(Este texto é continuação direta da resenha de “Tonight for Sure!”. Caso ainda não tenha lido, comece por ela para entender melhor o contexto.)
Todo grande diretor tem que começar por algum lugar, e o jovem Francis Ford Coppola – então um estudante de Cinema de vinte-e-poucos anos – começou dirigindo uma comédia erótica chamada “Tonight for Sure!” (1962). O longa surgiu de um processo de recorta-e-cola bem picareta, em que um curta anterior e inédito do rapaz (“The Peeper”) e um longa nunca lançado dirigido por outrém (“The Wide Open Spaces”, de Jerry Schafer) foram emendados e costurados por cenas novas filmadas por Coppola para garantir algo próximo de uma narrativa linear.
Se como produto audiovisual não era nenhuma maravilha, pelo menos serviu como currículo: “Tonight for Sure!” nem tinha chegado aos cinemas ainda e outros produtores lhe ofereceram um segundo bico muito parecido, que também envolvia intrervenção cirúrgica para “consertar” um filme alheio. E assim nasceu o segundo trabalho de Coppola, THE BELLBOY AND THE PLAYGIRLS, que por ironias do destino chegou aos cinemas antes do outro! Ambos são nudie-cuties, o termo usado para definir comédias eróticas bastante inocentes, que não chegavam a representar o ato sexual.
Tudo começou quando a Screen Rite Picture Company, uma pequena distribuidora norte-americana, adquiriu os direitos de exibição nos EUA de uma comédia alemã de 1958 chamada “Mit Eva fing die Sünde an” (O Pecado Começou com Eva, em bom português). Dirigido por Fritz Umgelter, que trabalhava para a TV alemã, o longa original já tinha até sido dublado em inglês, mas os distribuidores o achavam muito bobo e inofensivo para funcionar com um público que, depois de Russ Meyer e seu “The Immoral Mr. Teas” (1959), queria um pouquinho mais de safadeza nas suas comédias eróticas.
Assim, Coppola recebeu 250 dólares para filmar algumas cenas de nudez a cores em 16mm que seriam inseridas no filme alemão originalmente em preto-e-branco e em 35mm, mais ou menos como havia feito com “Tonight for Sure!”. E os distribuidores ainda tentaram um chamariz alternativo para buscar público: uma destas cenas seria rodada em 3-D, já que o formato era bastante popular nos cinemas da época graças a filmes de horror como “Museu de Cera” e “A Revanche do Monstro” – se ainda não o fez, leia já o nosso artigo sobre pornografia em três dimensões!
(Uma observação: a única fonte no mundo inteiro que identifica esses distribuidores responsáveis por contratar Coppola é uma edição especial da revista masculina Modern Man de 1963. Segundo a reportagem, os sujeitos se chamavam Dick Kay e Harry Rynick. Nenhum dos dois é creditado no filme, ou tem qualquer outro crédito em cinema. Pseudônimos ou informação errada?)
Na sua versão original, “Mit Eva fing die Sünde an” era uma comédia praticamente inofensiva estrelada por dois opostos: de um lado o veterano Willy Fritsch, que trabalhou no cinema alemão por quatro décadas (inclusive com mestres como Fritz Lang), mas no final dos anos 1950 estava vendo sua carreira despencar; do outro lado, a jovem e linda Karin Dor, que aos 20 anos de idade decolava direto para a fama (logo depois ela apareceria numa das aventuras de James Bond, “Com 007 Só Se Vive Duas Vezes”, e num thriller do Hitchcock, “Topázio”).
O filme alemão começa com um jovem casal (Karin e Michael Cramer) chegando ao que parece ser um quarto de motel vagabundo. Rola uma discussão entre os dois, porque a moça tem vergonha de tirar a roupa na frente do rapaz. Enquanto ela diz que sempre sonhou com um casamento de conto-de-fadas (aparentemente é um casal solteiro, tabu para a época), ele tenta seduzi-la de todas as maneiras. De repente, a garota pára tudo e protesta: “Isso é vulgar, como querem que eu diga essas falas?”. Descobrimos, então, que o jovem casal na verdade é um jovem casal de atores, e o quarto de motel vagabundo na verdade é um cenário. Estávamos vendo o ensaio de uma peça.
