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sexta-feira, 17 de julho de 2020

ADMIRADORA SECRETA (1985)


(A semana começou com a notícia da morte prematura da maravilhosa Kelly Preston, que foi uma das musas da minha puberdade, ao lado de Barbara Crampton em “Reanimator” e “Do Além” e Mathilda May em “Força Sinistra”. Esta é uma singela homenagem a ela.)

1985 foi um belo ano para quem estava na infância/adolescência, com diversas produções estreladas por crianças ou jovens e direcionadas a essa faixa etária, mas sem ofender a inteligência do público adulto, por isso podiam ser curtidas pela família toda. Foi o ano de “Os Goonies”, “De Volta para o Futuro” e “O Feitiço de Áquila”, além de alguns outros que dialogavam diretamente com os adolescentes, como os sucessos de John Hughes “O Clube dos Cinco” e “Mulher Nota 1.000”.

É compreensível, portanto, que uma comédia romântica voltada ao público jovem como ADMIRADORA SECRETA tenha passado em branco na época, com tantas outras opções estreando nos cinemas ao mesmo tempo (sem contar que 1985 foi o ano de “Comando para Matar”, “Rocky 4”, “Rambo 2”, “A Hora do Espanto”...). Felizmente, o tempo fez justiça a este filme bem acima da média, e muito mais inteligente que a média, que acabou virando cult para toda uma geração – especialmente de fãs brasileiros, graças às suas sucessivas reprises na Sessão da Tarde.


A diferença desta para outras comédias românticas adolescentes do mesmo ano, tipo “Garota Sinal Verde / A Coisa Certa”, de Rob Reiner, é que ADMIRADORA SECRETA é menos uma história sobre adolescentes e seus problemas amorosos e mais uma comédia de erros, que algumas críticas da época muito apropriadamente compararam com as farsas francesas. Por conta de uma sucessão de equívocos, personagens alheios à situação principal interagem entre si e aumentam a confusão, que aqui não fica restrita ao núcleo jovem da trama.

O fato de uma carta, escrita à mão numa folha de papel, ser o elemento catalisador do caos que se segue também funciona, hoje, pelo fator nostálgico, já que “cartinhas de admiradores(ras) secretos(tas)” viraram algo absolutamente ultrapassado para uma nova geração criada com acesso a internet e telefone celular. Se a mesma história fosse filmada agora, provavelmente o protagonista receberia um e-mail ou SMS anônimo, e não uma carta, o que limitaria bastante o escopo das confusões.


ADMIRADORA SECRETA começa com a tal carta sendo escrita. O texto diz: “Eu não sei como lhe dizer o que quero dizer, por isso estou escrevendo. Eu nunca vou encontrar coragem para lhe dar esta carta de qualquer maneira. Quando te vejo, não consigo tirar os olhos de você. Anseio por ter seus braços em volta de mim e sentir seu corpo contra o meu. Eu sei que você não se sente como eu, e é por isso que não tenho coragem de assinar isso. Mas eu te amo mais do que as palavras podem dizer”, e termina com o popular “XXX OOO” (o código em inglês para “beijos e abraços”, surgido muito antes da comunicação pela internet abreviar e inventar código para tudo!).

A autora da missiva é a tímida Toni (Lori Loughlin), e o destinatário é o melhor amigo por quem ela está apaixonada, o imaturo Michael Ryan (C. Thomas Howell). Só até aqui, já temos dois pilares básicos do cinema jovem dos anos 1980: Howell no papel de rapaz charmoso mas algo ingênuo, bobão até; e Loughlin como a mocinha virginal geralmente relegada ao papel de “amiga”, porque se veste de forma despojada e não liga muito para o visual (não se engane: Lori é uma gracinha, mas o filme tenta fazê-la “feia” colocando ao seu lado uma rival muito mais vistosa).


O ano letivo terminou e a garotada se prepara para curtir as férias de verão. E é justo no último dia de aula que Toni coloca sua cartinha romântica anônima no armário de Michael na escola. Meio desligado, meio bagunçado, o rapaz não dá bola para o envelope anônimo e o coloca dentro de uma revista Playboy sem sequer abrir, enquanto se prepara para curtir com os amigos igualmente bobões.

