O
inusitado thriller sul-coreano “Gisaengchung”, aka “Parasite”, de Bong Joon Ho,
foi um dos melhores filmes que eu vi em 2019. E, enquanto escrevo estas linhas,
fez uma verdadeira rapa na entrada do Oscar, ganhando 4 estatuetas das principais categorias - e não apenas a de
Melhor Filme Estrangeiro, mas também uma histórica de MELHOR FILME!
Obviamente,
apesar da qualidade inquestionável da obra em questão, não é sobre o “Parasite”
de Bong Joon Ho que vamos falar/escrever aqui, e sim sobre um outro filme com o
mesmo título, lançado quase 40 anos antes, e que não ganhou nenhum prêmio,
embora tenha apresentado ao mundo uma gracinha chamada Demetria Gene Guynes, que estava destinada a se tornar uma grande estrela de Hollywood (embora não com este nome de vovó).
Trata-se
de uma produção classe B em que o “parasita” do título não foi usado em sentido
metafórico, como no filme coreano, mas sim estupidamente literal. E um
inesperado sucesso de bilheteria que praticamente ressuscitou a moda dos filmes
em 3-D.
Sim,
amiguinhos, estamos falando/escrevendo sobre o famigerado PARASITE do Charles
Band!
Produção
curiosa que mistura gêneros (filme de monstro, aventura pós-apocalíptica,
ficção científica...), mas ao mesmo tempo transpira pobreza em todos os
cenários, figurinos e efeitos especiais, PARASITE provavelmente seria outra
tralha esquecida do início dos anos 1980 se não fosse por uma inesperada e
fortuita soma de fatores.
O
projeto nasceu como uma ideia esquisita desenvolvida por dois amigos, Frank
Levering e Michael Shoob, durante uma festinha em Hollywood no
ano de 1980 – festinha que, pelo jeito, estava chata pra cacete. Entre muitos
drinks, e quiçá outras substâncias entorpecentes, a dupla concluiu que “Parasite” era um título genial para um filme de horror, independente de qual fosse a
história. Poucos
anos antes, “Calafrios”, de David Cronenberg, tinha sido lançado como “The
Parasite Murders” em algumas salas de cinema (embora seu título original fosse
“Shivers”), e isso pode ter inspirado Levering e Shoob.
Corta para o set de um filme B de horror chamado “The Alchemist”, em 1981. O diretor original da bagaça, Craig Mitchell, teve um ataque de pânico e abandonou a produção após apenas alguns dias de filmagem. Sobrou para o produtor, um certo Charles Band, terminar o trabalho - que ele assinou com o pseudônimo “James Amante” por não ter muito orgulho do resultado.
Filho
de um veterano produtor e diretor de cinema (Albert Band), Carlinhos tinha 30
anos na época e vinha seguindo os passos do velho. Desde meados dos anos 1970,
ele produzia eficientes filmes B de horror e ficção científica como “Armadilha
para Turistas” (1979, de David Schmoeller) e “Laserblast - Alienígenas na
Terra” (1978, de Michael Rae), que depois chegavam aos cinemas de bairro e
drive-ins em parceria com diferentes distribuidoras.
Volta-e-meia,
Band filho se arriscava na direção, mas até o início da década de 1980 não
tinha créditos muito expressivos. Além de um primeiro filme considerado perdido,
que ele dirigiu sob pseudônimo em 1973, a outra única obra que Charles assinou
foi o esquecido “Crash – O Engavetamento do Século”, de 1977 (uma história de carro assassino que saiu antes do livro “Christine”, de Stephen King).
E agora, contra a sua vontade, ele também havia se transformado no diretor do problemático “The Alchemist”, um filme que seria mantido engavetado até 1983 para que se tentasse salvar na edição (quem já viu sabe que não rolou).
Mas pelo menos para algo “The Alchemist” serviu: durante as gravações que foi obrigado a comandar, Band papeou muito com o roteirista deste, Alan J. Adler, sobre o projeto que pensava em fazer a seguir: um filme de ficção científica com um futuro caótico tipo “Mad Max”, o original. E aí Adler lembrou dos amigos Levering e Shoob e de seu projeto sobre parasitas, e convenceu Band que poderia muito bem juntar os dois argumentos em um único filme com aquele título charmoso! Nascia PARASITE.
E agora, contra a sua vontade, ele também havia se transformado no diretor do problemático “The Alchemist”, um filme que seria mantido engavetado até 1983 para que se tentasse salvar na edição (quem já viu sabe que não rolou).
