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segunda-feira, 21 de junho de 2010

HOLLYWOOD - MUITO ALÉM DAS CÂMERAS (1997)


Na postagem anterior, sobre "Brazil - Love Conquers All", eu discuti a influência nefasta dos estúdios sobre diversas conhecidas produções hollywoodianas. Para dar prosseguimento ao assunto, nada melhor do que falar sobre uma obra que justamente satiriza e critica a figura do produtor de Hollywood. Não, não se trata do maravilhoso "O Jogador", de Robert Altman, mas sim de uma produção mais condizente com o nome do blog. Por isso, preparem-se para o choque de conhecer (ou relembrar) a obscura comédia HOLLYWOOD - MUITO ALÉM DAS CÂMERAS.

Com um título original muito melhor ("Queime, Hollywood, Queime!"), esta esquecida produção de 1997 é mais um daqueles casos em que a proposta do filme e as histórias dos bastidores são mais interessantes do que o produto em si. Até porque TUDO deu errado nesta suposta comédia que nunca consegue ser engraçada. Mas vamos devagarzinho para eu poder contar tudo, e então vocês perceberão que os bastidores renderiam um filme até mais engraçado do que o próprio HOLLYWOOD - MUITO ALÉM DAS CÂMERAS.


Para início de conversa, este é aquele tipo de obra destinada exclusivamente a cinéfilos com grande bagagem fílmica ou pessoas que trabalham no ramo do cinema (ou então têm muito conhecimento sobre os bastidores de uma filmagem). Afinal, todas as piadinhas e citações são internas, e não terão a mínima graça para 99% da humanidade - o que explica o fato de esta ser uma "comédia" assim, entre aspas.

Para fim de conversa, este é um filme sobre o famoso diretor Alan Smithee. Você provavelmente já viu algum dos seus trabalhos, como "Hellraiser 4 - Herança Maldita", "Os Pássaros 2" ou "Solar Crisis". Mas a verdade é que Alan Smithee não existe. Sempre que algum diretor perde o "controle criativo" sobre uma obra (em outras palavras, ela é reeditada ou alterada pelos produtores sem o seu consentimento), ele pode retirar o nome dos créditos e substituí-lo por "Alan Smithee", pseudônimo oficial criado pela Directors Guild (o sindicato dos cineastas norte-americanos) para que os créditos do filme não fiquem em branco.

Muita gente famosa já usou o nome "Alan Smithee" para não passar vergonha, como Dennis Hopper (que condenou a montagem do estúdio para o seu "Atraída Pelo Perigo"), Kiefer Shuterland (insatisfeito com a remontagem de "Procura-se") e até o veterano John Frankenheimer (no telefilme "Riviera").


A idéia de HOLLYWOOD - MUITO ALÉM DAS CÂMERAS é hilária (mas só a idéia): o diretor interpretado pelo inglês e ex-Monty Python Eric Idle perde o controle do seu primeiro filme para os produtores, que mandam e desmandam nas filmagens e na edição. Furioso, o diretor resolve tirar seu nome dos créditos, mas neste caso a obra ganhará o nome do famigerado Alan Smithee. Probleminha: o nome do diretor é, justamente, ALAN SMITHEE!!!

Sem ter o que fazer, e ciente de que a ruindade deste trabalho por encomenda destruirá para sempre a sua carreira, Smithee resolve roubar as latas com os originais do filme, provocando uma polêmica que se estende por toda Hollywood e logo chega à mídia, transformando o cineasta num "terrorista pela arte".


O roteiro bizarro foi escrito por Joe Eszterhas. Muita gente provavelmente nem lembra mais da peça, mas Eszterhas foi provavelmente o roteirista mais badalado (e bem pago) em Hollywood durante os anos 90. Foi o sucesso estrondoso de "Instinto Selvagem", que ele escreveu em 1992, que da noite para o dia transformou-o em "galinha dos ovos de ouro". A partir de então, o medíocre roteirista achou um nicho de mercado: filmes "pornô-chic" com histórias sacanas dignas do Cine Privê, mas produções milionárias e astros famosos pagando mico.

Após "Instinto Selvagem", Eszterhas repetiu a dose com outras misturas de suspense e putaria: "Invasão de Privacidade" (também com Sharon Stone), "Jade" e "Showgirls". O fracasso dste último, reconhecidamente um dos piores filmes de todos os tempos, enterrou a carreira do roteirista e por pouco não levou junto o diretor (o holandês Paul Verhoeven).


