucinações em alguém que misturou medicamento e bebida alcoólica
até a proposta de “salvar” uma pessoa de um destino aparentemente terrível
amputando-lhe a mão direita, e deixando-a deficiente pelo resto da vida! A trama
vai mudando de foco a todo instante, e às vezes lembra vários filmes em um. De
começo parece tratar da rivalidade entre duas violoncelistas e do plano
macabro de uma delas para eliminar o talento da outra. A primeira meia hora tem
toques de body horror que funcionam, e é realmente bem tensa. Mas aí começam
as reviravoltas e descobrimos que nada é o que parecia ser: o suposto malvado
pode na verdade ser bonzinho e quem parecia bonzinho definitivamente é bem
malvadão. Depois do segundo plot twist eu já comecei a me contorcer no sofá,
ofendido com o fato de os realizadores estarem me chamando de idiota tão escancaradamente,
mas ainda tem um terceiro que é pra afundar o filme de vez. E os caras também
usaram a sério um dos efeitos mais quinta série do cinema - o de “fita
rebobinando” para mostrar fatos acontecidos ou previamente acordados entre os
personagens ANTES de algo que acabou de ser mostrado. No fim, todas as cenas
boas estão no trailer, algumas delas inclusive usadas fora de contexto (porque
no filme elas não aparecem com intenção de choque ou horror, apenas...
aparecem!). E é no mínimo irônico que um negócio tão desconjuntado e bobo possa
se chamar “A Perfeição”.
Em 1945, no finalzinho da Segunda Guerra, os
nazistas encerraram as atividades de seus campos de concentração exterminando
todos os prisioneiros antes da chegada dos aliados. Sobreviventes de um desses
campos, oito crianças e adolescentes percebem que o pesadelo apenas começou ao
se verem finalmente livres, mas sem familiares nem adultos para tomar conta
deles. Isolados em um casarão abandonado no meio da floresta, sem comida nem
água, eles acabam presos uma segunda vez quando os cães de guarda dos nazistas
- agora também livres, mas ainda seguindo as ordens terríveis para as quais
foram programados - cercam o prédio e impedem qualquer um de sair ou de entrar.
Esta é a premissa de “Wilkolak”, tenso drama/thriller polonês que ganhou o
prêmio de Melhor Filme no Fantaspoa em 2019. O título, que traduzido significa “Lobisomem”,
não faz sentido à primeira vista, pois não há nenhum homem-lobo à moda antiga
na narrativa. Mas tenho certeza de que é metáfora ou simbolismo para algo que
fiquei com preguiça de refletir sobre ou pesquisar sobre. Não que um lobisomem
“de verdade” faça falta: esta é uma daquelas histórias onde a grande ameaça são
os monstros verdadeiros, seja alguns poucos nazistas avulsos que ainda
circundam a área, seja soldados aliados que combatem nazistas mas não veem nada
de errado em estuprar meninas, seja a maldade surgindo na cabeça das próprias
crianças (porque é impossível não perder a inocência e abraçar o Lado Negro da
Força depois de passar pelo que eles passaram, não é?). Em seu segundo longa, o
diretor-roteirista Adrian Panek demonstra absurdo domínio da câmera e da
narrativa. Sem cenas de extrema violência ou sangue jorrando, o filme perturba com
imagens que evocam o isolamento, a fome e a sede - de uma menina tentando comer
graxa (duas vezes) ao rapaz lambendo a água que escorre por uma parede úmida.
Às vezes parece que a situação teria sido bem menos traumática e terrível se
aqueles garotos tivessem sido executados com os outros prisioneiros ao invés de
conseguir fugir, mas felizmente o filme termina com uma nota otimista após 90
minutos de barbaridades sem intervalo. E um dos aspectos mais interessantes
remete diretamente ao senso de intolerância e revanchismo da nossa sociedade
atual, que a conclusão de “Wilkolak” procura evitar. Num momento em que todo e
qualquer espectador estará torcendo para que as crianças deem o troco em
seus algozes, elas preferem perdoar - uma decisão embasada ou na inocência
infanto-juvenil, ou na consciência de que, vingando-se, elas se tornariam tão
más quanto os vilões. É uma resolução inesperada que escapa do lugar-comum do “olho
por olho” e dá uma pontinha de esperança em relação ao futuro (mesmo sabendo
que o futuro desses personagens é esse nosso presente todo errado).
