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sexta-feira, 5 de junho de 2020

ASSASSINATO NOS ESTADOS UNIDOS (1987)


Existem tantos filmes de ação sobre o trabalho de guarda-costas que já deveríamos até ter criado um rótulo para classificá-los (bodyguardsploitation?). Dentro deste rótulo, também poderia haver uma subclassificação apenas para aventuras protagonizadas pelo guarda-costas do presidente dos Estados Unidos, aquele sujeito corajoso e abnegado que aparece sangrando e suando para salvar a vida do líder máximo da nação e (por que não?) do próprio american way of life. Um trabalho ingrato, sem nenhuma dúvida – imagina você ter que defender a vida de um boçal tipo o Trump?

Recentemente, só em 2013, tivemos duas obras bem parecidas com este argumento: “O Ataque / White House Down”, em que o personagem de Channing Tatum é recusado como guarda-costas, mas acaba salvando o presidente de terroristas mesmo assim; e “Invasão à Casa Branca / Olympus Has Fallen”, com Gerard Butler como o guarda-costas brucutu que não poupa tiros e nem facadas na cabeça para salvar o chefe de estado (o filme fez sucesso e gerou duas sequências igualmente divertidas). E quem voltar um pouco no tempo vai encontrar outras produções bem decentes, como “Sentinela” (2006), com Michael Douglas, e “Na Linha de Fogo / In the Line of Fire” (1993), onde Clint Eastwood é o guarda-costas veterano que falhou em salvar a vida do presidente Kennedy, mas ganha uma oportunidade contemporânea para se redimir.


Claro que estamos falando de produções de alto nível, com orçamentos polpudos. Já a aventura que muito possivelmente começou essa onda de guarda-costas intrépidos saiu do lugar mais improvável: uma Cannon Films à beira da falência. Nos anos 1980 – e se você é leitor contumaz do Filmes para Doidos já sabe disso –, a pequena produtora dos primos israelenses Menahem Golan e Yoram Globus havia se especializado em produzir aventuras baratas, que davam ótimo retorno nos cinemas e nas videolocadoras. Mas na metade daquela década, quando eles tentaram subir de divisão e investir pesado em produções maiores e mais caprichadas, que não tiveram o retorno esperado nas bilheterias, a situação financeira da empresa ficou bem complicada.

Numa tentativa de quitar as dívidas crescentes, Golan & Globus resolveram voltar aos filmes baratos de ação, e fazê-los por ainda menos dinheiro. Pegaram o que era lucro garantido e exploraram até o bagaço. E um desses investimentos com retorno assegurado era o veterano ator Charles Bronson, que desde o começo dos anos 1980 já fazia parte do elenco regular da Cannon, liderando aventuras violentas que não custavam tanto e sempre se pagavam.


Lançada em 1987, ASSASSINATO NOS ESTADOS UNIDOS (“Assassination”, no original) foi uma dessas produções baratas e tapa-buraco financiadas a toque de caixa pela Cannon para ver se recuperava alguns dos milhões torrados em filmes como “Mestres do Universo” e “Superman IV – Em Busca da Paz”. Traz Bronson como Jay Killian, um veterano do Serviço Secreto que atuou durante décadas na segurança particular do presidente dos Estados Unidos.

Depois de encarar um afastamento nunca explicado (sabemos apenas que ele está voltando ao trabalho depois de “descansar” por seis semanas, sem maiores justificativas), seu superior Fitzroy (Stephen Elliott) acredita que ele continua “abalado” e resolve lhe passar uma missão relativamente mais simples: ao invés de zelar pela segurança do novo presidente Calvin Craig, que assume o cargo em alguns dias, ele ficará responsável pela One Momma – o apelido carinhoso do Serviço Secreto para a primeira-dama dos Estados Unidos.


Obviamente, Killian é um sujeito meio bronco, das antigas, que não suporta receber ordens de mulheres empoderadas. Ele acabou de se divorciar de uma esposa autoritária que, segundo informações que pescamos nos diálogos, colocou-lhe inúmeros pares de chifre atendendo a representantes do Senado. Isso deixou o velho guarda-costas bastante amargo, desconfiado não apenas de políticos em geral, mas especialmente do sexo oposto.

O fato de a primeira-dama Lara Royce Craig (interpretada por Jill Ireland, esposa de Bronson na vida real) ser uma daqueles mulheres independentes e ingovernáveis tampouco facilita a convivência. “Você vai sentir falta de Nancy Reagan”, sugere o chefe Fitzroy, referindo-se à hiperativa esposa do presidente norte-americano Ronald Reagan. Como curiosidade, o mandato de Reagan encerrou em 1989 e ASSASSINATO NOS ESTADOS UNIDOS, que apresenta seu fictício sucessor, foi lançado em 1987, sugerindo que sua trama se passa “no futuro”!