Mas pelo menos para algo “The Alchemist” serviu: durante as gravações que foi obrigado a comandar, Band papeou muito com o roteirista deste, Alan J. Adler, sobre o projeto que pensava em fazer a seguir: um filme de ficção científica com um futuro caótico tipo “Mad Max”, o original. E aí Adler lembrou dos amigos Levering e Shoob e de seu projeto sobre parasitas, e convenceu Band que poderia muito bem juntar os dois argumentos em um único filme com aquele título charmoso! Nascia PARASITE.
Percebendo
potencial na coisa, Band resolveu oferecer o projeto ao produtor e
distribuidor Irwin Yablans, cuja empresa Compass International Pictures havia
feito, poucos anos antes, um dos filmes independentes de maior sucesso da
história: o “Halloween” de John Carpenter. Diz a lenda que PARASITE estava inicialmente orçado em 6 milhões. Corta de lá, corta de cá, noves-fora, o
filme custou apenas 800 mil dólares – e a economia APARECE na tela, como atesta a parede do “laboratório”, nas imagens abaixo, toda forrada com aquelas caixinhas de hambúrguer usadas por lanchonetes fast food!
Foi
Yablans quem surgiu com a ideia de gênio de filmar PARASITE em 3-D, um processo
que teve vida curta nos anos 1950 e, ao longo da década de 1970, ficou
associado ao cinema pornográfico (conforme você pode ler neste longo artigo). O
produtor/distribuidor sabia que o gimmick
iria valorizar uma produção mequetrefe como a que se desenhava...
O
timing foi perfeito: em 1981, um obscuro western coproduzido por americanos,
espanhóis e italianos (“Comin’ at Ya!”, de Ferdinando Baldi) foi filmado em
três dimensões e atraiu uma nova geração de espectadores para as salas de
cinema, só pela curiosidade de assistir um filme com aqueles velhos e desconfortáveis óculos de
cartolina de lentes azul e vermelha.
Sem
querer querendo, Yablans e Band ressuscitaram o filme de horror tridimensional,
mostrando que era a ferramenta ideal para dar sustos e “jogar coisas” na cara
do espectador, do monstro no teto pingando gosma na lente da câmera a pessoas sendo jogadas ou caindo em direção ao espectador (imagens abaixo).
PARASITE
já começa com o clichê do título que “sai da tela”, e
que tenta potencializar o efeito 3-D desde os primeiros segundos.
Em
seguida, uma cena que mistura pesadelo e flashback introduz a situação básica
do longa: um parasitólogo, que trabalhava num projeto para desenvolver
parasitas como armas de guerra para uma poderosa corporação, foi infectado pela
sua própria criação ao tentar destruí-la, e agora carrega o monstro no próprio organismo.
O bicho está crescendo dentro do hospedeiro e é mantido sob controle com
injeções periódicas; caso contrário, pode simplesmente arrebentar o peito do
protagonista e fugir, à la “Alien – O Oitavo Passageiro” (que deve ter sido uma
grande inspiração para os realizadores).
O médico chama-se Paul Dean, e é interpretado pelo inexpressivo Robert Glaudini, outro reaproveitado diretamente do elenco do fracassado “The Alchemist”. Trata-se de uma curiosa escolha para o papel principal, porque ele transpira passividade e sofrimento – embora seu físico algo frágil ajude a compor um personagem que está sendo devorado por dentro pela ação de um parasita mutante assassino.
Num
prólogo curioso, vemos Dean zanzando por um cenário devastado ao volante de uma
ambulância. A estrada parece estar deserta a não ser por um ou outro veículo
destruído. Ele chega a uma vila igualmente deserta, habitada por tarântulas e
cascavéis que caminham livremente, onde gritos abafados chamam sua atenção.
Ali, numa
velha cabana abandonada, uma jovem seminua está para ser violentada por dois
sujeitos. Dean intercede e senta porrada nos dois, numa cena bizarra editada em
câmera lenta mesmo quando nada de muito excitante está acontecendo. Os rivais
são jogados para atravessar vidraças e janelas em 3-D, o que deve ter ficado
muito divertido quando visto no cinema.
O
protagonista então liberta a garota, mas ela não parece muito agradecida e
corre atrás dos seus “estupradores” para continuar o joguinho em outro lugar.
Este, meus amigos, é o estranho universo de PARASITE...
