Como já falamos várias vezes no blog (aqui, aqui e aqui, por exemplo), a obra-prima australiana “Mad Max 2” provocou um impacto tão grande na cultura popular que o mundo foi obrigado a se render àquela curiosa estética “apocalíptica” criada por George Miller. Num curto espaço de tempo, onde quer que houvesse um pedacinho de deserto haveria produtores inescrupulosos rodando aventuras pós-apocalípticas sem um pingo da genialidade ou da energia do clássico instantâneo estrelado por Mel Gibson, copiando na cara-dura alguns de seus principais elementos – tipo os veículos construídos com sucata e os vilões que desconfortavelmente vestem couro num deserto radioativo, como se apenas os figurantes de “Cruising” tivessem sobrevivido ao holocausto nuclear…
Algumas destas imitações de “Mad Max 2” pelo menos eram divertidas, especialmente as produções italianas e filipinas (estas últimas dirigidas por Cirio H. Santiago, que sozinho fez umas cinco). Mas a maioria era mesmo muito, muito ruim, comprovando que seus realizadores não entenderam direito o que funcionou tão bem no filme do George Miller para torná-lo um modelo a ser copiado. Hoje, muitas destas cópias xerox funcionam praticamente como se fossem PARÓDIAS de “Mad Max 2”, e não imitações.
LAND OF THE DOOM, nossa atração de hoje aqui no Filmes para Doidos, fica no meio do caminho: tem duas ou três boas ideias e alguns momentos divertidos, fazendo com que o espectador menos exigente consiga sobreviver até o fim sem apelar para o FF; só que também é ruim de doer, e parte da “diversão” vem de saber apreciar tal ruindade ou inépcia técnica e artística.
Rebatizada GUERREIROS DO APOCALIPSE quando saiu em VHS no Brasil, esta aventura tosca de produçáo norte-americana tem como uma de suas maiores curiosidades o fato de ter sido filmada na Turquia em 1984. Repleta de desertos, montanhas rochosas, cavernas produzidas por erupções vulcânicas e ruínas, a região da Capadócia serviu como locação perfeita para o “pós-fim do mundo”, rendendo alguns cenários e visuais incríveis, como o leitor pode conferir nas imagens abaixo.
O filme foi produzido e dirigido por um sujeito chamado Peter Maris, sobre quem, hoje, pouco ou nada se sabe. Voltaremos a ele mais adiante. Como boa aventura Mad-Maxiana que é, GUERREIROS DO APOCALIPSE começa nos informando que houve um… Bem, um apocalipse. No lugar das tradicionais cenas de arquivo de bombas atômicas caindo, uma narração em off da heroína informa que o mundo foi devastado por ogivas nucleares em data ignorada.
“Não sei quando a última grande guerra começou, mas isso não importa mais”, diz ela, sua breve explicação ilustrada por imagens do deserto com o sol a pino e de cadáveres parcialmente devorados por caranguejos na beira de um rio (escolha curiosa esta de iniciar uma aventura que se passa num “deserto radioativo” com... cenas num rio!).
“Tudo que importa agora é a sobrevivência. Há pouca esperança neste mundo desolado, repleto de doença e poluição. Há pouca comida, e esta é disputada por um bando de assassinos, liderado por um sádico determinado a destruir os últimos seres humanos bons”, continua ela, resumindo não apenas o universo do filme em questão, mas de quase todas as aventuras pós-apocalípticas já filmadas!
Então entra o título LAND OF DOOM escrito em “caracteres metálicos”; a câmera vai se distanciando dele e percebemos que não é algo gravado diretamente na película, e sim um letreiro físico, uma espécie de escultura, que lá pelas tantas explode na cara do espectador – prometendo uma aventura explosiva que infelizmente falhará em entregar!
Ah, e você não leu errado: ao contrário de outros filmes deste subgênero, protagonizados por um herói solitário e silencioso, GUERREIROS DO APOCALIPSE tem uma HEROÍNA, a loirinha Harmony, interpretada por Deborah Rennard.
À época, a atriz fazia parte do elenco fixo do seriado, ou novelão, “Dallas”, onde interpretou a secretária do vilanesco J.R. Ewing (Larry Hagman) ao longo de quase uma década. Ela foi atraída a este projeto bem diferente com a promessa de umas férias na ensolarada Turquia e de um papel de destaque como protagonista. Conseguiu as duas coisas.
