Como é sabido, muito ator hoje famoso começou a carreira por baixo. Alguns, para piorar, por baixo e sem roupa, protagonizando filmes eróticos na juventude e no anonimato que depois voltaram para assombrá-los quando viraram celebridades. Os dois casos mais conhecidos são os de Sylvester Stallone e Jackie Chan, que antes de virarem super-astros de ação pagaram mico “atuando” em produções softcore – o primeiro em “O Garanhão Italiano” (1970), e Jackie, na única cena de sexo da sua filmografia, em “Hua fei man cheng chun” (1975).
Curiosamente, alguns diretores hoje premiados e respeitados também começaram no mundo da sacanagem. Abel Ferrara, por exemplo, dirigiu um pornozão hardcore em 1976, “Nine Lives of a Wet Pussy”, mostrando aquilo entrando naquela sem nenhuma sutileza. Depois ele alcançou fama e sucesso com thrillers policiais, e o passado X-Rated nunca chegou a macular a sua filmografia.
Outro que voltou suas lentes para mulheres nuas – ainda que em produções muito mais “inofensivas” que o pornô explícito do Ferrara – foi um certo Francis Ford Coppola, nos tempos em que ainda era um jovem e pobre estudante de cinema na UCLA (a Universidade da Califórnia em Los Angeles).
Anos antes da consagração com “O Poderoso Chefão” (1972) e “Apocalypse Now” (1979), e de colecionar Oscars, um ainda anônimo Coppola filmou duas picaretagens cujo único objetivo era ganhar dinheiro fácil mostrando peitos e bundas: TONIGHT FOR SURE! e “The Bellboy and the Playgirls”.
Ambas foram lançadas em 1962, embora conste que tenham sido filmadas em algum momento ao longo de 1961. E não são exatamente longas-metragens dirigidos 100% pelo jovem Francis, mas sim remontagens de obras alheias onde ele colaborou com um punhado de cenas, criando novas narrativas a partir de algo já existente – um experimento de que sou partidário, todo mundo deveria ser autorizado legalmente a cortar e recortar filmes antigos para criar suas próprias obras.
Antes de passar à apreciação destes singulares trabalhos “eróticos” de Francis Ford Coppola, e hereticamente defender que eles dialogam com pelo menos um grande filme sério que ele fez depois, vale um mínimo de contextualização para explicar como o diretor se meteu nesta canoa furada. Fiquem comigo, portanto, que logo mais entramos na sacanagem propriamente dita e as imagens de mulheres nuas vão começar a pipocar!
Filho de uma típica família ítalo-americana, Coppola nasceu em Detroit em 1939, mas ainda criança mudou-se com os pais para o subúrbio de Nova York. Em 1949, quando estava com nove anos de idade, foi uma das vítimas de uma epidemia de poliomielite, na época ainda incurável. O garoto foi obrigado a ficar quase um ano inteiro confinado ao próprio quarto, paralisado e em quarentena, sem poder sair e nem receber visitas para não espalhar o contágio. Qualquer criança enlouqueceria nestas condições, e para não fazê-lo o pequeno Francis começou a brincar editando os velhos filmes em 8mm da família, tentando criar narrativas com eles. Dessa forma lúdica, contar histórias através do audiovisual acabou se tornando a obsessão da sua vida.
Anos depois, em 1956, Coppola (foto ao lado) ganhou uma bolsa de estudos para cursar Teatro na Hofstra University, de onde saiu formado em Artes Dramáticas em 1960. Mas o desejo de fazer filmes superou o de dirigir peças, e no outono daquele ano ele começou a fazer mestrado em Cinema na mitológica UCLA. “Queria aprender como fazer um filme, era só o que me interessava. Mas tudo que faziam por lá era chamar alguém como o Stanley Kramer para dar uma palestra sobre seu próprio sucesso”, contou o cineasta no livro “Francis Ford Coppola”, de Jean-Paul Chaillet, ao revelar que ficou frustrado com o curso porque ensinavam mais aspectos técnicos e teóricos da produção de cinema, e não especificamente como dirigir ou atuar.
