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sexta-feira, 3 de julho de 2020

FLASHPOINT - POR TRÁS DE UM ASSASSINATO (1984)


23 anos antes de Josh Brolin roubar uma maleta com milhões de dólares provenientes de uma negociação de drogas que deu errado, em “Onde os Fracos Não Têm Vez” (2007, dirigido pelos Irmãos Coen), e 12 anos antes do Texas Ranger interpretado por Chris Cooper encontrar um esqueleto no deserto, em “Lone Star” (1996, dirigido por John Sayles), uma outra maleta recheada de dólares e um outro esqueleto encontrado no deserto causaram grandes confusões num belíssimo filme da década de 1980 que, hoje, está infelizmente esquecido e aguardando para ser redescoberto.

Lançado em 1984, FLASHPOINT (no Brasil, POR TRÁS DE UM ASSASSINATO) é uma daquelas tramas policiais à moda antiga, com um ponto de partida simples que se desdobra em reviravoltas imprevisíveis – e o que começa como uma investigação de rotina logo trará dramáticas consequências.

Usa, ainda, um dos maiores mistérios da história dos Estados Unidos como pano de fundo – ou “McGuffin”, o termo cunhado pelo grande Alfred Hitchock para se referir ao elemento da narrativa que só existe para motivar a ação dos personagens. Tal mistério deveria ser um segredo revelado apenas lá pela metade, mas a maneira como o filme foi divulgado na época do seu lançamento infelizmente já entregava a surpresa desde o início. No Brasil, inclusive, a capinha nada sutil da fita lançada pela VTI não deixava qualquer dúvida sobre qual era o mistério...


POR TRÁS DE UM ASSASSINATO começa em 1963 (o ano lhe diz alguma coisa?), quando vemos um jipe dirigindo pelo deserto numa noite de tempestade. O condutor anônimo, de quem só conseguimos perceber a silhueta na escuridão, não consegue enxergar um palmo à frente, mas parece estar com muita pressa, fugindo de algo. E logo a visibilidade comprometida faz com que o veículo salte de um penhasco, levando quem quer que seja o motorista para a morte certa.

Flash-foward para vinte anos depois, e para os dias atuais (no caso, os dias atuais de 1984). Encontramos nossos protagonistas Bob Logan e Ernie Wyatt (Kris Kristofferson e Treat Williams respectivamente, ambos exalando testosterona) falando bobagem enquanto tentam curar, no chuveiro, a ressaca da farra da noite anterior. Até aí tudo bem, não fossem ambos patrulheiros da fronteira dos Estados Unidos com o México no Texas – aqueles sujeitos que passam o dia zanzando em busca de imigrantes mexicanos ilegais querendo cruzar para os EUA.


O dia que já começou ruim para os dois tende a piorar, quando eles descobrem que o departamento vai adotar um novo sistema eletrônico de monitoramento, com sensores espalhados pelo deserto para captar a passagem de ilegais pelo movimento. Graças a essa tecnologia, dois terços dos patrulheiros serão dispensados das suas atividades, e os demais deixarão de vistoriar a região, como fazem diariamente, para passar o expediente sentados na base, apenas monitorando terminais de vídeo. Para tornar a situação toda ainda mais irônica, todos os patrulheiros recebem a ordem de ir a diferentes pontos da fronteira para enterrar os tais sensores que irão roubar seus empregos!


Percebemos, desde estas cenas iniciais, que nossos protagonistas Bob e Ernie não são aqueles exemplos de bom-mocismo que o cinema de gênero tenta representar. Pelo contrário, são dois sujeitos de moral extremamente duvidosa, que não ligam para o trabalho e apenas gostam da independência e da liberdade de poder passar o dia inteiro sem fazer nada, dirigindo um jipe pelo deserto, com combustível pago pelo governo, e fingindo que estão procurando imigrantes ilegais.

Quarentão e contando os anos para se aposentar, o personagem de Kristofferson é um sujeito complexo. Filho de um respeitado Texas Ranger, escolheu não seguir os passos do pai. Tendo lutado no Vietnã (é inclusive um ex-Boina Verde condecorado), ele percebeu que o sistema é podre e agora prefere levar uma vida insignificante (porém anônima e sem grandes responsabilidades) como patrulheiro no cu-do-mundo. Seu parceiro interpretado por Williams é de uma outra geração, que ainda tem ideais, mas prefere empenhar seu tempo em caçar mulher durante o horário de trabalho!