“Gemini Man” é uma ideia genial que circulava
por Hollywood desde a metade dos anos 1990: um super-assassino envelhecido é
obrigado a enfrentar uma versão mais jovem e melhorada dele mesmo - um clone
feito pelos seus empregadores sem que ele soubesse. Joe Carnahan tentou durante
anos tirar o projeto do papel com Clint Eastwood no papel principal, o que
teria sido simplesmente lindo (dá um confere nessa montagem que o próprio Carnahan
fez, usando cenas de filmes antigos do Clintão, pra sentir como ficaria). Só que os
efeitos especiais ainda não eram avançados o suficiente para rejuvenescer o
ator principal de forma convincente. Muito bem: quando a tecnologia para tal
finalmente fica disponível, o que é que os caras fazem? Desperdiçam uma ideia
genial colocando WILL SMITH no papel do “veterano” e da cópia mais jovem - logo
ele que quase não mudou de cara desde os tempos de “Independence Day”! É óbvio
que uma ideia como essa foi desenvolvida para alguém com o rosto já detonado pelo
tempo, tipo o Stallone enrugado de agora enfrentando o Stallone dos tempos de
“Rocky”, ou o Schwarzenegger versão geriátrica lutando contra o John Matrix de
“Comando para Matar”. Não bastasse o lamentável erro de casting, ainda colocaram
Ang Lee como diretor, ele que não é exatamente um especialista em cinema de
ação (e já tinha demonstrado não entender muito da coisa no catastrófico “Hulk”
de 2003). Também foi divulgada uma suposta nova e avançadíssima tecnologia para
o CGI que, na prática, simplesmente não funciona: nas cenas em que o Will Smith
velho briga com o Will Smith novo, tudo que vemos são dois bonecões duros de
computação gráfica que parecem saídos de um velho fliperama do Mortal Kombat - completamente artificiais nos movimentos e
expressões. A pá de cal é uma conclusão covarde que resolve muito fácil o
confronto entre gerações, e que parece ter sido feita sob medida para não
arranhar a imagem de “simpaticão/PG-13” do astro escolhido – imagino que o
desfecho seria diferente com um Clint Eastwood ou Stallone no comando da ação. Que
triste esperar tanto tempo para um argumento sair do papel e os caras fazerem
isso da forma mais atrapalhada possível. Só não desisti de ver o filme antes do
final por causa da gracinha Mary Elizabeth Winstead, interpretando uma mulher
fodona que parece ter mais colhões que o “super-assassino” (pffff...) vivido por Will
Smith. Então taí um filme que desde já fico na torcida para ter reboot/remake
num futuro próximo. Ou que alguém com muito tempo nas mãos faça um fan film usando cenas novas e antigas de produções do Clint Eastwood, tipo o Joe Carnahan fez como teste. Melhor sorte da próxima vez.
Se você é fã de slasher movies (aqueles filmes
de terror bagaceiros em que um psicopata mascarado persegue e mata adolescentes
com hormônios em ebulição), pare tudo que estiver fazendo e assista
imediatamente a este “The Final Girls”, uma comédia genial de 2015 que quase
fugiu ao meu radar. A citação no pôster, de que ele seria “uma carta de amor
aos slashers dos anos 1980”, não exagera: diferente dos slashers satíricos e
autorreferenciais que viraram quase um subgênero do subgênero nos anos
1990-2000 (depois do sucesso de “Pânico”), “The Final Girls” opta por uma
brincadeira de metalinguagem muito parecida com a do também recente “O Segredo
da Cabana”. A trama joga (magicamente e sem maiores explicações) um grupo de adolescentes
do século 21 dentro do clássico slasher dos anos 1980 que eles estavam vendo no cinema. Cientes de tudo que
acontecerá e das “regras para sobreviver num slasher movie”, eles tentam
escapar da enrascada e ainda salvar da morte certa os personagens do próprio
filme, com quem eles são obrigados a interagir - tão burros e precoces como os
personagens de filmes slasher geralmente são. A tarefa sairá menos simples do
que parece, lembrando uma bizarra mistura de “Sexta-feira 13” com “O Último
Grande Herói” (personagens que entram num filme e tentam convencer seus
personagens de que tudo aquilo é de mentira), mais toques de “O Feitiço do
Tempo” (os personagens estão presos ao tempo de projeção do filme, que, ao
terminar, volta para o começo). Embora fique devendo no quesito mulher pelada e violência
(e isso apesar de estar justamente emulando um estilo de filme que abusava
destes dois elementos), “The Final Girls” tem ideias incríveis que remetem
aos clichês recorrentes dos slashers, como o assassino mascarado que aparece
magicamente no momento em que uma menina abre sua blusa (artifício que,
logicamente, é usado pelos personagens para atrair o vilão a uma armadilha), ou
o fato de ser possível escapar da morte simplesmente recontando a “lenda do
vilão” (porque aí a ação é interrompida para a tradicional cena de flashback em
preto-e-branco!!!). O falso filme dentro do filme, chamado “Camp Bloodbath”, também é
bem divertido e tem elementos que lembram títulos de verdade, como “Sexta-feira
13”, “Sleepaway Camp” e “The Burning”. Isso tudo, e mais uma trilha nostálgica
e espertíssima, resulta num verdadeiro deleite para quem curte o tipo de cinema
que está sendo homenageado/satirizado, e é muito mais eficiente que a série do
Wes Craven, ou os “Todo Mundo em Pânico” da vida. Tenha em mente, entretanto,
que se trata de uma comédia escrachada, e não de um filme de horror. Sugiro para uma impagável sessão tripla com “O Segredo da Cabana” e “Behind the
Mask: The Rise of Leslie Vernon”, pois os três são recentes e tratam com
bastante bom humor e inteligência (além de boa dose de respeito e reverência)
um fenômeno cultural que, como os bons assassinos de slasher movies,
simplesmente se recusam a morrer.
Acho o sul-coreano “Train to Busan / Invasão
Zumbi”, de Yeon Sang-ho, um dos melhores filmes de horror dos últimos tempos.