Ele também estava completamente falido, forçado a sobreviver com 10 dólares por semana (de onde também saía o pagamento das mensalidades da faculdade). De olho numa maneira de fazer dinheiro rápido, Coppola descobriu que muitos estudantes de cinema ganhavam algum “por fora” filmando sacanagem, por já terem um conhecimento mínimo de câmera e iluminação.
Um ano antes de Coppola entrar na UCLA, em 1959, o então estreante Russ Meyer – que se tornaria uma lenda do cinema sexploitation – lançou uma comédia safadinha chamada “The Immoral Mr. Teas” (ao lado), que foi um dos primeiros filmes de safadeza a ganhar lançamento comercial nos cinemas.
Vejam, cinema pornô hardcore, com sexo explícito e penetração, já era filmado desde os tempos do cinema mudo, mas nos anos 1950 ainda era algo totalmente proibido, feito e exibido por baixo dos panos. Mas os produtores de “The Immoral Mr. Teas” foram espertinhos e aproveitaram uma brecha nas conservadoras leis dos Estados Unidos: a Suprema Corte não considerava nudez algo obsceno por si só, então não poderia proibir filmes para adultos com tal conteúdo, sem nenhum teor sexual.
Assim nasceram os chamados nudie-cuties, ou skin flicks, produções praticamente inocentes para os padrões de hoje e para uma nova geração acostumada a ver cenas da pesada no XVideos. Diferente dos pornôs softcore e hardcore, estes pioneiros da safadeza ainda não mostravam cenas de sexo, apenas belas mulheres nuas filmadas de diferentes ângulos. Era praticamente uma revista Playboy em formato audiovisual.
Obviamente, “The Immoral Mr. Teas” também provocou escândalo por onde passou. Teve cidade em que a polícia foi acionada para fechar o cinema e mandar hordas de espectadores para casa. Isso só aumentou a curiosidade do público, e o pequeno filme rodado com um orçamento de 24 mil dólares arrecadou quase 2 milhões de bilheteria! Repentinamente, todo pequeno produtor dos Estados Unidos queria filmar seu próprio nudie-cutie para tentar faturar uma fatia dessa bolada.
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Reportagem da revista masculina Bachelor, de junho de 1962, sobre a popularidade dos nudie-cuties |
Um desses possíveis investidores foi procurar por candidatos a diretor justamente na UCLA, já que os estudantes trabalhariam por nada ou quase nada, apenas pela oportunidade de filmar qualquer coisa. Louco para saltar da teoria para a prática, um Coppola de 21 anos de idade aceitou a tarefa e escreveu o roteiro para um curta-metragem chamado “The Peeper” (a expressão em inglês para os safadinhos que ficam espiando mulheres enquanto elas se trocam). Era uma comédia boba sobre um voyeur atrapalhado que tentava a todo custo espionar uma sessão de fotos sensuais no estúdio ao lado do seu apartamento, bolando as estratégias mais mirabolantes para fazê-lo, mas acabando mal toda vez.
O investidor gostou do projeto, mas queria comprá-lo para outro diretor fazer. Já ambicioso, o jovem Coppola recusou – afinal, o que ele mais queria era dirigir filmes, e não escrevê-los. O rapaz resolveu segurar seu roteiro e oferecê-lo a outras companhias, até encontrar um interessado que lhe deu 3 mil dólares para filmar “The Peeper”. Isso aconteceu em algum momento do ano de 1960.
A modelo e coelhinha da Playboy Marli Renfro (acima) foi contratada para o papel da principal peladona. Para quem não ligou o nome à pessoa, esta ruiva cheia de curvas entrou para a história do cinema como dublê de corpo de Janet Leigh na famosa cena do chuveiro em “Psicose”, embora sua participação nunca tenha sido oficialmente creditada no filme. Já o papel do voyeur ficou com Karl Schanzer, um ator frustrado cuja carreira não decolava, e que pagava as contas trabalhando como detetive particular quando não estava filmando algo ou participando de alguma peça!