Pois eis que certo dia, enquanto está zanzando pelo deserto sozinho, Bob faz uma descoberta que mudará suas vidas para sempre. Num platô à beira de um penhasco, algo que estava sepultado há anos começou a ser desenterrado por uma tempestade recente. O patrulheiro começa a cavar e encontra o que restou daquele jipe acidentado lá atrás, em 1963. Assim como o esqueleto do seu azarado motorista... e uma maleta contendo 800 mil dólares em notas novinhas!

Bob chama o parceiro para mostrar seu achado, argumentando que o dinheiro provavelmente foi roubado muitos anos atrás e já está esquecido. Logo, eles podem embolsá-lo, largar tudo e se aposentar daquele trabalho que nenhum dos dois parece muito interessado em seguir fazendo, antes que ambos sejam vergonhosamente substituídos por máquinas.


Mas Ernie não parece muito convencido, especialmente depois que eles também encontram um velho rifle de mira telescópica nos escombros do jipe desenterrado. Quem seria o misterioso motorista e o que aquele monte de dinheiro financiou? 1963, Texas, rifle de mira telescópica... já sacou?

Acontece que, ao contrário do colega que não liga pra nada, Ernie é um sujeito honesto, assombrado por ideais ultrapassados de certo e errado. Mais cedo no filme, vimos que ele arriscou o distintivo (e a vida) ao peitar um “poderoso fazendeiro” chamado Pedroza, que provocou, de forma incidental, a morte de vinte mexicanos ilegais que estavam sendo transportados para trabalhar em suas terras. Mais idealista que o parceiro, Ernie não aceita tão bem a ideia de embolsar dinheiro que não é seu; ainda mais aquele dinheiro beeeem suspeito, e quase que certamente ilegal.


Para acalmar o colega e convencê-lo a “cruzar a linha” entre seus princípios e uma aposentadoria mais confortável com o dinheiro caído do céu, Bob sugere que eles investiguem a origem da bolada antes de decidir o que fazer. Eles voltam a enterrar o esqueleto e o jipe para sumir com a evidência, e escondem a fortuna nas ruínas de uma fazenda distante antes de começar a investigar o mistério.

Primeiro eles tentam rastrear a origem do jipe, sem sucesso. Mas, no momento em que jogam a placa do fatídico veículo no sistema, os dois patrulheiros dão início a uma reação em cadeia de consequências terríveis. A carteira do finado motorista também continha um pedaço de papel com dois números de telefone. Como e Bob e Ernie estão saindo com duas moças que trabalham na companhia telefônica (interpretadas por Tess Harper e Jean Smart), eles ingenuamente pedem que as garotas tentem rastrear a procedência daqueles números – novamente ligando luzinhas de alerta entre os integrantes de uma poderosa conspiração!


Ao constatar que as cédulas encontradas com o cadáver foram emitidas em Dallas, e entre 1962 e 1963, Ernie sugere que eles pesquisem grandes assaltos acontecidos naquela época para tentar descobrir a procedência da fortuna. Bob vai à biblioteca (ah, aqueles tempos em que não existia Google...) e começa a passar jornais do período um a um, sem encontrar nenhuma ocorrência policial em que o montante do roubo tenha chegado a quase um milhão de dólares. Porém, enquanto esquadrinha as manchetes, ele encontra por puro acaso a capa que relata um dos crimes mais famosos da história moderna dos Estados Unidos: o assassinato do presidente norte-americano John Fitzgerald Kennedy em Dallas, no Texas, em 22 de novembro de 1963. Hmmmm...


De volta ao trabalho após dias investigando coisas por conta própria, os dois parceiros são escalados para participar de uma operação que pretende melar uma negociação de drogas, numa pista de pouso improvisada no meio do deserto. A operação é comandada por misteriosos agentes federais que chegaram de repente à cidade, e fazem aquele tipo sinistro que já virou clichê no cinema (óculos escuros, terninhos pretos idênticos, parecem até os capangas-robôs de “Halloween III”!).