Dinah, a atriz, não consegue protagonizar a cena de sedução que está no roteiro, dizendo que é muito conservadora para fazê-lo em frente a uma plateia. Gregor, o diretor (interpretado por Fritsch), procura deixá-la mais à vontade contando historinhas sobre como o sexo e a sedução supostamente sempre fizeram parte da história da humanidade, desde o princípio dos tempos.
Cada história narrada por Gregor é encenada em esquetes curtos e bem humorados, em que os mesmos atores da trama principal também interpretam personagens na Grécia Antiga, na Idade Média, durante o Renascimento, na França da Era Napoleônica, e por aí vai – lembrando bastante o posterior “Stuck on You!” (1982), comédia erótica produzida pela Troma e dirigida por Michael Herz e Lloyd Kaufman. No fim, convencida pelas estapafúrdias narrativas do diretor, Dinah não apenas faz a cena, mas ainda se apaixona por Jürgen, seu colega de elenco!
Se no caso de “Tonight for Sure!” Coppola podia contar com o ator de um dos segmentos (Karl Schanzer) para reaparecer nas cenas extras que filmou para ligar o restante do material, neste seu segundo trabalho de “costura” já não existia a possibilidade de chamar qualquer integrante do elenco alemão – os coitados nem sabiam que suas atuações originais em “Mit Eva fing die Sünde an” estavam sendo cortadas e recortadas para cumprir outro propósito.
Logo, ele teve que criar um novo roteiro e novos personagens nos Estados Unidos para interagir com as cenas do filme alemão, numa prática que, duas décadas depois, ficaria imortalizada graças ao cinema picareta e sem vergonha do chinês Godfrey Ho – que, como deve saber o leitor do Filmes para Doidos, costumava reeditar dramalhões antigos e transformá-los em aventuras com ninjas tipo “Ninja – O Protetor” e “Ninja Thunderbolt”!
E assim nasceu THE BELLBOY AND THE PLAYGIRLS (O Mensageiro e as Modelos, em tradução livre), a versão Coppoliana de “Mit Eva fing die Sünde an”. Da equipe do seu filme anterior, “Tonight for Sure!”, voltaram o colega Jack Hill (como diretor de fotografia e aqui também editor) e o ator Don Kenney, que havia interpretado o cowboy falso-moralista no outro longa.
Neste aqui Kenney foi alçado a protagonista, assumindo o papel de um atrapalhado mensageiro de hotel que serve de elo de ligação entre as cenas em preto-e-branco do filme alemão e as novas cenas coloridas filmadas por Coppola. Ninguém nunca perguntou ao diretor se era uma referência confessa a “The Bellboy / O Mensageiro Trapalhão”, comédia de 1960 dirigida e estrelada por Jerry Lewis, mas seria muita cara-de-pau se ele negasse a “inspiração”.
Descontando uma sequência de créditos em inglês apresentando o novo título, os novos atores e o nome de Coppola como responsável por escrever e dirigir o “material adicional”, THE BELLBOY AND THE PLAYGIRLS começa exatamente como “Mit Eva fing die Sünde an”, reproduzindo a cena inicial do filme alemão até o momento em que Dinah, a atriz, interrompe o ensaio com seu ataque de moralidade (Jürgen, seu colega de cena, obviamente foi rebatizado “Jerry” para o público americano).
Aí entram as cenas de Coppola, em que Don Kenney aparece como um contrarregra que acompanha tudo dos bastidores do teatro – sem, obviamente, interagir com nenhum dos atores das cenas do filme alemão, embora esteja “espiando” o ensaio e comente tudo que vê. Kenney se apresenta como George, mensageiro do Hotel Happy Holiday. Ele fala olhando diretamente para o espectador, e até faz um sinal com a mão para que a câmera se aproxime (num movimento de zoom), quebrando a chamada “quarta parede”, numa opção ousada do jovem diretor.
