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quarta-feira, 28 de março de 2012

THE COCKTAIL HOSTESSES (1973) e THE BEACH BUNNIES (1976)


Edward D. Wood Jr., o nosso querido Ed Wood, é um daqueles raros cineastas celebrados não pelo seu talento, mas justamente pela FALTA de talento. Sua carreira pode ser dividida em duas etapas. A primeira vai de 1953 a 1959 e reúne alguns dos filmes mais apaixonantes de Wood, como "Glen ou Glenda?" e "Plan 9 From Outer Space" - repletos de problemas, da narrativa à continuidade, mas ainda assim divertidíssimos.

A segunda fase é mais complicada: sem dinheiro para filmar seus próprios projetos, afundado em dívidas e no alcoolismo, Wood começou a tirar seu sustento de escrever roteiros para terceiros. E se seus roteiros já eram ruins quando tinham elementos de cinema fantástico, como cientistas loucos, zumbis e invasões alienígenas, imagina só como eles ficaram quando Ed foi contratado para escrever filmes sem esse tipo de coisa, apenas a boa e velha sacanagem!

Uma das parcerias mais duradouras do decadente Wood pós-"Plan 9" foi com o produtor e diretor búlgaro Stephen C. Apostolof, que assinava suas obras como "A.C. Stephen" e fez carreira dirigindo filmes sexploitation baratíssimos entre as décadas de 60 e 70. Para Apostolof, Ed escreveu sete roteiros, sendo que apenas um (o impagável "Orgia da Morte", já resenhado aqui) tinha elementos de cinema de horror.


O restante é tudo pornô softcore de baixo calão mesmo: "Drop Out Wife", "The Class Reunion", "The Snow Bunnies" (todos de 1972), "The Cocktail Hostesses" (1973), "As Fugitivas" (1974) e "The Beach Bunnies" (1976).

Todos esses filmes são muito ruins. E embora sejam relativamente divertidos, por causa daquele charme e ingenuidade das produções eróticas dos anos 70 e dos roteiros horríveis de Wood, também são muito tristes de se ver.

Tristes porque refletem a completa decadência do pobre Ed como "artista": se antes seus trabalhos eram ingenuamente criativos e engraçados, mas frutos de um homem apaixonado por cinema e que não media esforços para transformar seus sonhos em realidade, seus roteiros dos anos 70 são simplesmente ruins, desapaixonados, simplórios - desajeitados até.

Sobre isso é a nossa Sessão Dupla de hoje: uma dobradinha com duas produções da parceria Apostolof-Wood: THE COCKTAIL HOSTESSES e THE BEACH BUNNIES. Portanto, deixe o cérebro de lado, prepare-se para a inevitável vergonha alheia, tire as crianças de perto do computador e vamos em frente!


THE COCKTAIL HOSTESSES (1973)


O roteiro de Wood chamava-se originalmente "Intimate Confessions of the Cocktail Hostesses", e este título, mais a frase do cartaz de cinema ("You pay for the drinks... they do the rest!"), já dão uma bela ideia do que vem pela frente.

Em linhas gerais, THE COCKTAIL HOSTESSES é a história de garotas bonitas que trabalham como garçonetes num bar, e aproveitam a função para fazer "contatos" e oferecer seus corpos por dinheiro - prostitutas disfarçadas, por assim dizer.

Enfim, algo que já não era novidade na época, imagine então hoje. Mas sua abordagem sensacionalista, e a mensagem bem evidente de que "toda mulher gostosa é vagabunda e dá por dinheiro", são de arrepiar os cabelos do sexo oposto, e nem precisa ser muito feminista para sentir-se ofendida com a forma como as mulheres são retratadas aqui.


Mas o filme tem um início simplesmente genial: antes mesmo de rolarem os créditos iniciais, vemos nossa protagonista Toni (Rene Bond) sendo comida de quatro por um sujeito que é a cara do jovem Charles Bronson sem bigode! Quando a transa termina, o casal levanta do sofá, começa a se vestir, a câmera se afasta e percebemos que eles estão num escritório. Toni é apenas uma pobre secretária dando para o chefe numa tentativa de aumentar o salário mixuruca!