Aos
poucos, mas sem explicar muita coisa, o filme vai nos dando indicações de que
sua história se passa num universo em colapso. Para começo de conversa, estamos
no “futuro” – o protagonista passa por uma placa onde consta o ano de 1992,
hoje passado distante, mas à época ainda dez anos à frente. Não bastassem as
estradas e cidades desertas, a sociedade parece ter ido para o vinagre.
Quando
um desconhecido oferece café a Dean, ele pergunta surpreso: “Café de verdade?”.
Num hotel improvisado, é informado de que há eletricidade “das sete às nove”. E
ao reabastecer sua ambulância num posto de gasolina, a placa indica valores
absurdos: 40 dólares por litro de gasolina e 30 por diesel, combustíveis que
HOJE (2020) custam, em média, 2,50 e 2,28 dólares por litro nos Estados Unidos, respectivamente. (Pode ter sido uma referência à dramática crise energética dos anos 1970, quando o Ocidente tinha ficado sem petróleo e o preço do barril importado dos países árabes subiu às alturas.)
O
frentista também se recusa a receber o pagamento em cédulas de dólares; apenas
moedas de prata ou outros bens para troca, tipo jóias e relógios, são válidos
nesse futuro pouco otimista.
Dean acaba
parando numa cidadezinha razoavelmente habitada chamada Joshua, onde consegue
alugar um quarto na pensão administrada por uma velha ex-atriz, que vive se
queixando da dificuldade para encontrar maquiagem naqueles tempos.
Curiosamente,
a personagem é interpretada por uma velha ex-atriz de verdade, Vivian Blaine, à
época com 60 anos e num dos seus últimos trabalhos no cinema. Quando jovem, ela fez
relativo sucesso na Broadway e em comédias musicais da Hollywood dos anos 1940-50,
e nos áureos tempos chegou a dividir a cena com Marlon Brando e Frank Sinatra
em “Guys and Dolls” (1955). Será que o papel foi escrito como uma homenagem a
Vivian, ou apenas adaptado para sê-lo quando ela entrou no elenco?
Além de “hotel”, a pequena Joshua tem ainda uma cafeteria administrada por Collins (Al Fann). É
ali que descobrimos que a única comida existente é a enlatada, além de
receber alguma informação sobre que diabos aconteceu com o mundo: Collins diz a
Dean que abandonou Nova York quando as “bombas atômicas começaram a cair”,
evidenciando que estamos em algum cenário pós-apocalíptico, no que restou da
Terceira Guerra Mundial – contra quem, ou quem ganhou, jamais descobrimos.
Os
demais habitantes da cidadezinha são uma gangue de jovens delinquentes
liderados por Ricus (Luca Bercovici). E uma jovem chamada Patricia Welles, que vive
numa pequena fazenda onde planta seus próprios limões, e é uma autêntica
estranha-no-ninho naquele universo de canalhas.
A
mocinha, como eu já havia informado, é interpretada por uma jovem de 19 anos
chamada Demetria Gene Guynes, que ficaria conhecida no mundo artístico como
Demi Moore. Enquanto PARASITE era filmado, a atriz estava casada com o colega
de elenco e roqueiro Freddy Moore, que lhe deu o sobrenome que ela usa até
hoje.
E embora
este não seja seu primeiro trabalho como atriz (que foi em papel coadjuvante no
esquecido
dramalhão “Escolha do Destino”, de 1981), certamente é seu primeiro filme de
destaque, com o nome “Demi Moore” aparecendo em segundo lugar nos créditos
iniciais!
Voltando
ao filme: o pobre Dean só quer um pouco de paz no seu novo quarto alugado para
poder trabalhar em algum antídoto que possa livrá-lo da indesejada presença do
parasita na própria barriga. Num cilindro metálico fechado, ele leva um segundo
monstrengo que pretende usar como cobaia para desenvolver uma cura para a sua
situação.
Só que
a gangue de Ricus acredita que, por ele ser médico, deve ter drogas em seu
poder. Ao roubarem o tal cilindro, acabam libertando um parasita faminto por carne humana fresca, que começa a se alimentar do elenco secundário e vai crescendo a cada
nova vítima (tipo o Alien).
E como
desgraça pouca é bobagem, paralelamente a tudo isso temos um outro homem
misterioso zanzando pelo cenário pós-apocalíptico num carrão ao estilo
“futurista anos 1980” (que, grosso modo, não passa de uma Lamborghini).
