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sexta-feira, 16 de abril de 2010

REEFER MADNESS (1936)


No fantástico livro "Medo e Delírio em Las Vegas" (transformado num filme igualmente fantástico por Terry Gilliam nos anos 90), o saudoso jornalista Hunter S. Thompson narra a ocasião em que participou - completamente chapado com todo tipo de droga ilícita - de uma convenção de policiais da Narcóticos em Las Vegas. Lá pelas tantas, Thompson narra o comunicado hilário feito por um dos delegados sobre o usuário de marijuana, ou Cannabis sativa, a popular maconha:

"Talvez você não enxergue os olhos vermelhos de um maconheiro por causa de seus óculos escuros, mas os nós de seus dedos estarão brancos por conta da tensão interna; suas calças estarão cobertas por crostas de sêmen, porque ele se masturba sem parar quanto não encontra alguém para estuprar. Quando interpelado, vai hesitar e não falar coisa com coisa. Ele não respeitará seu distintivo. O maconheiro não tem medo de nada, atacará sem motivo, usando qualquer arma à disposição. Qualquer policial, ao prender um suspeito viciado em maconha, não deve hesitar em usar toda a força necessária. Cada pancada que você der em um maconheiro evitará que você leve nove! Boa sorte!"

É mais ou menos este tipo de estupidez e desinformação em relação aos efeitos do uso da maconha que o espectador encontrará em REEFER MADNESS, um hilário "documentário" sensacionalista produzido nos anos 30 para "alertar sobre os perigos da marijuana", mas que com o passar do tempo ganhou status cult de comédia involuntária JUSTAMENTE entre os usuários de maconha!


Inicialmente batizado "Tell Your Children" ("Conte aos seus filhos", ou "Avise seus filhos"), o documentário foi produzido por um grupo religioso com a proposta de ser um filme educativo (e de moral duvidosa) para exibição em escolas e salões paroquiais de pequenas cidades, destinado a "alertar" os pais preocupados com a popularização da "erva do demônio" nos Estados Unidos da década de 30.

Entretanto, depois de filmado, "Tell Your Children" acabou sendo adquirido por um distribuidor conhecido justamente pelo sensacionalismo, Dwain Esper. Ele fez alguns cortes na parte do melodrama, inseriu cenas didáticas (e reais) sobre o combate aos entorpecentes na época, e mandou o filme para os cinemas com o título REEFER MADNESS, algo como "A Loucura do Baseado" - "reefer" era a gíria da época para o cigarro de maconha, algo como "fininho" em português. O objetivo de Esper com o título dúbio e os inserts de drogas era atrair aos cinemas tanto os pais preocupados quanto os próprios usuários de drogas!


Quanto ao filme em si... Bem, vamos por partes.

Nestes nossos tempos atuais, é muito difícil que alguém nunca tenha fumado um baseadinho, ou pelo menos visto alguém fumar. Sendo assim, os "efeitos nocivos" da maconha já são popularmente conhecidos: não passam de uma leve histeria seguida de sensação tranqüilizante, além dos tradicionais olhos vermelhos e de uma vontade irresistível de comer tudo que vier pela frente (comida mesmo; não maliciem, seus pervertidos!).

E não passa muito disso. Ninguém que fume um baseado vai ficar louco, psicopata, perder-se numa viagem sem volta ou sentir uma vontade irresistível de cheirar, se picar ou fumar crack. Portanto, se você passou a vida inteira sem fumar maconha com medo dos seus "terríveis efeitos", perdeu tempo!


Mas é claro que lá atrás, nos anos 30, os efeitos da marijuana ainda eram demonizados pela lei e pelas ligas de moral e bons costumes. Gente que nunca colocou um baseado na boca se dizia especialista na droga e dava palestras sobre os tenebrosos efeitos da maconha, capaz de transformar jovens inocentes em bárbaros estupradores e assassinos. Foi esse tipo de gente que produziu REEFER MADNESS.

O "documentário" começa com a palestra de um falso médico, o Dr. Alfred Carroll (interpretado por Joseph Forte), sobre a disseminação das drogas pelos Estados Unidos - quando entram as cenas verdadeiras de policiais queimando narcóticos e de baseados sendo didaticamente preparados.

O "médico" põe-se a falar sobre os trágicos efeitos da maconha na juventude, citando exemplos como o do rapaz que fumou um baseado e depois matou toda a família a machadadas (!!!). Finalmente, resolve contar uma história acontecida "bem perto dali", e o filme passa a dramatizar a narração do "especialista".