O primeiro contato de Killian com sua nova protegida não é dos mais amistosos. Ele precisa escoltá-la até a cerimônia de posse do novo presidente. “É importante que você faça o que eu disser”, ordena o autoritário guarda-costas, mas a primeira-dama responde ríspida: “Não, é importante que VOCÊ faça o que eu disser! Hoje é o primeiro dia de uma nova administração e eu não serei coagida por suas regras chauvinistas!”. Ufa...

O clima azeda quando Lara resolve utilizar um conversível para desfilar pelas ruas até o local da cerimônia de posse. Killian protesta imediatamente: “Não usamos um carro aberto desde 1963!”, diz, referindo-se ao assassinato do presidente John F. Kennedy durante desfile num Cadillac conversível em Dallas, em 22 de novembro de 1963. Mas a “patroa” novamente retruca: “Em toda a história do nosso país, nunca houve um atentado à primeira-dama”.


Durante o desfile, Killian observa a multidão com olhos de águia enquanto Lara, contrariando as regras de segurança, insiste em levantar-se cada vez mais no banco do carro para acenar para o povo. Subitamente, uma moto de polícia se aproxima de forma não planejada do veículo e, no que parece um acidente banal, tomba. Mas o veículo explode quase que imediatamente.

O guarda-costas reage rápido, puxando a primeira-dama para perto de si e golpeando o olho da moça com o joelho por acidente. O policial que dirigia a motocicleta some na multidão, confirmando a suspeita de que se tratava de um atentado à vida da esposa do presidente.


E se a primeira-dama já não gostava dos mandos e desmandos de Killian até aqui, o fato de o segurança ter lhe dado um olho roxo em plena cerimônia de posse do marido, com fotógrafos do mundo inteiro registrando imagens, só piora a relação entre ambos. Numa entrevista coletiva, quando um jornalista insinua que ela foi agredida pelo próprio presidente, Lara responde: “Isso foi o trabalho de um guarda-costas desajeitado. Acho que eu estaria mais segura em Cuba”. Ah, as indiretinhas nada sutis dos tempos da Guerra Fria...


Alheio às ofensas da chefa, Killian e o Serviço Secreto fazem suas próprias investigações e conseguem identificar o misterioso policial da moto explosiva: era ninguém menos que Eddie “Reno” Bracken, um dos terroristas mais procurados no mundo inteiro (“Ele foi treinado na Líbia”, justifica alguém, numa referência que hoje nem faz mais sentido). Sua participação no episódio confirma que pode haver algum plano sórdido para eliminar não o presidente, como era de se esperar, mas a primeira-dama.

O veterano guarda-costas tenta redobrar os cuidados com a vida da moça, apesar de ela confessadamente odiá-lo. E Lara não pretende tornar a tarefa de Killian mais simples, insistindo em participar de eventos em lugares públicos e até dando umas escapadinhas para fora da Casa Branca sozinha, sem avisar ninguém.


Depois de salvar a primeira-dama de mais alguns atentados fracassados, envolvendo iates que explodem e tiros de bazuca contra helicópteros, Killian percebe que a atmosfera está muito carregada em Washington. Ele resolve levar sua protegida para uma road trip secreta até Lake Tahoe, em Nevada, onde o pai da primeira-dama vive numa pequena fortaleza e eles podem ficar sossegados até o Serviço Secreto localizar Bracken. Para quem não conhece a geografia dos Estados Unidos, estamos falando de uma viagem de 1.300 quilômetro de carro, que a dupla é forçada a fazer das maneiras mais diversas porque continuam sendo perseguidos pelo incansável terrorista – Bracken descobre o itinerário da dupla graças à ingenuidade da própria Lara, que fica telefonando para o maridão o tempo inteiro e dizendo onde está e para onde vai.


ASSASSINATO NOS ESTADOS UNIDOS passa longe de ser um dos melhores trabalhos desta fase final da carreira de Charles Bronson, e é fraquinho mesmo se comparado às bagaceiras que ele fez com a Cannon. Mas como quase tudo associado à mítica produtora, e ao seu jeitinho peculiar de fazer cinema, hoje o filme alcançou certo status cult, e certamente vale uma conferida – ainda que a soma de talentos envolvidos certamente pudesse ter gerado algo muito melhor.