Sem perda de tempo, encontramos nossa heroína bem no meio de um ataque do tal “bando de assassinos liderado por um sádico” à sua vila de sobreviventes. Denominados “Raiders”, eles matam qualquer coisa que se mova e estupram todas as mulheres pelo caminho, estejam elas se movendo ou não. “Quero este lugar queimado até virar cinzas!”, berra o chefão, interrompendo os avanços sexuais não-consentidos de seus homens, que parecem não buscar por nada específico (comida? água? gasolina?), apenas morte e destruição.
Armada com uma besta carregada com flechas (que ela NUNCA irá disparar pelo restante do filme, então pelo visto serve apenas como elemento decorativo), Harmony consegue escapar da chacina determinada a virar uma solitária guerreira errante à la Mad Max.
Só que ela escolhe a caverna errada para se refugiar à noite, e acaba topando com um rapaz mortalmente ferido, chamado Anderson. Ele chegou antes e está escondido no local há alguns dias, desde que sobreviveu a outro ataque dos vilões.
Contra sua vontade, já que odeia homens e não confia neles, Harmony passa a noite no local e divide o pouco que restou de sua comida com ele – especialmente depois que Anderson salva sua vida, matando uma cobra venenosa que se aproximava sorrateira por trás da moça.
O rapaz é interpretado por Garrick Dowhen, cujo único papel de destaque anterior foi no slasher “Encontro com o Medo” (1985), de Ramsey Thomas. Sua “carreira” morreu em GUERREIROS DO APOCALIPSE e ele nunca mais fez outro filme. Sendo o único bonitão em cena além da protagonista, o espectador imediatamente percebe que Anderson é um dos heróis.
No dia seguinte, Harmony acorda e resolve seguir seu rumo. Anderson, sem ser convidado, decide segui-la, argumentando que fica mais fácil sobreviver em dupla – embora ELE seja aquele que realmente precisa de ajuda; a mocinha se virou muito bem até então! O sujeito está gravemente ferido e não consegue caminhar direito, um detalhe observado de maneira pouco sutil pela protagonista: “Não preciso de um aleijado pra me atrasar”.
Mas o rapaz fala sobre um lugar distante chamado Blue Lake, onde supostamente outros sobreviventes conseguiram se reunir e formar uma sociedade pacífica. Ok, ele não sabe exatamente onde Blue Lake fica, porém de alguma maneira consegue convencer Harmony de que é o único capaz de encontrá-lo.
E assim os dois partem juntos pelo deserto pós-apocalíptico, participando de uma série de situações episódicas que nem sempre dialogam muito bem entre si: passam por outra vila que está sendo atacada pelos vilões (e, nada altruístas, ficam escondidos sem ajudar ninguém); são atacados por pessoas contaminadas por uma doença mortal que supostamente se alastra naquele cenário pós-bomba atômica; acabam na casa de um grupo de canibais que transforma os visitantes em comida, etc etc.
Lá pelas tantas, a dupla topa com Orland (Aykut Düz), o inevitável alívio cômico construído com base no personagem de Bruce Spence em “Mad Max 2”. Acompanhado por um cachorrinho chamado Guinevere, Orland revela-se muito hábil no manejo de um lança-chamas. Providenciais anõezinhos usando capuz – muito parecidos com os Jawas, o Povo da Areia de “Guerra nas Estrelas” – aparecem literalmente do nada para dar uma mãozinha no ataque final à fortaleza dos malvadões, lembrando os Ewoks ajudando os Rebeldes no final de “O Retorno de Jedi”.
Se nossos heróis não parecem lá muito interessantes, os vilões de GUERREIROS DO APOCALIPSE conseguem a façanha de ser ainda piores. Certamente estão entre os mais fracassados e toscos já mostrados pelo subgênero, o que não é pouca coisa. São piores até que os “afetados” Templários de “Guerreiros do Futuro”, de Enzo G. Castellari.
Eles parecem ter roubado todo o estoque de alguma loja S&M/bondage logo depois do apocalipse, e ficam perambulando pelo deserto, num calor de rachar, usando calças de couro, correias de couro e até máscaras de couro com pontas metálicas, algo que deve ser enormemente desconfortável – e talvez explique a natureza violenta dos caras; se eu fosse obrigado a me vestir assim, também ia querer cruzar o deserto matando todo mundo que aparecesse pela frente!