Só que a estratégia não está funcionando e ela continua recebendo uma miséria, mesmo prestando "serviços extra-oficiais". E o chefe também não parece muito disposto a abandonar a família e os filhos para ficar com a secretária. (Aliás, repare que um dos filhos do cara, na foto no fundo da cena, parece MUITO com um daqueles moleques afrescalhados do Restart!!!)


Quando Toni chora as mágoas com a amiga Jackie (Terri Johnson), esta resume tudo: "Você está trepando com o cara errado. precisa fazer algo melhor com seu tempo e dinheiro". Jackie conta, então, sobre a "maravilhosa experiência" que está tendo como "cocktail hostess": em uma única noite, ela fatura mais do que Toni numa semana inteira!

Jackie resume a malandragem: "Uma garota esperta pode fazer muitos contatos servindo coquetéis". E explica que, além de faturar alto em gorjetas, é possível agendar sexo casual, e pago, pós-expediente!


Toni fica empolgada com a possibilidade do dinheiro fácil e vai até o bar, de aparência suspeitíssima. Conhece Larry, o bartender (Forman Shane, figurinha carimbada nos filmes de Apostolof), que explica as regras: "O que vocês fazem fora daqui é negócio de vocês". E a partir daí começa uma sequência ininterrupta de cenas de sexo softcore, até o reencontro entre Toni e seu ex-patrão na conclusão para um pouco excitante final-surpresa.

É óbvio que THE COCKTAIL HOSTESSES não se sustenta como história, e você esquece dos dramas e dilemas da pobre Toni, e do próprio nome dos outros personagem, à medida que o filme vira um quase-pornô repleto de trepadas nas mais variadas posições, mas sempre sem sexo explícito - pelo contrário, é perceptível os pintos moles da galera e o fato de eles só estarem fingindo o rala-e-rola.


Um distribuidor malandro até poderia enxertar uns closes hardcore de penetração, já que a montagem permite isso, intercalando planos gerais do coito simulado e planos de detalhe do rosto de atores e atrizes em êxtase (às vezes um tantinho exagerado). Assim, se alguém colasse uns closes "daquilo entrando naquilo" no meio dessas cenas, o filme passaria tranquilamente por pornô.

O mais divertido de THE COCKTAIL HOSTESSES é como Wood e Apostolof criam as situações mais estapafúrdias para colocar as garçonetes na cama com os clientes ou funcionários do bar. E se ainda não se renderam ao sexo explícito, como outros diretores da época (o clássico "Garganta Profunda" é do ano anterior, 1972), pelo menos eles tentam colocar um pouco de todas as taras e situações sexuais possíveis, de maneira a satisfazer o público fiel desse tipo de produção sexploitation.


Assim, temos ménage a trois, quando o pianista do bar leva duas moças para sua casa; temos um estupro que cai totalmente de pára-quedas na trama, e que é sumariamente esquecido no momento seguinte; temos o sujeito masoquista que precisa levar tapas na bunda para se excitar; temos uma gigantesca orgia em que casais transam espalhados pela sala, e até duas lésbicas brincando com um vibrador - e o efeito sonoro do instrumento é tão exagerado que lembra a turbina de um avião!

E por pior e mais convencional que seja, THE COCKTAIL HOSTESSES vale por três coisas.

A primeira delas é a visionária exibição de uma centopéia humana, exatos 36 anos antes do filme de Tom Mix. Bem, na verdade, o que vemos aqui é uma "sexopéia", com vários homens e mulheres ligados pela boca de um no sexo do outro, como você pode ver nas fotos abaixo. Vamos combinar que é preciso muita criatividade (ou espírito de porco) para inventar uma coisa assim. (E o fato de um pianista tocar para os casais durante a orgia me lembrou o também posterior "De Olhos Bem Fechados".)


O segundo motivo para ver o filme é a belíssima foda entre Toni e o bartender Larry, que tira a sorte grande ao oferecer uma carona para a moçoila. Pois a loira se entrega ao colega de trabalho vestindo apenas fetichistas botas brancas de cano longo, num momento excitante.

