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quinta-feira, 21 de maio de 2020

SUPER SNOOPER - UM TIRA GENIAL (1980)


Quem viveu sua infância ou adolescência na década de 1980 provavelmente também teve como “babás eletrônicas” Terence Hill e Bud Spencer. Os dois astros italianos (originalmente batizados Mario Girotti e Carlo Pedersoli) foram um grande sucesso popular nos cinemas, videolocadoras e na TV durante pelo menos três décadas. No Brasil, apareciam semana sim, semana não na Sessão da Tarde.

A parceria entre os dois começou ainda nos tempos do western spaghetti, quando protagonizaram juntos um filme mais sério: “Deus Perdoa... Eu Não” (1967), de Giuseppe Colizzi. Sua união foi um feliz acidente: Peter Martell era o ator originalmente contratado para contracenar com Bud Spencer, mas quebrou o pé ainda nas primeiras diárias e foi substituído às pressas por Terence Hill.

Depois desse, eles estrelariam outros 18 filmes juntos, migrando dos faroestes mais sérios para aventuras cômicas na linha daquelas estreladas pelo grupo humorístico brasileiro Os Trapalhões. Não por acaso, rolou até um histórico “semi-crossover” entre eles num quadro dos Trapalhões em 1984, enquanto os italianos filmavam “Eu, Você, Ele e os Outros” no Rio de Janeiro.


A dupla funcionava justamente pelo contraste: Terence (popularmente conhecido como “Trinity”, nome de um dos seus personagens mais famosos) fazia o tipo gaiato e piadista, enquanto Bud era o gigante calado e bom de briga. Eles sempre tentavam resolver seus problemas primeiro na malandragem; se não funcionava, apelavam para os famosos tapões-de-mão-aberta que eram a marca registrada da dupla – atire a primeira pedra quem nunca tentou repetir o golpe com os irmãos ou com os amiguinhos.

E embora fossem extremamente bem-sucedidos e lucrativos enquanto dupla, os dois atores tentaram várias vezes repetir esse sucesso em “carreira solo”, sem o outro por perto para servir de escada, em produções que nunca tiveram a mesma popularidade. Um destes filmes de Terence Hill sem Bud Spencer é SUPER SNOOPER – UM TIRA GENIAL, de 1980, produção italiana filmada em Miami (e que, em seu idioma original, se chama “Poliziotto Superpiù”).


Perdi a conta de quantas vezes vi SUPER SNOOPER quando moleque. Foi provavelmente um dos meus filmes preferidos da Sessão da Tarde, daqueles que eu não perdia uma reprise. Mais recentemente, depois de “adulto”, fui fazer a burrada de revisitar alguns destes prazeres de infância, apenas para constatar que certas coisas deveriam permanecer apenas na memória afetiva. Acontece que, nas minhas lembranças, SUPER SNOOPER era muito mais divertido e melhor produzido do que este trashão de quinta categoria que ele realmente é. O filme envelheceu bem mal, e nenhum daqueles efeitos especiais que eu recordava com tanto carinho sobreviveu à prova do tempo.


Vá lá que continua razoavelmente divertido enquanto experiência nostálgica, porque eu revia aquelas cenas que já conhecia quase de cor e ficava lembrando de como ria como um tonto quando criança. Mas se antes eu ria DAS piadas, agora me peguei rindo da falta de graça da maioria delas; se antes eu me divertia COM os “efeitos especiais”, agora dou gargalhada do quanto eles são ruins. Enfim, eu devia ser muito bobo quando criança, porque naqueles tempos eu encarava esse negócio como uma superprodução, embora passe longe, mas muito longe disso...

SUPER SNOOPER já dá o tom de filme miserável só pela sequência de créditos iniciais, que se desenrola sobre imagens pixeladas de algumas cenas aéreas. A sequência é embalada pela música-tema disco composta por Michelangelo e Carmelo La Bionda, e interpretada pela banda The Oceans. Extremamente grudenta, a canção repete pelo menos umas trinta vezes até o final, e anuncia: “Ele é um super-bisbilhoteiro / Um verdadeiro super-tira / Um policial maravilhoso como você nunca viu!” (confira AO VIVO no vídeo abaixo e prepare-se para cantarolar esta desgraça durante dias).


“He's a super snooper / Really super trooper...”