Entre talagadas de cerveja quente e comentários que hoje soam preconceituosos, mas deviam soar engraçados nos anos 1980, um dos amigos de Michael encontra a carta dentro da revista e põe-se a ler em voz alta. E como Michael está obcecado pela delicinha do colégio, Deborah Anne Fimple (Kelly Preston, saudades desde já!), seu melhor amigo Roger (Casey Siemaszko) consegue convencê-lo, por argumentos absolutamente estapafúrdios, que foi a própria loira quem lhe escreveu aquela carta. Michael tenta argumentar que Debbie nunca deu a menor bola para ele, e aí Roger lança um argumento de gênio: “Quando elas te querem muito, é aí que elas pretendem que você pense que te querem pouco”. Caso não tenha ficado óbvio com tal declaração, Michael e seus amigos são uns virjões com poucas e fracassadas experiências com o sexo oposto.


Sem saber exatamente como agir, Michael resolve pedir “assistência amorosa” justamente para a pobre Toni. E como ela ainda tem medo de se declarar, mas ao mesmo tempo prefere ver o amado feliz do que ambos tristes, a mocinha resolve fazer o meio-de-campo entre Michael e Debbie, sugerindo que ele também escreva uma carta romântica para a loira, só pra ver se é capaz de tocar seu coração – afinal, Debbie prefere “homens mais velhos” e está saindo com o valentão Steve (Scott McGinnis).

Claro que Michael não é exatamente um poeta, sequer tem lá muito jeito com as palavras. Assim, ele resolve copiar frases prontas e melosas de cartões de Dia dos Namorados para escrever sua carta. O resultado é o que segue: “Minha querida... Eu te amo mais do que ontem e mais do que todos os amanhãs de ontem. Nada é tão precioso para mim quanto você. O amor é a flor do tempo, e toda pétala que cai é um momento eterno sem você”.


Não gostou? Pois Toni tampouco. Envergonhada pelo amigo/amado, e temendo o desastre caso Debbie receba aquele negócio, a mocinha se livra da carta do amigo e resolve ela mesma escrever como se fosse Michael, sem que o rapaz saiba, novamente exercendo toda a sua prosa meio romântica, meio melosa: “Finalmente encontrei coragem para lhe escrever uma carta. Você pode nunca saber quem eu sou, mas isso não impediu que me desse o maior presente que já conheci. E se por um breve momento eu pudesse sentir seus lábios contra os meus, morreria feliz.”

Ao agir como cupido, Toni acaba complicando as coisas para ela mesma: Debbie, que sempre desprezou Michael e jamais se interessaria por ele de outra maneira, acaba se apaixonando pelo rapaz unicamente por causa de suas palavras românticas (que sequer são dele!), e resolve largar Steve para ficar com o “poeta romântico”!


Se a trama enfocasse apenas esse ruído levemente cômico entre o triângulo amoroso central, ADMIRADORA SECRETA certamente não teria a mesma repercussão. Até porque o roteiro todo parte de uma premissa absurda: se Michael tivesse perguntado a Deborah se foi ela quem lhe escreveu a carta em primeiro lugar, ou mencionado a carta anônima que recebeu em algum momento, a moça negaria a autoria e todo o restante do filme iria por água abaixo. A genialidade da coisa é que, ressalto, estamos diante de uma legítima comédia de erros, e das boas.

Quando, por uma série de acidentes, as duas cartas escritas por Toni (tanto a original, para Michael, como a resposta escrita para Debbie em nome do amigo) começam a circular pelo núcleo adulto do filme (os pais de Michael e de Debbie), estes passam a acreditar que aquelas palavras melosas são endereçadas a eles mesmos por algum admirador(a) secreto(a) adulto(a)!


A confusão tem início quando a carta que Michael recebeu é interceptada pelo seu irmão caçula mexeriqueiro e acaba dentro de um livro do pai, George (interpretado por Cliff De Young). Ao encontrá-la e lê-la, George se convence de que a carta foi endereçada a ele mesmo, e escrita por Elizabeth Fimple, a mãe de Deborah (interpretada por Leigh Taylor-Young). Após um diálogo em que, novamente, subentendidos provocam consequências imprevisíveis, George beija Elizabeth e consegue convencê-la a uma inocente aventura extraconjugal: dar uma voltinha romântica numa colina da cidade onde os casais estacionam para namorar dentro do carro.

