WebsiteVoice

sexta-feira, 19 de junho de 2020

LA VIE AMOUREUSE DE L’HOMME INVISIBLE (1970)


(ATENÇÃO: Este é um daqueles textos que conta O FILME INTEIRO, e em detalhes, para que possamos todos rir juntos da sua demência. Se você não gosta dessas coisas e é purista “anti-spoiler”, pare agora, saia daqui, veja o filme e só então volte. Mas acredite: é possível que saber tudo de antemão torne a experiência de ver esta tralha ainda mais divertida e prazerosa...)

É piada pronta, eu sei, mas que doido que um dos monstros mais populares dos velhos filmes de horror da Universal sequer aparecia: trata-se do Homem Invisível, o personagem apresentado (mas não criado) pelo britânico H.G. Wells na novela homônima de 1897, e que entre as décadas de 1930-40 gerou toda uma série de filmes com um vilão que o espectador simplesmente não enxergava.

Começou com a obra-prima “O Homem Invisível” (1933), de James Whale, estrelada por Claude Rains (ou seria pela voz de Claude Rains?) como o cientista Jack Griffin, criador de uma fórmula de invisibilidade testada em si próprio. Seguiram-se continuações cada vez mais absurdas: “A Volta do Homem Invisível”, “A Mulher Invisível” (ambas de 1940), “Espião Invisível” (1942), “A Vingança do Homem Invisível” (1944) e, quando a coisa já tinha virado piada assumida, “Budd Abbott & Lou Costello e o Homem Invisível” (1951).


Recentemente, foram feitas algumas tentativas de reviver o “monstro” para uma nova geração, com aqueles efeitos incríveis que a computação gráfica hoje já permite e com a qual os coitadinhos dos velhos filmes da Universal só podiam sonhar. Da cínica comédia “Memórias de um Homem Invisível” (1992), de John Carpenter, ao thriller “O Homem Sem Sombra” (2000), de Paul Verhoeven, chegando ao ainda mais recente “O Homem Invisível” (2020), de Leigh Whannell, encontramos modernizações bem decentes do tema, emboras os três filmes citados sofram com atos finais bastante irregulares.


Claro que como o nome do blog é Filmes para Doidos, a presente análise sobre o mundo da invisibilidade não será sobre esse “O Homem Invisível” mais recente. Pelo contrário, vamos falar sobre uma das mais apelativas variações do tema, onde o vilão está menos interessado em aterrorizar as pessoas, como nos velhos filmes da Universal, e prefere pelar e/ou abusar da mulherada. Trata-se de LA VIE AMOUREUSE DE L’HOMME INVISIBLE (A Vida Amorosa do Homem Invisível, em tradução literal), uma trasheira inacreditável que, com o perdão do trocadilho, faz o tipo “ver para crer”.

LA VIE AMOUREUSE DE L’HOMME INVISIBLE é uma coprodução França-Espanha, que chegou aos cinemas mundiais em 1970 distribuída pela Eurociné – uma pequena produtora-distribuidora francesa  especializada em tosquices como esta, e cujo nome os fãs do mestre espanhol Jess Franco certamente conhecem. Recebeu muitos títulos alternativos ao redor do mundo, incluindo “Dr. Orloff's Invisible Monster” (nos EUA), “The Invisible Dead” (no Reino Unido e nos tempos do VHS nos Estados Unidos), e “Le Notti Erotiche dell'Uomo Invisibile” (na Itália). No Brasil, ele chegou a ser lançado em DVD tempos atrás com o título genérico (e desinteressante) “O Monstro do Dr. Orloff”. Por questões de gosto pessoal, vou manter o nome francês.

Diz a lenda – e há pouquíssimas informações confiáveis sobre o filme em si para que se comprovem as lendas ao redor dele – que o projeto foi concebido como um horror gótico sério. Algumas fontes inclusive consideram que este foi o primeiro filme de horror “de época” produzido por realizadores franceses (a trama se passa no século 19, com razoável reconstituição do período). Mas no meio do caminho, seja porque faltou dinheiro, seja porque estava ficando uma bosta, resolveram aumentar a quantidade de sexo e mulher pelada para poder vender o produto final como sexploitation. Amém.