Os forasteiros são liderados por um certo Carson, e você sabe que o sujeito não é flor que se cheire porque ele é interpretado por Kurtwood Smith – nosso malvado favorito graças a filmes como o posterior “Robocop – O Policial do Futuro” (1987)! Bob começa a suspeitar que a investigação paralela que fizeram levantou uma “red flag” e atraiu os federais até eles. E isso se confirma quando uma das garotas da companhia telefônica informa que aqueles velhos números de telefone que rastrearam chegaram ao Departamento de Polícia de Dallas e ao alto escalão de Washington!


A partir daí, o esquema aparentemente simples dos patrulheiros começa a desmoronar: os restos do jipe e do seu motorista são encontrados, e tropas do exército isolam aquela região – comprovando que há algo grande por trás da história toda.

Bob e Eddie finalmente decidem pegar a grana e fugir para o México, mas já é tarde demais: afundados até o pescoço numa intriga que eles não conseguem entender, mas que envolve gente poderosa, os dois descobrem que são os próximos alvos dos conspiradores, tentando apagar qualquer rastro ligado àquele cadáver enterrado e esquecido no deserto desde 1963...


POR TRÁS DE UM ASSASSINATO saiu numa epoca em que os filmes policiais produzidos nos Estados Unidos passavam por um processo de transformação: aquelas histórias mais sérias e violentas dos anos 1970, que não raramente envolviam corrupção governamental e terminavam com todo mundo morto ou ferrado, começaram a dar espaço a produções mais comerciais, que ou apelavam para o humor escrachado (vide dois títulos com Eddie Murphy, “48 Horas”, de 1982, e “Um Tira da Pesada”, lançado no mesmo ano de 1984), ou para a ação absurda e violenta, na linha das produções da Cannon Films com Charles Bronson e Chuck Norris.

Já William Tannen, o diretor estreante que dirigiu este aqui, ainda estava com a cabeça na década anterior. Seu filme parece emular aquele ritmo lento e aquele clima mais sério (e paranóico) de policiais setentistas como “Serpico” ou “Operação França”, porém modernizando estes elementos com o visual e o estilo de música característicos dos anos 1980 (o homem era publicitário). Já mencionei que a trilha sonora é do grupo alemão de música eletrônica Tangerine Dream?


Isso dá a POR TRÁS DE UM ASSASSINATO ares de um filme do Michael Mann, e isso antes mesmo de o Michael Mann ter a ampla filmografia que conhecemos hoje – para ser justo, em 1984 este grande cineasta só tinha dirigido três longas, e começava a produzir o seriado “Miami Vice”. O clima é muito parecido, com música eletrônica sublinhando cenas longas e introspectivas (especialmente as rodadas no deserto), e também rompantes de uma violência crua e realista.

Tem até uma certa pinta de “faroeste moderno”, especialmente na meia hora final, quando os protagonistas precisam fugir pelo deserto (fotografado em planos bem abertos, em cenas muito bonitas que foram arruinadas pelo formato 4:3 nos tempos do VHS), e Kristofferson é obrigado a enfrentar pistoleiros malvados com sua winchester, rolando ferido pela areia e pela poeira.


Entre as poucas análises mais longas de POR TRÁS DE UM ASSASSINATO disponíveis na internet, há quem diga que o filme de Tannen é um pioneiro no tratamento do tema e antecipa o clima de paranóia de Oliver Stone e seu “JFK: A Pergunta que Não Quer Calar” (1991). Principalmente por causa de um letreiro final que levanta suspeitas sobre a “versão oficial” do caso.

Bem, este não foi exatamente o primeiro thriller a tratar o assassinato do presidente Kennedy como uma grande conspiração envolvendo altos escalões do governo norte-americano. Pouco antes saíram “Executive Action / O Assassinato de um Presidente” (1973), de David Miller, que é considerado o primeiro filme a questionar abertamente a teoria do “atirador solitário” no Caso JFK, e o divertido porém absurdo “Morte no Inverno / Winter Kills” (1979), de William Richert, em que Jeff Bridges interpreta o irmão de um presidente assassinado enfrentando a conspiração que organizou o atentado. Ambos são a cara do cinema mais pessimista e questionador dos anos 1970, que não tinha receio em chafurdar nas ligações espúrias entre os altos poderes da nação e todo tipo de crime e ilegalidade.


Tannen tentou emular este clima no seu próprio filme: o “sistema” é ruim e as pessoas no poder não prestam. Lá pelas tantas, o personagem de Kurtwood Smith declara: “A única coisa pior que um político é um pedófilo”. O discurso do vilão é cínico: segundo ele, crime, assassinato e estupro são parte importante da sociedade e das prioridades do governo, já que dão emprego a milhares de policiais, agentes federais e soldados. Por isso, ao invés de combater, eles deveriam incentivar estas práticas criminosas para manter seus empregos e o de muitos outros na mesma situação!