Enquanto isso, a mãe de Michael, Connie (interpretada por Dee Wallace), e o pai de Debbie, o policial durão Lou (ninguém menos que Fred Ward, o próprio “Remo – Desarmado e Perigoso”!), encontram as cartas que Toni escreveu para Michael e para Debbie, e assim se convencem da traição de seus parceiros; como vingança, acabam eles mesmos se agarrando!


No momento mais genial de ADMIRADORA SECRETA, os quatro casais trocados da trama se encontram ao mesmo tempo na tal colina da pegação, cada qual em seu carro: Michael com Debbie, o Sr. Ryan com a Sra. Fimple, o Sr. Fimple com a Sra. Ryan, e Toni com Steve (a mocinha é forçada a seduzir o rapaz para que ele não jogue areia no primeiro encontro de Michael com Debbie, comprovando que é uma amiga boa demais mesmo para uma história de ficção!).

A reação dos adultos ao perceberem seus filhos adolescentes praticamente se comendo no carro ao lado é hilária: eles ficam ao mesmo tempo furiosos e impotentes, já que não podem interromper o lance – primeiro porque teriam que justificar o que estão fazendo ali, segundo porque teriam que justificar o que estão fazendo ali sem seus respectivos cônjuges! Assim, num toque brilhante do filme, são os adultos que saem às escondidas para escapar dos filhos, uma reação que geralmente se espera dos jovens quando são pegos fazendo algo errado!


O terceiro ato converge de maneira igualmente inspirada para um momento em que todas essas relações confusas e secretas são forçadas a bater de frente: no caso do núcleo jovem, a festa de aniversário de 17 anos de Michael, onde Debbie resolve tirar o cabaço do rapaz como presente; já no caso do troca-troca entre os pais, um jogo de bridge na casa dos Fimple, em que os dois casais são obrigados a dividir a mesma mesa, Lou apenas esperando o menor deslize para arrebentar George!

E como estamos falando de uma comédia romântica adolescente dos anos 1980, tudo se encaminha para uma cena final em que Michael finalmente descobre que Toni está por trás de tudo, e que na verdade sempre gostou dela, só não sabia disso ainda. Mas, para (re)conquistar o amor da menina, precisa atravessar a cidade de carro e a nado (!!!), para resgatá-la do navio que a levará para um intercâmbio estudantil de um ano – se o herói não aparecesse correndo contra o tempo para encontrar sua amada naquela década, o público provavelmente se sentiria enganado!


ADMIRADORA SECRETA nasceu de uma parceria bem-sucedida entre os velhos amigos David Greenwalt e Jim Kouf. Eles já escreviam roteiros juntos desde o começo da década, incluindo a comédia debilóide “Wacko – Uma Comédia Maluca” (1982), uma sátira dos filmes slasher dirigida por Greydon Clark e anterior a “Todo Mundo em Pânico” , e o romance “Uma Questão de Classe” (1983), com Jacqueline Bisset e Rob Lowe. Além de escrever ADMIRADORA SECRETA com o amigo, Greenwalt resolveu fazer aqui a sua estréia na direção.

Embora passem longe da fama de um John Hughes, Greenwalt e Kouf demonstram considerável habilidade em dialogar com os adolescentes do seu tempo. Quando pensamos na década de 1980 como um grande incubadora para comédias sexistas tipo “Porky’s”, “O Último Americano Virgem” e as imitações muito mais baixo nível de ambas, é sempre curioso ver produções do gênero que não são exatamente censura livre (embora passassem na Sessão da Tarde!), mas tampouco apelam para um moralismo exagerado ou absurdo.


O mais interessante, aqui, é que os personagens não são movidos pelo sexo sem compromisso ou pelo desejo de perder a virgindade, como suas contrapartes nos filmes supramencionados, e sim em realmente encontrar o verdadeiro amor. O mocinho interpretado por Howell, que faz o tipo que hoje chamaríamos de boy lixo, poderia muito bem se contentar em dar umas bimbadas com a gostosona da escola, mas lá pelas tantas começa a repensar a vida porque lamenta o fato de não estar realmente apaixonado por Debbie – ou atraído por ela enquanto ser humano, e não boneca inflável.