Mostrando um livro cujo título é “Como Tornar-se um Detetive e Ser Popular com as Mulheres”, George explica para o espectador o que está fazendo ali disfarçado de contrarregra. “Eu não quero ser um mensageiro pra sempre. Estou fazendo um curso por correspondência para ser o detetive do Happy Holiday. Mas eu tenho um problema: as mulheres me assustam. Então eu venho aqui disfarçado para tentar aprender como lidar com o comportamento feminino”, diz ele, na melhor justificativa que Coppola encontrou para juntar suas cenas com as do filme alemão!
A partir daqui, THE BELLBOY AND THE PLAYGIRLS se divide em duas narrativas distintas: George entra e sai dos bastidores do teatro, onde acompanha os diálogos entre o diretor e a atriz sobre a sedução na Antiguidade (material reaproveitado do alemão “Mit Eva fing die Sünde an”), e de vez em quando volta para o seu emprego normal no hotel, quando o filme fica colorido (!!!) e entram as cenas novas fimadas por Coppola, com um elenco totalmente diferente.
É nestas cenas do hotel que finalmente se desenrola a situação anunciada pelo título: ao levar as malas da voluptuosa Madame Wimpepoole até o quarto onde está hospedada com suas belas garotas, George descobre, por acidente, que a bagagem está cheia de lingerie sexy e camisolinhas transparentes. Ocorre que Madame Wimpepoole é uma estilista especializada em roupa íntima, e as moças são modelos que se preparam para um ensaio fotográfico com as peças. Mas, devido a uma série de equívocos, o mensageiro acha que o quarto foi transformado num bordel, e resolve investigar o que acontece por trás da porta fechada, como o bom detetive que pretende ser.
Segue-se uma sequência de confusões bem inocentes e exageradas que lembram bastante o argumento de “The Peeper”, aquele curta-metragem safadinho dirigido por Coppola que acabou sendo reeditado para virar o longa “Tonight for Sure!”: George põe em prática os planos mais mirabolantes para espionar o interior do quarto, mas sempre se dá mal.
Primeiro ele coloca um bigodinho ridículo e se disfarça de “Mister Jenkins”, um cliente que as moças estão esperando. Madame Wimpepoole chega a proporcionar-lhe um desfile particular de lingerie (onde, sem nenhum motivo aparente, as modelos também TIRAM a lingerie para mostrar os peitos!). Ela informa o “cliente” sobre os preços, referindo-se às peças de lingerie, mas o detetive amador confunde com o valor para fazer sexo com as garotas (“Apenas 9,98 dólares?”, comenta George em off. “Meu Deus, o que aconteceu com a humanidade?”). Para aumentar a confusão, Madame Wimpepoole declara: “Não precisa escolher duas ou três. Semana passada tivemos um cliente que comprou 200”. Logo o verdadeiro Sr. Jenkins (Merwin Goldsmith) aparece e o plano vai por água abaixo.
Os outros subterfúgios utilizados pelo atrapalhado mensageiro/detetive são disfarçar-se de funcionário da companhia telefônica, fingir que vai entregar “serviço de quarto” e desafiar as garotas para um jogo de strip-pôquer (“Eu tinha feito um curso por correspondência de ‘Como Vencer no Pôquer e Ser Popular com as Mulheres’”, anuncia ao espectador), e finalmente disfarçar-se de mulher e pedir emprego na trupe de Madame Wimpepoole (o protagonista travestido parece muito o Robert Ben travestido em “Desejo de Matar 5”, e ambos são a visão do inferno!).
Cada um dos planos termina mal por burrice do próprio George, e ao final de um deles rola até uma lutinha típica de comédia-pastelão; no lugar de tortas na cara, o mensageiro e as garotas jogam produtos e cremes de beleza na cara dos outros! No fim do filme, traumatizado pela experiência, o protagonista volta para o teatro e declara: “Não quero mais ver mulher enquanto eu viver!”, ao mesmo tempo em que começa a ler outro livro: “Como Tornar-se Diretor de Cinema e Ser Popular com as Mulheres”. Ele olha “para baixo” e vemos o finalzinho original de “Mit Eva fing die Sünde an”, com Dinah e Jürgen (opa, “Jerry” agora) se beijando e sendo felizes para sempre.
Embora passe longe de ser original ou mesmo divertido enquanto comédia, THE BELLBOY AND THE PLAYGIRLS é um curioso experimento de montagem, e como tal merece ser conhecido especialmente por estudantes de cinema e entusiastas desse tipo de picaretagem.