Por isso foi curioso descobrir que o mesmo diretor tinha lançado, e no mesmo ano
de 2016 (mas com alguns meses de intervalo), uma espécie de prelúdio ao longa, em
animação, chamado “Seoul Station” (mais tarde também descobri que Sang-Ho é
especialista em animações com temática de horror, e que este aqui não é o seu
primeiro trabalho na área). A trama do prelúdio acompanha a madrugada imediatamente
anterior ao embarque dos passageiros em “Train to Busan”, mostrando como a
praga zumbi se espalhou pela capital da Coreia do Sul. E talvez este seja
exatamente o seu grande defeito: enquanto o filme já começa a milhão com a coisa indo
para o brejo, e não perde tempo com frivolidades, a animação demora um bom
tempo para engatar e chegar aos finalmentes. Além disso, por dedicar-se a
mostrar “como tudo começou”, repete aqueles mesmos clichês da cartilha das
histórias de zumbis pela milésima vez (nada que já não se tenha visto antes
desde o “Night of the Living Dead” dos anos 1960!). Um ponto positivo é abordar
o outro lado de “Train to Busan” ao invés de contar uma história igual:
se no filme live action os personagens pertencem a uma classe social mais privilegiada,
aqui em “Seoul Station” os protagonistas são moradores de rua e uma garota de
programa tentando abandonar a profissão. Em suma, já estão na merda e os
mortos-vivos são apenas mais um problema na longa lista de dificuldades do
dia-a-dia. A crítica social também é muito mais acentuada que no outro longa, abordando desde a dificuldade para se conseguir ajuda a um mendigo
moribundo (o que, ironicamente, acaba facilitando a proliferação do vírus
zumbi), até o exército que parece mais interessado em combater (e massacrar) os
vivos do que os mortos-vivos. Mas o desfecho é frustrante, incluindo uma
revelação ridícula sobre um dos personagens; a abordagem não é das mais
inspiradas e não há grandes surpresas na história ou na maneira como ela é
contada - um dos diferenciais do filme feito logo depois pelo mesmo
diretor. O formato de animação deveria dar total liberdade para criar cenas
violentas mais gráficas e cenas de ação mais absurdas do que um filme com
atores, mas tudo aqui parece acontecer numa escala bem menor do que em “Train
to Busan”. E quem reclamou do suposto excesso de melodrama do longa deve simplesmente passar longe da animação - que, entre outros chororôs, tem um momento à
beira do constrangedor em que um sem-teto, às lágrimas, lamenta: “Eu queria
voltar para casa... mas não tenho casa!”. Enfim, parece mais uma espécie de
treino do diretor para fazer muito mais (e melhor) na versão live action.
E já que estamos falando de zumbis, eis
aqui um pequeno filme de horror que tenta uma abordagem bem diferente (e
totalmente “Romeriana”) deste tema mais do que batido. No universo de “The Rezort”, já
rolou um Apocalipse Zumbi e a humanidade conseguiu sobreviver a ele. Como resultado, os
cadáveres ambulantes que restaram foram despachados para uma ilha, transformada
em resort (ops, reZort) de luxo para a galera da alta sociedade fazer caríssimos safáris com mortos-vivos! Tudo muito bonito, tudo muito bom, até
que dá merda: o sistema de segurança do lugar entra em colapso, os mortos-vivos
se libertam e invertem os papeis caçando os playboys - levando a “luta de
classes” tão comum ao cinema contemporâneo a níveis escatológicos! O
filme tem um ponto de partida bastante promissor e original, embora não passe
de uma variação de “Jurassic Park” (e, antes dele, de “Westworld – Onde Ninguém
Tem Alma”), adaptada para o monstro do momento. Pena que o ponto de partida bastante promissor rapidamente descambe para “o filme de zumbi da semana”, sem
trazer absolutamente nenhuma novidade além do fato de que aqui, pelo menos, os
personagens já sabem desde o início o que são zumbis e que você precisa atirar
na cabeça para matá-los, sem a necessidade de redescobrir tudo do zero. Não demora para
o corre-corre começar a se arrastar e se repetir, os personagens não são nada
carismáticos e no fim tanto faz quem vive ou quem morre. Destaque negativo para
a “revelação”, no final, sobre a origem dos zumbis, que qualquer pessoa com dois
neurônios vai sacar já no segundo minuto do filme. Talvez esteja na hora de o
diretor britânico Barker mudar um pouquinho de assunto, já que os três únicos
filmes que ele fez na vida são de zumbis (os outros dois, igualmente razoáveis
e pouco memoráveis, são “Outpost” 1 e 2, sobre mortos-vivos na Segunda Guerra
Mundial). Para quem curte o subgênero e assiste qualquer coisa com zumbis, “The
Rezort” funcionará como se fosse um episódio especial de “Walking Dead”. Já
para aqueles que, como eu, estão enjoados do tema e acham que todos os filmes
bons de zumbis já foram feitos (salvo raras exceções, como o já mencionado “Train
to Busan”), este aqui serve apenas para confirmar o argumento, e como passatempo
completamente descartável, a ser esquecido cinco minutos depois que os créditos
finais começam a subir.