O filme surgiu de uma jogada esperta que Bronson aplicou em Golan & Globus logo depois do sucesso inesperado de “Murphy’s Law – O Vingador” (1986), um policial de rotina que fez dinheiro graças ao nome do astro no cartaz. Os produtores israelenses começaram a pressionar Bronson para que ele estrelasse “Desejo de Matar 4”, sabendo que era certeza de sucesso de bilheteria, embora o ator já estivesse cansado de interpretar o justiceiro Paul Kersey – especialmente depois de ter detestado a Parte 3, que resultou na briga do astro com o diretor e parceiro de longa data Michael Winner.


Percebendo que já estava longe dos seus melhores dias, e que logo poderia acabar na fila do seguro-desemprego, o envelhecido galã negociou uma espécie de “contrato-pacotão”: faria “Desejo de Matar 4”, como a dupla queria, e até uma Parte 5, mas apenas se a Cannon produzisse outros quatro filmes policiais independentes estrelados por ele, recebendo cachê fechado de um milhão de dólares por título! Dessa maneira, ele assegurava não apenas trabalho sem parar numa fase já complicada da vida de qualquer ator, mas especialmente o dinheirinho para a futura aposentadoria!

ASSASSINATO NOS ESTADOS UNIDOS acabou sendo o primeiro do pacote, seguido por “Desejo de Matar 4 – Operação Crackdown” e, na teoria, por três outros policiais quaisquer; o último do pacote seria “Desejo de Matar 5”, que marcaria o fim do seu contrato com a Cannon. Claro que a produtora não durou tanto, e somente quatro dos projetos negociados seriam realmente filmados (a lamentável Parte 5 de “Desejo de Matar” foi produzida por outra companhia após a falência da Cannon).


Buscando o próximo veículo para o astro, seu agente Paul Kohner conversou com o hiperativo escritor e roteirista Richard Sale, que já tinha escrito o roteiro (baseado no próprio livro) de “O Grande Búfalo Branco”, um dos sucessos que o ator estrelou nos anos 1970.

Sale estava com um novo livro ainda não-publicado chamado “My Affair With the President’s Wife” (Meu Caso com a Esposa do Presidente, em tradução literal), e achou que a obra seria um sucesso ainda maior caso associada com uma aventura estrelada por Bronson. O plano é que ele escreveria um roteiro baseado no livro ainda inédito, e depois do lançamento do filme publicaria o livro para aproveitar a mídia gratuita. Kohner gostou da ideia e a Cannon resolveu pagar para ver; Pancho Kohner, filho de Paul, assumiu a produção.


Os Kohner convidaram a atriz e esposa de Bronson, Jill Ireland, para coproduzir o projeto, que ainda se chamava “My Affair With the President’s Wife”. Ela já havia trabalhado na função em outros filmes do marido, como “Justiça Selvagem” e “Murphy’s Law”, e ajudava a pacificar o set. Àquela altura, Jill estava debilitada pelo tratamento de um câncer de mama bastante grave, e empenhada em concluir sua autobiografia, “Life Wish”.

A ex-Pantera Jaclyn Smith era a mais cotada para o papel de primeira-dama no filme, mas Jill gostou tanto do roteiro que considerou trocar o papel de coprodutora pelo de estrela ao lado do maridão. Em abril de 1986, na festa de aniversário da 50 anos da atriz, os próprios produtores Golan & Globus a convidaram para interpretar a primeira-dama, proposta que ela aceitou com prazer.


Numa entrevista da época para um jornal canadense, a atriz comentou: “Achei que o câncer iria acabar com a minha carreira, mas eles [Golan & Globus] me convidaram para estrelar o filme na minha festa de aniversário e foi o melhor presente que eu podia ter recebido. Isso mostra que estou trabalhando, me sentindo bem, parecendo bem para ficar longas horas no set. Acho que este meu retorno ao trabalho prova, pelo menos para mim, que existe vida após o câncer”. Além disso, Jill estava para lançar seu livro, onde falava exatamente sobre superação pós-câncer, e achava que era uma boa estar em evidência, estrelando filmes, para divulgar a obra e a mensagem.


Pelos próximos meses, Sale revisou seu roteiro para acomodar o Casal Bronson nos papéis principais, enquanto a Cannon procurava por um diretor. O astro queria J. Lee Thompson, o cineasta com quem ele mais gostava de trabalhar na época (porque filmava rápido e não tinha frescura). Eles fizeram nove filmes juntos, mas ASSASSINATO NOS ESTADOS UNIDOS não foi um deles: no mesmo período, Thompson estava ocupado filmando as palhaçadas de Chuck Norris em “Os Aventureiros do Fogo”.

