
Nos últimos dias, estive afastado do blog (e praticamente de casa) por estar envolvido em dois eventos únicos: a Mostra Cinema de Bordas promovida pelo Itaú Cultural, que chegou à sua terceira edição, e "Páscoa Sarnenta", um projeto conjunto com a lenda do cinema independente brasileiro Petter Baiestorf.
Algumas considerações sobre ambos, pois sempre acho que vale a pena dividir pequenos fragmentos de memórias cinematográficas com leitores de um blog sobre cinema...
1. Cinema de Bordas
Infelizmente, neste ano não pude acompanhar o Cinema de Bordas todos os dias por causa deste projeto com o Baiestorf. Mesmo assim, o evento no Itaú Cultural proporcionou uma daquelas raras oportunidades de reencontrar velhos amigos e fazer novos.
Estiveram presentes realizadores como Rodrigo Aragão, Joel Caetano, Sandro Debiazzi, Rodrigo Brandão e o próprio Baiestorf, mas quem roubou a cena foram duas lendas vivas do cinema underground nacional: Manoel Loreno, conhecido como Seu Manoelzinho, e Aldenir Coty, ninguém mais ninguém menos que o Rambú da Amazônia!!!

Ver aquele sujeito humilde e desajeitado, lavrador e faxineiro de cinema em Mantenópolis (interior do Espírito Santo), apenas confirmou a famosa frase de Werner Herzog que adoro citar em benefício próprio: "O cinema não é uma arte de eruditos, mas de analfabetos".
Também me deu a certeza de que esses estudantes de cinema de hoje são tudo uns chorões, porque se um analfabeto de Mantenópolis consegue pegar uma câmera e fazer 20 longas-metragens, e eles não conseguem nem ao menos terminar seus curtas, é porque alguma coisa está MUITO errada...
Fiz questão de tirar foto e comprar DVDs com filmes de Seu Manoelzinho, entre eles o clássico western "O Homem Sem Lei", que tem cenários mostrando apenas a fachada de estabelecimentos como delegacia e saloon, e tiroteios filmados através de bombinhas acesas diretamente no cano dos "revólveres"!!!
Também dei um furo ao pedir autógrafos nos DVDs sem lembrar que o célebre Loreno não é versado no dom da escrita: mesmo assim, o esforçado realizador fez dois garranchos completamente diferentes em cada caixinha!

Já Rambú roubou a cena quando apareceu no Itaú Cultural vestido com calça militar, chinelos-de-dedo e faixa vermelha amarrada na testa, como manda o figurino de seu personagem calcado no Rambo de Stallone.
Percebi que Coty realmente acredita ser uma espécie de sósia do famoso Sylvester, tanto que na Mostra estava exibindo sua nova produção, "Roquí - O Boxeador da Amazônia", um curta hilário que já está no YouTube.
Bastante assediado e exigido para fotografias, o astro amazonense já revelou que deverá estrelar também uma versão genérica de "Stallone Cobra" - que, pela lógica dos títulos anteriores, deverá se chamar "Cobrá da Amazônia" (já deixo a sugestão)! Vai ser engraçado vê-lo com óculos espelhados e falando "Você é um cocô" com sotaque de Manaus...
Na quinta-feira, 21, teve a exibição conjunta de meu curta "Extrema Unção" e do filme do Baiestorf "O Doce Avanço da Faca", que teve alguns cortes nas cenas de sacanagem exigidos pelos organizadores.
Eu já tinha visto o filme do Petter e não me importei com a retirada do sexo gratuito, mas foi uma pena eliminarem a bela história em quadrinhos exibida no começo do curta e até O FINAL da obra, mutilando completamente a obra do realizador!
Depois da exibição, rolou um bate-papo meu e do Baiestorf com o moderador Lúcio Reis. Já fiz um lance parecido no Fantaspoa alguns anos atrás e sabia que o Petter fala sem parar, então fiquei servindo de escada para ele e fizemos inúmeras piadinhas que levaram o público às gargalhadas. Parecia até show de stand-up comedy, só que sentados.
O mais surpreendente foi a presença de dois estudantes de cinema que fizeram perguntas. Pensei que eles iriam nos detonar, pois isso é bem do feitio desse tipo de estudante, mas eles na verdade elogiaram nossa iniciativa de "fazer por conta" e reclamaram da faculdade, que não lhes dá a liberdade de fazer o mesmo.
Aí eu e o Petter aproveitamos para dar nosso pitacos sobre o tema, em trecho que foi filmado pelo amigo Fritz e você pode ver no vídeo abaixo.
Infelizmente, não pude ver a estreia do média-metragem "O Tormento de Mathias", de Sandro Debiazzi, onde apareci como ator ao lado do Joel Caetano e outras feras (ô loco, bicho!). Queria ver a reação do público ao filme e à minha interpretação tenebrosa, mas naquele momento eu já estava a caminho de Palmitos, interior de Santa Catarina, para filmar com o Baiestorf.
2. Páscoa Sarnenta
Logo após o bate-papo no Cinema de Bordas, tivemos uma reunião sobre um possível projeto cinematográfico conjunto que juntará, no mesmo filme, eu, Rodrigo Aragão, Baiestorf e Joel Caetano. Não vou dar detalhes enquanto isso não sai do papel, mas a reunião deixou todo mundo otimista.
Petter então lembrou que precisávamos pegar o avião para Santa Catarina bem cedinho no dia seguinte, e pediu para voltarmos cedo para casa - porque ele ia dormir num colchão na minha sala, para chegarmos mais rápido ao aeroporto.
Claro que na prática não foi bem assim: acabamos a noite num bar na Augusta onde ficamos bebendo até quase cinco da manhã, entre risadas e doideiras como o telefonema em que Fernando Rick supostamente falou comigo e eu estava em casa, embora eu estivesse no bar e nunca tenha recebido nenhuma ligação dele!!!