Ironicamente, Coppola descobriu que não se sentia confortável filmando nudez – ele acreditava que estava fazendo algo errado, até mesmo desrespeitando as atrizes. Segundo explicou a Michael Schumacher no livro “Francis Ford Coppola: A Filmmaker's Life”, costumava perguntar várias vezes para as moças se elas estavam confortáveis antes de começar a filmar. Ele nunca superou essa timidez, e podem reparar que o sexo é representado de maneira tímida no restante da sua filmografia.
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Coppola novinho “dirigindo” Marli Renfro nos bastidores do curta “The Peeper” (foto do livro Francis Ford Coppola Close-Up: The Making of His Movies) |
Finalizados os trabalhos, o jovem Francis descobriu que o aspecto mais cômico e cartunesco do seu “The Peeper” afastava possíveis compradores; eles não achavam o curta de 12 minutos “excitante” o suficiente para exibi-lo em salas para adultos. Depois de ouvir muitas recusas, o diretor finalmente acabou no escritório da Premier Pictures Company, uma pequena produtora que estava com um abacaxi para descascar: eles tinham investido num “western erótico” chamado “The Wide Open Spaces”, que ficou tão ruim que estava engavetado há mais de ano.
“The Wide Open Spaces” foi escrito e dirigido por Jerry Schafer, que até o final da década de 1950 trabalhou como dublê para seriados de faroeste na TV. Impressionado com o tanto de dinheiro que Russ Meyer ganhou com “The Immoral Mr. Teas”, ele resolveu vender sua própria ideia para um nudie-cutie sobre um cowboy que, após ser atingido na cabeça, enxerga mulheres nuas por toda parte.
Schafer deu a sorte de conhecer o israelense Rayhavam Adie, que tinha o sonho de fazer cinema e investiu 45 mil dólares no tal western com mulher pelada. Jerry então reuniu um elenco repleto de beldades, incluindo a Coelhinha da Playboy Virginia Gordon e (olha ela de novo!) Marli Renfro. Larry Chance, um ator de TV, ficou com o papel principal do cowboy.
“The Wide Open Spaces” foi filmado entre julho e agosto de 1960, na cidade de Searchlight, Nevada. Revistas masculinas da época, tipo a Modern Man de agosto daquele ano, publicaram várias páginas sobre a produção. Schafer entregou o material pronto para os produtores editarem e viajou de volta para Londres, onde estava morando. Nunca mais ouviu falar do filme. Sem que ele soubesse, os investidores achavam impossível de lançar o negócio como estava, e resolveram buscar alguma forma de salvar o dinheiro gasto naquela bomba.
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Trabalho duro nos bastidores da filmagem de “The Wide Open Spaces” |
Foi quando Coppola entrou na jogada. Tanto seu curta “The Peeper” quanto o engavetado “The Wide Open Spaces” tinham Marli Renfro no elenco. Logo, os produtores resolveram pagar 500 dólares para que ele inserisse as cenas do seu curta na montagem do longa de faroeste ainda inédito, e transformasse as duas histórias distintas numa coisa só!
O intrépido estudante de Cinema topou a missão e escreveu uma maneira de ligar as cenas através da personagem de Marli, já que ela era a única coisa em comum nos dois filmes. O problema é que a pin-up casou alguns meses antes e estava grávida, logo o marido proibiu que filmasse qualquer coisa.
Coppola perdeu seu único elo de ligação entre as histórias, mas não desistiu. Chamou de volta Karl Schanzer (o outro protagonista de “The Peeper”) para filmar um punhado de cenas adicionais que pudessem conectar o material existente num longa de 65 minutos. O resultado do exercício de colagem é TONIGHT FOR SURE! (Esta Noite com Certeza!, em bom português).