O trabalho acabou com outro diretor inglês, Peter Hunt, lembrado até hoje pela sua relação com a série 007. Ele foi o editor das cinco primeiras aventuras do agente, da fase Sean Connery (de “O Satânico Dr. No” até “Com 007 Só Se Vive Duas Vezes”), foi diretor de segunda unidade, diretamente responsável pelas cenas de ação, em três delas (“007 Contra Goldfinger”, “007 Contra a Chantagem Atômica” e “Com 007 Só Se Vive Duas Vezes”), e ainda teve a distinção de dirigir uma das melhores aventuras da série, “007 – A Serviço Secreto de Sua Majestade” (1969), a única estrelada pelo australiano George Lazenby. Acabou com a fama de ser um grande diretor de cenas de ação, embora não tenha dirigido tantos filmes depois. Hunt e Bronson já tinham trabalhado juntos em “Perseguição Mortal / Dead Hunt” (1981), um dos grandes trabalhos do astro na década.


Parecia que as peças estavam todas no lugar, e as filmagens começaram em 20 de maio de 1986, já com o título abreviado para “The President’s Wife” (A Mulher do Presidente). O problema é que o orçamento anunciado era algo em torno de 5 milhões de dólares, sem contar o milhãozinho do cachê de Bronson. Para comparação, o filme anterior do astro pela Cannon, “Murphy’s Law”, que já era uma produção meia-boca, tinha custado 8 milhões.

Algumas fontes sugerem que Golan & Globus começaram a cortar esse orçamento em meio às filmagens, reduzindo o valor total investido para algo em torno de 2,5 milhões, forçando Hunt a arrancar páginas inteiras do roteiro simplesmente porque seria impossível filmá-las. O resultado é o que se vê na tela: um filme tosco e pobretão, sem grandes cenas de ação e com um clímax chucro e apressado, que parece ter sido filmado de qualquer jeito.


E foi! No roteiro original de Richard Sale, o terceiro ato era simplesmente apocalíptico: Killian e a primeira-dama sobreviviam à queda de um avião nas Montanhas Rochosas, eram perseguidos pelo vilão Bracken em meio à neve, atacados por um leão-das-montanhas (!!!), e finalmente se livravam do antagonista graças a uma devastadora avalanche (Hunt adorava filmar cenas de ação na neve, vide “007 – A Serviço Secreto de Sua Majestade” e “Perseguição Mortal”)! Quando a Cannon anunciou que o dinheiro tinha acabado, o diretor foi forçado a terminar o filme em duas semanas e improvisar uma conclusão vagabunda em que Killian usa uma lancha para perseguir Bracken de jet-ski por uma lagoa qualquer. Nada de avalanches nem de leões-da-montanha, o que obviamente não tem a mesma graça.

Isso é o mais frustrante no fim: constatar que um cineasta com o potencial de Peter Hunt foi desperdiçado em cenas barateiras que qualquer estagiário de produção da Cannon poderia ter filmado. Não há um único momento digno do sujeito que dirigiu uma das melhores aventuras de James Bond, e isso quase 20 anos antes!


Uma das cenas mais constrangedoras, e que revela a completa pobreza da coisa toda, é aquela em que um dos vilões tenta derrubar o helicóptero onde a primeira-dama deveria estar usando um míssil teleguiado (acompanhe a sequência de imagens abaixo para se divertir). Primeiro, a explosão é “aplicada” ao lado da cena com o helicóptero através do efeito óptico mais tosco possível. Em represália, Killian sobe numa moto tirada sabe-se lá de onde e vai enfrentar o terrorista no mano a mano. Até um coitado com grau máximo de astigmatismo vai perceber o dublê de Bronson sobre a moto (o cara nem se preocupou em usar uma peruca grisalha!), mas o editor resolveu deixar assim mesmo. O herói então revida disparando um TIRO DE BAZUCA contra o celeiro onde o rival se escondeu, sem temer que alguma pessoa inocente possa estar trancada ali dentro, ou que está destruindo a propriedade privada e provavelmente arruinando as finanças de alguém. Pior: o terrorista SOBREVIVE ao bombardeio e foge do prédio incendiado em outra moto! Era para tudo isso parecer emocionante, mas é mais fácil pegar-se rolando de rir com a sequência de tosquices e absurdos.


Hunt até tenta enganar o espectador criando uma sensação de que as coisas estão sempre em movimento: na segunda metade, vemos Bronson e Jill Ireland se deslocando de ônibus, de carona, em motocicletas, de trem e até num buggy; o astro (ou melhor, seu dublê) ainda pilota motos e lanchas em alta velocidade. Mas nada de emocionante acontece em meio a todos estes deslocamentos.