Moralista, inocente e desinformada até o talo, a história apresenta o casal Mae (Thelma White) e Jack Perry (Carleton Young), dois adultos que vivem de vender maconha à juventude. Jack, sempre vestido de terno e gravata, tem o hábito de circular por colégios e lanchonetes para seduzir e viciar novas vítimas, que eventualmente se tornarão novos clientes.

O drama todo gira em torno de Bill (Kenneth Craig), um jovem nerd que até usa gravata-borboleta (!!!), e é influenciado pelas "más companhias" ao conhecer Blanche (Lillian Miles), uma viciada em Cannabis que vive na casa de Jack e Mae. Blanche atrai Bill até a toca do lobo e lhe dá um baseado, que obviamente provoca terríveis efeitos colaterais no rapaz: ele fica doidão e transa com Blanche!


Ou seja: apesar de este ser um filme com mensagem anti-droga, o apelo de tal cena entre a juventude é inegável, e o efeito deve ter sido justamente O CONTRÁRIO do pretendido pelos realizadores. Tipo: "Fume maconha e você vai transar, mesmo que seja um nerd com gravata-borboleta"!

Enquanto Bill acorda depois da transa e se desespera (ah, esses tempos em que a virgindade era sagrada...), sua namoradinha Mary (Dorothy Short) chega à casa dos traficantes procurando pelo rapaz, mas acaba igualmente sendo conduzida à maconha por outro viciado que vive no local, um demente chamado Ralph (Dave O'Brien), que passa o filme inteiro rindo como um psicopata após dar umas baforadas num baseado. Mary também fica doidona e Ralph tenta estuprá-la; Bill surge para o resgate, mas a coisa acaba mal: um tiro é disparado e Mary morre!


Segue-se um filme de tribunal, com Bill sendo julgado pelo assassinato da namorada e o promotor e o juiz deixando bem claro que tudo só aconteceu porque o jovem estava sob efeito de maconha.

Eventualmente a verdade será descoberta, o inocente libertado e os culpados punidos (lembre-se que estamos nos puritanos anos 30). O castigo inclusive vem a cavalo, com o traficante Jack sendo morto pelo viciado Ralph em desespero provocado pela abstinência. Bill é inocentado e promete nunca mais envolver-se com a droga do demônio. Final feliz. Até esquecem da pobre moça morta.


De volta à reunião com os pais do início do "documentário" (lembra?), o dr. Carroll alerta o público para que tenham cuidado em suas próprias casas: "Ou a próxima tragédia poderá acontecer com sua filha... Ou com seu filho... Ou com o seu... Ou com o seu...", e ele então aponta o dedo acusadoramente para a câmera (e para o espectador) e conclui: "OU COM O SEU!!!".

REEFER MADNESS é simplesmente hilário: os atores interpretam usuários de maconha como se fossem bêbados (cambaleando pelos cantos e fazendo macacaquices), ou como se fossem psicopatas (com profundas olheiras e soltando gargalhadas maléficas).


As próprias cenas dos sujeitos fumando baseado demonstram que ninguém tinha muita intimidade com a coisa e acreditavam cegamente nos "especialistas" da área - só o jeito que eles SEGURAM o cigarrinho do demônio já é de rolar de rir!

Ainda há uma cena deprimente em que um rapaz dá duas ou três tragadas num baseado quando está no carro e repentinamente começa a dirigir como louco (no caso, como se estivesse bêbado, e não chapado), acelerando pelas ruas e atropelando um velhinho ao furar o sinal vermelho! Definitivamente, os "especialistas" que ajudaram na realização do filme confundiram maconha com cachaça...

O objetivo do roteiro é amedrontar a juventude dos anos 30, ainda sem acesso à televisão e muito menos à internet (e, portanto, recebendo informações ainda restritas aos pais e professores). Sustenta que o uso da maconha pode transformá-los em assassinos ou levá-los a uma "viagem sem volta". Enfim, nenhum esforço é poupado na tentativa de demonizar a erva e seus efeitos, naqueles tempos em que dar uns amassos numa garota antes do casamento era o fim da picada!


Ironicamente, o filme é absurdamente hipócrita ao condenar os supostos malefícios da marijuana, mas ao mesmo tempo mostrar todos os seus personagens "corretos" (pais, policiais, jurados, médicos...) fumando cigarros e charutos "normais" e bebendo álcool, como se só a maconha fosse prejudicial (por ser ilícita), mas todo o resto estivesse liberado sem restrição! Provavelmente deve ter afastado muitos jovens lá dos anos 30 da maconha, porém criando uma geração de fumantes e alcoólatras!