Finalmente, o terceiro e grande motivo para ver THE COCKTAIL HOSTESSES chama-se Rene Bond, a deliciosa e voluptuosa protagonista. Essa ex-stripper foi estrelinha primeiro do cinema sexploitation, mas depois migrou para o pornô hardcore, "atuando" inclusive em clássicos X-Rated como "Flesh Gordon" (1974). Rene é um atentado ao pudor ambulante, uma deusa de seios fartos que nem parecem humanos (firmes como mármore antes do silicone virar modinha!), uma delícia daquele tipo que dá vontade de agarrar a TV para sentir mais de pertinho.


Infelizmente, como todas as estrelas pioneiras nesse ramo, a bonitona acabou na rua da amargura quando ficou muito velha para protagonizar cenas explícitas. Ela casou com um colega de profissão, Ric Lutze (que também integra o elenco desse filme), depois divorciou-se, casou mais duas vezes e finalmente saiu de cena no começo dos anos 80. Morreu praticamente desconhecida em 1996, de cirrose, com apenas 46 anos!

Rene trabalhou com Wood e Apostolof em outros três filmes: "The Class Reunion", "The Snow Bunnies" e "As Fugitivas". Também teve a "honra" de estrelar o último filme dirigido por Ed, o pornô explícito "Necromania", de 1971.


THE BEACH BUNNIES (1976)


Em 1976, ao mesmo tempo em que escrevia feito doido para outros realizadores, Ed Wood pensava no seu retorno à cadeira de diretor. Já tinha até desenterrado um velho roteiro seu, "Night of Silence", uma história policial sem diálogos que pretendia filmar tão logo conseguisse juntar dinheiro com seus bicos como roteirista para terceiros.

Mas quis o destino que THE BEACH BUNNIES, mais um sexploitation que ele escreveu para o produtor Stephen C. Apostolof, acabasse sendo seu último filme. Wood morreu vitimado por um ataque cardíaco fulminante dois anos depois, em 1978, sem nunca mais ter pisado num set de filmagens.


Embora bem mais sem graça do que outras parcerias entre Wood e Apostolof, THE BEACH BUNNIES tem seu valor por trazer alguns temas recorrentes à primeira fase da carreira do artista (neste caso, uma operação de troca de sexo que remonta ao seu primeiro longa, "Glen or Glenda?").

O título e o pôster de cinema devem ter enganado o espectador desavisado da época, já que parece evocar o clima daquelas comédias de praia ingênuas da década de 60, estreladas pelo casal Frankie Avalon e Annette Funicello (como "Bikini Beach/A Praia dos Amores" e "Beach Blanket Bing/Folias na Praia").


Mas não tem nada de ingênuo ou censura livre em THE BEACH BUNNIES; pelo contrário, este é um sexploitation bem sem vergonha, já no limite com o pornô explícito, embora ainda não tenha cenas com penetração, apenas o tradicional sexo simulado dos filmes softcore.

Posteriormente, a obra seria relançada com títulos como "Sun Bunnies" (foi esta cópia que eu vi) e "Red, Hot and Sexy", e novos cartazes dando cara de comédia adolescente ou X-Rated, só para enganar o pobre cinéfilo desavisado!


Nossa história começa na redação de uma revista de fofocas, onde a editora Elaine Street (Brenda Fogarty) passa a maior carraspana num repórter. Ela quer saber se o super-astro de Hollywood Rock Sanders (Marland Proctor) foi à Dinamarca para fazer uma cirurgia de mudança de sexo, como dizem os boatos. Mas o pobre repórter não conseguiu a prova necessária para publicar o furo de reportagem, enfurecendo a editora, que declara aos berros: "Eu preciso saber se Rock Sanders ainda tem pinto!".

(Interessante é analisar o figurino do anônimo repórter: usando terno em tom azul berrante com gravata borboleta, o cara parece mais porteiro de zona do que jornalista!)


Para conseguir a confirmação necessária, a própria Elaine resolve procurar o astro de cinema e checar se ele ainda tem pinto ou se realmente passou por uma cirurgia de mudança de sexo. O plano é simples: ela hospeda-se no mesmo hotel em que Sanders passa as férias escondido da imprensa, com três amigas gostosonas (Linda Gildersleeve, Mariwin Roberts e Wendy Cavanaugh) que servirão como isca para desmascarar o alvo.