Também há uma economia gritante de vilões para o herói enfrentar. O terrorista Bracken (interpretado por um apagado James Lemp) é o grande antagonista e passa a maior parte do filme perseguindo o casal, sem que o jogo de gato-e-rato entre eles seja particularmente interessante ou tenso. Bracken tem um único comparsa que aparece de vez em quando, um aprendiz de terrorista chamado Pritchard Young, que se dá mal e acaba metralhado por Killian.


A produção toda é tão chulé que aparentemente não havia dinheiro nem mesmo para pagar por figurantes. No desfile da posse presidencial, por exemplo, uns poucos gatos-pingados acenando no meio-fio tentam convencer o espectador de que aquela é a multidão que se espera de um evento deste porte. E quando policiais tentam controlar uma cena de crime afastando curiosos com o tradicional “Circulando, circulando, não há nada para ver aqui”, a câmera sobe e percebemos que os tais curiosos são meia-dúzia de pobres-coitados que dispensariam a ação de DOIS policiais para “controlar a multidão”. Já para a cena da posse do novo presidente, na ausência da multidão exigida, a saída foi utilizar imagens de arquivo beeeem granuladas da posse REAL do presidente Jimmy Carter em 1977 (tudo isso pode ser visto nas imagens abaixo).


Destaque-se que Young, o capanga solitário de Bracken, é interpretado por ninguém menos que Billy Hayes (abaixo), aquele jovem norte-iorquino que, na vida real, foi preso com drogas na Turquia nos anos 1970 e comeu o pão que o diabo amassou até conseguir fugir. Seu dramático relato virou o premiado filme “O Expresso da Meia-Noite” (1978), de Alan Parker! À época de ASSASSINATO NOS ESTADOS UNIDOS, Billy estava apostando na carreira de ator, que não foi muito longe.

O lendário ex-presidiário só terminou num filme B estrelado por Charles Bronson e produzido pela Cannon Films porque Jill Ireland era uma grande fã do livro de memórias que inspirou “O Expresso da Meia-Noite”, e convenceu os produtores a lhe darem o pequeno papel em que entra mudo e sai calado (e metralhado). Pena que Billy não tinha um lançador de mísseis como esse da imagem enquanto estava na famigerada prisão turca...


Em maio de 1986, enquanto as filmagens estavam rolando, a Cannon comprou anúncios na revista Variety para anunciar a aventura já com um novo título: ao invés de “The President’s Wife”, virou apenas “Assassin” (Assassino). Já em outubro daquele ano, enquanto o filme estava em pós-produção, resolveram trocar o nome mais uma vez para a versão definitiva, “Assassination” (Assassinato)

Embora Bronson dê conta do recado como o fiel e incansável guarda-costas, compondo um personagem mais leve, simpático e falante que os justiceiros ou policiais amargurados que interpretou às dúzias na década de 1980, fica bem evidente que o protagonista não foi escrito para Charles Bronson, e sim adaptado a ele. Especialmente porque o roteiro força uma relação amorosa entre Killian e uma colega de trabalho bem mais jovem, Charlotte (ou “Charlie”), que visivelmente tem metade da sua idade (interpretada pela gracinha Jan Gan Boyd, atriz sino-americana que mais tarde naquele ano também apareceu em “Olho por Olho”).


Para tornar a coisa ainda mais absurda, é a jovem quem fica dando em cima do parceiro geriátrico (Bronson tinha 65 anos na época), num curioso caso de assédio sexual feminino. Quando Killian resolve ceder aos apelos da moçoila, somos felizmente poupados de uma cena de sexo entre o improvável casal, mas não de uma vergonhosa conversa “pós-coito” entre eles, quando o astro declara, visivelmente sem jeito, que não pretende mudar-se para o apartamento da parceira, como ela sugere, porque tem morrer de “orgasmo terminal”! Pobre Bronson...

Pelo menos o astro e o diretor Hunt tiveram o bom senso de eliminar as cenas de nudez previstas para este momento cândido, já que o roteiro sugeria que Jan estivesse conversando PELADA com Bronson. Na hora de filmar a cena, a atriz comentou com ambos que estava desconfortável, e a peladice foi descartada. Ainda bem: já pensou se o astro se empolga e resolve mostrar a bunda enrugada também? Para “compensar”, Jan aparece mais tarde deitada na cama com lingerie sexy e comendo morangos com chantilly (???), numa cena que alguém imaginou que poderia soar erótica ou sensual. A atriz ficou muito amiga do casal Bronson-Ireland, a ponto de frequentar festas de Natal na casa deles logo depois do lançamento do filme.