Como já temos definido desde o início que a personagem de Lori Loughlin é a menina virginal que entende o protagonista como ninguém, já sabemos que ambos ficarão juntos no final “...e viverão felizes para sempre”. Assim, resta a Kelly Preston um papel que fazia muito bem naquele período, a “gostosa superficial”, completando assim a santíssima trindade do cinema jovem dos anos 1980 junto com C. Thomas Howell e Lori Loughlin. Por ironia, Kelly sequer foi a primeira opção para interpretar a personagem, entrando na produção com as filmagens já iniciadas, depois que a escolha anterior, Julianne Phillips, não convenceu no papel. Como prêmio de consolação, a rejeitada Phillips casou-se logo em seguida com o astro do rock Bruce Springsteen e virou celebridade instantânea!


A única função narrativa da personagem de Kelly Preston é dar uns pegas no protagonista e, basicamente, agir de maneira insuportável, para que o rapaz perceba que o verdadeiro amor, Toni, estava sempre ao seu lado esse tempo todo. Como já havia feito mais cedo naquele ano em “A Primeira Transa de Jonathan” (1985), de Mel Damski, lá pelas tantas Kelly vai mostrar as peitolas pelas quais ficou muito popular entre os jovens impúberes daquela década.

Então é óbvio que a personagem de Deborah Anne Fimple será apresentada como a típica loira superficial, que só fala de compras e de roupas, e ainda aparece metida nuns figurinos oitentistas que parecem exagerados até para os próprios anos 1980 – e que talvez sejam um comentário crítico do filme sobre a futilidade da moça. Lá pelas tantas, conversando com Toni sobre sua relação com a outra, Michael a define assim: “É a garota mais linda do mundo. Mas quando você começa a ouvi-la, é como se todas as luzes estivessem acesas, mas sem ninguém em casa” (o que até soa como ironia, considerando que o próprio protagonista passa longe de ser brilhante).


O diferencial de ADMIRADORA SECRETA para outras histórias semelhantes é o fato de a fútil Deborah Anne Fimple ser genuinamente seduzida não por um rapaz com físico de atleta, nem por um rapaz com um carrão, e sim pelas palavras românticas escritas por um admirador secreto. Quando descobre que aquela carta tão sensível foi escrita por um rapaz que até então sempre considerou um perdedor, ela se apaixona de maneira legítima – não pelo seu corpo ou pelas suas posses, como seria próprio de uma personagem tão superficial, mas pelo que ele escreveu (embora a verdadeira autora seja Toni).

No ato final, ao perceber que Michael é igualmente cabeça-oca e até meio tosco, Debbie se sente frustrada e principalmente enganada: chorando agarrada à sua cartinha romântica, ela começa a questionar cadê o “poeta” que escreveu aquelas linhas tão sensíveis. Dramaticamente, é bem mais do que se espera de uma personagem como ela, e isso não deixa de ser uma surpresa positiva.

Certamente, ADMIRADORA SECRETA alimentou fantasias em garotos impúberes como o jovem Felipe M. Guerra, que, mais afeito à escrita do que aos esportes em seus tempos de colégio, acreditou que seria possível conquistar a gostosona da escola apenas com cartinhas românticas (e, confesso, eu até tentei; e algumas vezes milagrosamente funcionou!).


O roteiro de Greenwalt e Kouf reserva um desenvolvimento inesperado até para o “personagem malvado” da trama – Steve, que era o namorado brucutu de Deborah até Michael entrar na jogada. De começo, Steve parece o típico atleta burraldo desse tipo de comédia romântica teen, que vê na garota mais cobiçada do colégio um simples troféu e só existe para ser odiado pelo público. Nenhum espectador vai ficar triste quando Debbie trocá-lo pelo protagonista.

Porém, mais adiante na trama, quando Steve aparece na “colina dos namorados” com sangue nos olhos querendo se vingar de quem lhe roubou a namorada, Toni salva a noite ao seduzir o atleta e convencê-lo a irem ambos para o quarto dele. Ali, enquanto a menina foge pela janela do banheiro para evitar ter que transar com o sujeito (ajudar o amigo tem limite!), o próprio Steve muda de ideia e, diante da porta fechada do banheiro, abre o coração para Toni: “Acho que não devemos fazer isso. Eu ainda estou apaixonada por Debbie. Gostaria de não estar, mas estou. Quer dizer... Droga, eu também tenho sentimentos!”. Algo bem inesperado para o perfil desse tipo de personagem nesse tipo de comédia romântica!  E considerando que, ao final, Debbie volta ao time das solteiras, é muito possível que ela reate com Steve e ambos vivam felizes para sempre como os demais!