O amigo e colega de UCLA Jack Hill foi recrutado como diretor de fotografia para rodar as cenas novas em Las Vegas. Em 1960, Hill tinha dirigido um curta-metragem bastante elogiado pela turma da faculdade, um faroeste chamado “The Host” – que anos depois Coppola usou como inspiração confessa para o ato final de seu “Apocalypse Now”!
Através das cenas adicionais, Coppola construiu uma trama totalmente nova sobre dois sujeitos que se encontram às portas de um inferninho da Sunset Strip, o Harem Club – um cartaz na porta promete “As mulheres mais lindas do burlesco”. Um deles é o cowboy Samuel Hill (Don Kenney); o outro é Benjamin Jabowski, o tarado de “The Peeper”, novamente interpretado por Karl Schanzer. Uma legenda anuncia que estamos em agosto de 1961, provavelmente a data em que Coppola filmou estes novos trechos.
Os dois são moralistas numa cruzada anti-safadeza: Jabowski é o diretor da “Liga Contra a Nudez”, e Hill um apoiador da causa que pretende ajudá-lo num ato de protesto que será realizado naquela noite na tal boate. Os demais integrantes do grupo devem aparecer à meia-noite com cartazes pregando moral e bons costumes, enquanto a dupla chegou mais cedo para armar uma bomba (!!!) no gerador do estabelecimento, de maneira a cortar a energia para o ato de logo mais.
Como estão no recinto quase três horas antes do horário previsto para o protesto, Hill e Jabowski resolvem esperar sentados numa mesa nos fundos da boate, de costas para o palco para não macularem suas almas puras. Enquanto tomam seus drinks (“Um brinde às roupas!”, propõe um deles), resolvem explicar porque se engajaram no combate à safadeza. Nesse momento, como “cenas de flashback”, são finalmente reutilizadas as imagens antigas de “The Peeper” e “The Wide Open Spaces”.
Hill é o primeiro a contar sua “história”, sobre um amigo cowboy chamado Jamie. Certo dia, enquanto cavalga podre de bêbado, o sujeito cai da montaria e bate a cabeça numa pedra; a partir daí, começa a enxergar mulheres nuas onde quer que esteja – algumas são pura alucinação, outras são mulheres que deveriam estar vestidas, mas ele enxerga sem roupas!
Estão são as cenas do fracassado “The Wide Open Spaces”, usadas sem seu som original, apenas com a narração em off de Don Kenney descrevendo o que acontece e fazendo algumas piadas terríveis (“Ele trabalhava sozinho numa mina e a única fêmea por perto era a sua mula, que nem era tão atraente”). O curioso é que o dom de ver mulheres peladas por toda parte deixa o tal Jamie completamente transtornado, ao invés de maravilhado.
Por sua vez, Jabowski conta a sua própria história, quando são reaproveitadas as cenas de “The Peeper”. Ele explica que, “preocupado com a escalada da indecência”, passou a seguir uma bela ruiva que morava na sua vizinhança (Marli Renfro). Certo dia, descobre que ela está para fazer um ensaio sem roupa para uma fotógrafa no prédio vizinho, e resolve espionar aquela pouca-vergonha. Novamente, as cenas são reaproveitadas sem o som original, com a narração em off de Karl Schanzer e piadas ainda piores. Se no corte original de “The Peeper” o personagem era confessadamente um tarado, aqui a nova narrativa cria um comentário irônico sobre a hipocrisia do falso-moralista.
As cenas de um e outro projeto fracassado são intercaladas pelos novos trechos filmados por Coppola e Jack Hill, que mostram a dupla conversando no interior do inferninho, quando sucessivos números de burlesco (dança exótica com mulheres seminuas, mas não peladas) interrompem a narrativa, numa estratégia bastante parecida com a série de dancinhas em “Orgia da Morte”, que Stephen C. Apostolof dirigiu anos depois com roteiro de Ed Wood!