LA VIE AMOUREUSE DE L’HOMME INVISIBLE foi dirigido e corroteirizado por um francês chamado Pierre Chevalier, que à época era um dirty old man de 55 anos, vinte deles dedicados ao cinema. Quando começou no ramo, na década de 1940, Chevalier foi assistente de gênios como René Clément (“O Sol por Testemunha”) e Marcel Carné (“O Boulevard do Crime”). E pelo visto não aprendeu nada com eles, já que sua própria filmografia se notabiliza por produções bagaceiras filmadas rapidamente e sem muito cuidado ou carinho – trashões que geralmente apelam para a sacanagem.


A quantidade de nudez em cena (frontal, inclusive), mais certa insistência em usar zoom até a cena sair do foco, fez com que durante muitos anos pesquisadores de cinema acreditassem que “Pierre Chevalier” não era uma pessoa de verdade, e sim outro dos pseudônimos do prolífico diretor Jess Franco. Mas não, Chevalier era “de verdade”, e chegou a trabalhar com Franco em algumas oportunidades (como codiretor em “Convoi de Filles”, de 1978, e diretor de arte em “Manhunter – O Sequestro”, de 1980).

Vendo LA VIE AMOUREUSE DE L’HOMME INVISIBLE dá para entender o porquê da confusão: trata-se de um legítimo filme de Jess Franco que simplesmente não foi dirigido por Jess Franco!


Chevalier reaproveitou até um dos personagens mais marcantes da filmografia de Jess, o Dr. Orloff criado por este no clássico “Gritos en la Noche / The Awful Dr. Orloff” (1962). Para interpretá-lo, chamou o mesmo protagonista, Howard Vernon, um dos atores-fetiche de Jess Franco.

Obviamente que os filmes não têm absolutamente nenhuma relação, e LA VIE AMOUREUSE DE L’HOMME INVISIBLE não é uma sequência do clássico dirigido por Jess. Na verdade, o Dr. Orloff acabou virando um daqueles personagens “maiores que a vida”, tipo Django, retornando numa série de filmes independentes e sem relação com o original, onde às vezes o nome “Dr. Orloff” era usado apenas no título. O próprio Jess Franco reaproveitou o personagem diversas vezes – em “Los Ojos Siniestros del Doctor Orloff” (1973), “El Siniestro Doctor Orloff” (1984) e “Sem Face” (1988).


Além de a trama de LA VIE AMOUREUSE DE L’HOMME INVISIBLE não ter relação com o “cânone” do Dr. Orloff, também não faz sentido algum. Trata-se de uma miscelânea de cenas e elementos de diversos outros filmes, costurados sob um fiapo de narrativa que deixa mais dúvidas e pontas soltas do que certezas – mas não é como se alguém além de mim fosse passar muito tempo pensando nesta desgraça depois de ver, né não?

Nossa história começa numa boa e velha noite de tempestade, em alguma vila europeia do século 19. Recém-chegado ao local, o jovem médico Dr. Garondet (“interpretado” pelo espanhol Paco Valladares, que passa o filme todo com a mesmíssima cara) recebe um recado para ir atender uma emergência no castelo do Dr. Orloff. Num momento que remete diretamente a “Drácula”, o bom doutor tenta conseguir condução ou pelo menos indicações para chegar ao local, mas o povo do vilarejo congela de medo e se cala ante a simples menção do nome Orloff. “Você deve ser louco!”, resume sua velha criada.


Finalmente, Garondet consegue convencer um  condutor de carruagem oferecendo muito dinheiro. Quando o veículo atola num lamaceiro bem no meio do caminho, o médico desce para empurrar e é abandonado sem cerimônia. Ele segue o caminho a pé, chega a uma fazenda e novamente a camponesa que o recebe fecha a porta assustada no momento em que ele menciona o nome de Orloff. Ok, Chevalier, já entendemos, pode seguir adiante!

Finalmente, após mais um loooongo tempo caminhando pelo bosque, o médico chega ao castelo do famigerado personagem, onde é recebido por um casal de criados que age de maneira suspeita. A câmera dá um zoom no rosto da criada até sair do foco e não corrige o problema mais do que óbvio, como Jess Franco adorava fazer.


Garondet então descobre que quem lhe chamou não foi o próprio Dr. Orloff, e sim a sua filha, Cécile (a francesa Brigitte Carva, em seu primeiro e único filme). “Algo estranho está acontecendo aqui e preciso da sua ajuda. Estou com medo do trabalho do meu pai”, suplica Cécile.

A moça explica que tem a sensação de nunca estar sozinha, mesmo quando não há ninguém com ela na sala; sente algo que não consegue ver andando ao seu lado, ouve as tábuas do piso estalando. E certo dia não conseguiu enxergar seu reflexo no espelho porque, pelo menos em sua teoria, “algo invisível” estaria na sua frente bloqueando a imagem.