Nos anos 1970 este discurso provavelmente seria aplaudido nas salas de cinema. Infelizmente, POR TRÁS DE UM ASSASSINATO foi lançado num momento completamente diferente, a “Era Reagan”, quando o presidente Ronald Reagan conseguiu motivar um sentimento generalizado de patriotismo no país ao incentivar que o povo deixasse de olhar para os problemas locais e ficasse atento aos “inimigos externos que ameaçavam aquela grande nação”, geralmente russos ou comunistas (qualquer semelhança com o Brasil de 2020 não é mera coincidência, visto que os Bolsonaro são fãs declarados de Reagan). Em suma: definitivamente não era a melhor hora para lançar um filme em que o grande vilão era o próprio governo dos Estados Unidos!


Também foi um daqueles projetos com gestação longa, que só saiu do papel por teimosia dos envolvidos. Tudo começou com um sujeito chamado George La Fountaine, que trabalhava na TV norte-americana como operador de câmera e diretor de fotografia, e escrevia livros como hobby. Seu primeiro romance publicado, “Two-Minute Warning”, de 1975, foi adaptado para o cinema no ano seguinte como “Pânico na Multidão” (1976), com relativo sucesso.

“Flashpoint” foi seu próximo romance, com o assassinato de JFK como pano de fundo. Os direitos de adaptação foram adquiridos quase que imediatamente pela Film Artists, companhia dirigida pelos astros Paul Newman, Sidney Poitier, Barbra Streisand, Steve McQueen e Dustin Hoffman, e que tinha o intuito de realizar projetos mais autorais.

O livro foi publicado em 1976, e àquela altura os roteiristas Michael Butler e Dennis Shyrack já estavam trabalhando num roteiro pensando em Steve McQueen e Warren Oates para os dois papéis principais. Martin Ritt, que dirigiu filmaços como “Hombre” e “O Indomado” (ambos com Paul Newman), foi o primeiro cineasta contratado para comandar o projeto. Mas a coisa não foi pra frente, e a First Artists resolveu se desfazer dos direitos sobre o livro.

É quando entra em cena o diretor nova-iorquino William Tannen, um estreante no cinema que vinha de carreira respeitadíssima na publicidade. Em 1966, Tannen criou uma histórica campanha de marketing para a Diet Pepsi, conhecida como “Girl Watchers”, que gerou um jingle absolutamente grudento (composto por Sid Ramin) e ajudou a popularizar o consumo do refrigerante entre o público mais jovem. A campanha ganhou quatro prêmios Clio – o Oscar da publicidade.

Em 1968, Tannen começou a se aventurar pelo cinema. Ele dirigiu um curta-metragem de sátira política chamado “Eulogy for R.F.K.”, que mostrava o então presidente Lyndon Johnson, o então vice Hubert Humphrey, o então governador do Alabama George Wallace e o candidato a presidente (e futuro mandatário da nação) Richard Nixon tomando LSD sem saber, O curta foi todo construído a partir de discursos reais dos quatro políticos, e pode ser encontrado na íntegra no YouTube.


Enquanto eu escrevia estas linhas sobre POR TRÁS DE UM ASSASSINATO, descobri que William Tannen estava nas redes sociais. Resolvi escrever-lhe um e-mail para saber mais sobre como ele trocou a publicidade pelo cinema, e justamente com este filme de estreia. Bill, como Tannen assina, respondeu prontamente (thanks, Bill!), feliz com este repentino reinteresse pela sua obra – segundo me contou, ele foi contatado para outras entrevistas sobre o mesmo filme recentemente.

[A First Artists] tentou conseguir financiamento para sua adaptação de ‘Flashpoint’, mas era um período difícil. Thrillers políticos eram raros e geralmente não iam bem na bilheteria. Então os direitos voltaram ao escritor George Le Fountaine”, explicou, mencionando aquele primeiro projeto de adaptação do livro lá no final dos anos 1970. “Mais cedo em 1983”, continua Tannen, “um aderecista com quem eu trabalhei sabia que eu estava procurando um projeto para dirigir, e me deu uma cópia do livro ‘Flashpoint’, porque ele era muito amigo de LaFountaine. Li o livro três vezes naquele final de semana e decidi que seria o filme perfeito para eu dirigir”.