No dia seguinte, mortos de sono e de cansaço, finalmente pegamos o avião para Chapecó e o puto do Baiestorf aproveitou para explorar meu medo de voar: sentado na porta de emergência da aeronave, ficava ameaçando abrir aquela merda durante todo o voo!
Chegamos em Chapecó sem maiores problemas (apesar das sacanagens do Petter) e pegamos carona com Carli Bortolanza para Palmitos, onde parte da equipe do Baiestorf já esperava para o início do Projeto Páscoa Sarnenta.

O título é chamativo e a sinopse diz: "Longe das verbas milionárias, o filme revela as dificuldades enfrentadas por quem não dispõe de recursos para realizar um projeto".
Confesso que a primeira coisa que pensei foi: "Ué, por que não me entrevistaram para esse negócio?". Afinal, fiz um curta de 40 reais ano passado. Aí vi o trailer de "Lado B" e descobri que eles usaram depoimentos de cineastas como Fernando Meirelles e Ugo Giorgetti, choramingando por terem feito curtas com APENAS 90 mil reais.

Fiquei tão puto que resolvi realizar um verdadeiro documentário sobre "como fazer cinema sem grana no Brasil", e entrei em contato com o Baiestorf sugerindo que ele filmasse um curta-metragem de baixíssimo orçamento num final de semana enquanto eu acompanhava os bastidores, estilo "Popatopolis", em que Clay Westervelt acompanhou Jim Wynorski enquanto ele fazia um filme em três dias.
O Petter gostou da ideia, mas, como ele é um sem noção, resolveu fazer não um, mas QUATRO curtas nos três dias do feriadão de Páscoa: "Pampa'Migo", uma espécie de western sangrento; "O Monstro Espacial", com efeitos e monstrinhos elaborados por Rodrigo Aragão; "Filme Político Número Um", um curta experimental com pintos e pererecas em close, e finalmente seu próprio documentário sobre o documentário que eu estava filmando!

Enfim, nos acomodamos no sítio da família Baiestorf, em Palmitos, para engraçadíssimos três dias sobre os quais não vou dar muitos detalhes, mas que vão render um filme divertidíssimo sobre os bastidores da produção independente nacional.
Conheci gente que só conhecia de nome e de fama, como a nova estrela das produções de Petter, Gisele Ferran, e a lenda viva Jorge Timm, entre outros. Dividi uma cama de casal com Gurcius Gewdner, responsável por algumas das maiores gargalhadas dos três dias de filmagem, principalmente por tentar censurar o documentário após emitir opiniões polêmicas sobre pessoas conhecidas e ex-namoradas.
E, finalmente, descobri que há um ano estou acreditando numa mentira contada pelo Petter, de que o seu diretor de fotografia, o australiano Daniel Yencken, havia sido um dos atores-mirins de "Mad Max - Além da Cúpula do Trovão", algo que o Baiestorf me contou ainda em 2010 e que o próprio Daniel fez questão de negar - e eu que estava até pensando em entrevistá-lo sobre suas experiências com Mel Gibson e George Miller!