Sem muita preocupação em ser oficialmente anunciado ou apresentado, o jovem doutor põe-se a zanzar por conta própria pelo castelo até chegar ao laboratório de Orloff, repleto de tubos de ensaio com líquidos coloridos, livros e até o tradicional esqueleto pendurado numa parede. Embora a câmara esteja completamente vazia, ele testemunha um livro cujas páginas viram sozinhas, como se um homem invisível estivesse lendo!

Mas não há tempo para ficar estupefato: o dono do castelo (Vernon) finalmente surge, pistola à mão, querendo saber quem é aquele desconhecido fuçando nas suas coisas. Garondet se apresenta e prontamente pergunta como Orloff consegue mover objetos sem tocá-los, acreditando estar diante de um truque de mágica. “Eu não movo nada, seu idiota! Eu criei um ser que você não pode ver. Que é invisível”, explica o cientista, para a completa surpresa de zero pessoas.


Segue-se o tradicional discurso de cientista louco de cinema: Orloff conta ao rapaz que foi humilhado pelos colegas cientistas por suas teorias radicais enquanto estudava o “fenômeno da transparência” (???). Ele continuou os experimentos por contra própria, visando criar “uma nova raça superior, com potencial ilimitado, mais inteligente e mais forte que um homem normal”. E acrescenta: “Pode considerar esta criatura minha vingança pela humilhação, pelos insultos”. Beleza, considerado está.

Uma bandeja de vinho vem “flutuando”, conduzida pelo homem invisível para servir os dois homens visíveis, num efeito tosco e um tanto desajeitado (não chegamos a ver os fios responsáveis pelo efeito, o que é uma boa coisa, mas o movimento é muito brusco e quase vira tudo sobre a bandeja!).


Orloff aparentemente usa sua criatura “superior, com potencial ilimitado, mais inteligente e mais forte que um homem normal” como um simples criado que não pode enxergar (o que não parece lá muito útil; o cara pode estar te mandando uma banana o tempo inteiro e você nem enxerga a audácia da pilombeta!). Finalmente chegamos ao que interessa: “Esse seu homem invisível não é perigoso?”, questiona o Dr. Garondet, perguntando o que todo o espectador em seu íntimo também quer saber, porque já passou um bocado de filme e ainda não vimos nada ameaçador por parte da criatura invisível além de uns objetos inanimados “flutuando”.


E é justamente aqui que LA VIE AMOUREUSE DE L’HOMME INVISIBLE começa a ficar (mais?) bizarro: Orloff põe-se a narrar uma longa história, mostrada num flashback de uns 15 minutos, que não tem ABSOLUTAMENTE NENHUMA RELAÇÃO COM A HISTÓRIA QUE ESTAMOS VENDO, além das presenças do próprio Orloff e de sua filha Cécile como “coadjuvantes”.

Estas cenas, que parecem até saídas de outro filme, supostamente se passam seis anos antes, quando a moça foi acometida por uma doença desconhecida e “morreu”. O cientista sepultou-a na cripta da família, após adornar o cadáver com jóias valiosas, fazendo surgirem pensamentos criminosos num casal de criados, Marie e Roland (respectivamente Isabel del Río e o espanhol Fernando Sancho, que geralmente interpretava o vilão mexicano nos faroestes italianos filmados na Espanha).


À noite, os dois profanam a sepultura para roubar as jóias. Quando Roland não consegue tirar um anel de ouro do dedo da defunta, Marie lhe alcança um punhal para decepá-lo por inteiro. E então, num momento inesperado, a finada protesta: “Você está me machucando!”, colocando os dois para correr. Era um simples ataque de catalepsia, e Cécile acabara de recobrar a consciência. Antes de fugir, Roland a apunhala numa reação de instinto por causa do susto.

Quando a filha ensanguentada volta para casa e conta ao pai o que aconteceu, Orloff enlouquece de raiva. Roland é preso numa masmorra e torturado. Marie, por ser mulher, ganha a distinção de um tormento mais longo e apelativo: é perseguida pela floresta, sua blusa se abre (algo que acontece com frequência sempre que alguém está fugindo no filme, mas apenas com as moças) e ela acaba brutalmente chicoteada.  E aí o flashback termina. Que porra foi essa que acabamos de ver e que diabos isso tem a ver com o resto do filme? Eu também queria saber...