Quando a história finalmente começa (depois que você já sofreu a devida lavagem cerebral com a música-tema), o espectador descobre estar diante de uma narrativa em flashback. Terence Hill interpreta um policial de Miami chamado Dave Speed, que está no corredor da morte por supostamente ter assassinado seu parceiro. Um repórter em frente ao presídio onde acontecerá a execução do protagonista informa que aquela será a quarta tentativa de justiçar o detento – ele miraculosamente sobreviveu às três execuções anteriores!

Prestes a ser levado para a cadeira elétrica, Speed não parece lá muito preocupado. Pelo contrário: está em sua cela todo faceiro terminando o 14º prato de feijão devorado em sequência – uma gag recorrente nos filmes de Terence Hill, e que começou graças ao clássico bangue-bangue “Trinity é o Meu Nome” (1970), em que o ator devorava uma panela inteira de feijão on-screen (depois de supostamente ter sido deixado 24 horas sem comer nada só para gravar a cena!).

Enquanto é escoltado para fritar, Speed começa a rememorar em off os acontecimentos que o levaram até aquela situação. “Quando isso tudo começou, eu nunca pensei que terminaria assim”. Senta que lá vem uma looooooonga história...


Policial novato, recém-saído da academia, Speed foi enviado para cobrar uma multa de estacionamento numa remota aldeia indígena nos pântanos da Flórida. Sem que ele saiba, o local foi completamente evacuado para a realização de um experimento secreto da NASA, envolvendo um míssil nuclear carregado com “plutônio vermelho” (não pergunte).

Ao chegar à aldeia e encontrá-la deserta, o “tira genial” tenta se comunicar com seu oficial superior, o sargento Willy Dunlop (Ernest Borgnine, repetindo seu papel de simpático bonachão pela enésima vez). Mas o rádio não funciona, provavelmente por causa dos experimentos; para piorar, ao tentar voltar para sua canoa, o policial encontra um enorme e ameaçador jacaré dentro dela.


Enquanto imagens de arquivo bastante granuladas e dissonantes tentam nos fazer acreditar que há um míssil na órbita terrestre e um montão de técnicos na NASA monitorando a situação, Speed resolve dar um tiro para cima, para assustar o jacaré. Só que a bala acaba atingindo o míssil (!!!), detonando-o e provocando uma chuva do tal plutônio vermelho, que atinge o policial em cheio.

Na delegacia, todos estão certos de que o pobre Dave já era. Dunlop é rebaixado para guarda de trânsito por ter enviado o novato para a morte certa, mas logo nosso protagonista reaparece vivinho-da-silva. E com um “plus a mais”: como nos melhores (ou piores) gibis da Marvel e da DC, o banho de radiação lhe deu superpoderes, ao invés de matá-lo de câncer terminal.


Inicialmente o herói não tem consciência disso, e vai descobrindo seus novos dons aos poucos: ele move uma tampa de bueiro com a força do pensamento para que o pobre Willy não caia no buraco; consegue enxergar através de paredes com sua visão de raio-X; sobrevive a porradas e até a tiros, além de uma queda acidental do 23º andar de um edifício; sua supervelocidade permite que persiga carros em fuga a pé, e com a superforça pode dar socos que atravessam paredes e portas. Só por diversão, ele pode até caminhar sobre as águas e ficar “levitando” dentro de casa enquanto lê um gibi (do Superman, claro!), embora não fique claro se também adquiriu a capacidade de voar – pelo menos ele não usa esta habilidade em nenhum momento do filme, provavelmente por questões orçamentárias.


Gaiato que é, Dave decide manter seus superpoderes em segredo para poder se transformar no policial mais eficiente da cidade, lidando facilmente com assaltos à mão armada e cassinos ilegais dentro de caminhões. Mas a aventura se complica quando ele recebe a missão de investigar uma perigosa quadrilha de falsificadores de dinheiro, cujas notas falsas estão se espalhando por Miami.

O grupo é liderado por um empresário local acima de qualquer suspeita chamado Torpedo (Marc Lawrence). E quando Speed começa a chegar muito próximo de incriminá-lo, o bandidão resolve armar um plano mirabolante: o herói é acusado por um crime que não cometeu e condenado à morte, quando finalmente voltamos para a cena inicial do filme.


Dado o tom de galhofa e de pobreza do filme, em que ninguém parece estar levando a coisa muito a sério (muito menos o departamento de efeitos especiais, que deveria “dar vida” aos superpoderes do protagonista), é espantoso constatar o nome do diretor e corroteirista de SUPER SNOOPER: ninguém menos que Sergio Corbucci!