É uma curiosa oportunidade para conferir registros praticamente documentais de dançarinas de burlesque da década de 1960. Segundo os créditos iniciais, elas se chamam Electra, Exotica, Laura Cornell, Karla Lee e Sue Martin, cada uma com seu próprio figurino exótico e um espetáculo de dança de características bem definidas. O número em que a dançarina parece sair do meio de chamas, construídas com pedaços de tecido vermelho, é particularmente interessante.
Não demora para percebermos que Hill e Jabowski são dois farsantes, como quase todos os “conservadores nos costumes”. Eles aproveitam o intervalo de horas até o início do ato de protesto para acompanharem com interesse os shows das dançarinas, inclusive indo sentar-se cada vez mais próximo do palco, com a desculpa esfarrapada de observar de perto a degradação incentivada pelas moçoilas – que por sua vez só estão querendo trabalhar em paz e honestamente.
Trata-se, obviamente, de uma única piada esticada até o limite da paciência (o espectador percebe desde o começo que os dois na verdade gostam da coisa, logo são uns grandes hipócritas). Na conclusão, Hill e Jabowski estão tão animados com o rebolado das dançarinas que resolvem subir no palco para dançar com elas – no exato momento em que seus colegas pela moral e bons costumes aparecem, e percebem que o maior dos devassos é justamente o seu líder!
Curioso como a mensagem não envelheceu um único dia desde 1962...
Depois de velho e famoso, o próprio Coppola referiu-se a TONIGHT FOR SURE! como “uma comédia estupida onde você via uns peitos de vez em quando”. Afora a quantidade de beldades das antigas (hoje todas vovós, quando não finadas) desfilando sua beleza de antigamente, sobra muito pouco para ver naquele que é considerado o primeiro filme do grande cineasta – embora muitos citem erroneamente que o título cabe ao posterior “Dementia 13” (1963), produzido por Roger Corman.
Vá lá que não é um trabalho 100% do Coppola: as cenas dirigidas por ele, correspondentes à dupla de atores no night club e ao curta “The Peeper”, perfazem metade, talvez 65% do filme. Já os trechos de faroeste, retirados do engavetado “The Wide Open Spaces”, foram filmados por Jerry Schafer, mas ele não ganhou crédito como diretor (foi creditado apenas como roteirista junto com o próprio Coppola). Larry Chance, o ator principal de “The Wide Open Spaces”, misteriosamente não teve seu nome citado no produto final, embora apareça com relativo destaque no filme.
Ronald Waller foi o editor responsável por dar sentido a três conjuntos diferentes de cenas aparentemente sem relação (este é o seu único crédito na área). Boa parte do material filmado para “The Wide Open Spaces” que não tinha mulher pelada foi descartado: os diálogos, algumas cenas de luta e até um trecho em que o cowboy procurava um psiquiatra e o contaminava com seu “problema”.
Tudo considerado, os trechos do curta “The Peeper” são a melhor coisa de TONIGHT FOR SURE!. O voyeur interpretado por Schanzer parece aqueles personagens obcecados dos desenhos animados, tipo o Coiote no desenho do Papa-Léguas, apelando para recursos cada vez mais absurdos para conseguir espiar a modelo peladona, e gerando mais humor do que “excitação”.
Por exemplo, ele compra um telescópio potente para tentar enxergar algo do conforto do seu apartamento, mas o tal telescópio é tão potente que só mostra o umbigo da modelo. Frustrado, se dependura do topo do prédio com uma corda para espiá-la com um binóculo normal, mas obviamente sua animação fará com que a corda se solte e ele despenque até o térreo. No momento mais escrachadamente nonsense, que lembra muito o universo dos desenhos animados, Jabowski vai até o subterrâneo do edifício vizinho e tentar abrir um buraco no piso do estúdio com um serrote! Claro que ele sempre se estrepa, mas reaparece cheio de curativos para tentar outra vez.