Lembra daquele filme dos anos oitenta em que um grupo de jovens
internados num hospital psiquiátrico está tendo pesadelos com um vilão
terrivelmente queimado, que acaba levando-os ao suicídio em mortes violentas? E
que tem a Jennifer Rubin no elenco? Sim, parece “A Hora do Pesadelo 3 - Os
Guerreiros dos Sonhos”, mas na verdade estou falando de “Bad Dreams”, um
simples e eficiente terror esquecido do final daquela década, que saiu apenas
um ano depois do filme do Freddy Krueger, e sabe-se lá como seus realizadores
conseguiram escapar de um processinho por plágio (até o título remete a pesadelos para lembrar a turminha marota lá da Rua Elm!). A
principal diferença entre os dois filmes é que esse aqui se leva um pouquinho
mais a sério; ou seja, está livre das piadinhas do Freddy versão comediante (foi a
partir do terceiro filme que o vilão começou a degringolar para uma versão
palhaçona dele mesmo, lembra?). O vilão tostadinho desse é ninguém menos que o
mitológico Richard Lynch, no papel de um pastor maluco estilo Jim Jones que
comandou um suicídio coletivo com fogo. Uma das suas discípulas (Jennifer)
conseguiu escapar e foi parar no tal hospital psiquiátrico, onde agora o espectro do
pastor queimadão aparece para tocar o terror, forçando os demais pacientes a
cometer suicídio, e sempre das maneiras mais gráficas e absurdas - tipo levar a
expressão “murro em ponta de faca” ao pé da letra, ou se atirar nas hélices do
sistema de ar condicionado do hospital para fazer chover sangue e carne moída
sobre uma ala inteira! Este é o primeiro filme de Andrew
Fleming, que depois faria de tudo um pouco (“Jovens Bruxas”, “Três Formas de
Amar”, uma cacetada de seriados...), e acho que é a única coisa que eu gosto de
tudo que ele fez. O elenco tem várias caras conhecidas da época, como
Bruce Abbott (interpretando outro médico logo depois de “Reanimator”) e Dean
Cameron, um dos fanáticos por Leatherface na antológica comédia “Curso de
Verão”, aqui repetindo o papel de psicopata engraçadinho. A trilha sonora
também é um desbunde - toca desde “cover do cover” do Sid Vicious para “My Way”
até “La Donna è Mobile” e “Sweet Child O' Mine”!!! Revendo esses filmes despretensiosos e muito divertidos, às vezes me pego com saudade de uma época mais inocente, em que as coisas não eram produzidas com intenção de gerar franquias intermináveis, e se bastavam nos seus
90-e-poucos minutos. Por conta disso, eles hoje até parecem melhores do que eram na sua época. Entre as várias pérolas esquecidas da
celebrada década de oitenta, “Bad Dreams” é uma das que vale a pena
desenterrar.
Todo mundo já sabe, mas recordar é viver: era
uma vez um sujeito malucão chamado Nicolas Cage, que encasquetou de virar ator e ficou conhecido pela sua
excentricidade tanto dentro quanto fora do set, mas pelo menos
tentava dar uma segurada quando o diretor gritava “Ação!”. Só que esses
tempos de “Despedida em Las Vegas” e “Coração Selvagem” há muito já passaram, e
hoje o astro (ex-astro?) já nem se esforça mais. Primeiro, topa qualquer coisa - de aventura de época a filme evangélico -; depois, assumiu um bizarro estilo de interpretação do tipo “quanto mais descontrolado, melhor”,
pois assim ele pode continuar virando meme e ficar eternizado pelo menos nas redes
sociais, já que nas bilheterias não está rolando. “Primal” é um desses trabalhos que Cage pegou menos pelos méritos
artísticos da coisa, mais para pagar o aluguel e poder tocar o terror na frente da câmera.
Ele interpreta (do seu jeito característico, óbvio) Frank Walsh, um caçador ilegal que se sustenta vendendo animais raros no mercado negro. Na cena inicial, que dá o tom do restante do filme pela gritaria e tosquice, o protagonista sua a camisa para pegar um enorme
jaguar em plena Floresta Amazônica! Aí ele dá o azar de embarcar no mesmo navio onde está sendo transportado um assassino perigosíssimo. Que,
claro, lá pelas tantas foge da cela, solta todos os animais transportados
(inclusive o felino faminto) e começa uma competição para ver quem mata mais o
elenco humano, ele ou a bicharada. E agora, quem poderá nos defender, ainda mais
diante de soldados das Forças Especiais que parecem criancinhas assustadas que nunca dispararam um tiro na vida? Um
descontrolado Nicolas Cage, claro - e qualquer semelhança com “Con Air” NÃO deve
ser mera coincidência! “Primal” é uma aventura sem-vergonha e ridícula,
que diverte pelos motivos errados e que teria interesse zero sem o astro malucão
no elenco. Lembra bastante um filme B dos anos 1990 chamado “Tentáculos”, que também se passava num barco, onde o elenco humano era destroçado por um monstro marinho em CGI (coincidentemente, os dois títulos trazem Famke
Janssen no elenco). A pegada aqui é mais ou menos a mesma: tem que ter nascido
ontem para não adivinhar de cara quem morre e quem vive. Os animais produzidos por computação gráfica são horríveis, mas felizmente eles são a ameaça secundária; o verdadeiro foco do filme é o jogo de gato e rato
entre Frank e o assassino psicopata, turbinado pela presença de serpentes venenosas e outras criaturas perigosas em liberdade. Mas tudo bem despretensioso, besta até; aquele tipo de filme feito sob medida para o Domingo Maior,
que desaparece da mente em minutos, mesmo com as excentricidades e
gritarias de Nicolas Cage. Para públicos específicos, mas acredito que melhore bastante se visto sob efeito de
álcool/drogas.