Em depoimento recente ao livro “Bronson’s Loose Again! On the Set with Charles Bronson”, de Paul Talbot, Jan narra a decepção que a maioria dos envolvidos teve com o que ASSASSINATO NOS ESTADOS UNIDOS acabou virando: “Nunca houve uma premiére, mas a Cannon realizou uma exibição privativa num cinema em Hollywood. Eu estava lá com Charles e Jill, os produtores, alguns atores e alguns integrantes da equipe que eram mais próximos de Jill, como o maquiador e o figurinista. Dava para perceber quando o dinheiro começou a terminar. Era um filme bem bom até perto do final. Estava interessante e bem feito, mas então ele simplesmente termina”. Para economizar, a Cannon chegou a reutilizar a trilha que Jay Chattaway compôs para “Invasão USA”, de Chuck Norris, nos créditos iniciais!

Já o diretor foi um autêntico gentleman. Mesmo tendo ficado furioso com a drástica redução do orçamento em meio às filmagens, Hunt tentou amenizar a situação em entrevistas na época do lançamento: “Fiquei bastante satisfeito com o resultado. É o tipo de filme que eu gosto, um thriller romântico com doses de paranóia e suspense, e magníficas paisagens dos Estados Unidos. Não consigo imaginar maneira melhor de passar duas horas numa sala de cinema”. Curiosamente, o corte final não tem duas horas e mal chega aos 90 minutos. Terá sido encurtado? E será que importa?


ASSASSINATO NOS ESTADOS UNIDOS estreou em mil salas de cinema dos Estados Unidos em janeiro de 1987. Não provocou grande comoção, e até hoje é considerado um dos trabalhos mais fracos da “fase Cannon” de Charles Bronson (particularmente, ainda acho melhor do que o posterior “Mensageiro da Morte”, esse sim ruim de lascar).

Os tempos estavam mudando e os fãs do ator já não iam mais ao cinema para ver seus filmes, preferindo esperar que saíssem em VHS. Nos primeiros dez dias em cartaz, a aventura arrecadou quase 5 milhões de dólares, garantindo que a produtora pelo menos recuperasse o investimento – ainda que sem ter o grande lucro que esperava de um filme com o nome de Bronson no pôster.


Claro que não ajuda o fato de o roteiro de Richard Sale ser bem chinfrim e movido a absurdos, como se tivesse sido escrito por uma criança de 6 anos. Nem com muita boa vontade dá para engolir que seja mais seguro um guarda-costas ficar zanzando com a primeira-dama pelo interior dos Estados Unidos, inclusive pegando carona com um completo desconhecido (!!!), para escapar de uma ameaça terrorista. Não seria melhor, sei lá, cercá-la de um pelotão do exército, ou mantê-la isolada num local seguro até a poeira baixar? Sem contar o fato de que Killian e Lara interagem com pessoas, dormem em motéis, pegam trens e até ônibus sempre incógnitos, apesar de não usarem qualquer disfarce, e de a primeira-dama ser uma figura facilmente identificável pela exposição na mídia.


Finalmente, a explicação por trás dos atentados é de uma estupidez espantosa, mas mesmo assim levada totalmente a sério: Lara casou-se com o presidente, que conhecia desde os tempos do colégio, apenas por “interésses”, para ajudá-lo na época das eleições, porque supostamente não pega bem eleger um solteirão para o cargo máximo do governo dos Estados Unidos (!!!). Como a moçoila é apenas uma esposa por encomenda – e, para piorar, o chefe de Estado com quem ela juntou os trapos ficou impotente ainda jovem devido a um acidente grave (!!!) –, um senador que é assessor direto do homem teme que Lara possa ficar de saco cheio e pedir o divórcio em breve. O escândalo iria arruinar as chances de reeleição do presidente (!!!). E, conforme alguém comenta com a maior seriedade, é mais fácil reeleger um viúvo do que um desquitado. Argh!!!

(E isso que o mesmo Sale havia escrito, mais de 30 anos antes, o roteiro de um thriller sobre atentado político muito mais interessante e realista: “Suddenly – Meu Ofício é Matar”, de 1954, dirigido por Lews Allen e estrelado por Frank Sinatra.)


Então é óbvio que motivos para o fracasso comercial do filme não faltam, da economia mais que evidente nas cenas de ação (a primeira só acontece aos 41 minutos de filme!) aos pouquíssimos inimigos para o herói enfrentar, passando pelo roteiro impossível de levar a sério.

