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domingo, 11 de setembro de 2011

GLADIATOR (1986) e BANZAI RUNNER (1987)


Hoje o FILMES PARA DOIDOS ataca com uma Sessão Dupla temática: "Segurança no Trânsito". Vou falar sobre dois filmes completamente diferentes, mas que, por coincidência, foram produzidos na mesma época e abordam tema semelhante: o protagonista resolve fazer justiça com as próprias mãos para vingar o irmão morto em um acidente de trânsito.

O primeiro deles é GLADIATOR, uma produção para a TV de 1986 que pouquíssima gente lembra que foi dirigida pelo respeitado Abel Ferrara, alguns anos antes de cair nas graças da crítica com os policiais "O Rei de Nova York" e "Vício Frenético". Foi reprisado várias vezes pelo SBT e era bastante popular nas locadoras brasileiras quando saiu em vídeo pela Poletel.

O segundo é uma produção muito mais obscura chamada BANZAI RUNNER, segundo dos cinco filmes de um sujeito chamado John G. Thomas, raridade do nosso mercado de vídeo (quem achar a fita lançada pela VMW Filmes ganha um pirulito) e um daqueles tosquíssimos casos em que o título original em inglês ganhou uma "tradução" também em inglês no Brasil, nesse caso "Narco Killer" (o que me lembra o caso "Rawhead Rex"/"Monster - A Ressurreição do Mal"!!!).

Sem mais delongas, vamos analisar a trajetória desses justiceiros das estradas, que com certeza teriam que trabalhar 24 horas aqui nas nossas rodovias brasileiras...


GLADIATOR (1986)


É bem provável que GLADIATOR seja um filme muito mais popular aqui no Brasil do que no país em que foi produzido. Afinal, enquanto por aqui virou clássico da TV aberta (sendo reprisado infinitas vezes no Cinema em Casa com o título "O Gladiador das Ruas") e foi bastante popular nos tempos do VHS, lá fora é até difícil encontrar resenhas sobre a obra. E olha que estamos falando de um filme de Abel Ferrara!

Pois se hoje Ferrara é um nome respeitado, lá atrás, em 1986, seu trabalho ainda era pouco reconhecido, pois estava em plena transição das produções independentes (ele começou fazendo pornô e o terror sangrento "O Assassino da Furadeira" nos anos 70) para o "mainstream", assinando trabalhos para a TV norte-americana, como episódios e "Miami Vice" e o piloto da série "História do Crime".


Talvez o próprio diretor não tenha muito orgulho desse seu telefilme, já que nunca fala sobre ele em entrevistas, nem ao menos há uma edição decente em DVD para fazer a alegria de seus fãs. Seja como for, de tanto passar na TV aberta aqui no país, é bem possível que GLADIATOR tenha educado mais futuros motoristas para os perigos do trânsito do que aquelas aulas fuleiras de auto-escola!

O engraçado é que eu vi o filme através da fitinha da Poletel, ainda moleque, e não lembrava nada sobre ele além do fato de ter como herói um vingador dirigindo uma caminhonete cheia de gadgets, como um canhão disparador de ganchos, que ele usa para "arpoar" os veículos dos infratores como se fossem baleias em alto-mar!


Revendo-o agora, depois de "velho", cheguei a tomar um susto: GLADIATOR tem trama muito, mas muito parecida com "À Prova de Morte", filme de Quentin Tarantino pelo qual não morro de amores. Poderia até ser relançado como sequência ou mesmo prequel deste, por também trazer um psicopata que usa um carro preto (nesse caso, um Dodge Charger 1969) como arma para matar vítimas pela estrada.

A diferença é que o sujeito não mata inocentes aleatoriamente, como o Stuntman Mike interpretado por Kurt Russell no filme de Tarantino, mas sim motoristas imprudentes - bêbados no volante, pessoas que ultrapassam o sinal vermelho. Estes recebem uma punição extrema por seus erros na estrada.


Numa noite dessas, o psicopata comete o erro de atacar a caminhonete em que estão o mecânico Rick Benton (Ken Wahl) e seu irmão menor Jeff (Brian Robbins), provocando um grave acidente. Mas apenas Jeff morre, deixando seu irmão emputecido e ávido por vingança.

Depois de recuperar-se no hospital, Rick usa seus conhecimentos de mecânica para transformar sua velha caminhonete num veículo blindado e repleto de acessórios à la James Bond, assume o codinome "Gladiador" e passa a patrulhar as ruas da cidade à noite, livrando-as de motoristas bêbados e rachadores, ao mesmo tempo em que persegue o psicopata do carro preto para vingar seu irmão.