No fim, Baiestorf conseguiu concluir apenas dois dos curtas planejados, "Pampa'Migo" e "Filme Político", em virtude da chuva que estragou um dia inteiro de filmagens.
Participei como figurante em "Pampa'Migo", interpretando um personagem batizado "Cagão", que posteriormente também deveria aparecer numa espécie de suruba entre sangue e tripas no curta não-filmado "O Monstro Espacial" - mas não foi dessa vez que protagonizei uma cena erótica no cinema, para a sorte dos espectadores!
Mais detalhes sobre o Projeto Páscoa Sarnenta no blog do Petter.

Depois, fiquei duas noites hospedado na casa do Baiestorf com o Gurcius até a longa viagem de volta, de ônibus, para o Rio Grande do Sul, onde estou nesse momento para os festejos do Dia das Mães. Vimos muitos filmes entre risadas e cervejas.
Achei que o Petter iria me bombardear com filmes tipo "Nekromantik", mas, para minha total surpresa, passamos esses dias vendo ingênuos filmes de praia estrelados por Frankie Avalon e Annette Funicello, e rindo como completos imbecis!

Também teve uma hilária, mas hilária mesmo, sessão de "Invasão USA", do Chuck Norris, que se transformou numa comédia involuntária total diante dos comentários meus, do Gurcius e do Petter. E vimos "O Espantalho Assassino", do Seu Manoelzinho, numa experiência verdadeiramente mágica.
Despedi-me de Palmitos e de sua fauna de pessoas excêntricas (sem dúvidas, a verdadeira Twin Peaks brasileira) e embarquei para o RS na manhã de terça-feira.
3. Sobre viagens longas e leituras
Para voltar para casa, eu teria que utilizar três meios de transporte: ônibus de Palmitos a Chapecó, então esperar quatro horas até o ônibus de Chapecó para Porto Alegre, e então pegar uma carona com uma amiga de volta a Carlos Barbosa.
Como eu sou hiperativo, sabia que jamais iria aguentar essa maratona toda de viagens, até porque só a ida de Chapecó a Porto Alegre duraria quase 15 HORAS! Desesperado e sem companhia para conversar, resolvi comprar um livro na esperança de que ler no ônibus me desse sono e eu dormisse parte da viagem - porque, acreditem ou não, eu não consigo dormir no ônibus, nem numa viagem de 15 horas!
Foi aí que descobri que o confinamento em um ambiente sem outras opções (como cinema e internet) e sem possibilidade de fuga permite que você leia muito e sem parar. A edição de bolso de "A Hora do Vampiro", de Stephen King (livro cuja leitura eu estava adiando há décadas), foi devorada em cerca de oito horas, e estamos falando de um livro de 580 páginas!
Aí lembrei da semana que passei internado no hospital com intoxicação alimentar e, sem poder sair da cama, tinha que escolher entre ler ou ver o Programa do Ratinho na TV. Naquela semana, li um livro por dia.
Todos sabem que não gosto de aviões, mas gosto menos ainda de perder tempo. Porém a viagem de Santa Catarina ao RS me fez perceber que longas viagens de ônibus são uma excelente oportunidade para ler sem parar e sem ser interrompido por coisas como a internet.
Tanto que vou fazer a experiência de voltar a São Paulo de ônibus, com vários livros na mochila, para ver se consigo colocar a leitura em dia!