Se não ligou o nome à pessoa, você está no blog errado. Corbucci foi um dos grandes nomes do western spaghetti no seu auge, perdendo apenas para o “outro Sergio”, Sergio Leone. Foi Corbucci quem dirigiu obras-primas como “Django” (o original), “Navajo Joe”, com Burt Reynolds, “Vamos a Matar, Compañeros”, “Il Mercenario” e “O Vingador Silencioso” – todas reverenciadas mais de uma vez, quando não copiadas em cenas inteiras, por um certo Quentin Tarantino, que considera Sergio Corbucci um dos seus maiores mestres.


Quando os filmes de faroeste made in Itália começaram a ficar escassos, até finalmente deixarem de ser produzidos, muita gente boa ficou sem emprego e não soube reinventar a carreira. Aconteceu com o próprio Leone: entre seu último western spaghetti (“Quando Explode a Vingança”, de 1971) e sua última obra-prima (“Era uma Vez na América”, de 1984), o cineasta ficou mais de dez anos sem filmar nada 100% seu, tentando emplacar projetos que não saíam do papel.

Com Corbucci foi mais ou menos o mesmo. Porém ele nunca foi um grande perfeccionista, como o colega Leone, e conseguiu fazer uma transição menos traumática para as comédias. Começou com títulos mais eróticos, na linha das nossas pornochanchadas, até terminar dirigindo veículos populares para comediantes famosos na Itália, tipo Nino Manfredi e Renato Pozzetto.


Em 1978, Corbucci assinou pela primeira vez uma comédia da dupla Terence Hil/Bud Spencer: “Par ou Ímpar” (1978). Seguiu-se este SUPER SNOOPER em 1980, só com Terence, e o terceiro e último “Quem Encontra um Amigo, Encontra um Tesouro” (1981), novamente reunindo a dupla. Pode parecer um trabalho humilhante para o autor de obras-primas como “O Vingador Silencioso”, mas não esqueçamos que Terence e Bud eram dois dos atores mais populares na Europa (e em boa parte do mundo) naquele período, então o cineasta pelo menos estava fazendo filmes que seriam muito vistos.


A julgar por SUPER SNOOPER, entretanto, Corbucci não levava muito jeito para a comédia (e como também escreveu o roteiro, junto com Sabatino Ciuffini, a culpa é duplamente dele). Com 1h40min de duração, a trama se arrasta por muito mais tempo do que suas ideias aguentam, e as trapalhadas do policial super-herói não demoram a perder a graça, ou se tornar repetitivas.

O fato de toda e cada façanha de Speed, por mais mixuruca que seja, ser seguida pela execução do refrão da música-tema (“He's a super snooper / Really super trooper / A wonder cop a one like you never saw”) torna a experiência toda ainda mais penosa.


A inspiração de SUPER SNOOPER é mais do que óbvia: “Superman – O Filme” (1978), de Richard Donner, que chegou aos cinemas italianos em janeiro de 1979 e repetiu o estrondoso sucesso de bilheteria do resto do mundo. A italianada tinha a prática de produzir “ripoffs”, cópias vagabundas de sucessos de Hollywood, e com “Superman” não foi diferente.

O problema é que o filme de Richard Donner funciona em grande parte pelo roteiro redondinho, mas também em grande parte pelos efeitos especiais revolucionários para a época, que realmente davam a impressão de que Christopher Reeve estava voando e tinha superpoderes.


Na Itália não havia como imitar este nível de efeitos especiais de forma minimamente convincente, como eles descobriram da pior maneira possível – vide a aventura “Pumaman” (1980), de Alberto de Martino, um pseudo-Superman que se transformou em hilária comédia involuntária graças às cenas com o herói “voando” em chroma nível Chapolin.

Então era mais jogo fazer sátiras do blockbuster de Donner, e SUPER SNOOPER nem foi o pioneiro neste departamento: em 1979 saiu “SuperAndy, il Fratello Brutto di Superman”, de Paolo Bianchini, em que o humorista italiano Andy Luotto interpretava o irmão menos brilhante do Super-Homem.