Qualquer outro cineasta sentado na cadeira de diretor de
GLADIATOR
dificilmente resistiria à tentação de fazer uma história mais fantasiosa, vestindo o herói com algum uniforme ou máscara para combater o crime, por exemplo. Ou então faria seu veículo mais espalhafatoso e "high-tech".

Ferrara escapa dessa armadilha e finca os dois pés no terreno do realismo. Rick Benton continua sendo Rick Benton mesmo quando faz o papel de Gladiador, e tem a sorte de que os maus motoristas que combate na madrugada não conseguem fazer seu retrato-falado depois. Ao cineasta, interessa menos a ação e o "heroísmo" do personagem, e mais o comentário social a respeito do papel do vigilante e da polícia.

Afinal, GLADIATOR é uma história policial séria sobre um psicopata motorizado que pune maus motoristas e que é perseguido por um sujeito igualmente fora-da-lei que se auto-intitula Gladiador e sai pela madrugada fazendo a mesmíssima coisa que o homem que está caçando (embora sem assassinar os infratores, como faz o vilão).


OK, então o "herói" está agindo em nome da lei e da segurança dos outros motoristas? Talvez sim, mas o roteiro lança dúvidas sobre isso - como quando ele ataca um homem que estava correndo apenas para levar a esposa em trabalho de parto para o hospital. Ferrara também destaca que seu "herói" não deixa de ser um fora-da-lei. A discussão sobre certo e errado permeia o filme todo.

Inclusive a gatinha Nancy Allen aparece como uma radialista que comenta e condena as ações do Gladiador em seu programa (uma espécie de J. Jonah Jamenson de saia), ao mesmo tempo em que se envolve romanticamente com Rick sem nem imaginar que ele é o polêmico personagem que ela critica!


A conclusão, claro, envolve um duelo final sobre quatro rodas (oito, no caso) entre Rick/Gladiador e o temido psicopata do Dodge preto, que, quem diria, também tem um veículo cheio de gadgets! O confronto será num ferro-velho e termina de maneira inesperada, comprovando a ênfase de Ferrara no realismo das situações.

GLADIATOR é muito mais movimentado que "À Prova de Morte", já que comparei os dois filmes no começo da resenha. Inclusive alguém podia fazer uma "fan edit" cortando uma hora do bate-papo xarope da obra do Tarantino e adicionando no lugar alguns dos ataques do psicopata do filme de Ferrara, como se fosse o próprio Stuntman Mike (os carros pretos são parecidos).


Entretanto, mesmo mais movimentado e com mais ataques do vilão que "À Prova de Morte", GLADIATOR continua sendo uma aventura bem fraquinha e pouco empolgante. Demora uma eternidade para que Rick finalmente se transforme no Gladiador, e suas ações como vigilante passam longe de ser emocionantes - até porque o herói é bonzinho e se recusa a matar ou sequer agredir os infratores que persegue e pune.

O romance de Rick com a radialista é tão gratuito que não demora a ser esquecido pelo roteiro, e o veterano Robert Culp até parece desperdiçado como um policial cabeçudo que acredita que o Gladiador e o assassino do carro preto são a mesma pessoa. Para piorar, todas as cenas entre as perseguições parecem excessivamente longas, esticadas até o limite do suportável, como se o editor tivesse apenas 60 minutos de material bruto e ficasse repetindo cenas do herói dirigindo para fechar o tempo de um longa-metragem.


Talvez por todos esses problemas, GLADIATOR tenha se tornado um verbete esquecido na filmografia de Abel Ferrara, que, como eu escrevi, não deve se orgulhar muito desse seu trabalho extremamente convencional.

Por falar em esquecido, é bom destacar que o protagonista Ken Wahl era um ator promissor naquela época: fez filmes como "Forte Apache, Bronx" e "Marcados pela Guerra", além de estrelar o seriado de sucesso "O Homem da Máfia". Nos anos 90, Wahl sumiu do mapa. Segundo o IMDB, o desaparecimento aconteceu por causa de sequelas provocadas por um acidente de motocicleta que ele sofreu em 1992.

E eu pensando que Wahl continuava patrulhando as ruas em tempo integral com sua caminhonete...

PS: O cara estiloso e com roupa de justiceiro malvado no pôster do filme NÃO é o Ken Wahl. E ele não usa aquela roupa fodona no filme.


BANZAI RUNNER (1987)


Se o filme anterior tinha um quê de "À Prova de Morte", BANZAI RUNNER (não, eu não vou usar a "tradução" do VHS brasileiro, "Narco Killer", que não faz qualquer sentido) pode ser definido como o avô da série "Velozes e Furiosos".

Compare: no filme que Rob Cohen dirigiu em 2001, Paul Walker interpreta um policial de Los Angeles que, disfarçado, infiltra-se num grupo de criminosos que disputa pegas com carros super-envenenados. Para manter o disfarce, ele próprio precisa se tornar um "rachador".