Tudo considerado, ASSASSINATO NOS ESTADOS UNIDOS também é menos um policial violento, na linha do que Bronson estava fazendo naqueles tempos, e mais uma comédia disfarçada, que se concentra na relação de amor e ódio entre Killian e a primeira-dama – um argumento que seria reaproveitado anos depois numa comédia assumida, “O Guarda-Costas e a Primeira-Dama” (1994), com Nicolas Cage e Shirley MacLaine nos papéis que foram de Bronson e Jill Ireland.


Não por acaso, ASSASSINATO NOS ESTADOS UNIDOS é um dos raros filmes que o ator fez na década de 1980 a receber classificação PG-13 (equivalente ao nosso “14 anos”), e não R, que é o nosso “Recomendado para maiores de 18 anos”. Isso deve ter ajudado a sacramentar a morte comercial da obra. Basta lembrar que quando as terceiras sequências de “Os Mercenários”, “Robocop” e “Mad Max” viraram PG-13, a mudança decretou o fim de suas respectivas franquias.

O primeiro pôster (usado no topo do post) prometia muita ação e violência, com Charles Bronson disparando uma bazuca. Deve ter sido considerado propaganda enganosa por quem foi ao cinema e descobriu que o astro mata apenas três pessoas o filme inteiro. Talvez por isso, a Cannon substituiu o pôster por outro mais ameno, que mostra Bronson e Jill Ireland juntos (ao lado), vendendo mais uma aventura romântica do que um filme de ação violento e explosivo. Já nas prateleiras das videolocadoras brasileiras reinou absoluto o pôster da bazuca, emoldurado pela saudosa capinha azul com estrelinhas brancas da América Vídeo!

O curioso é que se você conseguir dar um desconto para a falta de ação e violência, algo que eu só consegui fazer ao rever o filme recentemente, perceberá que ASSASSINATO NOS ESTADOS UNIDOS funciona como um passatempo leve e quase censura livre, trazendo um Bronson menos sisudo e sanguinário e mais piadista.

Logo depois que Killian executa friamente o comparsa de Bracken com sua própria metralhadora, a primeira-dama comenta que eles estão em “Pickett's Charge”, o ponto exato onde o General Robert E. Lee comandou um massacre durante a Guerra Civil. “15 mil pessoas morreram aqui”, lembra ela. “Agora, 15.001”, replica o herói, referindo-se ao desafortunado aprendiz de terrorista interpretado por Billy Hayes! E a relação entre o guarda-costas e a primeira-dama está repleta de provocações e grosserias mútuas, quando se percebe que o astro está se divertindo muito com a esposa enquanto fingem se odiar.


Bronson raramente se aventurou pela comédia assumida (uma das poucas exceções é a comédia romântica “Twinky”, de Richard Donner), criando uma persona de protagonista sério e frio. “Meus personagens são muito parecidos comigo mesmo”, justificou numa entrevista da época. “E nunca tive muita oportunidade de fazer humor. Já faz bastante tempo que não interpreto um vilão ou um personagem cômico. Tenho alguns momentos bastante divertidos em ASSASSINATO NOS ESTADOS UNIDOS e adorei fazê-los. Eu adoraria fazer uma comédia se o roteiro fosse bom. Mas os produtores não pensam em mim como um protagonista divertido”.

Pelo jeito o tal “roteiro bom” nunca apareceu, pois Bronson morreu em 30 de agosto de 2003 sem nunca ter feito uma comédia, nem mesmo outro papel tão leve e divertido quanto o deste filme aqui.


Aliás, ASSASSINATO NOS ESTADOS UNIDOS foi o “último” de muita coisa. O filme marca a última aparição no cinema de Jill Ireland, e o último dos 16 filmes que ela fez com o marido. A atriz morreu em 18 de maio de 1990, após uma longa e dramática luta contra o câncer (aqui ela já atua usando peruca). Foi o último roteiro assinado por Richard Sale, que morreu em 1993 sem jamais ter publicado o tal livro que inspirou o filme – provavelmente por causa do resultado fraco nas bilheterias. E foi o último filme de ação dirigido por Peter Hunt, que depois só assinou mais um drama produzido para a TV antes de aposentar-se. Ele faleceu em 2002.


Com a recente avalanche de aventuras protagonizadas por algum intrépido guarda-costas do presidente, fica ainda mais interessante revisitar esta atabalhoada e pioneira investida no tema, e imaginar como ela poderia ter ficado muito melhor caso tivesse um orçamento à altura das suas pretensões e do calibre dos profissionais envolvidos.