O velho roteiro de Michael Butler e Dennis Shyrack, escrito para o filme que a First Artists desistiu de fazer, já estava pronto e disponível. Foi quando veio o primeiro golpe de sorte: Tannen estava trabalhando para uma produtora de TV, com quem tinha um contrato que lhe garantia dirigir seu próprio filme dentro de um período máximo de dois anos. Os dois anos se passaram e o tal projeto de filme nunca apareceu. Como “compensação”, os caras deram a Tannen os direitos de adaptação de “Flashpoint” e o roteiro de Butler e Shyrack!

“Eu resolvi não mudar nada do roteiro original, ele era praticamente perfeito”, lembrou o diretor, sobre a versão originalmente escrita para Steve McQueen e Warren Oates. Isso economizou pelo menos um ano de trabalho para escrever um novo roteiro ou reescrever o antigo. Aí começou a parte realmente difícil do processo: conseguir financiamento para um projeto já anteriormente cancelado, e agora comandado por um diretor estreante sem nenhuma experiência prévia com longas-metragens.


Novamente, Bill teve muita sorte: a emissora de TV a cabo HBO queria começar a produzir filmes originais para o cinema, e se associou à Columbia TriStar para garantir a distribuição de suas obras nas salas de todo o país. POR TRÁS DE UM ASSASSINATO se tornaria o primeiro título saído da associação entre as duas companhias, o que garantiu ao novato Tannen um elenco respeitável.

Além dos já citados, também aparecem no filme Rip Torn (abaixo), como um xerife veterano, e um jovem Miguel Ferrer (mais abaixo), aqui num de seus primeiros papeis de destaque no cinema. Três anos depois, Ferrer e Kurtwood Smith iriam se reencontrar como antagonistas em “Robocop”, e o confronto não acabaria nada bem para um deles, como se sabe.


Porém a sorte do cineasta estreante terminou no momento em que o filme ficou pronto. Ainda em nossa troca de emails, Bill lamenta a maneira como a Columbia direcionou o marketing da obra, e que ele acredita ter sido responsável pela sua carreira pífia nos cinemas (o homem é publicitário, ele deve saber do que está falando). Um dos problemas, alega, foi o pôster, com uma arte de gosto duvidoso que tenta simular um “buraco” com os atores à margem (é este usado no topo da postagem). A frase no cartaz tampouco ajuda, e vende mais um policial divertidinho na linha “48 Horas” do que um thriller político mais sério: “Eles bebem juntos, trabalham juntos e fazem farra juntos. Eles vivem para causar problemas. Agora, eles descobriram um segredo e seus problemas estão apenas começando”.

“A intenção do roteiro, do filme e de todo mundo que fez o filme era NUNCA, NUNCA entregar o segredo até a cena em que Kristofferson está na biblioteca e encontra a manchete [sobre o assassinato de Kennedy]. Este seria o momento ‘Oh meu Deus!’ do filme”, revelou o diretor. “Mas então eles divulgaram o filme contando isso desde o começo. E quando venderam os direitos para videocassete, os caras colocaram o ‘segredo’ direto na capinha!”.


Particularmente, confesso, este detalhe não me incomodou tanto. Quando eu vi o filme pela primeira vez, já sabia que o “segredo” da trama era a conspiração em torno do assassinato de JFK (obrigadão aí, VTI Vídeo!). Mas o fato de a narrativa só revelar isso mais adiante coloca o espectador numa posição de conforto em relação aos protagonistas – já sabendo a verdade sobre o “mistério”, a tensão é em quando e como Bob e Ernie vão chegar à mesma conclusão, se é que irão fazê-lo!

E a grande qualidade do roteiro de Butler e Shyrack é fugir de qualquer investigação sobre o Caso JFK em particular (afinal, em 1984 ele já era o que os gringos chamam de cold case, um caso antigo e arquivado cujas pistas já esfriaram e se tornaram difíceis ou impossíveis de seguir). O foco da trama é o risco de certos questionamentos despertarem elementos do passado, que voltam para assombrar seus responsáveis no presente. Na conclusão, o espectador segue sabendo pouco ou nada sobre a conspiração em si, seus objetivos e mandantes; sabe apenas que tem gente poderosa por trás, dedicada a eliminar qualquer um que tente ressuscitar o assunto.


