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quinta-feira, 10 de setembro de 2009

HUNT FOR THE GOLDEN SCORPION (1991)


Isso aconteceu há uns 15 anos, mas lembro tão bem que parece que foi ontem. Era uma madrugada insone e eu zapeava os canais da minha parabólica (TV por assinatura ainda era coisa chique na época), até acabar sintonizando na antiga CNT. Na época, a emissora costumava exibir tralhas tipo o "Pânico" de Tonino Ricci ou aqueles lindíssimos filmes de horror mexicanos estrelados por Boris Karloff (ah, bons tempos aqueles...). E, naquele exato momento, alguma coisa estava começando: "Caçada ao Escorpião Dourado". Os nomes dos atores passavam, e eu não conhecia ninguém. Até aquele grande choque no final dos créditos do elenco: "and with Cecil Thiré"!!!

"PUTA MERDA!", foi a primeira coisa que pensei. Afinal, aquela parecia ser mais uma aventura barata italiana de quinta categoria. Sendo assim, o que é que o "nosso" Cecil Thiré, popular careca barbado e tradicional vilão das novelas da Globo, estava fazendo ali? Tinha que ser um outro ator, um homônimo, quem sabe um ator francês pouco conhecido...


Mas eis que já nos primeiros cinco minutos a dúvida foi esclarecida: sim, meus amiguinhos, era o "nosso" Cecil Thiré, com sua indefectível careca lustrosa e sua barba de malvado, interpretando, quem diria, um maquiavélico coronel brasileiro, usando uniforme verde-musgo, segurando pistola na mão e tudo mais. E o "nosso" Cecil Thiré, quem diria, estava "interpretando" sob o comando do famoso diretor italiano Umberto Lenzi!

Só por isso, senhoras e senhores, o filme HUNT FOR THE GOLDEN SCORPION já vale uma espiada. Porque nada, mas nada mesmo, pode preparar o espectador para ver um vilão de telenovela global no papel de coronel malvado numa aventura italiana de quinta categoria! (Já pensou Francisco Cuoco ou Tarcísio Meira sendo dirigidos por Ruggero Deodato ou Bruno Mattei?)

O filme foi feito por Lenzi aqui mesmo, no Brasil, em 1991, quando o velho Umberto estava no país rodando um terror barato chamado "Black Demons" - sobre macumba e zumbis de escravos negros, coisa que os "nossos" cineastas deviam ter pensado antes, mas estavam muito ocupados tentando ser Glauber Rocha. Acredito até que HUNT FOR THE GOLDEN SCORPION tenha recebido algum incentivo fiscal do Governo Federal, ou pelo menos do governo do Amazonas (onde a aventura foi rodada), já que o tempo inteiro aparecem museus e pontos turísticos de Manaus na tela.


Com incentivo fiscal ou sem, o mais estranho é que o filme nunca foi comercialmente lançado no país (e, mistério, nem nos Estados Unidos!!!), circulando hoje apenas em cópias piratas ripadas de VHS. Somente a velha CNT fez justiça à aventura de Lenzi, exibindo-a naquela madrugada 15 anos atrás...

O título do filme leva o espectador a acreditar que essa é mais uma cópia das aventuras de Indiana Jones, e já revela desde o início uma falta de criatividade em relação ao artefato, considerando que já existia um "Os Caçadores da SERPENTE Dourada", dirigido por Antonio Margheritti anos antes. Mas o filme de Lenzi não tem nada a ver com Indiana Jones: o roteiro de Olga Pehar (que também escreveu "Black Demons") prefere contar uma historinha banal de ação, repleta de tiroteios e explosões, e sem grandes reviravoltas "arqueológicas".

Nossa história começa com o entomologista norte-americano Tom Maitland (David Brandon, o Calígula de Joe D'Amato) sendo perseguido pelos soldados liderados pelo maligno coronel Olivares (Cecil Thiré!!!), em plena Floresta Amazônica. Ele consegue escapar depois que os milicos explodem seu barco, mas deixa para trás uma bolsa com seu isqueiro e o cartão de crédito American Express (O slogan era "Não saia de casa sem ele", mas daí a levar o cartão para o meio da selva me parece muito exagero...)