Finalmente, outro momento “diferente” entre os protagonistas adolescentes de ADMIRADORA SECRETA chama a atenção pelo politicamente incorreto, ainda mais neste momento em que fazer comédia significa pisar em ovos. Quando Debbie resolve que vai entregar-se sexualmente a Michael na noite de seu aniversário, isso acontece num momento do filme em que o protagonista já está em dúvida se ama a loira bonitona ou a amiga bonitinha. Mesmo assim, durante a festa realizada na casa de Toni (cujos pais, obviamente, estão viajando), ele deixa-se levar para o quarto dos pais da amiga e começa a transar com Debbie – algo que, aos olhos do público de hoje, já o tornaria um vilão, um traidor, um imprestável! Se ADMIRADORA SECRETA fosse feito hoje, provavelmente o personagem de Howell sairia correndo do quarto atrás da outra menina no momento em que Kelly Preston começasse a tirar a roupa (de novo). Aqui não, e isso é um contra-clichê muito bem-vindo: Michael e Debbie começam a transar, e a relação sexual só é interrompida antes de chegar nos finalmentes porque a garota começa a reclamar que ele a está machucando. Das duas, uma: ou o protagonista é pintudão, e está machucando a moça pela inexperiência, ou a loira, apesar da fama de sex symbol no colégio, também era virgem, mas escondia o jogo porque isso não era “popular”. Seja como for, o fato de o “herói” cogitar sexo com uma menina que nem ama mais e àquela altura da narrativa, “traindo” a outra mocinha na presença dela (pior: na cama dos pais dela!), não seria bem visto pelo público atual. Já eu, que não sou hipócrita, acho a cena incrível enquanto inesperada.


Revendo o filme com olhos de hoje, já um tantinho fora da faixa etária a que ADMIRADORA SECRETA se destinava originalmente, percebo que, além de seguir funcionando muito bem, o filme reserva algumas situações curiosas, que eu definitivamente não percebi em todas aquelas reprises na Sessão da Tarde vinte ou vinte-e-cinco anos atrás.

Por exemplo, o destaque que o roteiro dá aos personagens adultos, algo bastante incomum nessas comédias adolescentes. Quando analisamos algumas das produções de John Hughes, que faziam muito sucesso no período, percebemos que os adultos aparecem muito esporadicamente, e se dividem nas seguintes categorias: ou são figuras de autoridade que o espectador torce para que sejam desrespeitadas pelo protagonista (vide os inspetores da escola em “Curtindo a Vida Adoidado” ou “O Clube dos Cinco”), ou pais bobalhões (tipo os de Ferris Bueller), ou pais ausentes, que só existem para ser confrontados (tipo os de Cameron, no mesmo “Curtindo a Vida Adoidado”).


Aqui, o roteiro de Greenwalt e Kouf corre um grande risco ao reservar considerável parte da narrativa a apresentar (e acompanhar) os imbróglios amorosos entre os dois casais de pais. E considero isso um risco porque o público-alvo de ADMIRADORA SECRETA, os jovens que pagaram ingresso para ver C. Thomas Howell sem camisa, ou Lori Loughlin e Kelly Preston sendo gatinhas, certamente não tinham o menor interesse em acompanhar a vida amorosa dos PAIS desses ídolos adolescentes. Isso talvez explique porque o filme não fez tanto sucesso na época que estreou nos cinemas, ficando mais popular depois, em home video e na TV. Mesmo a tradicional briga de comida desse tipo de produção aqui é protagonizada pelos ADULTOS do elenco, e não pela garotada!


As relações entre os personagens mais velhos são mostradas com humor, sim, mas também com considerável simpatia. Nenhum dos casais chega a realmente trair sua cara-metade, pelo menos não até o fim (a coisa não vai além de uns beijinhos atrapalhados e abraços). E é muito engraçado como os pais, em seus encontros “por fora”, agem de maneira tão atabalhoada e envergonhada quanto os personagens adolescentes.