Percebe-se, pelo menos, que Corbucci e seu corroteirista Sabatino Ciuffini conheciam um mínimo de gibis de super-herói, ou fizeram a lição de casa, já que o protagonista parece reunir os poderes de diversos personagens famosos da Marvel e da DC. Se supervelocidade, superforça e visão de raio-X são poderes obviamente chupados do Superman, o fato de Speed virar super-herói ao sobreviver ao experimento com plutônio vermelho parece remeter ao Hulk, criado quando seu alter-ego Bruce Banner foi bombardeado com raios gama durante outro teste do exército. Ele também move objetos com a força do pensamento, como a Jean Grey na formação clássica dos X-Men, pode ficar grudado no teto de casa, como o Homem-Aranha, e conversa com peixes, como o Aquaman. Finalmente, o super-tira perde seus poderes sempre que vê a cor vermelha – assim como a cor amarela originalmente anulava os efeitos do anel do Lanterna Verde nos gibis da DC.


Outros “dons” do protagonista não fazem lá muito sentido, como a capacidade de precognição, de fazer um estádio inteiro desaparecer para ficar a sós com sua amada Evelyn (Julie Gordon), ou mesmo o poder de hipnotizar o parceiro Willy para fazê-lo dançar como Fred Astaire! Todos teriam grande utilidade na luta contra o crime (ele poderia hipnotizar os vilões para forçá-los a confessar seus crimes, ou se render), mas Speed jamais os utiliza com esta finalidade.


O grande problema de SUPER SNOOPER é que se trata de uma comédia calcada em gags visuais, e estas dependem de uns efeitos e trucagens do arco-da-velha. Algumas funcionam – como Terence Hill segurando entre os dentes o projétil ainda fumegante disparado pelo revólver de um ladrão –, porque são truques mais simples, que não dependem de grandes efeitos especiais. Já outras são terríveis, como os bonecões visíveis quando o herói despenca do alto de um prédio ou se agarra a um avião em pleno voo, e os fiozinhos aparentes quando Dave faz um copo de café “levitar” até ele.

Também há um par de ideias boas muito mal-executadas. Quando, lá pelas tantas, Terence Hill mergulha no oceano e “conversa” com um peixe pedindo indicações para resgatar um barco afundado, vê-se claramente que o peixe está morto e que o ator está numa piscina.


Naquele que deveria ser o grande momento do filme, o herói sopra uma bola de chiclete gigante para que ele e Willy saiam voando pelos ares; mas os responsáveis pelos efeitos especiais sequer disfarçaram as cordas na lateral do que é visivelmente um balão amarelo com dois bonecos grudados no topo! Muitas dessas coisas já soavam falsas quando eu era criança, e hoje parecem constrangedoras – embora, destaque-se, façam rir pelos motivos errados.

Considerando que a equipe de “efeitos especiais” tinha um profissional de altíssimo calibre como Dino Galiano (que logo a seguir trabalhou no “Duna” do David Lynch), ou o orçamento do filme era mais merreca do que parece, ou ninguém estava levando o trabalho tão a sério, encarando-o unicamente como um bico para pagar as contas, e se colar, colou.


Claro que pesa bastante contra o filme o fato de SUPER SNOOPER se passar ora no “mundo real”, com policiais e bandidos bem parecidos com os da vida real, ora numa espécie de universo alternativo de desenho animado, em que ninguém se machuca com seriedade e parece praticamente impossível morrer. Logo, um sujeito congelado durante meses volta à vida no momento em que é exposto ao sol, embora isso contrarie todas as leis da medicina. E quando Speed enxerga a famigerada cor vermelha no momento em que se joga do topo de um prédio, a única coisa que lhe acontece é acabar no hospital engessado dos pés à cabeça, mas sem morrer espatifado na calçada. Quando a gente constata a total impossibilidade de o herói ser ferido ou morto pelos bandidos, a narrativa acaba ficando redundante – não há sentido em tentar criar perigos ou situações de risco para o “Super-Dave” porque já se sabe que ele sobreviverá a tudo, com superpoderes ou sem.

Uma das melhores piadas nonsense está reservada para o ato final: quando Willy despenca de uma queda de centenas de metros de altura, Dave tenta agarrá-lo, mas ambos desaparecem num buraco no solo. Parece o fim da nossa intrépida dupla de policiais, até que um telefonema de longa distância avisa que ambos estão vivos e bem... na China, tendo atravessado o globo terrestre de um pólo a outro, algo que os desenhos animados sempre nos fizeram crer que era possível!