Às vezes é legal você ver um filme sem saber absolutamente nada sobre ele, para ser surpreendido pelo que vem pela frente - faço isso o tempo todo. Mas às vezes, parafraseando um famoso filósofo brasileiro, “é uma cilada, Bino!”. Pois “cilada” é a maneira perfeita para descrever este terror com título curioso. Não tinha lido/ouvido nada sobre esse negócio
antes de ver, mas fui atraído pelo nome e pela belíssima arte do pôster. Se tivesse visto as
letrinhas miúdas no pôster, entretanto, teria constatado que o diretor-roteirista era o John Erick Dowdle,
o responsável por um dos piores remakes da história do cinema (“Quarentena”, onde ele destruiu o terror espanhol “REC” praticamente cena a cena). Se tivesse pesquisado antes, também descobriria que o filme é mais um found footage, o subgênero
mais chato e desgastado do horror moderno. Ou seja, se tivesse me informado um mínimo, teria escapado dos 90 minutos de tédio dessa bomba - mais um filme incompetente
que desperdiça uma locação extraordinária, as horripilantes e claustrofóbicas
catacumbas de Paris (igualmente sub-aproveitadas no pseudo-slasher
“Catacumbas”). Após uma desculpa qualquer para colocar pessoas levando câmeras - e filmando o tempo inteiro, mesmo enquanto morrem - nos túneis escuros e repletos de esqueletos, a coisa não demora a desandar e
virar aquela bobagem de sempre. A saber: câmera sacudindo, longas cenas no escuro e
sustos baratos movidos pelo surrado artifício “câmera se move do ponto A para o
ponto B, volta para o ponto A e então tem alguma assombração ali”. Dowdle é tão
fraco e sem ideias que chega a recriar um momento de “REC” (o corpo que
despenca de repente de uma altura considerável e assusta todo mundo), que ele já
tinha refeito mal em “Quarentena”, e nem pela segunda vez conseguiu acertar!
Obviamente, por questões mercadológicas, não há uma única pessoa com mais de 30
anos de idade em cena, e aí você é obrigado a engolir um menina com Doutorado em
Arqueologia que parece ter 22 anos e um “especialista em aramaico” que mal tem
pêlos na cara (crianças-prodígio, devem ter começado a estudar aos 11). E
quando a trama resolve, pela milionésima vez na história do cinema de horror,
despachar os personagens através dos seus “pecados” ou erros do passado,
percebi que eu mesmo estava sendo punido pelo erro de não ter procurado
referências antes de encarar o filme...
Lançado dez anos antes do maravilhoso “Tropas
Estelares” de Paul Verhoeven, este anime foi a primeira tentativa de adaptar
para as telas o famigerado livro “Starship Troopers”, de Robert Heinlein.
Dividida em seis episódios de 25 minutos, e com toda a liberdade que o formato “animação” garante para que os realizadores enfiem o pé na jaca, a obra infelizmente fica no meio do caminho
entre uma adaptação mais fiel do livro e a aventura sangrenta dirigida por
Verhoeven em live action. A narrativa aqui segue o livro bem mais de perto do que o
filme, dando destaque ao treinamento militar do protagonista Juan “Johnnie”
Rico e seus companheiros da Infantaria Móvel, enquanto na adaptação de
Verhoeven o foco eram as violentas batalhas contra insetos monstruosos.
Inclusive, dos seis episódios, apenas uns dois realmente mostram os soldados em
ação contra os invasores alienígenas (que aqui não são insetos, como no livro e
no filme, mas umas formas gosmentas). Ao contrário de Verhoeven, que preferiu
deixar de lado os exoesqueletos do livro - armaduras robóticas gigantes que os
soldados “vestem” para poder combater os invasores de igual pra igual -, aqui
os trajes são um elemento central da narrativa, e o anime gasta um tempão
mostrando o treinamento dos recrutas apenas para conseguir manipular esta
tecnologia (algo que também acontecia no livro). Ironicamente, algumas
liberdades poéticas tomadas em relação ao texto de Heinlein também foram
reutilizadas uma década depois no filme, como o fato de Rico se alistar no
Exército apenas para ficar mais perto da amada Carmen Ibanez (no livro, o casal
nunca sai da 'friend zone'). O ponto negativo é que o anime elimina
completamente a sociedade futurística fascista que é o elemento principal do
livro, e que foi satirizada implacavelmente por Verhoeven no seu filme. O
futuro retratado na animação japonesa parece maravilhoso de se viver, sem
nenhuma referência a governos totalitários ou à obrigatoriedade de servir ao
Exército para tornar-se efetivamente um “cidadão”. O professor fascistóide que
tenta impor a importância da violência e da guerra nos jovens alunos
(interpretado por Michael Ironside no filme) também foi eliminado da trama,
enfraquecendo o conjunto. Tudo considerado, “Starship Troopers” é curioso como uma adaptação alternativa do livro, e aborda alguns elementos deste muito
melhor do que o filme. Mas falta
ação, violência, vergonha na cara (a trilha sonora das cenas de batalha é um
pop-rock dos mais farofas) e, principalmente, uma motivação para a narrativa,
já que o espectador acompanha a odisseia do jovem Rico com certo desinteresse
durante os 150 minutos de duração da série. E o final relativamente aberto é
brochante - fica até a impressão de que iriam desenvolver uma segunda temporada
que acabou nunca sendo realizada.