A maneira como George, o personagem das cenas de Coppola, interage com os personagens do filme alemão filmado três anos antes, sem que nunca tenham se encontrado no set, é bastante simplória, mas algumas vezes engenhosa. Por exemplo: quando vemos Dinah e Willy tomando café e conversando, nas cenas do filme alemão, Coppola aproveita para introduzir um momento em que George, nas suas novas cenas, não apenas escuta o que os dois estão falando, mas também rouba uma xícara de café por trás da cortina, para parecer que está no mesmo cenário dos alemães!
O próprio “Mit Eva fing die Sünde an” não era a mais divertida das comédias em seu formato original, mas tem um ou dois momentos bastante inspirados. Sempre que o diretor narra à atriz Dinah alguma das histórias da Antiguidade sobre sexo e sedução, a montagem mostra primeiro imagens antigas relativas àquela cultura (desenhos da Grécia Antiga, gravuras da Idade Média, pinturas do século 18), para então “fundir” as cenas em live-action com as imagens históricas, num recurso até bem feito.
E embora o humor seja tão bobo quando o da versão de Coppola, alguns dos segmentos têm lá sua graça, lembrando sátiras históricas posteriores, como “A História do Mundo Parte 1”, de Mel Brooks, ou “Tudo que Você Sempre Quis Saber Sobre Sexo Mas Tinha Medo de Perguntar”, de Woody Allen.
No esquete sobre a Idade Média, por exemplo, acompanhamos a dificuldade de um cavaleiro para se despir de todas as partes da sua armadura na hora de deitar-se com a amada. “Na próxima vida quero ser uma freira, os hábitos delas são mais rápidos para tirar”, protesta o coitado, enrolando-se com a cota-de-malha que veste.
E no episódio que se passa na França Napoleônica, a deliciosa Mady Rahl interpreta uma esposa lasciva levada pelo marido para o ateliê de um pintor, para que seja imortalizada numa tela. Pois a moça começa a sensualizar com roupas cada vez mais reveladoras, para o desespero do artista, que teme tomar umas pancadas do marido ciumento. “Quando ele ver você assim, vai querer...”, alerta o pintor. “Me conquistar?”, interrompe a modelo. “Não, te cobrir!”.
O caso é que embora trate de sexo e sedução, “Mit Eva fing die Sünde an” era praticamente censura livre: aparece um mísero peitinho de uma figurante no segmento da Grécia Antiga, e os seios de Mady ATRAVÉS de uma lingerie transparente, no segmento do artista com a modelo. E só. Por conta disso, a maior parte da safadeza em THE BELLBOY AND THE PLAYGIRLS vem dos trechos coloridos filmados por Coppola com as meninas de Madame Wimpepoole.
Só que o material Coppoliano é prejudicado desde o princípio pela desculpa mambembe do mensageiro que quer ser detetive, que não fecha muito bem com a trama da comédia alemã. Melhor seria, digamos, se o personagem de Don Kenney realmente fosse um contrarregra do teatro que, enquanto assiste os ensaios correspondentes à trama do filme original, também poderia estar espionando algum grupo de vedetes preparando seu número no palco logo ao lado. Menos é mais, diz a sabedoria popular.
Até porque o protagonista destas novas cenas é a pior coisa do filme. Eu pesquisei por todo lado, mas não consegui descobrir nada de muito substancial sobre o tal Don Kenney, cujo nome de batismo seria Donald. Ele provavelmente era colega de Coppola na UCLA, ou quem sabe um amigo de infância, pois seus únicos créditos como ator no IMDB são os dois nudie-cuties do diretor – ele também foi assistente num filme de ficção científica que Coppola “melhorou” para Roger Corman, “Battle Beyond the Sun”, e mais nada. Don Kenney nunca foi citado em entrevistas ou pesquisas posteriores sobre a obra do cineasta, nem participou de qualquer filme de outros realizadores.