GUERREIROS DO APOCALIPSE também tem em comum com o filme do Castellari a ideia de Anderson, o sub-herói, ser um ex-integrante do grupo dos vilões, por quem o líder dos malvados continua suspeitamente obcecado, deixando indícios de que havia mais do que “amizade” na relação entre os dois.
O mencionado líder dos Raiders é um dos pontos altos do filme – e sim, estou falando no mau sentido. Slater (Daniel Radell) é um loirão que parece saído da capa de algum disco de metal-farofa dos anos 1980, ostentando um penteado ridículo que jamais se manteria num cenário pós-apocalíptico, marcado por uma mecha mais escura no topete.
Como não estava gay o bastante (mesmo gritando repetidamente “I want Anderson! I want Anderson!” durante boa parte do filme), Slater tem um braço metálico que não representa qualquer vantagem aparente (pensei que lhe daria algum tipo de super-força, mas se é assim ele jamais usa o recurso). E metade do seu rosto está coberto por uma máscara de couro, aparentemente para esconder uma cicatriz que o próprio Anderson colocou na sua carinha. Pode ser uma referência ao Lord Humungus de “Mad Max 2”, que também escondia o rosto com uma máscara, porém confesso que me lembrou mais uma versão masculina (pero no mucho) da malvada Rainha Gedren, de “Red Sonja / Guerreiros de Fogo” – outra vilã que foi desfigurada pela heroína e optou por cobrir parte do rosto com uma máscara enquanto fica berrando “I want Sonja! I want Sonja!” de maneira extremamente suspeita.
Ah, Slater tem um sub-chefe chamado Purvis (Frank Garret, em seu único filme), que é quem realmente suja as mãos matando e surrando pessoas debaixo do sol de rachar, enquanto seu líder fica todo confortável numa caverna fresquinha. Purvis tem uma enorme cicatriz no rosto que vai mudando conforme o filme avança: às vezes está retinha, outras vezes mais na diagonal, porque aparentemente os maquiadores no set não guardavam registros fotográgicos da dita cuja para poder reaplicar a maquiagem do mesmo jeito no dia seguinte.
Curiosamente, não contente em pagar mico como o tirano platinado e afeminado do futuro, o ator Daniel Radell resolveu fazer hora extra e aparecer rapidamente no filme como um SEGUNDO VILÃO: um criminoso lunático chamado Demister, escondido sob uma tonelada de maquiagem e com o cabelo escuro (abaixo). Não acrescenta absolutamente nada, mas imagino que os produtores tenham ficado felizes por economizar um cachê!
Como se percebe pela breve descrição (e acredite, não há muito mais para contar), GUERREIROS DO APOCALIPSE não passa de uma miscelânea de cenas, personagens e situações de filmes bem conhecidos e bem melhores. Se hoje soa razoavelmente divertido é justamente pela quantidade de bobagens e excessos, e porque as aventuras do gênero acabaram virando uma espécie de “cápsula do tempo” da sua época, produzidas durante a Guerra Fria e prevendo futuros terríveis que nunca se concretizaram – embora o nosso “presente” tampouco seja lá dos mais agradáveis ou pacíficos.
Há uma praga mortal mencionada repetidas vezes, e a própria contaminação pela radiação das bombas nucleares parece estar provocando estragos nos sobreviventes do fim do mundo. Só que nenhum destes problemas parece afetar os protagonistas Harmony e Anderson, as únicas pessoas atléticas e sem defeitos visíveis do filme inteiro, enquanto o restante do elenco está com a cara toda fodida, cheia de cicatrizes, deformações ou queimaduras.
(Ressalte-se que até mesmo os tais ferimentos graves sofridos por Anderson, que o fazem mancar e parecer fraco em todas as suas primeiras cenas, desaparecem num passe de mágica ao longo da narrativa e sem qualquer intervenção médica!)
A maior curiosidade do filme, hoje, é trazer uma mulher forte como protagonista, que coloca o homem da trama para ser seu parceiro/coadjuvante, e não o contrário. A mesma inversão de papéis seria reaproveitada quase 30 anos depois pelo homem em pessoa, George Miller, em seu “Mad Max - Estrada da Fúria” (2015), com Charlize Theron e sua incrível Furiosa roubando o protagonismo do apagado Max de Tom Hardy.
Então não deixa de ser irônico constatar que o mesmo Miller que influenciou essas cópias todas de seu “Mad Max 2” possa ter se inspirado e/ou copiado uma de suas imitações. Ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão, já diz a sabedoria popular.