Vestindo terno e gravata – o que obviamente indica que ele é malvado –, Wolf (James
Davidson) é um sinistro agente da Xyrex, a megacorporação para a qual Dean
trabalhava, e para quem desenvolveu o parasita em primeiro lugar.
Wolf
pretende reaver o protagonista ou o monstro em seu organismo para a Xyrex poder
retomar aquela ideia original de utilizá-lo como arma de guerra – embora as
bombas atômicas tenham feito um trabalho bem eficiente, pelo que se vê no
filme. O vilanesco agente é cheio de truques, incluindo uma arma laser que
literalmente sai da sua manga, e que ele usa como se fosse um sabre de luz do
“Star Wars” para decepar mãos e braços, à la Alec Guiness na cena da cantina de
“Guerra nas Estrelas”.
PARASITE
é um filme visivelmente barato, que se passa exclusivamente à luz do dia
(porque filmar em 3-D à noite era complicado e exigia mais produção e dinheiro)
e em meia dúzia de cenários arrebentados que talvez já fossem sobras de
qualquer outra produção anterior. Apesar da ambientação num futuro pós-guerra atômica, não há grandes esforços da direção de
arte para tentar criar este universo, fora alguns parcos detalhes em plástico e uma única pistola laser que parece de brinquedo.
Grosso modo, nem sempre as duas ideias (aventura pós-apocalíptica e filme de monstro)
funcionam juntas, algo que também ficaria evidente no clássico trash “Ratos”
(1984), de Bruno Mattei. Enquanto a parte “futurista” do filme chega a ser
sonolenta, com os personagens zanzando sem muito rumo entre cenários caindo as
pedaços, o monstro só dá o ar da graça depois de 40 minutos (num filme que dura 1h20min!!!), exigindo certa paciência e cumplicidade do espectador. E nem poderia ser diferente, considerando a maneira torta como o projeto nasceu da fusão de dois argumentos tão distintos.
Quem aguentar firme vai se sentir recompensado com alguns belos efeitos
vagabundos, criados por uma equipe liderada por – vejam só – Stan Winston!
Creditado como “criador e designer dos parasitas”, Winston teve aqui um dos
seus primeiros destaques no cinema de horror, depois de ter trabalhado com o
pai de Charles, Albert, em “Zoltan – O Cão Vampiro de Drácula” (1977).
Dois
anos depois de PARASITE, em 1984, Winston foi trabalhar na equipe de outro
filme B de ficção científica... um tal de “O Exterminador do Futuro”. E aí
virou um superstar dos efeitos especiais, tendo ganhado inclusive três Oscars
da categoria (por “Aliens – O Resgate”, “O Exterminador do Futuro 2” e
“Jurassic Park”), antes da sua morte em 2008.
PARASITE
basicamente repete os truques com bichos nojentos saltando sobre humanos e grudando
ao corpo das vítimas que Ridley Scott e David Cronenberg já tinham usado, na
década anterior, em “Alien – O Oitavo Passageiro” e “Calafrios”,
respectivamente. Claro que os efeitos de ambos eram muito mais asquerosos (e
profissionais, no caso de Scott), enquanto os parasitas de Charles Band são criaturas simplórias animadas à mão. Segundo o que Band contou numa entrevista à revista Fangoria, em maio de 1982, de três a quatro pessoas operavam o monstro fora do alcance da câmera para dar-lhe alguma expressão e movimento.
O parasita sequer é visualmente original, lembrando o design do Alien em seu estágio ‘chestburster’. Mas há algo de extremanete perturbador na imagem de um bicho gosmento que se desenvolve no interior das suas vítimas, ou que “gruda” externamente em seus corpos para matá-las aos poucos, recusando-se a ser retirado (quando alguém tenta, a criatura enterra ainda mais os dentes na presa).
O parasita sequer é visualmente original, lembrando o design do Alien em seu estágio ‘chestburster’. Mas há algo de extremanete perturbador na imagem de um bicho gosmento que se desenvolve no interior das suas vítimas, ou que “gruda” externamente em seus corpos para matá-las aos poucos, recusando-se a ser retirado (quando alguém tenta, a criatura enterra ainda mais os dentes na presa).
E as cenas em que o parasita aparece saltando de dentro do corpo (e até do rosto!) de alguém, diretamente em direção à lente da câmera, devem ter ficado incríveis em 3-D. Aliás, quando me lembro do cagaço que levei ao ver “Alien” pela primeira vez, na cena em que o bicho sai de dentro do ovo para grudar no rosto de John Hurt, fico imaginando que sofreria um infarto fulminante caso Ridley Scott tivesse filmado em 3-D, como Band fez aqui.