E ele está horroroso como o mensageiro/detetive careteiro, visivelmente tentando imitar os trejeitos de Jerry Lewis, mas exagerando nas caras e bocas e nos olhões arregalados. Colocar um filme inteiro nas costas do coitado é suicídio, ainda mais considerando a quantidade de falas que ele tem, muitas vezes conversando direto com o espectador. O original alemão pode não ser um grande filme, e as cenas “safadinhas” de Coppola também passam longe da genialidade, mas é Don Kenney que torna realmente penoso suportar THE BELLBOY AND THE PLAYGIRLS até o final.
Os poucos momentos engraçados nas cenas Coppolianas são aqueles que não dependem diretamente do protagonista. Como quando a câmera passeia pela mesa da recepção onde o mensageiro George trabalha, e vemos que “Como Tornar-se um Detetive e Ser Popular com as Mulheres” não é o primeiro curso por correspondência que o abobado faz: também vemos volumes de “Como Tornar-se um Engenheiro e Ser Popular com as Mulheres”, “Como Tornar-se um Psiquiatra e Ser Popular com as Mulheres” e “Como Tornar-se um Dançarino de Ballet e Ser Popular com OS HOMENS”. Pelo jeito nenhum deles funcionou...
Por isso, “Madame Wimpepoole” é a grande razão para suportar THE BELLBOY AND THE PLAYGIRLS até o final: ela é interpretada pela inglesa June Wilkinson, considerada uma das modelos mais fotografadas do mundo entre os anos 1950-60, com roupas ou sem. Um mulherão no sentido literal da palavra, para cima (1,68m) e para a frente (suas medidas à época eram 40-22-35), June é um colírio para os olhos e ilumina cada frame que aparece, num momento em que loiras peitudonas estavam na moda – ela é contemporânea de Mamie Van Doren e Jayne Mansfield, que alcançaram relativa fama pelos mesmos atributos.
O legal é que, além de uma sex symbol (e o filme obviamente explora a sua comissão de frente em detalhes), June também demonstra ter senso de humor: suas cenas revelam certo timing para a comédia, e ela parece estar se divertindo horrores. A má notícia é que a moça aparece completamente vestida – algo decepcionante quando lembramos que ela era uma das queridinhas da revista Playboy, tendo nada menos de SETE ensaios publicados pela revista entre 1958 e 1962!
Sobra para as “playgirls” de Madame Wimpepoole a missão de tirar a roupa na frente da câmera. Elas são vividas por belas moçoilas que não alçaram maiores voos a partir daqui: Louise Lawson (que depois fez uma pontinha em “O Bebê de Rosemary”), Laura Cummings (único filme), Gigi Martine (único filme), Ann Perry (que depois migrou para filmes sexploitation e finalmente para o pornô hardcore), Jan Davidson (único filme) e Lori Shea (único filme).
Todas aparecem em maior ou menor grau de peladice, mas em cenas que são mais desinibidas do que particularmente eróticas ou excitantes. Não há qualquer insinuação de sexo nas cenas dirigidas por Coppola, apenas vemos as garotas trocando de roupa e mostrando os peitos de vez em quando. Ao contrário de “Tonight for Sure!”, desta vez o diretor não mostrou nenhuma bunda, e pêlos púbicos ainda eram tabu nos Estados Unidos do período (revistas masculinas, como a Playboy, só começaram a mostrá-los a partir dos anos 1970).
Em geral, tirando a maravilhosa June Wilkinson e a curiosidade histórica de ver moças com penteados, lingeries e corpos dos anos 1960 se despindo, o material filmado por Coppola para THE BELLBOY AND THE PLAYGIRLS transparece improviso e pobreza. Os cenários são bem simples, e não há grande criatividade no uso da câmera. Às vezes passa até a impressão de que falta algo: no clímax, cercado por Madame Wimpepoole e suas garotas ao ser desmascarado pela última vez, George agarra uma mangueira de incêndio para expulsar as oponentes do quarto. Vemos o plano do protagonista com a mangueira (que deve ter ficado legal em 3-D), mas nunca o contraplano das garotas sendo molhadas. Hoje não tem como saber se estes trechos foram filmados e ficaram ruins demais para utilizar, ou nunca chegaram a ser gravados por algum motivo.