Embora não seja lá a mais memorável ou fodaralhaça das heroínas do cinema (basta lembrar que, pela mesma época, fomos apresentados a Sarah Connor em “O Exterminador do Futuro” e à versão bombadona da Tenente Ripley em “Aliens – O Resgate”), a Harmony de Deborah Rennard se destaca por enfrentar os vilões carniceiros de igual para igual, e salvar a pele do colega do sexo oposto mais de uma vez. Na cena em que eles são convidados para um banquete na casa dos canibais, por exemplo, é ela quem salva Anderson de saborear carne humana ao questionar onde diabos os sujeitos arrumaram aquela carne fresca para servir.
Harmony também tem ódio mortal ao sexo oposto. Nunca fica claro se ela sofreu qualquer espécie de violência sexual antes, ou se é a resposta automática à quantidade de estupros e pilhagens que testemunhou os Raiders cometerem – quem sabe inclusive contra amigas e familiares. De qualquer maneira, basta algum homem tocar nela para provocar uma reação extrema, que pode variar de um chute no saco até ter a cabeça esmagada a pedradas.
Ainda dentro desta interessante inversão de papéis proposta pelo filme, é Harmony quem geralmente utiliza de violência contra os inimigos. Anderson adota um tom mais conciliatório e censura a conduta da parceira forçada. “Você não vai mudar as coisas simplesmente matando todo mundo”, argumenta o Sr. Madre Teresa, sem explicar como exatamente ele pretende mudar o mundo poupando, por exemplo, a vida dos canibais com quem a dupla cruza, deixando-os livres e vivos para atacar outros pobres viajantes que passem pelo mesmo caminho!
Claro que se GUERREIROS DO APOCALIPSE foi uma tentativa de Deborah emplacar uma carreira no cinema, não deu muito certo. Embora seja a protagonista desta aventura, seu outro único papel de destaque nas telonas foi ao lado de Jean Claude Van Damme em “Leão Branco – O Lutador Sem Lei” (1990). Como curiosidade, até alguns anos atrás (2016, para ser mais exato) a moça foi casada com o diretor e roteirista Paul Haggis, aque ganhou o Oscar com “Crash – No Limite” em 2006.
Infelizmente, tirando a curiosidade do sexo trocado dos protagonistas, sobra pouco para elogiar e muito para ridicularizar nesta tosquice. Se em “Mad Max 2” o argumento simples era direcionado para desembocar numa das melhores perseguições automobilísticas da história do cinema (Mel Gibson escoltando caminhões de gasolina e sendo atacado por uma horda de inimigos), GUERREIROS DO APOCALIPSE se satisfaz colocando a dupla de personagens (depois transformada em trio com a adição de Orland) para zanzar pelo deserto e encontrar aleatoriamente inimigos e perigos, em cenas de ação nada elaboradas, que os dublês do filme do George Miller certamente fariam com um braço amarrado nas costas, ou dormindo.
A pobreza impera, tornando os antagonistas os inimigos menos ameaçadores do subgênero: em “Mad Max 2” e diversas de suas cópias, os bárbaros e punks pelo menos são figuras que parecem capazes de lutar ou de resistir a meia dúzia de socos. Já os vilões pós-apocalípticos deste aqui lembram, visualmente, o tiozão da padaria da esquina num figurino sadomasô (desculpe estragar o apetite do leitor), ostentando vistosas carecas e panças de cerveja por baixo das correias e tiras de couro.
Nem mesmo os stunts, razão de ser desse tipo de aventura, são lá grandes coisas. As mesmas duas explosões na cena do ataque a uma vila de sobreviventes são repetidas várias vezes em ângulos de câmera diferentes para parecer que muito mais explosões aconteceram. Embora o filme copie fielmente as motos e veículos repletos de cacarecos à la “Mad Max”, as perseguições são sonolentas, com todo mundo dirigindo a 30 km/h e a excelente trilha sonora de Mark Governor tentando passar alguma ideia de agilidade e velocidade inexistentes.
E sempre que um dublê dá o ar da graça, ele é COMPLETAMENTE DIFERENTE do ator que está substituindo – vide o cabeludão que toma o lugar do coadjuvante careca na cena “perigosa” abaixo, tão logo o sujeito perde o controle da sua motoca!