Talvez Corbucci devesse ter abraçado este clima cartunesco integralmente, fazendo uma daquelas comédias absurdas em que bombas explodem nas mãos dos vilões apenas para deixá-los com o rosto sujo de fuligem. Infelizmente não é o caso, e às vezes parece que o filme se leva mais a sério do que deveria. Existe até uma subtrama totalmente dispensável envolvendo um mágico afetado pelo mesmo plutônio vermelho, que tenta ensinar Dave como usar seus poderes.

E não faz sentido ter um simplório falsificador de dinheiro como antagonista ao invés de um afetado gênio do mal estilo Lex Luthor. Até porque o bandidão Torpedo parece ter saído de um filme policial sério, enquanto seus capangas atrapalhados certamente estão numa outra sintonia: batizados com nomes estapafúrdios como “Tragedy Row” e “Paradise Alley”, os marginais são interpretados por notórios figurantes do cinema de gênero italiano, como Sal Borgese e Claudio Ruffini (que muito “apanharam” de Terence Hill e Bud Spencer nesta e em outras aventuras).


SUPER SNOOPER foi a segunda das três vezes em que Terence Hill interpretou um policial em Miami – embora a primeira e única sem Bud Spencer e a primeira e única em que seu personagem tem superpoderes. Com Bud, ele vestiu uniforme em “Dois Tiras Fora de Ordem” (1977), de Enzo Barboni, e em “Os Dois Super-Tiras em Miami” (1985), de Bruno Corbucci, irmão de Sergio.

Obviamente, com superpoderes ou sem, Terence não faz nada além de repetir o papel de Trinity, como sempre. E o faz com a simpatia habitual – dá pra entender porque ele era tão popular na época. É o veterano Borgnine quem quase rouba o filme como Willy Dunlop, o superior-rebaixado-a-parceiro do herói. Ele consegue arrancar gargalhadas e sorrisos sem se esforçar muito como o policial cabeça-dura de bom coração, um sidekick bem diferente do bruto Bud Spencer.


A presença de Borgnine serve ainda para fazer uma ponte com o cinema de Hollywood e uma singela homenagem a esta fábrica de sonhos, quando Dunlop confessa que trabalhou como dublê em aventuras de Hollywood na juventude (Tarantino, que já citou dublês ou os colocou como personagens em “Death Proof”, “Bastardos Inglórios” e “Era Uma Vez em Hollywood”, deve ter curtido isso).

O coroa nutre um amor platônico por uma velha estrela de cinema com quem contracenou no passado, Rosy Labouche (interpretada por uma envelhecida estrela da vida real, Joanne Dru!), rendendo algum sentimentalismo quando ela aparece no filme mais adiante, e do lado dos vilões.


A exemplo de muitas comédias de Terence Hill e Bud Spencer (e, no Brasil, d’Os Trapalhões), SUPER SNOOPER foi defenestrado pela crítica na época do seu lançamento. A resenha de Herbert Mitgang no The New York Times pelo menos foi além dos xingamentos e observou um aspecto muito interessante (e louvável) da comédia de Corbucci: o fato de o filme ter dado emprego para veteranos de Hollywood que já não tinham grandes oportunidades no cinemão norte-americano.

Por exemplo, o grande vilão Torpedo (que baita nome!) foi vivido por Marc Lawrence, um veteraníssimo ator com mais de 200 créditos, que começou sua carreira na Hollywood dos anos 1930! O fato de aparecer aqui como bandidão é uma óbvia referência ao passado de Lawrence, pois ele geralmente interpretava gângsters e chefões da Máfia em filmes como “Eu Sou a Lei!” (1938), “Mulher Sinistra / Lady Scarface” (1941), e até em duas aventuras de James Bond (“Os Diamantes São Eternos” e “007 Contra o Homem da Pistola de Ouro”). O ator ainda aventurou-se algumas poucas vezes pela direção, e uma delas foi no inacreditável thriller “Pigs!”, de 1973. Adivinha quem era um grande fã do homem? Exato: Quentin Tarantino, que o homenageou duplamente com pontas em “Grande Hotel” e em “Um Drink no Inferno” (que ele escreveu para Robert Rodriguez dirigir).