Em Miami, a irmã de Tom, Mary (Christine Leigh, de "Condor"), recebe um comunicado da Embaixada brasileira informando que o pesquisador morreu num acidente. Mas ela desconfia da notícia ao receber uma carta do irmão contendo fotos de uma caverna. Resolve, assim, viajar até Manaus e seguir os rastros de Tom, descobrindo que ele topou acidentalmente com uma valiosa relíquia indígena, o Escorpião Dourado (estátua de ouro enfeitada com "a maior esmeralda já encontrada pelo homem"), e que por isso é prisioneiro do exército de Manaus, acusado de tráfico de drogas.

Acontece que a relíquia é cobiçada por um negociante de arte escocês, o maléfico Guy McDonald (Denis Bourke, de "Pra Frente Brasil"), que é auxiliado por Olivares e suas tropas. Eles pretendem torturar Tom até que o gringo revele onde escondeu o escorpião dourado. Felizmente, Mary recebe a ajuda de um aventureiro norte-americano, Jim Foster (Andy J. Forest, outrora dirigido por Lenzi no impagável "O Pelotão do Massacre"), que aparece do nada e já se revela um heróico cavalheiro, salvando a moça de vários perigos e perseguidores.

Finalmente, Ahmed (Max Suara), um mercenário libanês, também aparece do nada e resolve liderar a dupla de norte-americanos até a base militar de Olivares, para resgatarem Tom e partirem todos em busca do tesouro.


E basicamente é isso. HUNT FOR THE GOLDEN SCORPION não passa daquele tradicional corre-corre no meio da selva, e o ponto alto é justamente o ataque do trio de heróis à base de Olivares. Pois eis que apenas três pessoas conseguem dizimar centenas de soldados, e inclusive Mary revela uma absurda habilidade em utilizar metralhadoras e granadas de mão (além de uma mira fantástica, óbvio). Libertado o prisioneiro, o quarteto foge pela floresta atrás do escorpião dourado, sofrendo a perseguição implacável dos vilões.

O roteiro de HUNT FOR THE GOLDEN SCORPION traz todo tipo de furo e absurdo, desde o fato de três leigos conseguirem aniquilar um pelotão inteiro de soldados (tudo bem que são mal-preparados e mal-remunerados soldados brasileiros, mas peraí...), até o fato da picada de uma cobra coral matar um vilão em dois segundos. Isso sem contar a conclusão absurda, que envolve até a troca do escorpião dourado por uma "réplica exata comprada na Bahia", para enganar os vilões - e é claro que a tal réplica foi miraculosamente levada no bolso por um dos heróis durante o filme inteiro!!!

Além disso, a pobreza geral da produção transforma o que era para ser uma aventura na selva em comédia. Lá pelas tantas, por exemplo, os soldados inimigos são mortos por... um único índio (vai ver faltou dinheiro para contratar figurantes e montar uma tribo inteira). E o índio, pra piorar, se chama Chato (depois que abriram um precedente com o Tonto, amigo do Zorro...)!!!


Mas ainda que o filme seja muito ruim, é impossível não ficar fascinado por ele quando vemos os heróis de quinta categoria desfilando por cenários tipicamente brasileiros (sim, o filme todo foi realmente gravado em Manaus), e povoados por brasileiros reais, não espanhóis ou mexicanos, como costumam fazer nas grandes produções de Hollywood (tipo "Anaconda", "Stigmata", "Bem-vindo à Selva" e muitas outras). É só a mocinha derrubar a carga de abacaxis de um figurante camelô, por exemplo, para ele soltar um sonoro "Puta que pariu!".

Além disso, os personagens andam em carros como chevettes, brasílias e opalas, e são perseguidos pelos vilões em locais como o Teatro Amazonas e o Museu do Índio da Funai!!! Ou seja, os italianos, por mais picaretas que sejam, são mais fiéis em relação à cultura e à geografia brasileira do que os gringos!

Como o filme não teve lá muito destaque, o elenco principal sumiu do mapa: o galãzinho Forest conseguiu a façanha de estrelar o medonho "Lambada - O Filme" no ano anterior, e essa aventura trash foi seu último trabalho no cinema. Christine Leigh não teve sorte melhor, e este foi o último dos seus três filmes, já que a própria indústria cinematográfica italiana entrou em decadência. Somente Brandon continuou atuando na TV e no cinema (fez até uma participação no impagável "Scarlet Diva", dirigido e estrelado por Asia Argento). Já Lenzi só fez mais dois filmes depois desse, ainda mais obscuros.


Sem absolutamente nada de criativo ou memorável, HUNT FOR THE GOLDEN SCORPION só vale mesmo pela surpresa de ver Cecil Thiré canastríssimo como milico vilão, misteriosamente falando inglês o tempo inteiro com seus soldados brasileiros, embora fale em alto e bom português com o índio Chato em certo momento do filme.