O erro acima pode ter uma justificativa: é muito possível que todos os continuístas do Universo tenham sido exterminados pela guerra nuclear do início de GUERREIROS DO APOCALIPSE. Ou pelo menos não havia nenhum na Turquia quando o filme foi gravado, se considerarmos a quantidade medonha de problemas de continuidade. Vejam, eu geralmente sou bem generoso com esse tipo de coisa porque é algo em que somente os xaropes ficam reparando para fazer graça dos blockbusters. Tipo: “Olha como sou espertão, descobri que o 35º figurante na cena de multidão do último ‘Avengers’ estava de chapéu numa cena e sem chapéu na outra!”. Quem se importa, certo?
Mas GUERREIROS DO APOCALIPSE abusa. No começo, um inimigo morto por Harmony reaparece vivinho segundos depois matando uma garota (algo que qualquer editor usando óculos poderia ter enxergado e corrigido facilmente alterando a ordem dos takes). E numa cena em que a mocinha e Anderson desbravam o deserto na motocicleta roubada de um dos Raiders, o visual do veículo muda umas duas vezes entre os planos gerais e os planos de detalhe (abaixo)!
Para piorar, a aventura sequer tem uma conclusão. Harmony, Anderson e Orland lançam um ataque quase suicida à fortaleza dos vilões, onde chovem tiros, explosões e até lança-chamas torrando inimigos; mesmo assim boa parte deles, incluindo os chefões Slater e Purvis, sobrevivem, e na cena final nossos heróis são vistos fugindo para o horizonte para continuar lutando em breve. Ou seja, eles nunca chegam até o diacho de sociedade civilizada prometida por Anderson no início, e nem conseguem vencer seus inimigos, além de falhar em salvar qualquer pessoa inocente quando passam pelas duas vilas atacadas pelos Raiders. É incompetência que chama?
Parece tão frustrante quanto é? Sim, e especialmente porque a ideia original de Maris e cia era filmar uma sequência chamada LAND OF DOOM 2 – THE BATTLE CONTINUES! Um pôster chegou a ser divulgado para tentar atrair investidores (ao lado), mostrando, entre outras coisas, naves que não existiam na primeira aventura, e creditando uma nova roteirista, Nancy Newbauer.
A estrela Deborah Rennard tinha assinado um contrato para dois filmes, mas a sequência nunca se materializou, deixando a história sem uma conclusão – e, encarando pelo lado positivo, poupando a humanidade de mais 90 minutos de Harmony e Anderson fugindo de Slater e seus tiozões com roupa de couro.
Mas a parte tragicômica da coisa é que os realizadores de GUERREIROS DO APOCALIPSE realmente levaram a coisa a sério e acreditaram estar criando uma franquia ou megassaga estilo “Star Wars”. Chegaram a usar uma MÚSICA-TEMA durante os créditos finais, escrita por Carl Protho, com um tal Jackie Lee cantando os feitos da protagonista: “The Raiders want to get her / Can anyone protect her in this land? / Land of doom / Land of doooooooom / Of dooooooooom”. É de se mijar de rir!
Como escrevi mais acima, o paradeiro do diretor e produtor Peter Maris é desconhecido. Seu último filme é de 2007 (um negócio chamado “Zombie Hunters”), e o site da sua produtora, a Maris Entertainment Group, está fora do ar desde então. Consegui recuperar o cache do site e peguei o e-mail do diretor para tentar entrar em contato com ele e esclarecer algumas dúvidas, mas minha mensagem voltou. Ano passado, GUERREIROS DO APOCALIPSE saiu em blu-ray pela Scorpion Releasing e o diretor tampouco aparece comentando o filme (quem o faz é a estrelinha Rennard num extra). Terá ele morrido?
Sabe-se que Maris nasceu na Grécia e logo foi para a Califórnia com o desejo de fazer filmes. Sua estreia foi com o thriller “Deliirium”, de 1979, sobre um psicótico veterano do Vietnã que sai numa onda de crimes, e que alcançou certa notoriedade por ter sido incluído na infame lista de “Video Nasties”, os filmes proibidos no Reino Unido durante anos por causa da violência.
Em 1982, Maris mudou de ares e foi para a Turquia filmar uma aventura para o mercado local, o obscuro “Curse of the Red Butterfly / Na Trilha da Jóia Maldita”, realizado com mão-de-obra turca e codireção de Aykut Düz (o sujeito que interpreta Orland aqui). Peter deve ter percebido o potencial do país para servir como locação barata para uma aventura pós-apocalíptica, e ainda dirigiu uma terceira obra por ali, em Istambul (“Terror Squad”, de 1988, com Chuck Connors e Ken Foree).