No fim, tudo que eles querem é reviver aquelas sensações do início do relacionamento – quando os casais trocados param na colina dos namorados, ambos comentam que não visitam o local há uns 30 anos, e parecem felizes por uma “nova chance” de se sentirem amados. Assim que se revela que foi tudo um mal-entendido, as relações entre eles voltam ao normal (sem gerar muito climão, mas bem, isso é cinema!). E muito provavelmente fortalecidas, com a confiança renovada e, quem sabe, com o fogo da paixão reavivado.


Claro que ajuda o fato de o “núcleo adulto” ser interpretado por ótimos atores e por caras conhecidas do cinema daquele período. Os pais de Michael, especialmente, são vividos pela dupla Cliff De Young e Dee Wallace (então ainda usando o nome Dee Wallace Stone), que eram o pai e a mãe mais tradicionais dos filme dos anos 1980 (principalmente Dee, que foi mãezona em filmes como “E.T. – O Extraterrestre”, “Cujo” e “Criaturas”).

Mas o grande destaque entre os coroas é Fred Ward, como o esquentadinho policial que ameaça atirar no saco dos namorados da filha e fica possesso ao descobrir a “traição” da esposa. Seus rompantes de fúria são impagáveis, e confesso que me deixaram com saudade do ator, que anda meio esquecido ultimamente – cadê Tarantino ou S. Craig Zahler para resgatarem o homem do limbo?


E quem cresceu vendo essas comédias dos anos 1980 vai se divertir muito reconhecendo caras conhecidas no elenco secundário de ADMIRADORA SECRETA. O grupo de amigos de Michael é formado por Casey Siemaszko (que no mesmo ano foi um dos capangas de Biff em “De Volta para o Futuro”, e dois anos depois estrelou a obra-prima “Te Pego Lá Fora”) e pelo ruivo Courtney Gains, que foi o Malachai de “A Colheita Maldita”.

Já o irmão menor do protagonista, que aparece pouco, é um ainda molequinho Corey Haim, aqui com 13 anos e em seu segundo filme (creditado errado, como “Cory” Haim), pouco antes de virar um dos grandes astros teens daquela década. Enquanto os momentos envolvendo Howell e seus amigos são bem legais, as raras intervenções do irmão caçula (que vive a roubar dinheiro da carteira do protagonista) não acrescentam grande coisa à narrativa.


E já que a mencionei, a edição de ADMIRADORA SECRETA tem algumas boas sacadas, criando contrastes bem humorados entre uma mesma palavra repetida com sentidos diferentes, ou uma frase que acaba complementada por personagens opostos no corte entre uma cena e outra. Por exemplo, há um inspirado momento que intercala três takes com o trio de protagonistas exclamando “Jesus!”, cada um em sua casa e cada um com um sentido diferente – Michael o faz impressionado com a carta romântica que escreveu, Toni o faz apavorada com a péssima qualidade da carta, Debbie o faz emocionada com a bela carta que foi reescrita por Toni.


Considerando o quanto ADMIRADORA SECRETA é divertido, e continua funcionando, é de se lamentar que o diretor Greenwalt praticamente tenha parado por aqui. Ele só fez mais um filme, a comédia “O Sonho Já Era?” (1989), e depois passou a trabalhar exclusivamente na TV. Nessa mídia, teve uma carreira impressionante: escreveu e dirigiu episódios da antológica série “Anos Incríveis”, produziu episódios de “Arquivo X”, e finalmente virou produtor, roteirista e diretor de “Buffy – A Caça-Vampiros”, ganhando a confiança do seu criador, Joss Whedon, para comandar o seriado spin-off “Angel”. Mais recentemente, ele e o amigão Kouf voltaram a trabalhar juntos como criadores, roteiristas e diretores do seriado “Grimm”.

Jim Kouf teve uma carreira ainda mais bem-sucedida como roteirista: escreveu sucessos dos anos 1980 como “The Hidden – O Escondido” e “Tocaia”, e nos anos 1990-2000 conseguiu emplacar o roteiro de dois blockbusters: o primeiro “A Hora do Rush”, com Chris Tucker e Jackie Chan, e “A Lenda do Tesouro Perdido”, aquela cópia de “O Código Da Vinci” estrelada por Nicolas Cage.