E Joanne Dru, que no filme interpreta uma atriz decadente, também era uma atriz decadente na vida real. Praticamente esquecida hoje (embora tenha sua própria estrela na famosa Calçada da Fama), ela teve seu auge na Hollywood dos anos 1940, quando chegou a emplacar papéis principais ao lado de John Wayne, em obras de grandes mestres como John Ford (“Legião Invencível”) e Howard Hawks (“Rio Vermelho”). No final da década de 1950 ela migrou para os seriados de televisão, onde permaneceu até 1975. Quando apareceu em SUPER SNOOPER, ela não fazia um filme para cinema desde 1965. Ironicamente, quando sua personagem Rosy Labouche é presa na conclusão, sua última fala é: “Que final para a minha carreira!”. A frase se revelaria profética: este foi o último trabalho de Joanne na vida real. Ela aposentou-se logo depois e morreu em 1996, já bem longe das câmeras.


Assim, para o cinéfilo adulto que já não vê a mesma graça nos tapões-de-mão-aberta, SUPER SNOOPER vale mais enquanto homenagem, por estas piscadelas (intencionais ou acidentais) de Sergio Corbucci para o cinemão hollywoodiano das antigas.

E também por um aspecto bastante moderno para a época: o fato de a mocinha Evelyn não gostar da ideia de ter um “super-partidão” em casa, ao contrário da Lois Lane de “Superman – O Filme” ou da Mary Jane Watson dos “Homem-Aranha” do Sam Raimi, que se apaixonavam justamente pelo super-herói. Mais simpática à ideia de igualdade entre os sexos, Evelyn prefere um Dave Speed humano e cheio de defeitos como marido do que um super-herói com poderes invencíveis.

Por isso, na cena final, revela-se que ela tingiu os cabelos de vermelho justamente no dia do casamento com o super-tira, para anular permanentemente seus poderes enquanto estiverem juntos e mantê-lo sob controle! Por essa você não esperava, hein, Dave?


Enquanto Terence brincava de Superman em SUPER SNOOPER, seu parceirão Bud Spencer chegava aos cinemas interpretando outro policial numa comédia só dele, “Um Tira Enrolado” (1980), no que parecia até ser uma competição entre os dois. E no ano seguinte eles voltariam juntos às telas no já mencionado “Quem Encontra um Amigo, Encontra um Tesouro”. Considerável parte dos espectadores preferia vê-los como dupla, por isso eles intercalavam a carreira solo com as parcerias.

Muitas das aventuras de Terence Hill/Bud Spencer envelheceram mal, e este SUPER SNOOPER não é exceção. Mas merece algum respeito pelo pioneirismo, já que foi uma das primeiras aventuras a brincar com a ideia de um super-herói atrapalhado, tendo sido lançada antes da antológica série de TV “O Super-Herói Americano” (de 1981) e da versão mais cômica do Super-Homem mostrada em “Superman III” (1983). Se hoje os filmes da Marvel apelam naturalmente para o humor e para as trapalhadas de alguns de seus heróis, SUPER SNOOPER já fazia isso quase 30 anos antes. Sem contar que Dave Speed já era um super-herói gaiato uma década antes da Marvel criar o Deadpool!


Tudo considerado, não sei se eu recomendaria esta comédia vagabunda para espectadores contemporâneos, que não tenham crescido sob a influência das aventuras da dupla – embora ele certamente funcione para ver em grupo e sob influência de álcool, para rir COM e DO filme. Já para o pessoal das antigas, por pior que seja revisitar algo que deveria ter ficado na infância, é sempre uma gostosa viagem pela memória a tempos mais inocentes.

Tempos em que as pessoas acreditavam inclusive que você podia atravessar o planeta e ir parar na China. Hoje, com gente influente defendendo que a Terra é plana, o pobre Dave e seu parceiro Willy iriam despencar direto para o espaço, e o filme não teria final feliz...

PS: Os Trapalhões estavam na mesma sintonia da italianada e, no mesmo ano de 1980, filmaram “O Incrível Monstro Trapalhão”, com uma cena em que Renato Aragão sonha que é uma versão tupiniquim do Superman e apronta altas confusões...



Trailer  de SUPER SNOOPER – UM TIRA GENIAL

12 comentários:

Jorge Verneti disse...

Bons tempos da Sessão da Tarde e da dupla Terrence Hill-Buda Spencer, uma resenha para viajar no tempo. Assisti essa pérola a cerca de 10 anos na ULBRA TV.
Continue com o excelente trabalho, Felipe!

Gélikom disse...

Super-heroi americano merecia uma resenha, juntaamete com um seria live action tosquíssimo do SHAZAM ambos eram apresentados pelas manhãs de domingo no SBT.

Pedro Pereira disse...