Vale
lembrar que PARASITE provavelmente passaria em brancas nuvens se não fosse pelos tais efeitos em três dimensões – e foi por
isso que escrevi lá em cima que o produtor-executivo Yablans foi muito gênio em
sugerir que fosse filmado ressuscitando esta técnica.
Desconsiderando
o anterior “Comin’ at Ya!”, que era um “ultrapassado” filme de faroeste com
equipe e produção estrangeira, PARASITE foi a primeira produção norte-americana
filmada em 3-D a chegar aos cinemas naquele início de década de 1980. O pôster
anunciava: “The first futuristic monster movie in 3-D”. Já o trailer
prometia, talvez com certo exagero: “You will be part of the terror!”.
O
filme estreou em 62 salas de Nova York em março de 1982, antecedendo uma
enxurrada de produções mais dinheirudas realizadas pelos grandes estúdios, como
“Tubarão 3”, “Sexta-feira 13 – Parte 3” e “Spacehunter – Aventuras na Zona
Proibida”. A curiosidade pelo formato, já que os jovens da época só tinham
ouvido falar nos velhos filmes em 3-D que seus pais ou avós assistiram quase 30
anos antes, levou um grande público aos cinemas, mais preocupado em se divertir
com as coisas “saindo da tela” do que com a qualidade da obra.
A
jogada funcionou, e só na primeira semana PARASITE já tinha faturado 600 mil
dólares (quase o que custou!). A crítica odiou e escreveu, entre outros gracejos, que não adianta fazer um filme em três dimensões quando seu roteiro mal tem UMA dimensão. Mas isso não impediu Band e Yablans de ganharem dinheiro: quando o filme saiu de cartaz, o total arrecadado só nos
cinemas dos EUA já somava 6 milhões, e isso sem contar o que rendeu a
distribuição em vídeo para o resto do mundo!
“Foi
por causa do sucesso de PARASITE que eu consegui fazer ‘Metalstorm’ em 3-D logo
depois”, lembrou Charles Band, em entrevista recente à revista Starburst. “Pra ser
sincero, eu nunca foi um grande fã de 3-D, isso é apenas um gimmick. Depois de
10 minutos com aqueles óculos, a vontade é de ir ver outro filme. O único
motivo para termos filmado PARASITE em 3-D foi o fato de que isso não era feito
há muito tempo”.
Ou seja, os realizadores tiveram que correr atrás de recuperar a parte técnica do
processo. Randall Larsen, que havia colaborado com a equipe de “Comin’ at Ya!”, foi contratado como “consultor de 3-D”. E o sistema adotado foi o Stereovision, desenvolvido e patenteado na década de 1950 por Chris J. Condon, que vinha sendo usado em filmes
safadinhos como “The Stewardesses”, de 1969 – um grande sucesso de bilheteria
justamente pelo marketing que prometia (e nem sempre cumpria) sexo em 3-D.
Depois
de PARASITE, quando os filmes em terceira dimensão viraram febre, o veterano Condon foi contratado pela Universal para atuar como
consultor durante as filmagens de “Tubarão 3” – e, diz a lenda, filmou ele mesmo algumas cenas em 3-D para aqueles jovenzinhos que não entendiam porra nenhuma do efeito. De peitos e pintos para um
tubarão tridimensional, isso é o que eu chamo de subir na vida!
Para
além das três dimensões, o elenco secundário de PARASITE tem alguns nomes bem curiosos além
dos já citados.
Luca
Bercovicci, que interpreta o líder da gangue de jovens, fez carreira com
Charles Band e três anos depois dirigiu um dos maiores sucessos do produtor: o
terror-comédia “Ghoulies” (1985), uma cópia de “Gremlins” que teve três
sequências e até hoje mantém uma grande legião de fãs. Luca inclusive abandonou
a carreira de ator em filmes B para concentrar-se na de diretor-roteirista.
O rapaz do posto de gasolina é Scott Thomson, que os fãs da série “Loucademia de Polícia” vão lembrar como Copeland, um dos recrutas malvados que se dá mal com Mahoney e sua turma (ele aparece no original e depois voltou, igualmente como vilão secundário, nas Partes 3 e 4).