Na época, Cecil tinha acabado de aparecer nas novelas tupiniquins "Top Model" e "O Salvador da Pátria", e é realmente muito engraçado vê-lo dando ou levando sopapos de David Brandon e Andy J. Forest. Eu adoraria um dia entrevistá-lo para saber como foi trabalhar com Lenzi numa produção furreca como essa! Até porque este foi, provavelmente, seu último grande "destaque" no cinema, considerando que hoje ele faz coisas bem menos engraçadas, como "Didi - O Caçador de Tesouros".

PS 1: Além da famosa careca de Cecil Thiré, HUNT FOR THE GOLDEN SCORPION também traz uma pá de outros atores e atrizes do Brasil-sil-sil: Renato Coutinho ("O Beijo no Asfalto"), Fernando Reski ("As Aventuras de Sérgio Mallandro"), Claudioney Penedo ("Os Fantasmas Trapalhões"), Bernardo Jablonski (o professor de Direito em "Tropa de Elite") e Tânia Scher (novela "A Viagem").

PS 2: Para completar a trupe de "talentos", o diretor de arte (qua, qua, qua!!!) é ninguém menos que Michael E. Lemick, ou Michele Massimo Tarantini, o diretor do clássico "Perdidos no Vale dos Dinossauros"!!!


POSFÁCIO: Anos depois de escrever esta postagem, descobri que o Cecil Thiré tem uma biografia lançada pela Coleção Aplauso, e ele fala brevemente sobre HUNT FOR THE GOLDEN SCORPION. Infelizmente, o autor não foi curioso o bastante para fazer muitas perguntas sobre a produção, mas Cecil deu alguns detalhes curiosos dos bastidores.

Transcrevo aqui o trecho do livro:

“Quando ainda estava envolvido com Araponga filmei “O Escorpião de Ouro”. Em Sassaricando eu conheci um italiano louco chamado Giancarlo Bastianoni que tinha sido dublê do Les Baxter, quando ele fez carreira na Itália. Depois ele coreografou as pancadarias do Trinity, e acabou dirigindo umas cenas de ação em Sassaricando.

Giancarlo era fantástico, fiquei fã dele e amigo. Quando fui fazer O Protagonista, tinha uma cena de luta enorme, e ele ensaiou a gente – era uma briga que durava três minutos e tirava o fôlego do público. Pancadaria mesmo comendo solta, cinco pessoas envolvidas, enfim, era um negócio bem bacana.

Surgiu o filme e como ele tinha feito a peça sem receber nada, uma mão lava a outra lá fui eu para o set de “O Escorpião de Ouro” (Caccia allo Scorpione d’oro). Era um filme italiano classe Z, falado em inglês, e eu fazia o Coronel Olivares. Todo mundo viu esse filme, porque vivia passando na televisão.

Era uma aventura na Amazônia que foi filmada aqui em Sepetiba, uma farra. O diretor era o Umberto Lenzi e ele tinha um assistente que era mais ou menos da mesma idade. Os dois juntos somavam uma idade avançada.

Parecia que eles acordavam, se vestiam, tomavam café naquele hotel fantástico, para ir para a locação brigar, porque era o que eles mais gostavam de fazer. Um gritava com o outro o tempo todo. Era engraçado, para quem não tinha nada a ver com isso era muito divertido ver os dois. Foi bom ter feito este filme.”


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Caccia allo Scorpione d'Oro (1991, Itália)
Direção: Umberto Lenzi
Elenco: Andy J. Forest, Christine Leigh,
David Brandon, Cecil Thiré, Denis Bourke,
Max Suara e Renato Coutinho.

12 comentários:

Leandro Caraça disse...

Protesto ! Ruggero Deodato não faz produções de quinta categoria. De segunda ou terceira pode ser, mas nunca de quinta.

Puxa, esse eu não vi. Saudades da CNT/Gazeta. Felipe, que tal um texto sobre o "Black Demons" do Lenzi ?

Felipe M. Guerra disse...

Mas eu já fiz, saiu na Boca do Inferno. Deixei até o link aí embaixo!

Talvez numa dessas horas de falta de inspiração eu publique por aqui um resumo dele... ;-)

Leandro Caraça disse...

É verdade, nem reparei. O brilho da careca do Cecil deve ter me ofuscado.