Subitamente, o tão requisitado e badalado Eszterhas viu-se na sarjeta, sem novos trabalhos e sem grana. Resolveu, assim, escrever HOLLYWOOD - MUITO ALÉM DAS CÂMERAS como desabafo contra o sistema de produção hollywoodiano e seus homens de terno e gravata, que usam e abusam dos autores e depois jogam fora. Sobrou também para as figuras da mídia e dos astros, destruídas sem piedade. Enfim, uma autêntica lavação de roupa suja.

(Só para constar, o último roteiro escrito por Joe Eszterhas que chegou às telas foi para um filme HÚNGARO de 2006. Ele nunca mais conseguiu emprego em Hollywood.)


Por mais que eu condene as motivações do roteirista e o próprio trabalho de Joe Eszterhas (que realmente era um "autor" dos mais medíocres e mereceu o fim que teve), é preciso ressaltar a coragem do sujeito ao atacar furiosamente tudo e todos em HOLLYWOOD - MUITO ALÉM DAS CÂMERAS.

Produtores e agentes de Hollywood são apresentados como um bando de idiotas viciados em drogas e sexo com prostitutas. Astros surgem como pessoas mesquinhas movidas pelos seus egos. Repórteres, no filme, são idiotas. Todos são apresentados com legendas depreciativas e/ou irônicas.


Sem noção, Eszterhas não teve medo nem de transformar a si próprio em piada, e aparece no filme, "interpretando" ele mesmo, como um roteirista medíocre e sem talento - além de fazer uma piadinha com seu maior fracasso, quando o diretor Alan Smithee diz que o seu filme, reeditado pelo estúdio, ficou pior que "Showgirls"!


Mas o mais engraçado e bizarro dessa história toda vem agora: para dirigir HOLLYWOOD - MUITO ALÉM DAS CÂMERAS, foi convocado o veterano Arthur Hiller, na ativa desde a década de 50 e diretor de filmes como "Cegos, Surdos e Loucos" e o clássico da choradeira "Love Story".

Aí, num daqueles episódios simplesmente inacreditáveis de tão absurdos, Hiller perdeu o "corte final" da obra para os produtores (entre eles, o roteirista Joe Eszterhas), e não gostou nada de como eles editaram seu trabalho. Resultado: tirou seu nome dos créditos e usou o famoso pseudônimo "Alan Smithee" para manter sua integridade artística.

Não, você não leu errado: a comédia sobre um diretor chamado Alan Smithee acabou se tornando, na vida real, um "filme de Alan Smithee"!!! É o tipo de coisa tão difícil de acreditar que até hoje imagino ter sido um golpe publicitário dos realizadores para tornar a brincadeira toda mais bizarra. Ou será apenas mais um legítimo caso de "a vida imita a arte"?


Tirando todas essas histórias, HOLLYWOOD - MUITO ALÉM DAS CÂMERAS é, como eu já alertei, uma comédia de poucas risadas, muitos ataques e acusações e intermináveis diálogos que só Eszterhas deve ter achado engraçados.

A trama toda é filmada como se fosse um documentário, com os "envolvidos" no episódio falando diretamente para a câmera e explicando a história. Tudo começa quando o famoso editor Smithee, responsável pela montagem de clássicos como "Touro Indomável" (!!!), ganha a direção do seu primeiro longa, um blockbuster chamado "Trio" e estrelado por ninguém mais ninguém menos que Sylvester Stallone, Whoopi Goldberg e Jackie Chan!!!

(Sim, os três famosos atores aparecem em cena satirizando a eles próprios, no que talvez seja a melhor coisa dessa comédia.)


Começam as primeiras piadas sobre o "processo de criação" de Hollywood, quando o inescrupuloso produtor James Edmunds (interpretado pelo veterano Ryan O'Neal) explica que o roteiro original de Shane Black (o roteirista de "Máquina Mortífera"!!!) era muito bom, mas teve que ser "adaptado" quando Stallone, Whoopi e Jackie entraram no projeto, porque Whoopi e Jackie não queriam que seus personagens morressem, como estava originalmente no roteiro, e Stallone queria um personagem com "história de redenção" a exemplo de Rambo e Rocky Balboa. Ver os atores comentando estas mudanças diretamente para a câmera é algo curioso, principalmente Chan resmungando que nunca "morre" em seus filmes. Na vida real, esses caras devem ser assim xaropes mesmo!

O roteiro foi então reescrito por diversos outros roteiristas, como o próprio Joe Eszterhas e o ator Billy Bob Thornton (que também aparece em cena), voltando depois a Shane Black para os "ajustes finais". Black, outro que faz participação especial, declara à câmera não ter reconhecido nem uma vírgula do seu roteiro original depois que ele foi reescrito por várias outras mãos! Isso é Hollywood...