Já Zeke,
um dos punks da gangue de Ricus e a primeira vítima do parasita libertado, é o
prematuramente falecido Tom Villard, mais lembrado como o vilão do divertido
slasher “Popcorn” (1991). Ele foi um dos primeiros atores a tornar pública sua
situação como soropositivo, numa época em que a Aids era vista com muito
preconceito e não tinha cura.
De
resto, o casting de PARASITE parece ter sido feito na cena punk-rocker de Los
Angeles, já que quatro pessoas ligadas a bandas aparecem mais ou menos tempo no
filme.
O
maridão de Demi, Freddy Moore, àquela altura já tinha passado por várias
bandas. Pouco tempo antes, quando era vocalista do grupo The Nu-Kats, ele e a atriz escreveram a quatro mãos o hit “It's Not A Rumour” (1980), que alcançou certa popularidade
graças a um videoclipe bem rudimentar exibido na MTV em seus primórdios (a jovem Demi
aparecia no vídeo, que você pode ver clicando aqui).
Pouco antes de aparecer em PARASITE, Freddy tinha trocado a Nu-Kats por outra banda chamada Boy Next Door. Demi aparece na foto da capa do único EP gravado por eles (ao lado), lançado em 1982.
Embora não tenha recebido crédito, uma das canções da Boy Next Door toca brevemente no filme quando Ricus e sua turma ligam uma velha vitrola e reclamam que ela só toca “coisa velha”!
Destaque-se que o personagem de Freddy no filme, identificado como “Arn” apenas nos créditos finais, não fede e nem cheira. Este é seu único crédito como “ator”, e aparentemente o visual de Garth, do “Wayne’s World”, com longos cabelos loiros e óculos, foi baseado no roqueiro e ex-Sr. Demi Moore (o casal se divorciou em 1985, embora ela tenha mantido o sobrenome até hoje). Freddy é o distinto cavalheiro imediatamente à esquerda na imagem abaixo. Não sei vocês, mas me parece um grande caso de casting equivocado para o integrante de uma gangue pós-apocalíptica, já que o rapaz parece ter saído diretamente do elenco de “A Vingança dos Nerds”, ou da banda Restart!
Também aparecem DUAS integrantes da lendária banda punk de meninas The Runaways. A vocalista Cherie Currie interpreta Dana, outra integrante da gangue pós-apocalíptica, que ganha mais destaque na trama porque se torna uma das vítimas do lazarento parasita.
E Cheryl
Smith (abaixo), conhecida nos circuitos alternativos pelo nome de guerra “Rainbeaux” Smith, aparece brevemente como
aquela moça seminua que leva bem a sério o papo do “relaxa e goza” no começo do
filme. Em 1979, durante curto espaço de tempo, Cheryl foi baterista da The
Runaways. Como atriz, participou de uma cacetada de filmes de culto, inclusive
como protagonista no maravilhoso “A Maldição de Lemora” (1973).
PARASITE
ainda marca uma das primeiras colaborações de Charles Band com dois nomes que o
acompanhariam pelo resto da sua filmografia. O primeiro, obviamente, é o irmão
músico Richard Band, responsável pela trilha sonora que, lá e cá, apresenta
ecos da atmosfera que ele usaria mais tarde, e melhor, em “Reanimator”. O
segundo é Peter Mannogian, que foi assistente de direção aqui e mais tarde
assumiria a função de diretor em diversos filmes de baixo orçamento produzidos
por Band, do ótimo “Território Inimigo” (1987) ao genérico “Brinquedos
Diabólicos” (1992).
Revendo
PARASITE hoje, em versão “normal” sem os efeitos em 3-D, algumas cenas parecem
bem bagunçadas, com uma série de objetos roubando a atenção em primeiro plano (vide imagem acima para ter uma ideia) enquanto o diálogo ou a ação acontece mais ao fundo. Obviamente, graças à profundidade
de campo e aos efeitos em três dimensões, os óculos de lentes azul e vermelha
davam a impressão de estes objetos em primeiro plano estarem DESTACADOS da tela,
mas a magia se perde vendo em “2-D”.
Band e
cia fizeram de tudo para valorizar o 3-D, de mãos e armas
sendo apontadas diretamente para a lente até um ataque de cobra! E há pelo
menos um momento antológico em que a câmera vai se aproximando de um homem que
foi empalado por um cano metálico, até que a ponta do cano - a esta altura já
“fora da tela” - começa a escorrer o sangue da vítima, algo que deve ter ficado MUITO LEGAL em três dimensões!