A grande cena de THE BELLBOY AND THE PLAYGIRLS (menos pela qualidade e mais pelo gimmick mesmo) está reservada para o final. Consultando seu livro do curso de detetive por correspondência, George encontra a instrução “Coloque seus óculos especiais”. Era a deixa para a plateia nos cinemas também colocar seus óculos com lentes azul e vermelha, pois começaria a grande cena em três dimensões prometida pelo pôster do filme.
Infelizmente, para a frustração geral de todos os espectadores que esperavam algo próximo da genial chamada do cartaz (“Efeitos em 3-D que colocam a garota no seu colo!”), a cena em questão é longa e arrastada (12 minutos no total, cinco deles num plano fixo e sem cortes), com seis moças de topless sentadas e se maquiando. Volta-e-meia alguma delas se levanta e caminha mais para perto da lente da câmera (o que deve ter dado alguma impressão de profundidade de campo com os efeitos em 3-D), e há um único plano de detalhe mostrando um par de peitolas que talvez tenham saído um tantinho da tela quando você usava os óculos. Mas não passa disso.
No livro “Francis Ford Coppola: A Filmmaker's Life”, o diretor relata ao autor Michael Schumacher uma história divertida sobre os bastidores desta cena. “As garotas tinham sido contratadas e pagas para fazer apenas isso nesta cena [tirar a roupa], mas uma delas veio até mim e disse: ‘Eu tenho 17 anos e meu pai vai me matar quando ver o filme’. Então eu disse que ela podia ficar de sutiã, e na cena ela é a única que não está de topless. Quando o produtor viu a cena pronta, ele me despediu porque tinha pagado 500 dólares para as garotas aparecerem nuas!”.
Embora seja uma bela anedota, a história de Coppola não corresponde à realidade: as seis garotas na cena em três dimensões aparecem de topless em algum momento, nenhuma é poupada de colocar os peitinhos para jogo. A não ser que o produtor tenha refilmado a coisa toda após “despedir” o jovem Francis (algo que eu também duvido que tenha acontecido), é muito possível que o futuro diretor de “O Poderoso Chefão” estivesse apenas enfeitando as próprias memórias.
Até porque, na época em que o livro de Schumacher foi publicado (1999), THE BELLBOY AND THE PLAYGIRLS era um filme considerado perdido. Depois do seu lançamento nos cinemas, em 12 de fevereiro de 1962, ele praticamente desapareceu – ao contrário de “Tonight for Sure!”, que sobreviveu em cópias ruins lançadas em VHS ou DVD.
Somente nos anos 2000 uma cópia do filme voltou a circular graças a um colecionador particular obcecado pela filmografia de Coppola. A partir desta cópia, primeiramente disponibilizada apenas a pesquisadores, foi divulgada a famosa cena em 3-D com peladância. Finalmente, em 2019, a distribuidora Kino Lorber restaurou e remasterizou os negativos para lançar THE BELLBOY AND THE PLAYGIRLS em blu-ray com qualidade decente, tornando acessível a todos o segundo longa dirigido (parcialmente) por Francis Ford Coppola.
A ressurreição do filme permitiu corrigir as memórias do próprio diretor. Até então, ele sempre disse, em entrevistas para autores de livros sobre sua carreira, que a intervenção que fez em THE BELLBOY AND THE PLAYGIRLS se resumiu à filmagem de cinco cenas coloridas de três minutos (totalizando 15 minutos, para quem é fraco de matemática), adicionadas à montagem original da comédia alemã.
Hoje, com o filme finalmente disponível para ser reavaliado, percebe-se que ou a memória de Coppola estava ruim, ou ele tentou dar um migué e minimizar sua participação na coisa para passar menos vergonha: a verdade é que o material extra filmado por ele representa cerca de 50 minutos de um longa de 93 minutos – três vezes mais material do que o diretor convenientemente lembrava.
Para acomodar tantas cenas novas, foi preciso tirar trechos inteiras do original alemão, às vezes até trocar a ordem de alguns. Todo um segmento que se passava na França do século 19 foi cortado; as cenas mostravam um espetáculo no famoso Moulin Rouge, com direito a número musical da atriz e cantora belga Angèle Durand (que foi muito popular na Alemanha da década de 1950, mas era completamente desconhecida nos Estados Unidos dos anos 1960).