Tannen ainda se enfureceu com um episódio curioso envolvendo a trilha sonora de POR TRÁS DE UM ASSASSINATO. O diretor pessoalmente contatou o grupo Tangerine Dream, que na época estava fazendo trilhas sonoras originais incríveis para filmes norte-americanos (incluindo uma simplesmente sensacional para “A Fortaleza Infernal”, de Michael Mann).

“O líder do Tangerine Dream, Edgar Fromme, voou para Los Angeles pagando as despesas do próprio bolso só para conversarmos”, narrou Tannen. “Mostrei a ele o meu corte do filme, onde tinha usado ‘Sympathy for the Devil’, dos Rolling Stones, durante os créditos finais. [Fromme] disse que tinha sonhado com JFK e o filme, e quando assistiu ao corte com a música dos Stones ele falou: ‘Está perfeito! O Tangerine Dream vai fazer o resto da trilha, mas não mexa nesse final’. Só que os executivos da HBO não quiseram pagar 50 mil dólares por uma das maiores músicas dos Rolling Stones”.

Contra a vontade do diretor, os produtores substituíram “Sympathy for the Devil” nos créditos finais por uma música qualquer que podiam conseguir por um preço mais em conta (“Who's That Memory in Your Eyes”, de Scott Richardson and The Gems), mas que não combina NADA com o clima do filme, ou do resto da trilha do Tangerine Dream. “A banda de garagem de alguém que trabalhava na HBO gravou essa música e os executivos aceitaram pelas minhas costas. [O crítico] Leonard Matlin chamou-a de ‘a pior música de créditos finais de 1984’!”, relatou Tannen.


Ainda segundo Bill, embora tenha recebido boas críticas na época do lançamento, a Columbia Tri Star não se preocupou em investir pesado na promoção do filme de um diretor estreante. Assim, POR TRÁS DE UM ASSASSINATO passou quase em branco pelos cinemas e acabou sendo mais conhecido em home video. Depois desta estreia promissora, o cineasta tentou atirar para todos os lados: ele dirigiu videoclipes (para a banda The Commodores), séries de TV (incluindo episódios daquela escalafobética série dos anos 1990 com o Joe Lara como Tarzan!), e até produções para a mitológica Cannon Films – no caso, um dos policiais mais sérios e realistas estrelados por Chuck Norris, “Um Herói e Seu Terror”, de 1988. Também é dele o último filme estrelado por Norris, o mequetrefe “Resgate de Risco” (2005)


Rever POR TRÁS DE UM ASSASSINATO hoje, quase 40 anos depois da sua estreia, revela que algumas coisas não mudaram. E também que, em certos tópicos, o filme foi absolutamente visionário. Corrupção no governo e na polícia certamente não eram novidade lá atrás, mas são temas que continuam em pauta. Por outro lado, a tecnologia fazendo desaparecer postos de trabalho (quem diria que já estavam falando disso em 1984!) e a imigração ilegal para os EUA como negócio (quem diria que AINDA estamos falando disso em 2020!) são subplots bastante a frente do seu tempo.

Ressalte-se que o sistema de monitoramento de imigrantes por sensores – algo que eu confesso não saber se chegou a existir na vida real – logo será usado pelos vilões para monitorar os próprios heróis em fuga pelo deserto. Isso pode ter parecido ficção científica lá em 1984, mas hoje a vigilância do cidadão pelo Estado através da tecnologia (internet, câmeras, telefones celulares e drones) é uma assustadora realidade, especialmente nos Estados Unidos pós-Ato Patriótico de 2001.


Por tudo isso, mais a trilha sonora bastante climática do Tangerine Dream (que você pode conferir clicando aqui), POR TRÁS DE UM ASSASSINATO é um filme que precisa ser redescoberto e reavaliado – certamente um dos melhores no tema. E se William Tannen não teve sucesso em atrair atenção maciça para o Caso JFK, sete anos depois Oliver Stone chutou o pau da barraca no já mencionado “JFK: A Pergunta que Não Quer Calar”, em que tenta costurar todas as teorias da conspiração surgidas desde aquele fatídico dia em Dallas em 1963.