Quem nunca teve a oportunidade de participar
de uma festa de fim de ano da firma provavelmente nunca sentiu aquele misto
de vergonha-alheia e melancolia ao testemunhar colegas de trabalho, às vezes
até os chefes, enchendo a cara e pagando um mico federal – a situação é ainda
mais traumática quando quem enche a cara e apronta é VOCÊ! Enfim, trata-se do
argumento perfeito para uma comédia inconsequente, mas infelizmente este “A
Última Ressaca do Ano” não consegue aproveitar o potencial da coisa. O filme
mostra como a festa de Natal dos executivos almofadinhas de uma
empresa de tecnologia sai rapidamente do controle, graças aos excessos com
álcool e (acidentalmente neste caso) com cocaína. Podia ser um filmão para
adultos na linha do sucesso “Se Beber, Não Case!”, mas as únicas cenas mais ou
menos engraçadas estão no trailer, de maneira que ninguém precisa perder tempo
com o longa. Confesso que esperava algo na linha do clássico “A Última Festa deSolteiro”, onde o que parecia uma simples festinha privê entre adultos vira um
autêntico pandemônio “adultescente” regado a sexo e drogas, mas a coisa nunca
chega nesta escala. A falta de inspiração é tão grande que, ao invés de focar
nas doideiras da festa em si, os roteiristas preferem ficar criando subtramas
românticas e um ato final completamente dispensável em que o patrão da turma é
sequestrado por um serviço desonesto de prostitutas, e seus funcionários
precisam resgatá-lo. Enfim, não é exatamente ruim, mas pra bom também não
serve, e é uma tremenda bola-fora vindo da dupla que dirigiu o muito mais engraçado “Escorregando
para a Glória” (2007), com Will Ferrell e Jon Heder.
Este filme de ação da Indonésia chegou a ser
comparado à obra-prima “The Raid / Operação Invasão” na época do lançamento, e
não por acaso traz no elenco três atores vistos em “The Raid 2”, incluindo o
protagonista Iko Uwais. Azar dos realizadores, pois isso acaba criando uma
expectativa muito grande que não se justifica. Trata-se da
milionésima versão daquela mesma trama batida sobre o criminoso que é traído pela sua
organização mas sobrevive para se vingar. O protagonista aqui (Uwais, claro) perdeu a memória após sofrer um atentado realizado pelos antigos colegas, e acabou num hospital gravemente ferido e sem identidade.
Os bandidos pretendem completar o serviço de qualquer maneira, forçando o desmemoriado herói a fugir, lutar
e recuperar as lembranças no processo, entre uma porrada e outra. Segue-se um
festival de tiroteios e pancadarias, mas sem nada de realmente novo ou muito
emocionante. Os tiros e esguichos de sangue em CGI incomodam de início, mas
quando a coisa entra no corpo a corpo, meu amigo, a brutalidade rola solta, com
direito a rostos esmagados a socos, fraturas expostas e outras imagens dignas
de filme de horror (não por acaso, este é o gênero em que a dupla de diretores
geralmente atua, vide o sanguinolento “Macabro”). “Headshot” traz também os bandidos mais lazarentos dos
últimos tempos, daquele tipo que não hesita em metralhar uma van repleta de
inocentes só para mandar uma mensagem ao herói, capazes de fazer até o Gandhi sair a gritar para a tela da
TV que “bandido bom é bandido morto”. O resultado fica na média mas batendo na trave - uma espécie de sub-“The Raid”, longo demais, que podia tranquilamente ter
uns 30 ou 40 minutos a menos.
Sei muito bem que não está fácil pra
ninguém, mas é realmente muito triste acompanhar a morte lenta de dois dos
heróis da minha infância e campeões da Sessão da Tarde, John Landis e Joe
Dante. Pelo menos o primeiro está se resguardando e não dirige nada, bom ou
ruim, desde 2010. Enquanto isso, o pobre Dante segue insistindo e passando
vergonha - como é que um cara genial como ele assina um troço tão bobo quanto
este “Enterrando Minha Ex”? Trata-se de uma comédia romântica de humor negro
com romance demais e humor negro de menos. Conta as agruras de um rapaz (Anton
Yelchin, morto cedo demais na vida real, e num acidente idiota) que precisa lidar
com a ressurreição da sua ex-namorada morta, e isso justamente quando superou a
perda e está apaixonado por outra (Alexandra Daddario, melhor coisa do filme).
É o tipo de situação em que um cara como o Dante poderia pirar, mas
infelizmente o resultado fica numa escala muito aquém do que o argumento
promete. O humor negro envolvendo a presença da morta, e da sua progressiva
decomposição, rende uma ou duas piadinhas bem fracas - neste mesmo
campo, “A Morte lhe Cai Bem”, do Robert Zemeckis, lançado vinte anos antes, foi muito mais criativo. Parece até que o roteiro do estreante Alan Trezza (inspirado
num curta que ele mesmo dirigiu anos antes) não sabe aproveitar a presença da
morta-viva, que passa a maior parte do filme escondida em casa. E a completa
estupidez e passividade do protagonista, que prefere ficar escondendo a ex
transformada em zumbi ao invés de tentar resolver a situação, também incomoda.
Lá e cá, Dante despeja um caminhão de citações a filmes antigos (o nome da
morta-viva é Evelyn, numa óbvia brincadeira com “The Night Evelyn Came Out of
Her Grave”, e daí para baixo). Rende uns poucos sorrisos amarelos,
mas parece ter sido dirigido por qualquer cabeça-de-bagre recém-saído da
faculdade de cinema, e não por um verdadeiro autor que, no passado, nos
entregou maravilhas como os dois “Gremlins”. Triste fim...