Infelizmente, o tempo não foi lá muito generoso com a dupla principal de ADMIRADORA SECRETA, que nunca superou a “Síndrome da Década de 1980”. C. Thomas Howell, por exemplo, entrou nos anos 1990 topando tudo por dinheiro. Acabou virando figurinha carimbada em filmes vagabundos produzidos direto para vídeo/DVD, e hoje se divide entre trabalhar em seriados de TV e como “ex-astro especialmente convidado” em podreiras da The Asylum. O mais perto que ele chegou de um blockbuster nos últimos tempos foi com uma aparição no fracassado “O Espetacular Homem-Aranha”.

Lori Loughlin insistiu por mais algum tempo na imagem de “namoradinha ingênua”, em comédias como “De Volta à Praia” e “Uma Noite Muito Louca” (onde divide o estrelato com um jovem Keanu Reeves, que ironicamente na época era menos famoso que ela!). Em 1988 ela ganhou papel fixo no popular seriado “Três é Demais”, onde ficou até 1995. E a partir daí não conseguiu mais sair da TV, aparecendo em séries e telefilmes, mas sem muito destaque. Recentemente, Lori voltou às manchetes por causa de um escândalo: em 2019, ela e seu marido foram acusados pelo FBI de participar de um esquema ligado a crimes de fraude e suborno. Aparentemente, o casal teria pagado meio milhão de dólares a uma universidade, num suborno disfarçado de “doação” para que suas filhas entrassem numa equipe esportiva. A atriz foi condenada a meses de prisão, multa e horas de serviço comunitário, e acabou sendo demitida dos seriados que estava fazendo então por conta da repercussão negativa.


Já Kelly Preston seguiu fazendo o tipo loira erotizada pré-Sharon Stone em “Nenhum Passo em Falso”, de John Frankenheimer, e no horror “Feitiço Diabólico”, de Janet Greek. Em 1989, no set da comédia “Os Espertinhos”, conheceu o futuro marido John Travolta. Eles ficaram juntos até a morte prematura da atriz, em 12 de julho de 2020, em decorrência de uma longa batalha contra o câncer de mama. Há uma cena de ADMIRADORA SECRETA em que Kelly aparece maravilhosa num vestido de noite decotado, fumando um cigarrinho, que me fez pensar que a atriz poderia ter sido melhor aproveitada naqueles thrillers sensuais ou neo-noirs do final da década de 1980, começo dos anos 1990. Mas talvez o maridão Toni Manero tenha regulado, e aí outras loironas, como Virginia Madsen e a já citada Sharon Stone, ocuparam o posto.

Há alguns anos, ADMIRADORA SECRETA voltou a ficar em evidência, graças ao relançamento em DVD no Brasil (dentro de um box com outros filmes da década de 1980) e em blu-ray no restante do mundo. E também por causa de um bizarro caso de plágio. Em 2016, alguns poucos cinemas de Porto Rico exibiram uma comédia romântica de produção local chamada “Vasos de Papel”, escrita e dirigida por Eduardo Ortíz. O filme não chegou a fazer grande sucesso, mas aí um crítico percebeu semelhanças muito suspeitas entre a trama da produção porto-riquenha e esta comédia de 1985. Ocorre que “Vasos de Papel” trata de uma carta romântica anônima provocando o caos entre um grupo de personagens, e Ortíz não se contentou em homenagear ADMIRADORA SECRETA, mas teria copiado cenas inteiras sem dar crédito aos autores do original. Quando a polêmica espalhou-se pela imprensa local (ao lado, uma das manchetes num jornal de Porto Rico), e depois mundial, o cineasta primeiro negou as acusações; depois, assumiu o plágio e pediu desculpas. A atriz principal de “Vasos de Papel”, Natalia Lugo, que nunca tinha visto o filme norte-americano e finalmente o fez, ficou tão chocada com as semelhanças entre um e outro que começou a dar entrevistas evidenciando o seu constrangimento, e inclusive apelidando a versão porto-riquenha de “Vasos de Papelón”!


O que importa é que ADMIRADORA SECRETA envelheceu muito bem. Hoje, aos 35 anos de idade, segue muito divertido e simpático, além de relativamente original em suas ideias e na maneira como aborda certos temas. Se funcionará para as novas gerações, para quem “cartas escritas à mão” são coisa do século passado? Difícil dizer.