Pouco antes de desaparecer do mapa, Maris fez alguns outros filmes relativamente conhecidos porque chegaram a passar na TV ou sair em VHS no Brasil, tipo “Os Profissionais do Extermínio” (1988), “Uma Cidade em Perigo” e “Imunidade Diplomática” (1991).
Nenhum deles é grande coisa ou particularmente memorável, embora o homem tenha trabalhado com elencos repletos de figurinhas carimbadas do lado B, como Billy Drago e Meg Foster.
Seu trabalho mais memorável, porém, não é no cinema, e sim no mundo dos jogos eletrônicos: foi Peter Maris quem dirigiu as cenas com atores de verdade, depois digitalizadas, do clássico game de horror para PC “Phantasmagoria” (acima), de 1995 – que na época viciou muito moleque que hoje está na faixa dos 40, incluindo este que vos escreve.
O IMDB nos informa (se é que podemos confiar nele no caso destas produções obscuras) que GUERREIROS DO APOCALIPSE teria sido inspirado num livro (!!!), escrito por um tal de Peter Kotis. E se uso “um tal” é porque não existem rastros de que alguém chamado Peter Kotis tenha escrito qualquer livro em qualquer momento. A não ser que seja um livro inexistente de um autor falso, ambos criados apenas como piada interna – tipo Jess Franco, que costumava fazer filmes “baseados” em livros fictícios de um autor fictício chamado David Kühne.
Ao contrário do IMDB, os créditos iniciais e finais do filme informam apenas que o tal Kotis foi autor da história que deu origem ao roteiro de Craig Rand, sem jamais especificar se foi tirada de um livro, o que não me parece o caso. Por sua vez, Rand nunca mais roteirizou outro filme: seus dois outros créditos foram como autor de episódios de desenhos animados (um da série animada de “Transformers”, outro de um negócio chamado “Potato Head Kids” que duvido ter chegado ao Brasil).
Tosco, bobo e privando o espectador até mesmo de algo próximo de uma conclusão, GUERREIROS DO APOCALIPSE não é dos momentos mais memoráveis quando se fala em imitações de “Mad Max 2”. Porém, se considerarmos tais aventuras pós-apocalípticas como um subgênero em si, é um subgênero tão ingrato para se acompanhar quanto os slashers: há muito mais porcaria do que filmes bons a serem (re)descobertos.
E justamente considerando o habitual baixo nível deste tipo de produção, a obra pelo menos diverte, amontoando cenas de ação sem intervalos e encenando uma mortandade com números expressivos mesmo para o subgênero (duas vilas inteiras são completamente massacradas pelos vilões, num festival variado de mortes e estupros).
Apesar da contagem de cadáveres expressiva, GUERREIROS DO APOCALIPSE é praticamente inofensivo: os estupros são mostrados com os personagens completamente vestidos (e considerando o nível dos sujeitos que interpretam os vilões, é de glorificar de pé!); o sangue esguicha com bastante economia, apesar de dedos decepados e cadáveres mutilados aparecerem de vez em quando; e a relação entre a mocinha que odeia os homens e seu parceiro forçado é mantida em nível de total castidade, com um único e inocente beijinho sendo trocado na conclusão. Raios, é um troço quase censura livre!
Falta-lhe, e isso é perceptível, dinheiro e recursos para algo mais elaborado. Mas até a direção de arte vagabunda tem lá seu charme trash, com suas motocicletas cheias de gambiarras e arcos metálicos sem qualquer função prática, muito menos decorativa. E a ambientação na Turquia é incrível, com os personagens passando por alguns cenários naturais fantásticos que bem poderiam estar numa produção melhor.
Tudo considerado, este não foge à regra de quase todas as cópias fuleiras de “Mad Max 2”: o belo pôster desenhado é muito, muito melhor do que o filme!
E embora os realizadores tenham sido suficientemente espertos para não datar seu fim do mundo (já ficamos bastante frustrados por não ter rolado nenhum apocalipse em 1990, 1999, 2000 e 2019, como o cinema nos tinha prometido), recentemente, em janeiro de 2020, o chamado Relógio do Juízo Final foi adiantado na vida real e está 100 segundos mais próximo do fim do mundo!
