
Quando se fala em cinema policial de Hong-Kong, os preconceituosos (aí incluídos muitos críticos e jornalistas "sérios" aqui do Brasil) já começam a pensar em tiroteios mirabolantes como os dos filmes da fase áurea de John Woo, cenas de ação absurdas ou as tradicionais e rocambolescas lutas com os atores suspensos por cabos metálicos.
Felizmente, isso é só preconceito. E filmaços como ALERTA TOTAL, de Ringo Lam, estão aí para esfregar isso na cara de quem não assiste produções orientais por considerá-las exageradas ou fantasiosas.
ALERTA TOTAL é uma daquelas desconhecidas produções do gênero feitas em Hong-Kong numa fase áurea para o cinema policial/de ação: a década de 90. No Brasil, o lançamento do filme foi ridículo e certamente apenas para aproveitar a "Woomania" (febre temporárias pelos filmes orientais do John Woo), saindo apenas naquelas velhas fitas dubladas em português. E é uma pena que obras tão interessantes permaneçam na obscuridade - caso também de "Conflitos Internos", de Wai-keung Lau e Siu Fai Mak, excelente filme policial que só começou a ganhar projeção depois de ser refilmado por Martin Scorsese como "Os Infiltrados".

Ironicamente, dada a obscuridade da produção até entre os entendidos da área aqui no Brasil, qualquer resenha estrangeira que você ler sobre ALERTA TOTAL trará elogios como "sublime" ou "quase perfeito". E acredite: não é fogo de palha.
Ringo Lam filmou-a no retorno à sua terra natal, após uma experiência traumática em Hollywood. Em 1996, como outros colegas do Oriente (e como o próprio John Woo), Lam foi "importado" para os EUA apenas para dirigir filmes de ação esquemáticos e sem maior interesse. O debut norte-americano foi "Risco Máximo", com Jean-Claude Van Damme, que nem é dos piores, mas que perde feio para o que Lam fazia em Hong-Kong (depois ele dirigiria, ainda nos EUA, os igualmente fracos "Replicante" e "Hell", todos com Van Damme).
E eis que na volta a Hong-Kong o diretor resolveu deixar de lado o show pirotécnico para concentrar-se na história e na relação entre os personagens de lados opostos da lei. Assim, surgiu um filme policial com cérebro e sentimentos, onde as ações dos personagens não são idiotas e nem "cinematográficas", e onde ninguém fica correndo sobre 100 bandidos disparando duas pistolas (por mais que isso seja bastante divertido... hehehe).
ALERTA TOTAL começa com um cadáver, já em decomposição, sendo encontrado na caixa d’água de um edifício - e o diretor não poupa o espectador de detalhes nojentos, como a informação de que vários inquilinos ficaram doentes ao beber a água "batizada". O cadáver pertence a um arquiteto que foi esfaqueado e afogado por Mak Kwan (o excelente Francis Ng, de "Infernal Affairs 2"), um jovem que trabalha com demolição na construção civil, e que de bandido não tem nada.

Investigando o crime está um policial estressado, o inspetor Pao (Ching Wan Lau, de "Máscara Negra", também perfeito). Dez anos antes da febre "Tropa de Elite", Pao já é um policial à beira de um ataque de nervos, estilo Capitão Nascimento, quase a ponto de explodir, que vê o caso do assassinato do arquiteto como um último grande caso antes de, quem sabe, pendurar as chuteiras - já que, como confidencia à esposa, passa os dias com medo de dar e de levar tiros.
Não demora para que a lei chegue a Kwan, já que, criminoso de primeira viagem, ele deixou diversas pistas no apartamento da vítima. O jovem confessa o assassinato, mas se recusa a falar sobre outras coisas que a polícia encontra em sua casa, como plantas do que parece ser um cofre e material para construção de explosivos. Tarimbado pelos muitos anos à frente da força policial, Pao sabe que Kwan está aprontando algo grande.
E está, claro. Associado a um perigoso bandido chamado Zang (Jack Kao), Kwan está tramando o "roubo perfeito": assaltar o jóquei-clube de Hong-Kong na final de um grande torneio, quando o cofre de segurança máxima está recheado com milhões em grana viva.
O local é impenetrável, mas, sendo um engenheiro e tendo estudado as plantas do local ao lado do arquiteto que assassinou, Kwan conhece o único ponto fraco da construção. E como ele está preso, seus "sócios" correm contra o relógio para libertá-lo, enquanto Pao e seus homens tentam fechar o cerco, sem saber ao certo o que a quadrilha está tramando.