Revi este o ano passado e sofri com o amadorismo da cena do balão. Quero esquecer, mas não consigo.

Ismael Monteiro disse...

Assisti muito também na sessão da tarde,bons tempos de infância e inocência, a gente se divertia com esse e outros filmes ruins, mas era muito bom, legal você fazer essa resenha de um filme do ator Terence Hill que passava direto na sessão da tarde e que fez parte da infância de muita gente, parabéns pelo blog , abraço !!!

spektro 72 disse...

Quem nunca assistiu um filme do Terence Hill & Bud Spencer no "Festival de Ferias ou na Sessão da Tarde " ,e nunca riu com os seus filmes é uma pessoa que não teve á inocência da infância nas veias,os anos 80 foi uma época muito boa e seus canais de televisão nos enchia os olhos com vários filmes legais e series fantásticas foi época de ouro em nossa televisão que nunca mais voltara,que saudade daquela época .. o engraçado é que nós hoje em dia na faixa dos 45 á 55 anos vemos defeitos em tudo o que assistimos daquela época e tornamos mais detalhista com o que nós assistimos hoje .. as vezes realmente é muito divertido assistir filme antigo e descobrir as suas falhas e dar ótimas risadas pelo o erro que você notou na tela ou efeitos especiais pra lá de toscos que encontramos nesses filmes,enfim!parabéns por mais essa postagem ,mestre Felipe ,senhor absoluto dos filmes esquecidos do vasto mundo cinematográfico e um abraço de Spektro 72.

Colecaoema disse...

Excelente! Sempre senti falta dessa incrível dupla de atores aqui nas matérias do blog, apesar de você já ter falado do rip-off do Django com o Terence no papel. Esses caras merecem ser resgatados sempre. Valeu!

Damaris disse...

Gostaria que você resenhasse algum dia um filme da Cynthia Rothrock ou do Don" the dragon" Wilson,sinto falta dessas figuras aqui no blog

Daniel I. Dutra disse...

Eu também faço parte do time "como é que eu podia gostar disso quando criança?"

No meu caso foi o filme "Pumaman", citado na resenha. Vi há pouco tempo atrás e desisti na metade. Os efeitos eram abaixo do seriado Chaves, pior até que "Super Snooper" se não me falha a memória, mas na época achava aquilo o máximo.

Aliás, "Pumaman" merecia uma resenha no Filmes para Doidos. Faz parte daqueles filmes do tipo "boas ideias, péssima execução". Apesar dos efeitos patéticos, o "plot" de "Pumaman", e o próprio personagem, são mais interessantes do que muito superherói da Marvel e da DC no cinema.

Felipe M. Guerra disse...

DANIEL, em breve o Pumaman estará por aqui, por isso a citação. A diferença é que eu já achava o filme ruim quando criança, agora revejo como se fosse comédia desde o início! ;-)

Anônimo disse...

Por mais que sejamos de diferentes gerações, cresci no inicio dos anos 2000 sem acesso a internet e a minha única chance de ver filmes era assistindo TV então cheguei a acompanhar o festival Terence Hill & Bud Spencer que passava na Sessão da Tarde da Globo.

Anônimo disse...

Salve, Felipe!
Ótimo texto como sempre e uma escolha bem apropriada, pelo espírito do blog, de um primeiro texto (o do Django não vale, o Terence não tinha construído a persona que o levou ao estrelato) e sobre um ídolo, que tinha certeza foi/ é também seu devido nossa contemporaneidade, de nossa infância. Posso sugerir, se um dia você resolver fazer um terceiro textão sobre um filme com o Terence, o problemático MR. BILLION, dirigido pelo grande Jonathan Kaplan, que parece ter sido uma aposta de tornar o Hill um astro Hollywoodiano, mas que fracassou retumbantemente. Das poucas memórias que tenho ainda do filme, lembro que gostava, mas o achava diferente dos demais filmes com o Terence, pois tanto o ator como o filme tinha um tom mais sério e dramático do que os demais que eu via naquela época, apesar de ser bem movimentado também, pelo que eu me lembre.

Alaor Silveira - leitor e doido

Felipe M. Guerra disse...

Exato ALAOR, Terence Hill fez uma breve tentativa de virar astro internacional fora da Itália. Além do filme do Kaplan, ele também apareceu na mesma época em "Marcha ou Morre", uma aventura inglesa, ao lado de Gene Hackman e Catherine Deneuve.