Ao contrário das cenas de “The Wide Open Spaces”, que se resumem ao cowboy indo a algum lugar e enxergando mulheres nuas (num cassino, na mina onde trabalha, no meio de um rio e até na própria banheira!), os trechos de “The Peeper” também têm um divertido final-surpresa, dando alguma sensação de conclusão à “história” narrada pelo personagem.
Obviamente, nem as tais histórias contadas pelos personagens, nem o segmento da boate têm qualquer referência ou simulação de sexo. Como já foi dito, os nudie-cuties eram comédias eróticas inofensivas que apenas exibiam a nudez das atrizes, sequer mostrando nudez frontal – peitos e bundas de todos os tamanhos são o máximo de “sacanagem” presente no filme.
Enquanto Coppola virou celebridade uma década depois, os demais envolvidos no filme não tiveram a mesma sorte. O diretor de fotografia Jack Hill teria sua própria e cultuada carreira como cineasta lado B, trabalhando para Roger Corman durante o ciclo do blacksploitation (quando dirigiu Pam Grier em clássicos como “Coffy” e “Foxy Brown”), mas infelizmente ainda é desconhecido do grande público, e está afastado da cadeira de direção desde 1982.
Do elenco, o único que teve algo próximo de uma carreira, ainda que bem sui generis, foi Karl Schanzer. Ele ainda atuou nos três filmes seguintes dirigidos ou por Coppola (“Dementia 13”), ou por Jack Hill (“Blood Bath”, “Spider Baby”). Suas histórias como detetive particular também inspiraram Coppola a fazer “A Conversação” (1974). Anos depois, Schanzer conseguiu um carguinho na Paramount como avaliador de roteiros – o sujeito que lê tudo que chega ao estúdio e tenta separar o joio do trigo. Pois ele foi o responsável por ver potencial num roteiro chamado “48 Horas”, que tornou-se um grande sucesso de bilheteria com Nick Nolte e Eddie Murphy.
TONIGHT FOR SURE! marca ainda a primeira colaboração entre Francis e seu pai, Carmine Coppola (creditado como “Carmen Coppola” no início!). O maestro e compositor foi o responsável pela deliciosa trilha sonora jazzística que embala as peladâncias, e a partir daqui repetiria a função em quase todas as obras do herdeiro até sua morte, em 1991.
O filme estreou em 25 de outubro de 1962, quando o SEGUNDO trabalho de Coppola no ramo dos nudie-cuties (“The Bellboy and the Playgirls”) já tinha até sido lançado. Não há registros de que tenha sido um sucesso. Em 1977, quando Coppola já era famoso e respeitado pelos dois primeiros “O Poderoso Chefão”, e estava começando “Apocalypse Now”, uma outra distribuidora espertinha, a Films Incorporated, adquiriu os direitos de exibição de TONIGHT FOR SURE! e resolveu relançá-lo em alguns poucos cinemas. Desta vez com o nome do diretor em destaque no cartaz, claro.
A estratégia deu uma sobrevida à estreia de Coppola. A Associação dos Filmes Adultos da América (Adult Film Association of America, ou AFAA) começou a realizar uma espécie de Oscar para filmes eróticos e pornográficos, o Erotic Film Awards, e em sua primeira edição, justamente em 1977, aproveitou para homenagear o diretor de “O Poderoso Chefão” dando um prêmio simbólico a TONIGHT FOR SURE! como “Melhor Filme Adulto Realizado entre 1961 e 1965”. Obviamente parece mais uma trollagem do que uma distinção séria, e não consta que Coppola tenha ido receber o troféu.
A Variety, uma das revistas sobre cinema mais populares dos Estados Unidos, também aproveitou a oportunidade para finalmente publicar uma crítica do primeiro trabalho de um grande cineasta, que na época do lançamento original não tinha merecido a distinção: “A maior parte do filme é preenchida com stripteases que acontecem na boate, portanto dificilmente o espectador fica muito tempo sem ver alguma pele sendo exibida. Mas o roteiro é ridículo”.