Não há golpes de kickboxing em ALERTA TOTAL, nem elaborados tiroteios com dezenas de vítimas. Ringo Lam prefere centrar o foco na relação entre Pao e Kwan. Fica claro, desde o início, que ambos são bem parecidos, embora estejam em lados opostos da lei. O próprio Kwan é representado como alguém que virou criminoso por acaso: embora pareça frio e implacável, ele passa o filme com a consciência atormentada pelo único assassinato que cometeu na vida.
ALERTA TOTAL também mostra com bastante riqueza o relacionamento entre herói e vilão com os personagens secundários: a equipe de policiais e a família de Pao de um lado, os cúmplices, o irmão e a namorada de Kwan do outro. Quando Pao e Kwan se chocam de frente, os dois lados saem perdendo, levando a uma conclusão dramática e bem longe do tradicional "tudo acabou bem".
Por sinal, a impressão que fica é de que ALERTA TOTAL é uma espécie de versão oriental do clássico "Fogo Contra Fogo", de Michael Mann, com Wan Lau no lugar de Al Pacino e Ng no de Robert DeNiro. E a obra de Lam não faz feio em comparação.
Completando a lista de qualidades, o filme faz questão de mostrar a maneira como seu "herói", Pao, vai se tornando mais frio e obcecado na sua caçada, ao ponto de atingir um pedestre inocente com um tiro durante uma perseguição aos bandidos - e continuar a caçada por mais alguns minutos, sem nem ligar para a vítima da bala perdida -, ou ainda de arrebentar um dos seus desafetos a porradas quando finalmente consegue colocar as mãos nele. Como o Capitão Nascimento, Pao também passa o filme todo tomando calmantes para aliviar a tensão.

E embora não tenha nada tão mirabolante e exagerado quanto outras produções do gênero (especialmente as de John Woo), ALERTA TOTAL traz algumas cenas explosivas em seu realismo, como uma fantástica perseguição de carros (veja o vídeo abaixo) que lembra os bons tempos de William Friedkin.
Os malabarismos feitos pelos motoristas pelas ruas repletas de veículos são reais, sem CGI nem truques de câmera, o que só aumenta a tensão da cena - cujo clímax inclui carros invadindo os trilhos do trem e desviando por detalhes de um trem que vem em sentido contrário, momento que, diz a lenda, foi filmado de maneira ilegal, sem permissão das autoridades e sem que o condutor do trem soubesse. São 9 minutos de pura nitroglicerina, que deveriam deixar com vergonha os diretores destes "Velozes e Furiosos" da vida.
Logo, não deixe de garimpar sua locadora atrás desta perola. E ignore a dublagem ridícula em português. Vale a pena. Nem que seja para ver mais um filme policial sobre "crime perfeito", aqui executado com maestria e muita tensão e suspense.
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Go Do Gaai Bei/Full Alert (1997, Hong-Kong)
Direção: Ringo Lam
Elenco: Ching Wan Lau, Francis Ng, Amanda
Lee, Jack Kao, Monica Chan, Kar Lok Chin,
Wing Lin Sho e Emily Kwan.
14 comentários:
Bela perseguição. Não conhecia esse filme. Realmente existe muito preconceito com o cinema oriental, seja japonês, chinês ou coreano, pois acreditam que seja a mesma coisa. Não sabem o que estão perdendo.
E coincidentemente acabei de assistir o filme Mad Detective, do Johnnie To, com o ator Ching Wan Lau no papel principal. Terceiro filme do To que assisto e gostei bastante, mas ainda prefiro Exiled (O outro que vi foi Eleição).
o peessoal daqui não sabe curtir outra coisa, e so fica puxando saco dos americanos, como por exemplo o filme citado aqui Conflitos Iternos que so ganhou destaque porque Martin Scorcese refilmou o roteiro, quando não é isso é pra puxar saco de filme brasileiro sobre seca no nordeste ou violência na favela,o personagem que é cana toma calmante? essa foi a inspiração certa pra cap. nascimento, sobre perseguções de carro e essas coisas, acho que os caras americanos tem que parar de ficar fazendo carro em cgi, acho que o cinema nunca precisou desses efeitos espciais idiotas, mas efim, como hoje em dia so se faz filmes idotas pra plateias adolscentes, como se so eles assistissem, e olha que eu com somente meus 16 anos não prefiro esses filmes de hoje, hehehehehe!
Não conhecia. Do Lam eu só vi os filmes com o Van Damme... mas parece ser um filmaço mesmo.
Conflitos Internos é bem melhor que Os Infiltrados. E é que sou fã do Martin Scorsese.