Já nessa obra aqui, dirigida, co-escrita e produzida por John G. Thomas, o eterno coadjuvante Dean Stockwell (!!!) foi promovido a protagonista e interpreta um policial rodoviário de Nevada que, igualmente disfarçado, infiltra-se num grupo de ricaços que igualmente disputa pegas com carros super-envenenados. Ele igualmente precisa se tornar um "rachador", mas seu objetivo não é apenas manter a lei e a ordem: como Ken Wahl em "Gladiator", ele quer mesmo é encontrar o sujeito que matou seu irmão num acidente na estrada.


É até engraçado comparar BANZAI RUNNER com "Velozes e Furiosos" porque, neste filme de 1987, temos no máximo um "Rapidinhos e Levemente Revoltadinhos". O próprio cinema de ação sofreu uma mudança gigantesca nos 15 anos que separam as obras. E enquanto Paul Walker e sua turma protagonizam perseguições em alta velocidade repletas de CGI a cada 15 minutos, Stockwell tem que se contentar com apenas dois pegas em quase 1h30min de filme.

Detalhe: como em 1987 o CGI não era uma ferramenta popular para realizar cenas de ação, e BANZAI RUNNER é uma produção bem fundo de quintal, os realizadores simplesmente filmaram os carros em velocidade "normal" (90, no máximo 100 km/h) e depois "aceleraram" a velocidade dos fotogramas na montagem, para fazer parecer que os caras estão dirigindo a 200 km/h! Às vezes funciona, mas quase sempre não.


E é até curioso ver Dean Stockwell como "herói de ação", considerando que seu personagem é bunda-mole a maior parte do tempo, demonstrando um mínimo de atitude apenas na cena em que enfrenta um motorista bêbado na estrada.

Seu policial, chamado Billy Baxter, vive com o sobrinho órfão, Beck ("interpretado" por John Shepherd, o Tommy de "Sexta-feira 13 Parte 5"). Algumas das cenas mais engraçadas do filme decorrem da completa incapacidade de atuação de Sheperd. E de momentos esdrúxulos como aqueles em que o jovem insiste em fumar maconha mesmo sabendo que tem um tio-padrasto policial por perto, ou às vezes até do lado (mesmo o mais doidão dos maconheiros evitaria acender um baseado enquanto dirige com o tio-padrasto policial dormindo no banco do passageiro!).


E se em "Velozes e Furiosos" o bicho pega o tempo inteiro, aqui o herói só tem a chance de mostrar suas habilidades de rachador na meia hora final. É quando o policial é despedido da corporação (por insistir em usar um carro envenenado para cumprir suas funções) e aceita uma missão secreta da Narcóticos para se infiltrar na quadrilha que pratica rachas e, nas horas vagas, trafica cocaína.

Baxter descobre que o malvadão da trupe, Syszek (Billy Drago com penteado de Martin Short!!!), é o homem responsável pela morte do seu irmão, e todos os conflitos serão resolvidos na estrada e em alta velocidade.


Apesar da lentidão, da pobreza e das poucas cenas de ação, confesso que fiquei entretido com BANZAI RUNNER. Ok, não é "o" filme sobre rachadores que eu indicaria caso me pedissem dicas de produções com o tema, e a "idade" da produção não influencia em nada, pois "Mad Max" foi feito quase 10 anos antes e é muito mais "veloz e furioso".

Gostei de BANZAI RUNNER justamente por ele oferecer uma abordagem mais realista, quase intimista, de um argumento semelhante ao do posterior "Velozes e Furiosos". Você dificilmente vai engolir o surfistinha Paul Walker como policial, mas Dean Stockwell parece um; é difícil entender as motivações do herói de Walker, mas não as de Stockwell em sua busca de vingança; finalmente, as poucas perseguições e rachas de BANZAI RUNNER são muito mais críveis e menos absurdos do que toda e qualquer cena de "Velozes e Furiosos".


E o filme de John G. Thomas tem algumas bobagens divertidíssimas. Além da teimosia do jovem Beck de acender baseados perto do tio careta, há um momento belíssimo em que uma garota vadiazinha propõe ao rapaz uma brincadeira chamada "Speed Strip", em que tirará uma peça de roupa para cada 20 km/h que ele ultrapassar do limite de velocidade da rodovia! (Mas não se assanhe, o filme não tem nem um único peitinho de fora...)

A pobreza geral da produção também rende algumas gargalhadas, como na cena em que Baxter vai encontrar um mega-executivo dono de dezenas de carrões como Porsches e Ferraris, e o escritório do sujeito tem apenas uma mesinha e um telefone, sem nenhuma decoração ou mobília chique no cenário!