Você não faz um “bom filme ruim” como os do Ed
Wood forçando a ruindade de propósito. A graça de algo tipo “Plan 9 From Outer Space” é que os caras se esforçaram para fazer um filme bom, acreditaram que
tudo estava perfeito mesmo estando horrível, e, ainda que o resultado seja tenebroso,
percebe-se claramente que todos, do diretor aos atores, estão levando aquela
catástrofe a sério. Por isso que fica engraçado. Por isso que fica “tão ruim
que é bom”. Aí volta-e-meia surge uma besteira tipo os “Sharknado”, ou esse novo
“The Velocipastor”. Os caras que os fizeram tinham plena noção da ruindade do que
estavam fazendo, mas tentaram FORÇAR a ruindade justamente para tentar entrar
nesse panteão de bons filmes ruins. E tome microfones aparecendo de propósito.
Tome câmera tremendo ou saindo do foco de propósito. Tome efeito tosco de
propósito. Tome interpretações ruins/exageradas de propósito. Ou seja, uma
tentativa escancarada de se “falsificar” um filme ruim/problemático, que acaba
sem um pingo da graça de um filme ruim/problemático de verdade, tipo um “The
Room” ou um “Deadly Prey”, onde essas coisas todas acontecem SEM QUERER! “The
Velocipastor” tem um título e um argumento geniais: é a história de um padre que
adquire o dom de virar dinossauro (!!!) e o utiliza para enfrentar uma quadrilha de ninjas
malvados. Poderia ter saído algo pelo menos divertido, mas o diretor insiste
tão escancaradamente nessa coisa da estética da pobreza e da ruindade que o
filme, mesmo tendo apenas 70 minutos, parece se arrastar por três horas. É uma
piada sem graça repetida 'over and over again', que talvez funcionasse melhor
como trailer falso do que como longa, tipo “Machete” (não por acaso, a
gênese da coisa é justamente um fake trailer que o diretor fez anos atrás). O pior é que graças a uns memes e vídeos de YouTube, alegando que seria “o filme mais bizarro de todos os tempos” (passa longe), “The
Velocipastor” recebeu mais atenção do que deveria. Principalmente por parte da
molecada que chegou agora e parece que nunca viu um “filme ruim” antes, O
diretor, que deve ter feito o negócio no quintal de casa, certamente está rindo à
toa - não estranhem se a coisa virar franquia e logo surgir um “Velocipastor
Versus Sharknado”, ou coisa parecida. Mas talvez seu único mérito seja o de ter feito “Carnossauro”, aquela
cópia vagabunda de “Jurassic Park” produzida pelo Roger Corman, parecer um
blockbuster.
18 comentários:
Show Felipe! Seus textos são sempre uma leitura saborosa...inclusive entrei no face procurando algo que escreveu sobre "Predadores Assassinos" e me deparei com este post fantástico!
Ótima resenhas de filmes ,eu já tinha assistido esse filme
" CAÇADA AO PRESIDENTE" na TV e achei fraquinho ,um tipico filme de Sessão da Tarde esse dois filmes mencionados aqui,eu não assisti e nem vou assisti-los nem de graça e nem me pagando "CAPITÃ MARVEL & O HOMEM ARANHA -LONGE DE CASA " gostei da sua analisei desses filmes ao qual não assisti e ainda bem que não vou assisti-los, é que hoje em dia esse tipo de gênero de filmes de heróis de HQ na tela não me atrai mais.. desde do "Homem de Ferro 3 " que para mim foi uma decepção e depois de ter visto ele no cinema ,eu decidi nunca mais assisti um filme de herói adaptado dos HQ para á tela de cinema ,tanto no cinema quanto em home vídeo do meu dinheiro eles nunca mais verão ,estou fora desse universo de HQ isso já faz muito tempo, eu era um colecionador de gibis que vendeu tudo em 1999 e depois disso nunca mais comprei nada da Marvel ou DC ,prefiro HQ underground pelo são mais ousados e criativos e esse filmes da Marvel Studios são irritantes e insuportáveis e sem criatividade nenhuma .
Um Abraço de Spektro 72.
Se Velocipastor for como Sharknado mesmo vou assistir, adorei aquela besteira.
Já viu Climax do Gaspar Noe?
UNKNOWN, não vejo mais nada do Noé e nem do Lars Von Trier. A vida é muito curta.
Estou surpreso de ver o Felipe elogiando a Brie Larson, mesmo os mais ardorosos fãs de Capitã Marvel não costumam tecer grandes elogios a performance dela.
Dando uma de advogado do diabo, as reclamações dos nerds não são totalmente gratuitas. Brie Larson não é exatamente a pessoa mais simpática do mundo, e deu declarações infelizes do tipo "capitã Marvel não é para homens heterossexuais brancos", e pior, a atriz se recusa a ser entrevistada por jornalistas homens brancos heterossexuais, alegando falta de diversidade no jornalismo.
Resumo: se Brie Larson evitasse declarações polêmicas, o filme não causaria reações tão exaltadas. Basta ver que Gal Gadot nunca teve problemas com nerds. Na verdade ela é a antítese da Brie Larson, visto que ela disse que "Mulher Maravilha é um filmes para todos".
Mas apesar das besteiras ditas por Brie Larson, concordo que é um filme de super herói acima da média, apesar de alguns problemas (as cenas de flashbacks da vida dela são desnecessárias e caricatas na forma como retratam os homens). Se bem que hoje em dia fazer filme de super herói acima da média não é difícil, visto que parecem todos iguais.