Realmente, um filmaço de Lam!!!
Quando eu vi quando saiu na locadora eu não achei grande coisa, mas isso fa quase 10 anos... Tenho que rever.
Pareçe ser um filme bem interessante!Eu tambem só vi os filme do lam com o van damme e realmente são bem fraquinhos.Alias tenho como sugestão de artigo o super trash undefeatable de godfrey ho
uma coisa que esqueci de omentar, se foi ele quem fez "Risco Maximo" com van damme, puxa então o cara deve ser bom mesmo assisti o filme no DOMINGO MAIOR,se o filme do van damme é bem legal, imagine com esses filmes policiais chineses do lan
Esqueçam os filmes que o Lam fez com o baixinho belga. Esqueçam. Apaguem de suas mentes. Façam lavagem cerebral se for preciso. Vao assistir CITY OF FIRE, PRISON OF FIRE ou o fodaço FULL CONTACT, lançado em DVD como "À Queima-Roupa". Quando John Woo era o cara em Hong Kong e Johnnie To apenas um diretor de comédias e romances bobos, Ringo Lam era o único que podia rivalizar com Woo. Depois de RISCO MÁXIMO, o sujeito ainda teve forças para soltar ALERTA TOTAL, O SUSPEITO e THE VICTIM. Mas por alguma razão voltou a trabalhar com Van Damme e fez os horríveis REPLICANTE e HELL.
Sempre lembrando que City on Fire foi refilmado praticamente quadro a quadro (e sem qualquer crédito) por um tal de Quentin Tarantino, com o título Cães de Aluguel.
Apesar de muitos chamarem o talentoso Lam de "O Scorsese Asiático" (Van Damme é um deles), eu acho o estilo e ritmo dele bem amis similar do Walt Hill.
-Se alguém quiser ver onde MUITO da 'inspiração' da trama de CÃES DE ALUGUEL veio (muito mais do que aquele ou outro detalhe de clássicos do Jean-Pierr Melville e a idéia dos codinomes de TAKING OF PELHAM original), confira CITY ON FIRE do Ringo.
Ou vc sairá curtindo mais o trabalho do QT ou ficará com ódio dele...
Pelo q eu sei, Felipe, foi dadauma espécie de crédito ao lam no longa do QT , sim...um agradecimento ou algo assim, nos créditos finais...só vi o primeiro filme do cineasta UMA vez (acho bem dirigido mas detesto algumas interpretações e acho a trama exibicionista e autorreferncial em demasia); andei lendo isso num debate entre uns canadenses, ingleses e norteamericanos (uns salientavam as similaridades entre o filme do Ringo e do americano, outros diziam q era tributo e outras coisas do gênero).
Nessa crítica há muitos erros. Em primeiro lugar nunca existiu por parte da crítica preconceito contra filmes de ação asiáticos. Me lembro de ler numa revista Set de 1993 o crítico André Barcinski dizer que depois de ver qualquer filme chinês do John Woo o espectador poderia jogar no lixo "Máquina Mortífera" e "48 Horas", entre outros filmes americanos. E Woo é adorado por Tarantino, reverenciado por Scorsese e os seus filmes chineses costumam ter médias altas no IMDB. E desde quando 'tiroteios mirabolantes, cenas de ação absurdas ou as tradicionais e rocambolescas lutas com os atores suspensos por cabos metálicos' são defeitos? Não é isso que vemos nos filmes "O Tigre e o Dragão" e "Kill Bill"? Esses filmes não foram adorados pela crítica? Os críticos gostam e elogiam quando o diretor é criativo na hora de criar cenas de ação, nem que para isso o diretor tenha que recorrer ao balé. Tudo é válido para que se distancie do marasmo e da mesmice que uma cena realista pode ser. Por isso que sempre foram valorizados o talento de Woo e de um de seus mestres, o americano Sam Peckinpah.
E uma correção: para que os filmes chineses de Lam sejam excelentes não é preciso que os seus filmes americanos sejam ruins. Eu reconheço que os filmes realizados em Hong Kong são melhores, mas isso não quer dizer que "Risco Máximo não seja uma excelente diversão. Os críticos cometem esse equívoco também com o faroeste: para que os filmes de John Ford sejam bons é preciso que os de Burt Kennedy sejam péssimos. Mas as coisas não são assim. No cinema não existe só o 8 ou o 80. Há inúmeros filmes bons por aí que não chegam a ser obras primas...
JOÃO, o que você chama de "erros" eu chamo de "opiniões divergentes".
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