O Dr. Orloff conclui sua escalafobética narrativa dizendo que Cécile ficou completamente insana com a experiência, e por isso o jovem médico não deveria acreditar em uma palavra do que ela diz. Mas cáspita, o próprio pai acabou de confessar que criou mesmo um homem invisível!

Como a tempestade está muito forte, Garondet é convidado a passar a noite no castelo. E aceita, apesar da quantidade de informações suspeitas e assustadoras que recebeu, e da existência de um homem invisível que inclusive lhe escolta até o quarto – na forma de um lampião “flutuando”, como se levado pela mão de uma criatura invisível!


A esta altura chegamos aos 50 minutos de um filme de 80 minutos, e o espectador mais cético já pode começar a desconfiar que se meteu numa roubada e nada de interessante vai acontecer. Mas calma, as coisas só pioram (ou melhoram, depende do ponto de vista).

Depois de despachar Garondet, Orloff direciona sua fúria à anônima criada do castelo, interpretada pela francesa Evane Hanska. “Você trouxe aquele estranho para cá e por isso será punida!”, sentencia o cientista louco, embora a culpa por Garondet estar ali seja de Cécile, e não da pobre criada – como sempre, o proletariado sendo usado como bode expiatório pela classe dominante!

A mocinha percebe que coisa boa não vem e resolve fugir; sua blusa se abre com facilidade (de novo), para que as peitolas fiquem livres, leves e soltas durante a perseguição. Mas fica difícil fugir de um homem invisível, e ela acaba sendo levada para a masmorra, onde acontece aquela que, de longe, é a cena mais maluca do filme – e a justificativa para seu título sensacionalista.


“Ela é sua”, sentencia Orloff, e então o homem invisível começa a ESTUPRAR a criada completamente nua! Lembra de uma cena parecida em “O Homem Sem Sombra”, em que a ma-ra-vi-lho-sa Rhona Mitra era igualmente violentada pelo Kevin Bacon invisível? Pois bem: se no filme de 2002 o estupro foi de certa forma “suavizado” pelo diretor Verhoeven para não chocar o público, em LA VIE AMOUREUSE DE L’HOMME INVISIBLE Pierre Chevalier não deixa absolutamente nada para a imaginação: num momento desnecessariamente longo, que acaba ficando incômodo e hilário na mesma medida (se é que isso é possível), a pobre Evane Hanska se debate pelada no chão, simulando uma relação sexual violenta com algo “invisível”, numa bizarra pantomima que obviamente depende apenas dos limitados talentos da atriz, porque não há nada ali.


Sem nenhuma sutileza, a câmera de Chevalier chega a dar zoom-in/zoom-out no rosto da vítima para simular a penetração invisível. Enfim, você nunca mais vai ver nada igual – neste caso, literalmente. Este é o primeiro filme da atriz, e posso até imaginar o orgulho dos seus pais quando ela voltou para casa depois daquele dia de filmagens e contou como simulou o estupro por um homem invisível! (Guardem esta informação, mais adiante vem o plot twist!)

Vale destacar que este momento cândido antecede “The Entity”, tanto o livro de Frank DeFelitta (publicado em 1978) quanto sua adaptação para o cinema por Sidney J. Furie em 1982 (lançada no Brasil com o título “O Enigma do Mal”). As obras tratam de uma dona de casa que é brutal e constantemente violentada por uma entidade invisível, recriando a mesma situação mostrada em LA VIE AMOUREUSE DE L’HOMME INVISIBLE, só que de uma forma mais séria e dramática e menos sensacionalista e pornográfica. “The Entity”, registre-se, foi baseado num bizarro caso real investigado por cientistas na Califórnia em 1974!


Voltemos ao filme: enquanto a criada passa maus bocados na masmorra, Garondet acorda com os berros e vai investigar. Encontra a moça nua e semi-enlouquecida pelo abuso, e também Roland, aquele empregado que vimos no flashback, ainda preso numa das celas. Orloff aparece e explica que sua criatura invisível precisa de sangue humano para sobreviver (aparentemente é uma mistura de dois monstros da Universal, o Homem Invisível e Drácula!), e que ele providencia esta bizarra dieta alimentar raptando e dissecando camponesas que dão o azar de passar perto do seu castelo. “Todos os desaparecimentos misteriosos que aconteceram no vilarejo são obra da minha criatura”, explica o Dr. Orloff, mas isso faz zero sentido na narrativa porque esta é a PRIMEIRA VEZ que qualquer um dos personagens do filme menciona tais desaparecimentos misteriosos! “Qual a importância de todas aquelas vidas diante de uma descoberta como a minha?”, emenda Orloff, novamente fazendo o espectador questionar a lógica do discurso do cientista, visto que ele tem tanto orgulho de sua criação mas ao mesmo tempo a desperdiça como um simples empregado do seu castelo!


