
Hoje estréia nos cinemas brasileiros "Milk - A Voz da Igualdade", de Gus Van Sant, estrelado por um Sean Penn em estado de graça que dificilmente vai deixar de ganhar o Oscar de Melhor Ator (mas eu estou torcendo pelo Mickey Rourke, só para dar nos dedos do Rubens Edwald Filho, que chamou o ator de "freak"!).
É claro que "Milk" não tem o perfil de um FILME PARA DOIDOS, mas eu resolvi falar umas palavrinhas sobre ele antes que a crítica nacional se derreta em elogios a um filme que é legalzinho, mas não tem nada de extraordinário (apesar de ter sido indicado a inacreditáveis 8 Oscars!!!), e mesmo assim vem sendo endeusado pela crítica internacional desde seu lançamento (um jornal de Portugal disse que o filme "já nasceu obra-prima", por exemplo).
Antes de Sean Penn ter encarnado com tanta convicção o papel-título, duvido que muita gente aqui no Brasil tenha ouvido falar deste tal Harvey Milk, primeiro homossexual assumido que chegou a um cargo público nos ultraconservadores Estados Unidos da América dos anos 70. Considerado o "Martin Luther King gay", Milk conseguiu mobilizar a comunidade gay norte-americana a partir do bairro Castro, em San Francisco, e, após três derrotas consecutivas nas urnas, elegeu-se supervisor municipal da Prefeitura de San Francisco (um tipo de vereador), apenas para ser assassinado a tiros por Dan White, um "ex-colega" supervisor, em 27 de novembro de 1978 - sem conseguir fechar nem um ano de governo!
Bem, começo com uma recomendação aos homofóbicos e preconceituosos: podem ver "Milk" sem medo, pois o filme não traz nenhuma fervorosa cena de sexo entre gays. A história também funciona além da temática homossexual, já que trata da luta de uma minoria por seus direitos. Neste caso específico são os homossexuais, mas podia ser qualquer outra.
O grande lance de "Milk" é a luta de Harvey contra uma polêmica proposta apresentada por adversários políticos, e que pretende demitir funcionários suspeitos de homossexualismo das escolas públicas, acreditando que sua influência pode ser "negativa". Acredite, os caras são tão otários que chegam a alegar que, como os gays não podem se reproduzir, a forma de fazê-lo é tentar seduzir as crianças nas escolas!!! Esta luta impossível de uma minoria homossexual pelos seus direitos é o melhor do filme e rende algumas realmente emocionantes.

Mas o filme tem muitos pontos negativos, e é por isso que não consigo acreditar que está sendo indicado a tantos Oscars. Seu maior problema é o roteiro absurdamente comum de Dustin Lance Black (que, inacreditavelmente, está concorrendo ao Oscar na categoria!!!). O diretor Van Sant (ele próprio um homossexual assumido) até faz um bom trabalho em mesclar cenas reais da San Francisco da época com a filmagem atual, mas não dá para engolir o desenvolvimento "A até B" da história.
Uma das coisas mais forçadas do roteiro bisonho de Black é simplificar ao máximo a relação entre os personagens. Tipo: James Franco é o primeiro namorado de Milk. Diego Luna é o segundo namorado de Milk. E não sabemos mais nada sobre os dois personagens além disso. E além deles existem vários, com tão pouca importância no desenvolvimento da trama que você até esquece que eles existem. No final, Van Sant coloca letreiros para o espectador saber onde estão aquelas pessoas hoje, quando funde imagens dos atores do filme com fotos dos verdadeiros personagens da história. Bem, eis que ali aparecem pessoas que eu nem lembrava que estavam no filme, de tão pouco que aparecem (e tão pouco que fazem).
E embora Sean Penn esteja ótimo no papel (ele É Harvey Milk, com uma expressão corporal e vocal que nos fazem esquecer completamente qualquer trabalho anterior do ator), o mesmo não se pode dizer de outros nomes do elenco, que entregam os tipos "homossexuais estereotipados", com inflexão vocal e gestos à beira da sátira, tão forçados que podiam estar num quadro do Zorra Total. Um dos piores em cena é Emile Hirsch: quando ele aparece pela primeira vez, andando aos pulinhos, rebolando e até com mãozinha virada, só faltou mesmo gritar um "Olha a facaaaaa!!!". E o pobre Diego Luna então? Numa cena ele tenta representar um faniquito gay de ciúmes, mas sai algo estilo Piti-Bicha. Será que os homossexuais "de verdade" não se sentiram ofendidos com estas "interpretações"?
Chegamos então ao pior do filme na minha humilde opinião: da metade para o final, Milk e seus amigos combatem a tal emenda contrária aos direitos dos homossexuais. E eis que um dos namorados do político, o jovem interpretado por Luna, comete suicídio no auge do bafafá. E o que acontece então? NADA! O roteiro simplesmente esquece do recém-falecido e não se fala mais nele! Ou seja, o amante gay de um político gay cometeu suicídio às vésperas da votação de uma proposta anti-gay, durante uma campanha acirrada de adversários políticos tentando convencer a opinião pública de que os homossexuais são "perigosos", e não se toca mais no assunto? Essa não dá para engolir...

Porém, o filme vale por não endeusar o personagem de Harvey Milk. Ele é representado como um ser humano fraco e com muitos defeitos, mas idealista e engajado a uma causa, tanto que paga com a vida por isso. Surpreendentemente, em várias cenas Milk é mostrado como sendo um político bem sacana (como ao melar um acordo que tinha feito com seu colega e futuro carrasco Dan White, interpretado por Josh Brolin), e um ser humano bem menos simpático do que o divertido trailer faz supor.
Além disso, o que também é positivo, "Milk" em nenhum momento tenta demonizar o algoz do personagem-título. Pelo contrário, o Dan White de Brolin aparece em cena como um cara legal, que tenta entender o comportamento de Milk e até o convida para o batizado de seu filho, e que só vai se tornando amargo e rancoroso por acreditar que Milk está puxando seu tapete e roubando a cena política. Claro que isso não justifica o que White fez, mas pelo menos no filme ele não aparece como típico personagem malvado - dá até pra sentir um pouco de pena do sujeito.
PS: Na saída do cinema em Roma onde assisti a sessão de "Milk", um rapaz entregou-me um folheto convidando para uma manifestação em prol dos direitos dos homossexuais italianos. Seria Harvey Milk reencarnado?
PS 2: Vou me recolher à minha insignificância neste Carnaval, então até quarta-feira não farei novas postagens. Aproveito para propor uma enquete: vocês preferem vídeos do YouTube ou fotos nos textos sobre filmes? Responda já e concorra a nada!