O relativo sucesso de REEFER MADNESS deu origem a uma série de outros filmes anti-maconha, como "Assassin of Youth" (1937) e "The Terrible Truth" (1951), todos sensacionalistas e nada informativos, todos exageradamente sensacionalistas e absurdos. Mas logo os produtores perceberam que a batalha estava vencida e deixaram a marijuana em paz, dedicando-se a fazer filmes sobre outras drogas mais pesadas e realmente perigosas, como o LSD e a heroína.


O próprio REEFER MADNESS sumiu de circulação por décadas até ser redescoberto mofando na Biblioteca do Congresso, no começo dos anos 70 - justamente por uma geração de maconheiros! Foi Keith Stroup, fundador da NORML (Nation Organization for Reform of Marijuana Laws), quem comprou os direitos sobre o filme, que já estavam em domínio público. A partir de 1971, Stroup passou a exibi-lo em seminários e festivais pró-maconha (!!!), onde os usuários acabaram adotando-o como uma divertida comédia involuntária, tal seu nível de sensacionalismo e desinformação.

E, quem diria, a venda de cópias do "documentário" foi uma das primeiras atividades financeiras a gerar capital para uma pequena companhia que surgia na época, uma tal de New Line Cinema, que hoje é simplesmente uma das grandes produtoras da indústria de Hollywood!

REEFER MADNESS ficou tão marcado na cultura popular ianque que ganhou diversas versões em DVD por lá, inclusive uma colorizada por computador (!!!). Também ganhou recentemente, em 2005, uma homenagem em forma de comédia musical, estrelada por atores famosos como Neve Campbell e Steven Weber - lançada no Brasil com o título "A Loucura de Marijuana".


Confesso que seria engraçado colocar aqueles pais dos anos 30, que ficavam apavorados com filmes como este, numa máquina do tempo, para que eles pudessem ir ao cinema nos dias atuais e ver filmes como "Up in Smoke", da dupla Cheech & Chong, ou "Segurando as Pontas", além de jovens fumando maconha não mais escondidos ou na casa de "traficantes", mas em ruas e parques mesmo.

Talvez estes pais de outrora também pudessem dar uma voltinha na Crackolândia para perceber que há coisas bem piores do que o inofensivo cigarrinho do demônio...

Já para a geração atual, só posso recomendar que REEFER MADNESS seja visto como a comédia involuntária que realmente é - de preferência fumando um baseadinho.

Veja REEFER MADNESS na íntegra!



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Reefer Madness/Tell Your Children! (1936, EUA)
Direção: Louis J. Gasnier
Elenco: Dorothy Short, Kenneth Craig,
Lillian Miles, Dave O'Brien, Thelma White,
Joseph Forte e Carleton Young.

15 comentários:

Luiz Alberto disse...

Ainda tem muita gente instruída que acha que um baseado é capaz de fazer uma pessoa normal virar um psicopata de uma hora para outra!

Me lembrei daquele documentário "Grass", sobre a história do gererê nos EUA.

Ótima dica!

Edu Aurrai disse...

Cara, me deu até vontade de fumar um.

Filipi S. Nunes disse...

Felipe, assim que tiver tempo acesse meu blog sobre Spaghetti Western, OK?

http://xploiteddrive-in.blogspot.com/

Abraço!

Liar Nelson disse...

Esse filme já não foi lançado por aqui pela MAgnus Opus?

Tiago - Sumaré/SP disse...

É verdade, o pessoal ainda acha que baseados forçam pessoas a fazerem atos absurdos.

Apesar de não fazerem, ainda são perigosos. Como o início de uma estrada. Existem aqueles que firmes só nela, mas esses estão ficando mais raros. E também, se fosse bom não seria uma "droga" (Sim, eu sei que remédios tb são drogas. Ficar viciado em um remédio tb é desastroso).

Felipe M. Guerra disse...

Vício por vício, tenho memórias mais trágicas envolvendo familiares que sofrem ou sofreram com o alcoolismo (uma "droga" lícita e socialmente aceita), e não os meus amigos maconheiros. Aliás (e isso chega a ser esquisito), todos os meus amigos maconheiros se deram bem na vida, sendo que alguns pararam totalmente de fumar, outros ainda queimam um baseadinho esporadicamente.