Por outro lado, ASSASSINATO NOS ESTADOS UNIDOS também acaba funcionando exatamente como o que é: um filme de ação pobretão e bobo, cheio de problemas mais do que evidentes, e que ainda assim divertiu, durante umas boas duas décadas, incontáveis frequentadores de videolocadoras e/ou telespectadores que lutavam contra o sono esperando o Fantástico terminar para ver sucessos de Charles Bronson sendo reprisados no Domingo Maior.

E um herói que atira um político corrupto pela janela direto para a morte merece pelo menos alguma consideração. Cadê o bendito Jay Killian quando se precisa tanto dele?



Trailer de ASSASSINATO NOS ESTADOS UNIDOS

12 comentários:

Fernando disse...

Assisti no cinema esse filme, na época com uns 13 para 14 anos, achei o máximo!!! kkk

Raphael Silvierri disse...

Texto ótimo como sempre. Mas imagino que a qualidade do texto seja muito melhor que a do filme...rsrs embora goste do Bronson também..vou caçar alguns deles na Net e dar uma maratonada. Qual seria o Top 5 a seu ver Felipe?

Felipe M. Guerra disse...

RAPHAEL, o Bronson tem muitas fases, cada uma com seus filmaços. Tem o Bronson como coadjuvante nos anos 1950-60, em clássicos como "Os Doze Condenados" e "Sete Homens e um Destino". Tem o Bronson como astro de cinema europeu nos anos 1970. E finalmente a fase astro de ação dos anos 1980, que é a mais conhecida. Não consigo separar um Top 5 da carreira do homem. Se for só da década de 1980, entretanto, recomendo tranquilamente KINJITE, DEZ MINUTOS PARA MORRER, DESEJO DE MATAR 3, JUSTIÇA SELVAGEM e PERSEGUIÇÃO MORTAL, com esses não tem erro!

Paulo Geovani disse...

Uma aventura mais leve do Bronson que chegou ser a ser exibido na Sessão da Tarde!

Anônimo disse...

Salve, Felipe!
"ASSASSINATO NOS ESTADOS UNIDOS funciona como um passatempo leve e quase censura livre" - Tão "leve e quase censura livre" que me lembro que foi o único filme da fase CANNON do BRONSON que assisti na SESSÃO DA TARDE (https://m.youtube.com/watch?v=mQhMlhU44Ug), isso lá pelos anos 90, quando o CHARLÃO reinava absoluto no DOMINGO MAIOR, como você escreveu.

Alaor Silveira - leitor e doido

Daniel I. Dutra disse...

A parte de reeleger um solteirão até não é tão absurda. Americanos são bem mais conservadores que brasileiros.

O bizarro é querer matar a primeira alegando ser mais fácil reeleger um viúvo do que um solteirão. Não era mais fácil simplesmente arrumar uma nova esposa?

Raphael Silvierri disse...

Valeu Felipe...desses o Kinjite eu já vi e gosto muito...vou atrás, abraço!

Fabiano disse...

Eu costumava adorar ler as críticas dos filmes da TV na semana na Veja São Paulo. Tinha um crítico lá - gostaria de saber o nome - que metia o pau em todos os filmes, com poucas exceções, mas com tanto sarcasmo que você ria alto. Lembro que neste filme, além de chamar o Bronson de astro geriátrico, ele chamou a Jill Ireland de Cara de Passarinho. Lembro que quando ele ia falar dos filmes do Jason, que passavam na Grobo semana sim, outra também, ele escrevia no final para enumerar o elenco: com Kane Hodder e outros ilustres ninguéns. Era ducaraio

João Paulo disse...

Muito bom o texto. Charlão eterno.

Skrywtz Urczwl disse...

Prezado Felipe, gostaria de pedir uma resenha pra você, se um dia puder fazê-lo: assisti recentemente "Atraídos Pelo Perigo" e fiquei impressionado de ver como é parecido com o primeiro "Velozes e Furiosos"!! Seria legal ver sua opinião destrinchando essa obra! Abraços

Renan disse...

Quanto ao Twinky, assisti esse pelo NetNow. Bronson vivendo um escritor pornográfico de quase 40 que se envolve com uma adolescente britânica de 16, feita pela Susan George. Só pelo inusitado, merecia uma resenha no blog, nem que fosse curtinha.

ELTON BRASIL disse...

Conheci em 1990 no "Supercine", e revi em alguns "Domingo Maior" e tb em vhs, e nos anos 2000 revi em 2001/3/6 e hoje!

Razoável e decente filme de ação, embora com algumas falhas, vide trilha vagabunda (não em todas as cenas) e uns atores bem fraquinhos (não todos)!