O filme de Stone provocou tanta comoção que motivou o chamado “JFK Act”, obrigando que fossem tornados públicos os arquivos secretos sobre o caso. Porque nos anos 1960, depois que uma comissão concluiu que o atirador Lee Harvey Oswald agiu sozinho, os documentos relacionados à investigação do assassinato de Kennedy foram lacrados, e deveriam ser mantidos em segredo durante 75 anos – ou seja, só poderiam ser revelados ao público em 2039! Com a proclamação do novo ato em 1992, incentivada pela polêmica do filme “JFK”, estipulou-se que o material deveria ser liberado, e na íntegra, em no máximo 25 anos. Este prazo terminou em 2017, mas o atual presidente Donald Trump conseguiu adiar a divulgação de parte dos documentos até 2021 – se o mundo aguentar até lá, claro.

Então veja só que louco: quem sabe ainda nesta geração poderemos finalmente descobrir a verdade por trás de tantas teorias da conspiração. Ou apenas confirmar o que todo mundo já sabe ou desconfia graças a filmes como este aqui. Uma boa oportunidade para redescobrir POR TRÁS DE UM ASSASSINATO antes que se liberem os tais “documentos secretos” em 2021!


Trailer de POR TRÁS DE UM ASSASSINATO

12 comentários:

João Paulo disse...

Se eu vi esse filme, ficou perdido lá nas memórias dos anos 80... Texto bem legal, e o lance da equipe de marketing fazer uma campanha equivocada me lembrou o SBT, que também adorava fazer isso nos longas que exibia na TV.

Daniel I. Dutra disse...

"A única coisa pior que um político é um pedófilo."

Só por essa frase irei ver esse filme.

Pela resenha o filme parece ser também um percursor do Arquivo X (dois agentes da lei descobrem uma conspiração do governo).

Cleidson disse...

Kurtwood Smith é bom em interpretar vilão, problema q não consigo levar ele a sério, pq sempre me lembro do Red Forman de Thats 70 Show. Essa frase sobre os políticos é a mesma q o Nick Nolte usa em Extreme Prejudice.

Luís Ramone disse...

Ótima - e diferente - resenha, Felipe. Gosto Muito também, nessa levada, daquele filme " Trama". Abraço!

Unknown disse...

Nunca tinha ouvido falar desse filme, obrigado pela indicação Felipe e excelente trabalho, acompanho suas resenhas desde o boca do inferno.

Marco Antonio Santos Freitas disse...

Conversei com o diretor desse baita filme, te juro, há uns seis dias (é dele também o bonzinho ´HERO&THE TERROR´ e o mais recente longa ESTRELADO pelo Chuck, ´THE CUTTER´.

Unknown disse...

Tive na minha Locadora e sempre indicava.. Tempo do VHS e a VTI com suas legendas brancas..quando comecei a assistir ONDE OS FRACOS NAO TEM VEZ nos Cinemas quando foi lancado me lembrei deste ..

Unknown disse...

Você deveria escrever um livro sobre as suas resenhas. Te acompanho a décadas, e fico contente que tenha voltado com o blog.
Abraços!

Jonathan Nascimento disse...

Não deve ser coincidência que no mesmo dia que eu assisto um episódio de Arquivo-X que aborda a morte de JFK, eu leia um sobre um filme que aborda a mesma história.

Jack Cruz disse...

Que pérola e eu não conhecia. Bem que poderia sair em umasdessas coletâneas lançadas pela a VHV ou a OPC.

Fabricio C. Boppré disse...

O camarada diretor do filme (que é ótimo!) errou o nome do músico do Tangerine Dream: é Edgar Froese, não Fromme. Concordo com você que o TD assinou trilhas incríveis nos anos 80. Creio que minhas favoritas são as do Firestarter (de Mark L. Lester, baseado em livro do Stephen King) e a do magnífico Sorcerer, do William Friedkin. Um outro filme que tem este mesmo perfil de "pérola perdida" dos anos 80 -- e que também tem uma trilha-sonora ótima do TD -- é o Miracle Mile, de 1988, dirigido por Steve De Jarnatt. Você já assistiu, Felipe? Esse filme mereceria ganhar um destes seus textos caprichados. Parabéns pelo seu blog! Você é um dos heróis da resistência na internet.

Felipe M. Guerra disse...

FABRICIO, quanto ao MIRACLE MILE, acho uma obra-prima, é um dos meus filmes preferidos. Em breve estará por aqui sim.