Mas sossega aí que já estamos chegando aos finalmentes: assim, de repente, o cientista resolve que vai matar Garondet porque ele “sabe demais”. E quase consigo imaginar o pobre médico pensando: “Calma lá, mermão, eu não pedi pra você me contar toda a porra da história sobre o homem invisível em primeiro lugar! Quem resolveu abrir o bico foi você!”.

Seja como for, o rapaz é preso numa cela e o homem invisível tranca a porta – uma corrente se move sozinha em mais um efeito simples e eficiente. “Você não irá morrer em vão. Você vai doar seu sangue para a ciência”, anuncia Orloff, e isso não me parece nenhum consolo, ainda mais quando seu sangue será usado para alimentar um homem invisível cuja única finalidade é servir vinho aos convidados do dono do castelo, ou estuprar criadas insubordinadas.


Como não quer pagar pra ver, o médico espera o vilão sair da masmorra e usa uma tocha esquecida na parede (a inteligência dos vilões deste filme...) para queimar a barra de madeira que o mantém preso. Aí, num dos momentos mais hilários do filme, cai numa daquelas tradicionais armadilhas-de-castelo-de-cientista-louco, em que as paredes do aposento começam a se fechar para esmagar a vítima.

É óbvio que Chevalier não tinha dinheiro para construir um cenário com paredes móveis, ou talvez estivesse sem paciência para fazê-lo. Assim, o diretor representa o “efeito” simplesmente dando um zoom numa parede imóvel e intercalando este “movimento” com closes da cara assustada do ator, que por sua vez se encosta pouco a pouco numa parede que, repito, não está se movendo! E adiciona um efeito sonoro vagabundo para parecer que as paredes estão se fechando! É de rolar de rir!


Cécile, desaparecida da narrativa até então, surge no último minuto para salvar o médico de virar panqueca. Eles resolvem buscar abrigo no quarto da moça até o amanhecer; ela espertamente começa a jogar farinha no chão ao longo do caminho, para poder “enxergar” as pegadas do homem invisível e saber se estão sendo perseguidos pelo monstro. O que, claro, invariavelmente acontece...

Garondet leva um soco e cai nocauteado, enquanto o homem invisível parte para cima de Cécile e arranca sua roupa, revelando pêlos pubianos de tamanho descomunal que felizmente o cinema conseguiu imortalizar para a posteridade. Segue-se uma luta pouco emocionante, o jovem médico reaparece e cobre a criatura com a farinha, revelando que não se trata de um “homem” invisível, mas de um... GORILA INVISÍVEL?!?

Bem, isto torna ainda mais bizarra aquela minha piada sobre a pobre Evane Hanska voltando para casa e contando orgulhosa aos pais que não apenas passou o dia fingindo que era estuprada por um homem invisível, mas que na verdade era uma cena de BESTIALISMO, porque a criatura era um gorila assanhado!!! (Novamente, guardem esta informação que mais adiante vem o plot twist!)


Parece que nada mais pode impressionar o espectador nesse ponto de LA VIE AMOUREUSE DE L’HOMME INVISIBLE, mas Chevalier ainda reserva uma ou duas asneiras para fechar o espetáculo com chave de ouro. Eis que o castelo aparece em chamas sem nenhum motivo. O Dr. Orloff surge de repente e informa que o homem invisível incendiou o local off-screen, embora isso não tenha qualquer justificativa. Demonstrando um arrependimento absurdo para alguém que horas antes entregou uma criada para ser abusada sexualmente pela sua própria criatura, além de ameaçar tirar o sangue do jovem protagonista para alimentá-la, Orloff anuncia: “Fujam! Eu devo destruir o que criei!”.

Isso nunca acontece, entretanto. O coitado do Howard Vernon some do filme e nunca mais é visto, assim como a coitada da Evane Hanska, embora Chevalier se preocupe em mostrar que Fernando Sancho (Roland, o ladrão de sepulturas visto no flashback, que continuava preso na masmorra, lembra?) morre em decorrência do incêndio.