Considerando
o que o futuro reservaria para Charles Band (uns 200 filmes vagabundos sobre
bonecos assassinos, bongs diabólicos e até monstros de biscoito!), PARASITE é
levado muito a sério, sem as piadinhas ou o humor proposital que caracterizam
suas produções mais modernas. Já o humor involuntário abunda, tipo o resgate nunca
explicado do personagem principal do QG dos vilões, que acontece no intervalo
entre duas cenas e um abrupto fade-in, sem jamais ser mostrado. Ou o buraco que o
parasita abre no tórax do protagonista e que deveria matá-lo, mas é esquecido
em segundos e fica por isso mesmo (ele apenas fecha a camisa e continua o que estava fazendo).
Espectadores
generosos podem até encontrar algumas boas ideias perdidas num todo insosso. A
melhor delas é o protagonista sofrido que precisa conter uma ameaça mortal que
leva no próprio corpo. O uso de som de alta frequência para destruir os
parasitas (uma ideia que seria retomada, recentemente, em filmes dinheirudos
como “Marte Ataca!” e “Um Lugar Silencioso”) também é um detalhe bem bolado, embora Dean tenha
esta epifania literalmente do nada, aos 45 do segundo tempo.
A
falta de dinheiro obrigou Band e CONTAR muita coisa através dos seus
personagens ao invés de MOSTRAR, e confesso que gosto da maneira como a história
vai se revelando aos poucos, sem aquele clichê do letreiro inicial que explica
o que está acontecendo, ou como exatamente funciona aquele “futuro distópico de
1992”.
O
roteiro também usa com criatividade a ideia de, no futuro, uma única e
inescrupulosa megacorporação (a tal Xyrex) aparentemente controlar os Estados
Unidos. Seu logotipo é onipresente: está em outdoors pela estrada, na fachada do posto de gasolina, na lateral da ambulância, nos equipamentos levados pelo Dr. Dean, e até na pele de seus funcionários – um detalhe que
parece remeter àquela clássica passagem do Livro do Apocalipse da Bíblia, de que o
Anticristo governaria o planeta e perseguiria quem quer que não tivesse a sua
“marca” na testa ou na mão direita.
A maneira como os funcionários da Xyrex passam por cima de tudo e de todos para assegurar que o monstrengo viva tempo suficiente para ser transformado em arma de guerra lembra bastante a revelação final de “Alien – O Oitavo Passageiro” e o próprio “Aliens – O Resgate”, lançado quatro anos depois de PARASITE.
E,
como todo bom filme B oitentista, este obviamente encerra com uma puta explosão de
verdade e um dublê verdadeiro pegando fogo de verdade, pois não havia o conforto da
computação gráfica!
No ano
seguinte (1983), Charles Band fundou sua própria produtora e distribuidora: a mítica
Empire Pictures, que realizou obras-primas como “Reanimator” e “Do
Além” (ambos dirigidos por Stuart Gordon). PARASITE ainda era um sucesso que o
produtor lembrava com carinho, portanto soa lógico o anúncio de que um dos
primeiros projetos da novíssima Empire seria justamente... PARASITE 2!!!
Um
anúncio de página inteira publicado na Variety (ao lado) anunciava o projeto e
garantia que as filmagens começariam em agosto daquele ano, o que nunca
aconteceu. Nenhum diretor estava creditado ao projeto, mas já era anunciado o retorno de
Robert Glaudini como protagonista, e aparentemente o mesmo trio de roteiristas do
primeiro filme iria trabalhar na sequência. Demi Moore, àquela altura, já era carta fora do baralho.
O mais
curioso é a frase em destaque no anúncio (“27 floors of living, creeping,
shocking 3-D”), dando uma pista de que a sequência se passaria na cidade
grande, e não num cu de mundo como o original. Talvez o Dr. Dean voltasse aos
laboratórios da sinistra Xyrex para destruir o que restou dos parasitas (afinal,
nesse tipo de filme sempre resta algum para ameaçar o mundo). E
embora a ideia de monstros à solta num arranha-céu possa remeter a algo como
“Duro de Matar” (feito anos DEPOIS), é bom lembrar que o já citado “Calafrios”,
do Cronenberg, era exatamente sobre parasitas atacando num edifício.
O que quer que Band e sua trupe estivessem preparando para esta sequência ficou no limbo dos projetos nunca realizados – e sabe-se que Charles Band teve muitos.