14 comentários:
Que dias animados! Invejei...
By the way, vc está uma delicinha na foto do bar. Mas essa aí da babylook... =P
Jornada produtiva... Isso é bom!
Essa edição do Cinema de Bordas foi divertida pra caramba, rachei de rir com Seu Manoelzinho na telona, mas parece que seu feriado foi ainda mais engraçado! Este documentário com certeza vai ser hilário!
só lembrando, Felipe, que os organizadores apenas informaram ao Petter que, na íntegra, o filme não poderia ser exibido porque o Itaú não pode barrar a entrada de menores de idade, já que a exibição é gratuita. quem escolheu exibir o filme com cortes (e não outro filme), foi o realizador, que também fez os cortes que quis (ninguém pediu para ele tirar a abertura de HQ!).
parabéns pela boa leitura.Mas dá para conciliar internet com leitura de livro de verdade.Faço isso todos os dis e recomendo!
queria entrar num clube do bolinha desse viu.
ser mulher é um saco, a gente, pelo menos eu, não se diverte tanto :(
e eu aqui me perguntando sobre o ultimo post do mês, muito boa essa sua maratona, e cara manera um pouco na cerva ae, essa sua última foto ai... e também gostei da sua opinião junto com a do Petter nas entrevistas, e também q uero muito ver o seu documentário.
Aaah, você conheceu o Grande Rambu!
Ele é uma figuraça daqui de Manaus e merece prestígio pelo trabalho! É de rolar de rir.
Abraços!
Bela viagem!
Aproveita e vê se não quebra muito o eixo! kkkk!!!
Também me deu a certeza de que esses estudantes de cinema de hoje são tudo uns chorões, porque se um analfabeto de Mantenópolis consegue pegar uma câmera e fazer 20 longas-metragens, e eles não conseguem nem ao menos terminar seus curtas, é porque alguma coisa está MUITO errada... (1)
Felipe, você exagerou nessa sua colocação acima. A coisa não é bem por aí não. Achei essa tua afirmação um tanto equivocada e uma comparação simplista até demais. Você diz que fez um curta gastando apenas 40 reais e fala do Meirelles que reclama de fazer curtas com 90 mil reais. Isso é algum mérito? Vê a logística envolvida na tua produção caseira realizada em video e agora vê a logística envolvida numa produção realizada em película envolvendo uma série de pessoas. Não dá nem para comparar. Cada caso é um caso específico.
Quanto a coisa muito errada que você diz: Uma coisa é o cara fazer "filmes" e assumir de vez a precariedade e o amadorismo de suas obras e contar com a aceitação pré disposta do público que já sabe que tipo de trabalho vai assistir e não pode exigir nada além disso. Outra coisa é o cara querer fazer "filmes" que fujam deste amadorismo gritante, são outros quinhentos que levam custo e tempo, e não são estrelados pelo irmão ou pela avó e nem feitos com 40 reais. Nessa questão o Petter Baiestorf foi muito mais consciente e pertinente ao dizer que para cada "tamanho de orçamento existe um tamanho de filme". Se você tem mil reais, você vai fazer um filme de mil reais, se você tem 100 mil reais, você vai fazer um filme de 100 mil reais.
Se existe um grande problema real nas faculdades de cinema brasileiras e até no meio profissional, esse problema é a enorme insistência e "atraso" de que cinema tem que ser feito em película para ser cinema. O pior de tudo é a falta de padronização entre o ensino de cinema no Brasil, os profissionais da área que não falam a mesma língua, e gastando tempo demais com muita teoria e pouca prática, e o mal maior de todos, insistem em ensinar e engrandecer Glauber Rocha e afins dessa turma que só deu tiro no pé da produção cinematografica brasileira.
Estamos em 2011 e aqui no Brasil o cinema digital ainda é um bicho de sete cabeças, não se deram conta ainda que este é o real futuro do cinema (nos Eua o cinema digital já dominou toda a produção independente e quase toda a produção dos grandes estúdios) e que barateia extremente os custos de produção fazendo com que curtas que antes custavam 90 mil reais feitos em pelicula como o do Meirelles, hoje podem ser feitos por menos até de 10 mil reais e com o mesmo acabamento e qualidade técnica. E lembrando que cada caso é um caso.
Então o cinema digital está aí e batendo de frente com a película.
Só uma comparação como exemplo: Longas que custam 4 milhões de reais, custariam até três vezes mais barato se fosse realizado em digital (com uma câmera Red One por exemplo)e agilizaria e muito a produção cinematografica brasileira com filmes de orçamentos menores e de menor logística, com qualidade e que ajudaria e muito a distribuição das verbas para um maior número de projetos e produções.
Agora resta saber se querem isso.
Eu entendo a tua coleção, a falta de ação dessa turma de estudantes de cinema é de dar raiva muitas vezes.
Opa corrigindo, saiu escrito coleção no lugar de colocação aí acima.
"Eu entendo a tua colocação, a falta de ação dessa turma de estudantes de cinema é de dar raiva muitas vezes."
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