Phil Harnage, que co-escreveu BANZAI RUNNER ao lado do diretor Thomas, antes era roteirista de desenhos animados, como "He-Man" e "She-Ra". Isso talvez explique a presença de personagens como Traven (Charles Dierkop), um mecânico maluco que mata moscas com tiros de revólver! Ele é um personagem tão deslocado na narrativa que parece ter saído de uma história em quadrinhos!

Pelo lado negativo, muita coisa está sobrando no enredo, como a relação atribulada de Beck com sua namorada (um conflito que jamais chega a uma resolução), ou o drama de Baxter estar prestes a perder sua casa para a ex-esposa (um único diálogo sobre isso já bastaria, mas o filme estica esse dramalhão até parecer novela mexicana).


Embora passe longe de ser um grande filme, BANZAI RUNNER é uma obra a ser (re)descoberta. Principalmente pela sua obscuridade (existem poucas resenhas sobre ele mesmo lá nos EUA).

E também porque, hoje, já não se fazem filmes assim, paradões, instrospectivos, realistas, com um quarentão como Dean Stockwell no papel principal e Billy Drago como vilão...

Só tem um grande problema: quem engole um filme sobre carros velozes e rachadores que não passa dos 30 km/h? Ou que parece estar em câmera lenta?

Trailer de GLADIATOR



Créditos iniciais de BANZAI RUNNER



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The Gladiator (1986, EUA)
Direção: Abel Ferrara
Elenco: Ken Wahl, Nancy Allen, Robert Culp,
Stan Shaw, Rosemary Forsyth, Bart Braverman,
Brian Robbins e Rick Dees.

Banzai Runner (1987, EUA)
Direção: John G. Thomas
Elenco: Dean Stockwell, John Shepherd, Charles
Dierkop, Barry Sattels, Billy Drago, Dawn Schneider,
Ann Cooper e Rick Fitts.

11 comentários:

J. Verneti disse...

Cara, valeu pela resenha sobre "The Gladiator", assitia direto no SBT mas,não lembrava o título.
Continue trazendo mais " Clássicos Esquecidos do Cinema em Casa".

Excelente blog;

Francine disse...

Esse do Gladiator eu lembrava por causa da presença do "Homem da Máfia". Outro que passava no cinema em Casa e era presença garantida em tudo que era locadora, era o "The Wraith', que tinha o Charlie Sheen. Só que esse The Wraith era mais fantasioso.

Anônimo disse...

"The Wraith" que era chamado aqui no Brasil de "A Aparição". Merecia uma resenha aqui no "Filmes..."

JFelippe Mac Bastos disse...

Sempre achei que velozes e furiosos é uma super chupinhação de dois filmes misturados: Atraídos Pelo Perigo (No Man's Land) e Caçadores de Emoção. Sendo que esses dois aí são muito melhores; é chato, mas Velozes e Furiosos assim como aquele Triple X representam muito do que eu acho mais vazio na sociedade desde a virada do século, incluindo cultura hip hop exacerbada e achar que ter atitude se resume a ter um corpo trabalhado em academia.

Anônimo disse...

O Gladiador das Ruas (The Gladiator)
Quem quiser compra tem o DVD autorado neste link
http://www.sessaodatarde.net/filmes/1282/o-gladiador-das-ruas

Anônimo disse...

Concordo com o JF Felippe... Doses exageradas de hippie hop detonam qualquer longa-metragem. Vide o filme "Romeu tem que morrer" que até tem uma história muito legal, mas se torna insuportável com aqueles personagens estereotipados na linha "Sou um rapper gangster fodão".

péricles linhares disse...

felipe gostaria de pedir assim que possivel, fizeesse uma resenha sobre o filme O Nascimento de uma Nação do diretor D W Griffith. valew um grande abraço.

Felipe M. Guerra disse...

PÉRICLES, eu até gosto do filme, mas não sei se aqui é o melhor lugar para escrever sobre ele. E tem tantos blogs sobre cinema clássico por aí para eu começar a resenhar esse tipo de obra aqui no Filmes para Doidos...

marcos disse...

Caaaaaaaara, simplismente obrigado!!!

Gladiator é o unico filme que mesmo sabendo o nome e a trama eu nunca tinha achado nada, assisti ele uma
unica vez quando garoto, valeu mesmo.

Joe disse...

Caramba, o Gladiador assisti incontáveis vezes no SBT, havia esquecido o nome e seu post me fez relembrar, valeu!

Inclusive assisti ele novamente pela internet(tem ele completo no Youtube, HAHA, sem legendas) e constatei que é bem mais tosco que nas minhas lembranças, muito clichê também. Mas foi interessante ver o Dodge Charger preto aloprando as ruas de novo.

Abraço!

Leonardo Peixoto disse...

Muito interessante ler resenhas em sessão dupla .