Rodeada
por um elenco em geral inexpressivo (embora inegavelmente colorido e curioso), é a jovem
Demi Moore quem mais brilha em PARASITE – além dos óbvios efeitos sangrentos em
3-D, claro. Sua personagem é absurda (uma menina meio riponga que se revela
valentona quando necessário), mas lhe deu a oportunidade de apontar e disparar
armas, levar e desferir socos, além de salvar a pele do fragilizado “herói” mais de uma
vez. Curiosamente, a personagem tinha sido escrita com outra atriz em mente (Patrice
Townsend).
Demi saiu rapidinho do universo do cinema B, ganhando uma personagem fixa no seriado (novelão, para alguns) “General Hospital”, um grande sucesso da TV norte-americana. E dali partiu para produções maiores: quase ficou com o papel principal de “Flashdance” em 1983 (que acabou com a hoje esquecida Jennifer Beals), e finalmente mostrou sua versatilidade em obras como o hilário “Feitiço do Rio” (1984, de Stanley Donen) e o drama “O Primeiro Ano do Resto de Nossas Vidas” (1985, de Joel Schumacher), que catapultou sua carreira para o topo.
Em
2019 ela lançou sua autobiografia, chamada “Inside Out: A Memoir”, e confesso
que tive curiosidade de ler pelo menos o comecinho, só para ver se ela conta algo sobre estas suas primeiras experiências no cinema com Charles Band.
O que
se sabe com certeza é que a atriz não tem lá muito orgulho deste seu primeiro
grande crédito: no mesmo ano de 2019, ao ser entrevistada sobre o lançamento do livro no
programa The Late Late Show with James Corden, Demi respondeu, sem titubear,
que PARASITE era o pior filme que tinha feito na vida (e sim, estamos falando
de alguém que apareceu em bombas como “Striptease”, “Nada Além de Problemas” e
“Proposta Indecente”).
E
embora oficialmente PARASITE seja sua única associação com Charles Band e suas
picaretagens, existe uma lenda urbana que sugere outra – e bizarra – parceria
entre os dois, que nunca chegou a ser devidamente confirmada (e me pergunto se ela fala disso em sua
autobiografia): a de que Band teria fotografado e utilizado a figura da atriz,
de costas e seminua, no antológico pôster do rape-and-revenge “I Spit on Your
Grave” (1978), de Meir Zarchi, que ele distribuiu em VHS (confira aqui e tente reconhecer se é mesmo a bunda da Demi Moore).
Seria
lindo se fosse verdade. Afinal, quem diria que a mesma Demi Moore que esculpiu
vasos de cerâmica com Patrick Swayze, no inofensivo clássico da Sessão da Tarde “Ghost –
Do Outro Lado da Vida”, estaria associada de alguma forma com um dos filmes
mais apelativos já produzidos?
Trailer de PARASITE
7 comentários:
Segundo Band (tá, ele não é uma fonte muito confiável) o roteiro de Ghoulies foi escrito antes de Gremlins.
Parasite teria tudo para ser um clássico se caísse nas mãos de um diretor mais talentoso, porque a ideia era muito promissora.
Essa é uma constante na carreira de Band: filmes promissores (Robot jox, Parasite, laserblast, etc) que ficam abaixo do que poderiam ter sido.
Quem nunca começou á sua carreira vitoriosa no cinema sem ter feito uma produção B ou ate mesmo Z dependendo do conteúdo do filme em questão,hein ?
Demi Moore tambem fez o piloto da serie estrelada por Lee Van Cleef " O Mestre" em 1984 pouco tempo depois a carreira dela alavancou .. mas eu nunca achei ela uma grande atriz ,sempre achei á suas performances de seus filmes bem limitada ,ela chama mas atenção pela á beleza do que talento diante das telas .. muito boa essa resenha ,parabéns!
Um abraço de Spektro 72.
O homem está on fire!
As resenhas anteriores ainda nem esfriaram!
Parece que Demi Moore realmente é a mulher que aparece no cartaz de “I Spit on Your Grave” .
Por qual motivo quando comento com minha conta do Google não aparece aqui? Fui o primeiro a comentar assim que saiu teu post...
Ótimo texto,baita filme! Não vou repetir todo texto aqui, mas ótimo você ter voltado pilhado!
Abraços do Lucius Ramone!
Eu acho que o Parasita está comendo meu cérebro porque parece que está encolhendo.
Ótimo texto, como sempre, Felipe! Meu trash movie vimeo.com/324407596
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