Garondet e Cécile escapam, e uma máquina de fumaça ligada no máximo tenta passar a ideia de que o castelo está sendo consumido por um incêndio enorme – eu já desconfiava que a produção não tinha dinheiro para queimar um set de verdade, mas caramba, nem uma simples miniatura?

Enquanto admira o fumacê – e provavelmente tem seus pulmões afetados para sempre na vida real –, o improvável casal de jovens protagonistas se abraça, e Garondet declara, numa frase que pode até parecer irônica mas é dita a sério: “Espero que o homem invisível nunca mais apareça”. Barbaridade...


Ainda resta tempo para uma última surpresa: pegadas que surgem na lama em stop-motion comprovam que a expectativa do herói pode ter sido muito otimista. Felizmente, os cães de caça da propriedade conseguem farejar o homem invisível e resolvem que é melhor destruí-lo para sempre, eliminando assim qualquer possibilidade de que esta desgraça ganhe uma continuação.

E o destino do homem-gorila invisível é representado de maneira tão hilária como quase tudo que vimos até então: takes dos cachorros atacando nada, mordendo o ar, são usados dublados com gritos de dor aplicados na pós-produção, passando a ideia de que um monstro que não podemos enxergar está sendo despedaçado pelos animais!


LA VIE AMOUREUSE DE L’HOMME INVISIBLE foi escrito a quatro mãos pelo diretor Chevalier (morto em 2005, aos 89 anos) e pelo espanhol Juan Fortuny (falecido em 2000, aos 82). Embora o único diretor de fotografia creditado seja Raymond Heil (que em seguida trabalharia em várias produções dirigidas por Jess Franco), o IMDB informa que Fortuny, que também era cineasta, teria rodado algumas cenas sem receber crédito – o que reforça a lenda de que o filme teria começado de um jeito e terminado de outro por motivo desconhecido.

Fato é que a longa, esdrúxula e redundante cena de flashback sobre criados ambiciosos e profanação de sepulturas não se encaixa de forma alguma no resto da narrativa, mesmo que tenham tentado fazer malabarismo para enfiar o trecho no filme a fórceps.


Das duas, uma: ou esta cena foi a primeira a ser rodada, quando o projeto ainda era completamente diferente, e resolveram aproveitá-la na montagem mesmo que os fatos mostrados sejam absolutamente dissonantes, ou então a história do homem invisível ficou curta demais e tiveram que rodar isso às pressas com os únicos atores à disposição, inclusive gente que nem volta no restante da narrativa (Isabel del Río, no caso).

Para complicar ainda mais (a filmagem desse negócio deve ter sido um pesadelo...), o trailer do filme tem diversos fragmentos de cenas que não aparecem no corte final, como o prisioneiro interpretado por Fernando Sancho enfrentando o homem invisível na masmorra, e inclusive acertando-lhe na cabeça com uma enorme rocha (como o “gorila” está parcialmente visível, crnologicamente isso deve ter acontecido depois da cena em que o casal de protagonistas joga farinha na criatura, perto do final).


LA VIE AMOUREUSE DE L’HOMME INVISIBLE é um daqueles filmes tão terríveis que só podem ser recomendados a públicos específicos – um Filme para Doidos com louvor e que aqui, nas “páginas” do blog, pode talvez receber o seu devido reconhecimento. O roteiro é uma bagunça, a história não faz sentido, a existência de um homem invisível não se justifica (e o fato de ele ser um GORILA INVISÍVEL, menos ainda), os atores são péssimos (mesmo o grande Howard Vernon atua no piloto automático), e grande parte da narrativa, relativamente curta, é preenchida com andanças dos personagens pelo bosque, pelo castelo, pelas catacumbas, etc.

Uma afetada e deslocada trilha sonora com pegada jazz, composta pela dupla Camille e Claude Sauvage, complementa a desgraceira, que fica na média das tosquices produzidas pela Eurociné naquele período e depois – não esqueçamos que algumas das produções mais vagabundas de Jess Franco, tipo “Oasis of the Zombies”, foram feitas pela empresa de Marius e Daniel Lesoeur.