Quando as filmagens de "Trio" começam, fica claro que o pobre Alan Smithee é apenas uma marionete nas mãos dos astros e dos produtores Edmunds e Jerry Glover (o comediante Richard Jeni, que se suicidou em 2007), e que eles são os verdadeiros "diretores" do filme. É quando Smithee, em nome da sua "integridade artística", resolve roubar os negativos e fugir com a obra dias antes da estréia oficial.

Sobram também piadinhas para os cineastas negros e "socialmente engajados" como John Singleton, Spike Lee e os Irmãos Hughes. Estes últimos são satirizados na figura dos "Irmãos Brothers" (Brothers Brothers, no original), Dion (Coolio) e Leon (Chuck D.), que resolvem fazer um filme independente sobre a trajetória de Alan Smithee.


Infelizmente, o potencial cômico da história acaba ainda na primeira meia hora. A própria brincadeira do "mockumentary" se torna repetitiva e injustificável. Entram personagens secundários sem muita função na trama, como uma garota de programa "que já saiu com Hugh Grant" (referência gratuita ao famoso escândalo sexual do ator inglês), e a ex-namorada do produtor Edmunds, Aloe Vera (interpretada pela modelo Nicole Nagel).

Há também pequenas participações do então chefão da Miramax Harvey Weinstein (como o detetive Joe Rizzo), da comediante e ex-namorada de Madonna Sandra Bernhard, da modelo Naomi Campbell, do famoso produtor Robert Evans (como ele mesmo!), do apresentador Larry King e do diretor Norman Jewison (também "as himself").


Mas certamente os grandes momentos de HOLLYWOOD - MUITO ALÉM DAS CÂMERAS são aqueles em que Stallone, Whoopi e Jackie fazem piada de si próprios. Os depoimentos de Stallone (gravados dentro de uma lanchonete da sua franquia Planet Hollywood) são talvez as únicas partes realmente divertidas do filme, especialmente quando ele brinca com suas falas mais famosas (como o "Adriaaaaaan" de "Rocky").

E o trailer de "Trio", que mostra os três astros atirando em direção à câmera, entre explosões, enquanto repetem a frase "Don't fuck with us!", é a melhor coisa do filme inteiro! Pena que nenhuma boa alma teve a decência de colocá-lo no YouTube para que eu pudesse compartilhar com os nobres leitores.


Outras piadinhas internas, como eu já escrevi, são mais curiosas do que propriamente engraçadas, como quando o produtor Glover cita o célebre caso de Michael Cimino e "O Portal do Paraíso" (igualmente citado por mim na resenha de "Brazil - Love Conquers All"), e lamenta o fato de que o blockbuster "Trio" estava até sendo elogiado pela crítica - a mesma crítica que, segundo ele, não gostou de "filmaços" como "Ishtar" e "Waterworld" (dois notórios fracassos de bilheteria de Hollywood!).

Mais adiante, o mesmo produtor explica para a câmera: "Apenas Kubrick e Spielberg têm direito ao 'final cut'. Só. Os outros pensam que têm, às vezes os estúdios até dizem que eles têm, mas não têm não, é apenas para inflar o ego deles".

E se estas são as "cenas engraçadas", imagine as que não são! Pois Eric Idle, que era um dos sujeitos mais cômicos do Monty Python e geralmente faz participações hilárias em comédias, está completamente desperdiçado como Alan Smithee: seu personagem não tem absolutamente nenhuma graça, e olha que a cara do Eric Idle deveria ser cômica por si só!


Assim, HOLLYWOOD - MUITO ALÉM DAS CÂMERAS é uma "comédia" para públicos muito específicos e uma grande decepção como filme. Percebe-se que houve divergências no "final cut" quando você constata que a duração da trama não chega a 60 minutos - o tempo de 76 minutos é completado com INTERMINÁVEIS créditos iniciais e finais.

Não por acaso, no ano de seu lançamento, a obra foi indicada a 9 Framboesas de Ouro (o Oscar dos filmes ruins), ganhando cinco delas, inclusive a de pior filme. Marcando o ponto mais baixo da sua "carreira", Eszterhas ganhou três Framboesas de Ouro só para si: pior roteiro, pior ator coadjuvante e pior estréia como ator! E logo depois desapareceu da cena hollywoodiana.


Nada mais justo, considerando que o filme inteiro nada mais é do que um longo ataque pessoal do roteirista aos produtores e astros de Hollywood após o fracasso de "Showgirls" e a decadência da sua carreira como autor de blockbusters. Como diz o velho ditado, "roupa suja se lava em casa". Eszterhas aprendeu isso na prática!