Então deixo aqui outras sugestões : HORROR HOSPITAL (1973), ROBOT NINJA, DEMÔNIO DO ESPAÇO e O RETORNO DE ALIENS.

Felipe M. Guerra disse...

Faz tempo que quero escrever sobre O Retorno de Aliens para a Boca do Inferno (é o Deadly Spawn, certo?). Eu adoro esse filme, até gastei uns cobres num DVD importado cheio de extras lançado nos States pela Synapse.

Leandro Caraça disse...

É próprio. Acabei de ler o livro NIGHTMARE USA, que num dos capítulos, conta a trajetória desse filme.

Alexandre disse...

Onde eu consigo essa pérola rsrs ?

É sério, me ganhou na cena do abacaxi.

Abraços.

Felipe M. Guerra disse...

Tem no Cinemageddon para baixar.

Marcos disse...

"O filme foi feito por Lenzi aqui mesmo, no Brasil, em 1991, quando o velho Umberto estava no país rodando um terror barato chamado "Black Demons" - sobre macumba e zumbis de escravos negros, coisa que os "nossos" cineastas deviam ter pensado antes, mas estavam muito ocupados tentando ser Glauber Rocha."

Ótimo comentário, Felipe.

artur disse...

até o Cecil Thiré está nessa italianada toda, pelo menos não foi igual a Rodrigo Santoro, neguinho fez zoada porque ele estava em Hollywood, quando eu vi se primeiro filme, o cara não abria a boca pra nada, muito ridículo, desse jeito se eu fosse ator, ia preferir mil vezes trabalhar num filme italiano de baixo orçamento, do que pagar KING-kong desse em "super produções"

sitedecinema disse...

"Já pensou Francisco Cuoco ou Tarcísio Meira sendo dirigidos por Ruggero Deodato ou Bruno Mattei?"
-Serve o Tarcísio sendo dirigido por um cineasta AMERICANO de quinta (Zalman King, na versão remontada de BOCA)?

O Brandon (q tbm usa o nome artístico David Haughton), além desse no Brasil, um 'samba-do-crioulo-doido', sobre executivo q se apaixona por exótica barsileira (com a Tânia Alves, Miguel Fallabella e o cantor gaúcho Bebeto Alves num pequeno papel)...o título internacional é NAKED SUN uns quatro anos antes de rodar em Manaus.

Felipe M. Guerra disse...

Descobri que o Cecil Thiré tem uma biografia lançada pela Coleção Aplauso, e ele fala brevemente sobre este filme. Infelizmente, o autor não foi curioso o bastante para fazer muitas perguntas sobre a produção, mas Cecil deu alguns detalhes curiosos dos bastidores.

Transcrevo aqui o trecho do livro:

"Quando ainda estava envolvido com Araponga filmei "O Escorpião de Ouro". Em Sassaricando eu conheci um italiano louco chamado Giancarlo Bastianoni que tinha sido dublê do Les Baxter, quando ele fez carreira na Itália. Depois ele coreografou as pancadarias do Trinity, e acabou dirigindo umas cenas de ação em Sassaricando.

Giancarlo era fantástico, fiquei fã dele e amigo. Quando fui fazer O Protagonista, tinha uma cena de luta enorme, e ele ensaiou a gente – era uma briga que durava três minutos e tirava o fôlego do público. Pancadaria mesmo comendo solta, cinco pessoas envolvidas, enfim, era um negócio bem bacana.

Surgiu o filme e como ele tinha feito a peça sem receber nada, uma mão lava a outra lá fui eu para o set de O "Escorpião de Ouro" (Caccia allo scorpione d’oro). Era um filme italiano classe Z, falado em inglês, e eu fazia o Coronel Olivares. Todo mundo viu esse filme, porque vivia passando na televisão.

Era uma aventura na Amazônia que foi filmada aqui em Sepetiba, uma farra. O diretor era o Umberto Lenzi e ele tinha um assistente que era mais ou menos da mesma idade. Os dois juntos somavam uma idade avançada.

Parecia que eles acordavam, se vestiam, tomavam café naquele hotel fantástico, para ir para a locação brigar, porque era o que eles mais gostavam de fazer. Um gritava com o outro o tempo todo. Era engraçado, para quem não tinha nada a ver com isso era muito divertido ver os dois. Foi bom ter feito este filme."

Ronaldo França disse...

Show. Fui figurante nesse filme .ate porque eu estava no exército nesta época e demos todo o suporte com armas e uniformes aqui no rio . Os diretores discutiam muito .era de assustar!