Isso considerado, confesso que me divirto muito com o ridículo da coisa toda, e até já revi esta tralha um par de vezes. É aquele tipo de filme que entretém pelos motivos errados, onde ninguém parece muito convencido do que está fazendo. Por exemplo, o vilão às vezes é chamado de “Dr. Orloff” e às vezes de “Professor Orloff”, sem que se decida se ele tem Mestrado ou Doutorado

Os efeitos de “invisibilidade” geralmente se resumem a cadeiras que se movem e portas que abrem e fecham sozinhas, ações que são realizadas por alguém abaixado e/ou fora do alcance da câmera. Mas justiça seja feita: o stop-motion das pegadas da criatura “aparecendo” em farinha e lama é razoavelmente bem feito, bem como algumas trucagens com objetos tipo lampiões e correntes se movendo “sozinhos”. São efeitos práticos  e simplórios, óbvio, mas que funcionam justamente porque todo o resto do filme é tão ruim. Dá até vontade de fazer seu próprio filme de homem invisível depois.


A direção de arte também é razoavelmente bem feita, certamente melhor do que algumas produções vagabundas da própria Eurociné – embora anacrônica, com diversos objetos que não combinam com o “século 19”. Os sets estão repletos de objetos de cena e pinturas antigas que dão um ar de refinamento, além das obrigatórias catacumbas sombrias. E cenário do laboratório de Orloff não faria feio em comparação com as clássicas produções da Universal em preto-e-branco.

O fato de terem usado um chateau real como ambientação dá um ar muito mais ambicioso ao filme. Visualmente, parece ser o mesmo castelo/casarão em que Jean Rollin filmou seu “Fascination” mais tarde, em 1979, mas posso estar enganado (a fachada, pelo menos, é bem parecida). E não posso deixar de citar uma linda cena, talvez o único momento realmente bem feito do filme, em que uma pequena procissão fúnebre passa por um lago e é refletida nele. Alguém nesta balbúrdia parecia saber o que estava fazendo, afinal...


Embora LA VIE AMOUREUSE DE L’HOMME INVISIBLE tenha sido lançado no Brasil somente nos anos 2000 (não encontrei informações de que tenha sido exibido nos cinemas brasileiros), gerações de cinéfilos dos tempos do VHS puderam curtir pelo menos uma palhinha do filme graças ao vídeo-coletânea “Zombiethon – A Hora dos Zumbis”, aquela picaretagem produzida por Charles Band em 1986, que fazia uma colagem de cenas de vários filmes de mortos-vivos cujos direitos sua companhia de então (a Wizard Vídeo) tinha adquirido.

Como LA VIE AMOUREUSE DE L’HOMME INVISIBLE não é, nem com muita boa vontade, um filme de zumbis, “Zombiethon” teve que dar uma maquiada usando primeiro a cena dos criados profanando o túmulo de Cécile e sua posterior “ressurreição” (como se a garota fosse uma morta-viva!), e depois o trecho que mostra a floresta amazônica pubiana de Brigitte Carva,  mais a revelação de que o homem invisível é um macaco. Eu conheci o filme de Chevalier através destas duas cenas em “Zombiethon”, e confesso que fiquei, durante umas duas décadas, só imaginando como seria o longa completo, já que são momentos completamente diferentes um do outro!


Descontando Vernon, que continuaria tendo uma longa e prolífica carreira até sua morte em 1996, nenhum dos integrantes do elenco alçoou maiores voos após esta “maravilha”. O inexpressivo galã Paco Valladares (visto acima no melhor de seus dotes de interpretação dramática) inclusive trocou o cinema pela TV espanhola, tendo participado do elenco de vários seriados e telenovelas.

Mas pelo menos alguém sobreviveu a LA VIE AMOUREUSE DE L’HOMME INVISIBLE com uma nova e bem-sucedida carreira: a atriz Evane Hanska! Lembra quando eu ironizei sobre a coitadinha ter “interpretado” uma cena de estupro por um monstro invisível como se fosse o ponto alto de sua vida?


Pois, quem diria, a moça deu uma digníssima virada de mesa: depois de aparecer em mais alguns filmes eróticos dos anos 1970, Evane tornou-se uma escritora com vasta obra de ficção e não-ficção. Ela escreveu inclusive um respeitado livro sobre o cineasta francês Jean Eustache, e ganhou um prêmio da Academia Francesa de Letras pela sua obra “The Romance of Goulue”, de 1989. Subitamente, minhas ironias com a moçoila pela sua hilária participação neste filme perderam o sentido. Chupa, Felipão, otário!