Porém, como retrato de uma época - e também como uma crítica virulenta à interferência nem sempre positiva dos produtores na realização de filmes -, HOLLYWOOD - MUITO ALÉM DAS CÂMERAS até tem certo valor, mesmo que muito aquém do seu potencial.

Também fica para a posteridade como uma aula perfeita de como NÃO fazer uma comédia.

Trailer de HOLLYWOOD - MUITO ALÉM DAS CÂMERAS



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Hollywood - Muito Além das Câmeras
(An Alan Smithee Film: Burn Hollywood Burn, 1997, EUA)

Direção: Alan Smithee (Arthur Hiller)
Elenco: Eric Idle, Ryan O'Neil, Richard Jeni, Sandra
Bernhard, Sylvester Stallone, Whoopi Goldberg,
Jackie Chan e Harvey Weinstein.

8 comentários:

Anônimo disse...

Oi Felipe..tu já viu o The Kid Stays in the Picture do Robert Evans???

pra mim é um dos melhores documentários que mostram os "obscuros metodos de se fazer um filme" em hollywood!

mas acho que tu já conhece, hehe!!

abraços!!

Felipe M. Guerra disse...

Não vi o documentário, mas conheço bem a história do Robert Evans - uma daquelas histórias que parece mentira e podiam mesmo virar filme. Ele chegou a ser acusado de assassinato na época do fracasso do filme "Cotton Club".

Ironicamente, o Evans é uma das celebridades que faz participação especial em HOLLYWOOD - MUITO ALÉM DAS CÂMERAS, e interpretando ele mesmo, mostrando que também não tem medo de fazer piada com a própria carreira.

Camila Jardim disse...

Mesmo a comédia sendo ruim, o modo que você contou o filme deu uma vontade de assistir.

Anônimo disse...

Apesar do filme ser dispensável (ao meu ver) ele mostra a mais pura verdade de Hollywood. O lance "só Spielberg e Kubrick tem direito a 'final cut'" é sim um fato... não que só esses dois tenham direito, mas o número de diretores de hollywood que realmente tem controle sobre a edição final de suas películas é pífio. Será que Roland Emmerich é um desses casos, onde seus filmes poderiam ter dado certo não fosse a interferência dos produtores? A propósito, eu tenho certeza absoluta que James Cameron tem direito a "final cut" devido suas bilheterias, o que pra mim prova que ele é um PÉSSIMO diretor. Tirando o Exterminador do Futuro (1984) o resto de seus filmes são uma piada! Piranhas 2 é trash, Aliens é RISÍVEL (e nem adianta vir fanzoca xiita dizer que não por que é sim, destruiu completamente a obra de Ridley Scott), O Segredo do Abismo é um pooooooorre, Exterminador 2 foi a coisa MAIS BROCHANTE que teve na época, só pirralho filhinho de papai que gostou desse lixo, Titanic é piegas demais (e o próprio Cameron não se decide em fazer um filme de romance ou um filme de desastre), e Avatar é medíocre (e falaram bem do filme por causa dos efeitos especiais, nossa, como se efeitos fosse quesito pra dizer que um filme é bom). E tenho dito!

Rafael Medeiros Vieira disse...

Eu vi este filme quando passou no SBT num madrugada qualquer de Sábado faz alguns anos.

Paulo disse...

O sr. anônimo deve ser um grande diretor e roteirista para sair vomitando essas coisas na internet. Ele é tão talentoso que para não ser defenestrado, coisa que ele sempre foi, assina o comentário como "anônimo". Quer criticar o trabalho dos outros, mas não tem peito pra assumir a responsabilidade pelas imbecilidades que diz. Seja homem pra assumir as coisas que diz, meu caro!

nidia disse...

Eu vi no SBT anos atras com o titulo de Queime Hollywood Queime , foi buscando isso quecheguei neste blog. Eu gostei muito quando assisti queria ver de novo

João Santos disse...

Felipe, tem certeza que Eszterhas é um roteirista medíocre? Para quem não sabe, ele é o autor dos roteiros de dois ótimos filmes do cineasta grego (naturalizado francês) Constantin Costa-Gavras nos anos 80: "Atraiçoados" (Betrayed, 1987) e "Music Box (1989, vencedor do Urso de Ouro no
Festival de Berlin).
E o que há de errado com os filmes "Basic Instinct", "Sliver" e "Jade"? Para mim, esses filmes são três ótimos exemplos de thrillers eróticos. Será que para a puritana crítica cinematográfica não é possível realizar bons filmes dentro desse gênero? A nudez os ofende? Ou será que eles acham que o cinema deveria ter parado nos anos 60, quando o máximo de erotismo que o cinema podia mostrar era a cena do chuveiro do superestimado "Psicose" de Hitchcock? Isso é patético...