DANIEL, meu negócio é ver o filme e analisar O FILME. Qualquer bobagem que a moça tenha feito ou falado fora do filme, antes ou depois dele, não poderia me interessar menos. E realmente teve muita gente criticando "Capitã Marvel" e propondo boicote por não gostar do discurso dela, o que me parece uma estupidez. Tampouco importa se a Brie Larson é simpática ou uma cuzona fora do filme, eu escrevi que como Capitã Marvel ela funciona muito bem e já me basta (nem lembro se já vi algum outro filme com a moça antes). Se for fiscalizar artista para além da obra, é notório o fato de John Carpenter ser um baita cuzão fora do set, dando respostas atravessadas para fãs e jornalistas, mas nem por isso eu vou deixar de gostar dos filmes do cara - só perdi a vontade de querer conhecê-lo pessoalmente, o que é uma pena.
Ainda no aguardo do textão de Braddock 3. Enquanto isso, vou lendo esse monte de resenhas quase curtas.
Felipe, tendo em conta que gostou de Jojo Rabbit, recomendo aquilo que pode ser visto como a versão portuguesa: Capitão Falcão, lançado em Portugal em 2015.
O Homem-Aranha pode ser qualquer coisa, mas Peter Parker é um personagem bem definido, e tê-lo como sidekick e depois querer viver de acordo com o
legado do Homem de Ferro vão contra toda a concepção do personagem que Lee e Ditko imaginaram. Há uma razão pela qual existem interpretações
errôneas.
Homem-Aranha ter um mentor/ser a ala de alguém vai contra toda a concepção do personagem. Homem-Aranha é um herói feito por si mesmo com
tecnologia limitada (de sua própria criação) com orçamento limitado. Ele foi feito como o rebelde para contrastar com o Quarteto
Fantástico/Vingadores.
O Homem-Aranha deve ser o cara com quem você se relaciona quando ele não está sob a máscara. Ele não é um soldado ou um playboy rico, é apenas um
cara comum que pode fazer coisas extraordinárias, mas age com um senso de responsabilidade. Em vez disso, obtivemos um conjunto de filmes do
Homem-Aranha que têm pouco mérito além de seus laços com o MCU.
Ei Felipe, o que tu acha do remake de A Hora do Espanto? O remake de Fright Night, que é uma renovação moderna fascinante do original dos anos 80 que não recebe o crédito que merece. Farrell também é ótimo nisso.
O remake de Fright Night é um dos melhores filmes de terror dos últimos anos que explora completamente a metáfora do vampirismo como estupro e o vampiro alfa predatório como uma figura de medo e não de sedução. Farrell é muito bom em andar nessa linha tênue de sedutor e repulsivo.
ANÔNIMO, achei o remake de "A Hora do Espanto" simplesmente horroroso. hehehe.
Já escrevi algumas linhas sobre ele tempos atrás, procure no Índice de Postagens.
"Enquanto isso, um negócio sem nenhum neurônio como “Sharknado” já soma inacreditáveis SEIS filmes! O mundo é realmente um lugar muito injusto" - assim como filmes como Dredd de 2012 e o Hellboy do Del Toro não tiveram continuações mais os filmes repetitivos da Marvel que não pode passar 20 segundos sem uma piada brega que estraga um momento dramático.
Apesar de De Volta ao Lar ter me desagradado com essa
história de Peter aprendiz de Stark, ainda conseguia ver um
pouco da essência do herói naquele filme.
Infelizmente o mesmo não pode ser dito da sua
sequência.
Homem Aranha: Longe de Casa é qualquer coisa, exceto um filme do
Homem Aranha.
Chega á ser irônico que mesmo o Homem de Ferro estando morto,
o Peter continua na sua sombra.
Não me entendam mal, o filme não é um desastre completo,
ele tem cenas de ação legais e algumas piadas engraçadas,
mas sem querer ser repetitivo, mas já sendo: A essência do
personagem sumiu e qualquer um que ler os quadrinhos ou
assistiu aos filmes antigos, sabe que essência é essa:
Grandes poderes trazem grandes responsabilidades.
Esse Peter chega até ser egoísta, querendo que outros resolvessem
um problema, que poderia destruir o mundo, caso ele não ajudasse.
Sem falar na descaraterização forte que o personagem sofre no
filme.
Aquele Peter Parker que vimos em Capitão América: Guerra Civil
era bem mais parecido com as HQs, do que ele está agora.
Espero que alguém dentro da Marvel se lembre disso.
Fanboys da Marvel só se importam mais com as bilheterias, ou piadas de merda, do que a história ou o legado que estava sendo construído nessas
histórias.
A Marvel não pode passar 20 segundos sem uma piada brega que estraga um momento dramático. Lixo.
É realmente engraçado que o Captã Marvel tenha tanto ódio. inspirou milhões de meninas e desafiou homens. Eu acho que os caras não podem aceitar que uma garota é mais forte que seu vingador favorito.
"Filmes bons-porém-problemáticos como o recente Mulher Maravilha".
Mulher Maravilha foi tudo que uma personagem feminina deveria ser. Forte, determinada, mas ao mesmo tempo gentil e amorosa, como toda heroína
Do mesmo jeito que a aparição da WW nos quadrinhos revolucionou o mercado, WW foi uma revolução no blockbuster
Esperemos mais filmes de personagem femininas na mesma qualidade de WW, e menos capitã marvel e aves de rapina.
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