E se você acha que LA VIE AMOUREUSE DE L’HOMME INVISIBLE é uma das coisas mais apelativas que há para ver (ou não... hehehe) no tema, saiba que o “homem invisível tarado” é um tema recorrente no cinema exploitation com mais frequência do que se imagina, embora geralmente seja reaproveitado pelo fator cômico do voyeurismo, e não pelo horror. Em 1969, um ano antes do filme de Pierre Chevalier, a comédia erótica norte-americana e em preto-e-branco “Henry's Night In” já trazia um sujeito que usava um soro da invisibilidade para invadir a casa (e o quarto) das vizinhas e abusar delas. Em 1978, outra comédia erótica, desta vez vinda do Japão, ultrapassou todos os níveis de bom gosto ao fazer piada com os estupros cometidos pelo homem invisível – trata-se de “Tômei-ningen: okase!”, ou “Lusty Transparent Man”, de Isao Hayashi. Mas certamente um dos títulos mais divertidos dentro do tema é “Um Maníaco Invisível”, de Adam Rifkin, sobre um professor que fica invisível para abusar das alunas da escola (entre elas, a estrela pornô da época Savannah). O tema continua rendendo em pleno século 21: “The Erotic Misadventures of the Invisible Man” (2003) é uma comédia de Rolfe Kanefsky sobre outro sujeito que usa a invisibilidade para se dar bem com a mulherada.

Pelo visto (ou não...), enquanto houverem diretores e roteiristas debilóides e atrizes com o devido senso de humor para aparecerem seminuas ou completamente nuas simulando orgasmos com parceiros que não estão realmente ali, haverá homens invisíveis tarados aprontando altas confusões em filmes de qualidade duvidosa.

Pierre Chevalier certamente ficaria orgulhoso do legado do seu homem-macaco invisível estuprador...



Trailer de LA VIE AMOUREUSE DE L’HOMME INVISIBLE

6 comentários:

spektro 72 disse...

Esse filme eu tenho ele em DVD foi lançado na coleção " CLÁSSICOS DO TERROR" da Vinny Filmes essa coletânea tem vários filmes bons e ruins ... tem mais ruins do que bons .
É um filme bem bizarro eu achei bem lento ,poderia ter sido um filme melhor se á sua produtora tivesse investido mais dinheiro no filme e trabalhado melhor no roteiro dele .Alias ! Nunca gostei desse tema de homem invisível .. não sei que é graça de você ser invisível em mundo que já lhe trata com invisível, eu não tenho nenhum filme de homem invisível fora esse que foi descrito por você de forma muito bem humorada com sempre e novamente em texto brilhante ,parabéns ,mestre Felipe.
Tem um filme que passava no SBT ,lá nos tempos da TVS em suas sessões filmes aos domingos chamado " A MULHER INVISÍVEL" esse filme acho que era para ser o piloto de um serie que nunca ocorreu,era cheio de efeito de chroma -key ,(de)feitos especias lembram os do seriado do Chapolim Colorado ,com doses de comedia .. não sei se você ou qualquer um que escreve aqui nos comentários já assisti-o .. um trash movie daqueles .
Um abraço de Spektro 72.

Daniel I. Dutra disse...

Pela descrição da parte da mulher enterrada viva parece que a ideia do filme era ser um conjunto de histórias separadas tendo o Dr. Orloff como fio condutor que ligasse as diferentes narrativas , mas por algum motivo (falta de grana?) tiveram que mudar o roteiro. Essa do gorila invisível nem Ed Wood faria melhor (ou seria pior?)

vinicius disse...

Ah, nada como visitar o filme para doidos e ver uma tranqueira dessas dissecada. Tipo de crítica que sempre desperta a vontade de ver um trashão desses aí, e dar risada acompanhado de umas brejas! Valeu, Felipe!

Anônimo disse...

Pois é, eu lembro que estava todo animado que finalmente ia assistir o filme do Dr Orloff, e eles lançaram esse aqui na primeira leva, talvez ficaram com medo de colocar um filme em preto e branco na primeira leva e perder clientes. O problema que a sinopse desse aqui, estava igual a do primeiro filme. Aí só pude ver o primeiro filme do Dr Orloff na segunda leva e gostei bastante. Já esse aqui, achei bem fraco, talvez se eles tivessem sido honesto e vendido esse aqui como um filme sobre homem invisivel, eu até tivesse gostado mais.

Anônimo disse...

Pra os que manjam de inglês, essa obra-prima pode ser vista na íntegra no Youtube.
https://www.youtube.com/watch?v=jiKQFRIVzDA

Anônimo disse...

Imagina os caras anti-spoiler vendo trailers de filme em VHS, rsrs diversas vezes mostravam os pontos-chaves da história e se bobear o final.