Este relógio simbólico é usado por cientistas e pesquisadores para medir os riscos relacionados às guerras, à destruição do meio ambiente e às mudanças climáticas. Segundo eles, nunca estivemos tão perto do apocalipse quanto no presente momento.
Ou seja: preparem as roupitchas de couro e as motos turbinadas com sucata porque a “nova era” pode estar surgindo logo ali depois da esquina...
Trailer de GUERREIROS DO APOCALIPSE
16 comentários:
Fantástico...(o texto, não o filme)...
Sensacional .... ( O texto com escreveu o Raphael Silvierri ,pois o filme deve ser um lixo ,pois acho que esse filme nunca passou na TV Aberta )
Mais um daqueles filmes para você assistir comendo uma batata -frita e tomando um cerveja e quando tiver vontade de ir ao banheiro nem precisa pausar o filme,pois você não irá perder grande coisa dele ..kkk ,ótimo texto que venham mais resenhas de filmes esquecidos do vasto cinema trash mundial ,um abraço de Spektro 72.
Queria escrever assim... infelizmente nasci com o QI baixo.
Que forma melhor de terminar um fim de semana e começar outra semana do que ler uma resenha nova do Filmes para Doidos ? Ainda mais uma de um gênero que gosto tanto como o pós-apocalipse ?
Caso fique inspirado a escrever sobre mais filmes passados após o fim do mundo devido a adiantada do Relógio do Juízo Final , não vou reclamar lol .
Não sabia que o relógio do juízo final tinha dado uma adiantada. Provavelmente deve ter sido por causa da epidemia do coronavírus.
Outro filme pós-apocalíptico da mesma época protagonizado literalmente por mulheres é o She Wolfes of the Wastedland. Passou no sbt, mas não lembro o título em português.
É interessante observar que, enquanto essa turminha moderninha de redes sociais fica aplaudindo os filmes com superheroinas de hoje como exemplo de empoderamento feminino, o cinemão B já esbanjava filmes com mulheres duronas (Cynthia Rothrock e Maria Ford mandam um "oi").
Mesmo nos filmes B onde homens são os protagonistas, seja pós-apocalíptico, artes marciais ou qualquer outro gênero, as mulheres passam longe do estereótipo de donzela indefesa.
Isso me lembra um comentário de Roger Corman. Quando perguntaram sobre "O Exterminador do Futuro 2"(a entrevista foi nos anos 90 para a revista SET) ele respondeu que filmes como esse já eram feitos há anos nos filmes B. Ele disse: "o que vocês de superproduções são apenas filmes B com maior orçamento"
Olha que vc está nos acostumando novamente com esses longos e maravilhosos textos toda semana. Já estou a procura dessa "trasheira".
Da uma alegria entrar aqui e ver texto novo. Espero que você consiga ter tempo hábil pra escrever nem que seja um texto por mês. Sei que não é fácil mas fico contente por ter resenhas novas pra ler. Obrigado
Mad Max também inspirou jogos como Fallout e Borderlands.
Mais um texto incrível! Ri demais na parte em que você diz que se tivesse que andar vestido com couro no deserto, também iria sair matando todo mundo hahaha!
Droga! Zé do Caixão morreu. E agora quem vai apresentar um programa que só passasse filmes de terror na TV? Meu sonho.
pq sera a Globo parou de passar filmes de terror?
vcs perceberam? antigamente tinha MUITO filme de terror, principalmente no corujão e no supercine (sábado) mas também na tela quente, hoje eu acho impossivel passarem um filme de terror na tela quente que só segue o mesmo padrão de filmes
ja me perguntei se tem relação com o crescimento da religião evangélica
Gosta do filme Ichi The Killer?
Tem aquele filme Steel Dawn com Patrick Swayze que é tipo um Mad Max mas com espadas.
Já assistiu Hooligans de 2005?
Belo texto, é sempre bom acessar o site e ver uma nova resenha!
Na verdade o motivo é outro: Cada vez mais a audiência da TV aberta tá caindo.
Hoje em dia todo mundo tem a sua Netflix, variantes ou torrents da vida mesmo, muito poucos ainda assistem filmes na tv aberta e por isso a Globo escolhe filmes mais comuns pra tentar ter alguma audiência e como terror afasta uma parte das pessoas, eles não vão exibir filmes do gênero.
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