E se algumas piadas e referências já estão bem datadas, e são praticamente ininteligíveis para os novinhos (tipo Michael, um adolescente de 16 anos, citando nominalmente “Nosso Amor de Ontem” e “Suave é a Noite”, filmes que, em 1985, já eram “velhos”), há alguns detalhes bem visionários. Tipo Ricardo (Geoffrey Blake), um dos amigos do protagonista, que só veste roupas vintage, bebe martini com azeitona enquanto os colegas entornam cerveja e, enquanto o resto da turma come porcaria, pergunta se não tem queijo brie em casa.

Quem diria: Jim Kouf e David Greenwalt previram os hipsters lá na metade da década de 1980!



Trailer de ADMIRADORA SECRETA





14 comentários:

Jamal Singh disse...

Meu Deus, no meu grupo de adolescentes eu era o Ricardo.

Nossa, que saudade Felipe. Nunca vi esse filme legendado, vi diversas vezes na sessão da tarde. Me lembro sempre da cena que o Corey come cereal com calda de chocolate, queria fazer aquilo mas lá no nordeste não tinham esses produtos!! Vou procurar para rever.

Judas Hiena disse...

Eu Vi este O Sonho já Era? Com Chong da famosa dupla de maconheiro com Marin, e na boa foi uma das piores coisas que já vi em vhs no inicio dos anos 90, era uma bobagem onde um maconheiro sem noção passa a ser conselheiro sexual de ricos sem graça. O filme é mais conhecido pelo Chong sempre drogado falar com um peixe.

Fernando disse...

Assisti inúmeras vezes na sessão da tarde, lendo o seu texto me deu muita vontade de rever!

Daniel I. Dutra disse...

Não é querer ser chato, mas onde diz:

"Quando elas te querem muito, é aí que elas pretendem que você pense que te querem pouco”.

Não conheço o texto original, mas onde está escrito "pretendem" me parece que uma tradução melhor seria "fingem" ou "fazem de conta", porque o verbo "pretender" não faz sentido no contexto.

Ps: trabalho com tradução, então sou meio chato para essas coisas.

Ps2: foi um choque saber que Kelly Preston morreu. Descobri por esse blog. Metalstorm é uma das minhas bizarrices favoritas.

Colecaoema disse...

Excelente texto Felipe, esse filme marcou demais! Kelly Preston descanse em
Paz :(

Damaris disse...

Eu adoro esse filme, fiquei chocada em saber que a Kelly Preston morreu😔, mas mesmo assim um excelente texto

spektro 72 disse...

O Mundo está cada vez mais sem graça e grandes figuras do cinema estão se apagando para brilhar em outro lugar , o Maestro Ennio Morricone e as atrizes Kelly Preston e Galyn Gorg ,ambas de cancer e tambem fora as pessoas que estão morrendo dessa gripe chinesa "COVID-19" ,por causa dela o mundo que conhecemos nunca mais será o mesmo.
Muito bonita á sua homenagem á essa musa teen que nós deixou tão precocemente .. mas á vida é assim mesmo ,uma hora nos estamos aqui e outra hora,não.
ADMIRADORA SECRETA foi exibido pela primeira vez na TV Aberta em 17/07/1989 na Tela Quente da Rede Globo e depois foi exibida á exaustão na Sessão da Tarde na mesma emissora .
Um Abraço de Spektro 72.

Raphael Silvierri disse...

Este e The Sure Thing eram meus 2 favoritos do período...e Kelly Preston, divina...que pecado. Texto ótimo como sempre Felipe.

@jb1969cinema disse...

Outro belo texto, Felipe!, Quero saber do seus filmes! Fiz dez anos atrás Chupa Cabra o filme vimeo.com/324407596 Abraço!! Triste com a morte da Kelly !

Underground disse...

Mano esse recurso do audio ficou muito da hora, parabéns Felipe por ter colocado ele.

Anônimo disse...

Muita boa essa postagem ,parabéns por publica-la .
Espero que um dia saia alguma publicação sobre o filme "ZARDOZ" (1974) de John Boorman .

Jack Cruz disse...

Bateu aquela saudade...um dos meus favoritos da "saudosa" sessão da tarde.

João Paulo disse...

Bem bacana o texto.

E, Descanse em Paz, Kelly Preston.

Luciano Milhouse disse...

Falando em filmes com temática adolescente, o que você acha de "Tempo de Mudança", que foi um dos primeiros filmes do Ben Affleck??Até hoje eu adoro esse filme, mais pela trilha sonora que qualquer outra coisa (que só tinha bandas de punk e hardcore da época)...
Abraços!