Até o momento em que escrevo essas linhas (maio/2020), a versão original alemã de “Mit Eva fing die Sünde” segue inédita fora da Alemanha. Tampouco existem cópias em VHS ou mídia digital, para quem quiser conferir como era o filme antes da intervenção de Coppola.
Assim que se espalhou pelo Mestrado em Cinema da UCLA a informação de que Francis e Jack Hill tinham empenhado seu potencial criativo dirigindo e filmando nudie-cuties, ambos foram bastante criticados pelos colegas. Mais afeitos a produções autorais e “cinema de arte”, chamaram Coppola de vendido. Nem ele, nem Hill usaram pseudônimos para esconder a verdadeira identidade nos créditos dos filmes, porque não tinham vergonha do que estavam fazendo. “Não tenho vergonha desses trabalhos porque era a única maneira de eu conseguir trabalhar com uma câmera e fazer um filme”, afirmou o cineasta, em depoimento ao livro “Francis Ford Coppola”, de Jean-Paul Chaillet.
Pela mesma época, o rei dos filmes B de Hollywood, Roger Corman, esteve na faculdade em busca de novos talentos. Falou com a velha amiga diretora Dorothy Arzner, que estava trabalhando na UCLA. Ela era mentora do jovem Coppola, e o apresentou a Corman como seu aluno mais promissor. O resto é história: logo o rapaz estaria dirigindo o seu primeiro longa-metragem do início ao fim, “Dementia 13” (1963). Vá lá que na verdade o amigão Jack Hill dirigiu uma das cenas, mas pelo menos Coppola não estava reeditando material alheio novamente.
Hoje, ao analisarmos os dois nudie-cuties do início da carreira de Francis Ford Coppola, podemos perceber que se trata basicamente da mesma história: um depravado usando subterfúgios diversos para espiar mulheres nuas sem o consentimento delas. Este tema aparece desde o curta “The Peeper”, perpassa “Tonight for Sure!” e também está em THE BELLBOY AND THE PLAYGIRLS, onde o protagonista usa a desculpa da “investigação” para espionar as playgirls trocando de roupa.
Então o erotismo destes primeiros filmes de Coppola não vêm exatamente de hábitos sexuais saudáveis ou consentidos, estando ancorado na figura do “peeping tom” – o termo em inglês para os tarados cuja obsessão é espionar mulheres peladas, às vezes sem nenhuma motivação sexual (VER os corpos nus já basta). Guardadas as devidas proporções, o diretor retomou o tema em seu thriller de 1974 “A Conversação”, quando já era um cineasta consagrado pós-“O Poderoso Chefão”. O personagem de Gene Hackman neste filme é um especialista em vigilância contratado para seguir um casal de amantes. Ao contrário dos tarados de “Tonight for Sure!” e THE BELLBOY AND THE PLAYGIRLS, entretanto, o voyeurismo do protagonista em “A Conversação” é auditivo, e não visual, já que sua obsessão é OUVIR a intimidade alheia.
Com alguma boa vontade, também podem os enxergar ecos desses primeiros trabalhos em “Apocalypse Now”: Martin Sheen narra o épico sobre a Guerra do Vietnã em off, assim como os “flashbacks” de “Tonight for Sure!”eram narrados em off pelos personagens, assim como Don Kenney narra em off todo este THE BELLBOY AND THE PLAYGIRLS.
Uma certeza quando analisamos a filmografia do diretor hoje é que Coppola não aprendeu absolutamente nada sobre humor, nem sobre como fazer comédia, desde os tempos dos seus nudie-cuties: basta ver o lazarento “Jack” (1994), com Robin Williams, para comprovar – e este sequer tem a escultural June Wilkinson para compensar o tempo perdido!
3 comentários:
Parabéns pelos textos! Acompanho seu trabalho há anos e sempre me surpreende a sua capacidade de fazer as ligações com as mais diversas referências! São verdadeiras aulas!
E ele volta a usar coelhinhas na famigerada sequência do helicóptero da Playboy de Apocalipse Now.
Eu adoro as playmates do passado, mas pelo visto eu não fiz bem o meu dever de casa,pois não conseguia essa beldade chamada June Wilkinson, mas graças á esse texto sensacional posso me redimir.
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