No meu caso particular, a cafeína (leiam direito, é CAFEÍNA, não cocaína!) foi uma droga muito mais viciante e difícil de largar do que todos os baseados que fumei na adolescência. Aliás, ninguém acredita quando eu digo que passei quase uma década tomando pelo menos 3 litros de café puro por dia, o que me rendeu uma gastrite furiosa que incomoda até hoje - menos mal que não uma úlcera!

Portanto, acho que a questão da droga ser boa ou ruim vai de cada pessoa. Claro que tem aqueles cabeças-de-bagre que não se contentam com um baseadinho e partem para drogas mais pesadas, mas cada um é livre para envenenar o seu corpo da maneira que preferir - eu só não concordo com aqueles merdas que não conseguem sustentar o próprio vício e aí precisam ficar roubando e matando os outros que não têm nada a ver com a história!

Anônimo disse...

Maconha trás mais beneficios do que maleficios, esse negócio de que é uma porta para outras drogas depende do usuario, tem gente q sabe brincar e tem gente que não.
Bebida, cigarro e café causam mais danos ao homem do que fumar maconha.

Daniel disse...

Se as pessoas soubessem o limite de até podem ir com as coisas, esse mundo seria bem melhor. Exagero em qualquer coisa é danoso.

Felipe M. Guerra disse...

Pois é, DANIEL, até água em excesso faz mal! hahaha. Como eu falei: acho que todo mundo é livre para se envenenar como quiser, o foda são esses manés que se afundam de cabeça na coisa e destróem a própria vida, além da própria família - e muitas vezes as famílias dos outros.

Luciano Cirne disse...

Cara, maconha vicia SIM. Não é algo que aconteça com frequência, mas eu mesmo tenho um amigão que parou de estudar e virou uma espécie de vegetal. Ficou mais de um ano trancado no quarto com um pé de maconha e não fazia mais nada a não ser fumar o dia todo... adquiriu síndrome de pânico e um constante estado de paranóia...

Depois que ele conseguiu sair dessa, recaiu, começou a usar coisas mais pesadas e hoje tá numa clínica de reabilitação. Não acho que, por causa de uns conhecidos ao redor (ou por nossa própria experiência, tipo "Ah, eu já fumei e nem por isso viciei"), vocês deviam tomar a situação como um todo.

Não foi uma crítica, apenas uma constatação, ok? Abraço!

Rafael Medeiros Vieira disse...

Genial, hahahahahaha, vou assistir isso.


Não bêbo, não fumo, e não tomo café, mas sou viciado em buceta, hehehehehehe...

Goya disse...

A dica do filme é muito boa mas a apologia á maconha é completamente dispensável, este tipo de discurso só serve pra deixar o tráfico mais rico e poderoso.

felipe disse...

Bicho, essa do amigo que parou de estudar pra ficar em casa fuimando maconha é um extremo incompreensível. Um sujeito desses só pode ser doente de nascença. Eu fumo quase todo dia, nem por isso deixo de trabalhar, estudar e respeitar as pessoas.
Ja o outro aí, chamado Goya, usa um clichê que tá mais que batido nessa discussão, de que a maconha alimenta o tráfico. Rapaz, o que alimenta o tráfico são os caras lá em cima, são os julgamentos do STF, são os artigos atrasados do nosso código penal, é a falta de visão dos gestores de políticas públicas do nosso país, enfim, são tantas coisas, inclusive a ignorância de achar que a apologia da maconha alimenta o tráfico. Fala sério!!!Para de ver Jornal Nacional e vai ler outra coisa mais interessante, vai se instruir, cara!!!

Kensy Froid disse...

Não uso droga nenhuma, nem lícitas nem ilícitas. percebo claramente que a proibição da maconha traz mais malefícios à sociedade que o seu uso... TODOS os usuários de drogas pesadas iniciaram com as drogas lícitas, tabaco (cigarros) e álcool (fartamente propagandeado)... o resto é balela, é papo de bebado querendo dar lição de moral achando que álcool não é droga! Se é prá proibir porque faz mal, vamos começar com o álcool que vicia, tem efeitos teratogênicos (má formação fetal) em usuárias crônicas e é a maior causa de incapacitação e afastamento do trabalho (segundo o SUS). Outra coisa, só existe tráfico porque é proibido! se for proibido o uso de cotonete (cujo uso não é recomendado por otorrinos), no dia seguinte aparece um bando de traficantes de cotonete vendendo... e o que é pior! a hora que eles ganharem mais dinheiro vendendo arame prá limpar os ouvidos você só vai encontrar isso prá comprar...

Ronaldo de Sousa Farias disse...

Pra algumas pessoas a maconha causa uma dependência terrível