Já Jerry Schafer, o diretor original de “The Wide Open Spaces”, nunca chegou a conhecer o jovem Coppola e passou décadas sem conhecer o resultado da remontagem do seu filme por ele. Nos anos 2000, ao ser entrevistado por Robert Graysmith para seu livro sobre a vida de Marli Renfro (“The Girl in Alfred Hitchcock's Shower”), Schafer recebeu uma cópia de TONIGHT FOR SURE! e finalmente pôde opinar. Aspas para ele, segundo registrou Graysmith em seu livro: “Deus, que coisa horrível! Não consegui ver mais de dez minutos. O que o Coppola fez mudou meu filme completamente, não foi aquilo que eu escrevi nem dirigi, mas entendo o que ele tentou fazer”.
Hoje, o primeiro longa de Francis Ford Coppola sobrevive apenas numa cópia bem ruim, em tela cheia e com as cores desbotadas (o que torna lacônica a chamada do pôster, “Filmado em fantástico Eastman Color”). É a mesma cópia lançada em DVD pela mítica distribuidora Something Weird.
Antigamente, eu consideraria a possibilidade de restauração e relançamento de uma tralha dessas um sonho impossível. Mas considerando que o segundo nudie-cutie do diretor, “The Bellboy and the Playgirls”, ganhou tratamento de luxo recentemente, com uma nova cópia restaurada diretamente dos negativos originais, já não parece algo tão improvável.
“Não tenho vergonha desses trabalhos porque era a única maneira de eu conseguir trabalhar com uma câmera e fazer um filme”, resumiu Coppola, em depoimento ao livro “Francis Ford Coppola”, de Jean-Paul Chaillet. Então fica a dica: num mundo ideal, alguém poderia inclusive fazer o meio-de-campo para o diretor gravar faixas de comentário ou entrevistas sobre os dois filmes para seus respectivos DVDs/blu-rays, explicando às novas gerações criadas na base do leite-com-pêra que um “O Poderoso Chefão” ou um “Apocalypse Now” não aparecem da noite para o dia, e às vezes até os grandes mestres precisam começar por baixo – alguns beeeeeeem por baixo.
(Se ainda tiver paciência e disposição, siga em frente e leia também o post sobre “The Bellboy and the Playgirls”, o segundo nudie-cutie dirigido por Francis Ford Coppola!)
Veja TONIGHT FOR SURE! na íntegra
3 comentários:
Esse dois filmes do Coppola ,lembram muitos aqueles filmes da "SALA ESPECIAL" como os seus enredos inocentes e piadas de duplo sentindo em suas historia e um pouco erotismo e mulheres mostrando peitos e bundas, mas nada explicito ,era uma sessão de filmes muitos da boca do lixo ou porno chachada como queiram, eram exibidos todas sextas-feiras as 23:00 pela TV RECORD da antiga da Família do Paulo Machado de Carvalho e não essa porcaria que foi comprada pela IURD na década de 90 que eu nem assisto essa nova Record desde que passou para as mãos dessa turma de enganadores da fé alheira e essa sessão de filmes da pornô chachada foi de 1981 ate 1987 , muitos filmes exibidos da " Sala Especial "eu assisti como : A VIRGEM,O INCRIVEL SEGURO DE CASTIDADE,,AS CANGACEIRAS EROTICAS,AS VIOLENTADAS,TROTE DE SADICOS,KUNG FU CONTRA AS BONECAS,SUPER FEMEA,A ARVORE DO SEXO dentre outros que já não me lembro mais ...ótimas postagens mestre Felipe senhor dos filmes ocultos e esquecidos do cinema .
Um Abraço de Spektro 72.
Grande Guerra: textos excelentes sobre os primeiros filmes do Coppola. Uma aula de cinema com você meu caro. Continue postando pra gente ter algo de bom pra ler nessa quarentena interminável. Abraço
Adoro Review de putaria, mesmo que seja de putaria capenga!
Hauahua boa Felipe!!!
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