Ao longo do restante do filme - mais comédia burlesca e menos sexploitation que "The Cocktail Hostesses" -, Elaine fará tudo ao seu alcance para conseguir a prova necessária, desde seduzir o "bellboy" do hotel para saber o número do quarto de Sanders até arquitetar as estratégias mais mirabolantes para poder apertar o sujeito no meio as pernas e verificar a existência ou não de um pinto no local!


Estas são as partes divertidas do filme, lembrando as pornochanchadas que os brasileiros faziam na mesma época. Tem até um momento hilário em que a repórter simula um ataque de tubarão na praia para tentar atrair o astro, que toma banho de sol na areia; mas o resgate é feito por um turista japonês, que passeia pela praia com câmera fotográfica no pescoço, como manda o clichê.

Já as quatro moças amigas de Elaine passarão o restante do filme envolvendo-se com homens diversos, numa desculpa esfarrapada para incontáveis cenas de sexo simulado na cama, na praia e até num barco.


Como em outras obras da sua parceria, Wood e Apostolof fazem o possível e o impossível para encaixar a maior quantidade de putaria possível em THE BEACH BUNNIES: não basta variar na quantidade de posições durante o coito, mas também nas perversões, incluindo um inesperado ménage a trois quando um sujeito convida seu amigo inseparável para dividir uma garota na cama!

E a exemplo do que já acontecia em "The Cocktail Hostesses", há um momento completamente sem-noção em que uma das garotas (interpretada pela belíssima Linda Gildersleeve) vai passear na praia à noite e é atacada e estuprada por três homens. Esta cena é mais uma daquelas de dar arrepios na mulherada, já que a vítima pára de gritar e protestar e começa a curtir o estupro! Mais tarde, quando conta o ocorrido para as amigas, ela até explica: "Eu tentei gritar... no começo". Inacreditável!


Sensacionalista pra caramba, o filme também aproveita as especulações sobre o homossexualismo do galã de Hollywood Rock Hudson, "homenageado" com o personagem do astro de cinema chamado Rock Sanders. Revistas de fofoca da época sempre desconfiavam de que Hudson agasalhava o croquete, mas o ator conseguiu disfarçar isso até o fim. A confirmação de que ele era gay veio somente após sua morte (por complicações decorrentes da Aids, em 1985), quando descobriu-se que ele tinha um amante há um bom tempo tempo.

Que se registre, inclusive, que THE BEACH BUNNIES está repleto daqueles diálogos pavorosos que Wood tinha um talento especial para escrever. Além dos já citados, tem uma cantada inacreditável em que um sujeito fala à garota que é piloto de avião, e ela responde, sem titubear, que é "a melhor pista de pouso da cidade"!


O grande problema do filme, além dos habituais e costumeiros nas produções conjuntas de Wood e Apostolof, é a protagonista interpretada por Brenda Fogarty (foto acima). Embora ela tenha timing cômico e até se defenda como atriz, é feia e desajeitada para pagar de gostosona, e as várias cenas em que ela precisa usar seu "poder de sedução" soam absurdas. Até porque suas três amigas são muito mais bonitas e gostosas do que ela. Rene Bond, a loiraça-escândalo de "The Cocktail Hostesses", seria uma escolha bem mais apropriada para o papel.

(Inexplicavelmente, Brenda Fogarty apareceu em várias produções softcore do período, usando pseudônimos como "Shannon Korbel" e "Rene Letona", antes de também despencar direto para o anonimato.)


THE BEACH BUNNIES traz uma conclusão esquisita: você espera o tempo todo por um desfecho inesperado para a situação envolvendo a repórter e o mistério da mudança de sexo do astro de cinema, mas Wood e Apostolof (que faz uma ponta como pianista) optaram pelo final mais clichê e sem graça. Uma pena.

Bobo, levemente sacana e chato na maior parte do tempo (pela falta de ousadia das cenas de sexo softcore), THE BEACH BUNNIES não é uma despedida à altura para o pobre Ed Wood. Seria ótimo se ele tivesse conseguido filmar "Night of Silence" ou algum outro dos seus muitos roteiros encalhados (como "The Vampire's Tomb", que seria originalmente estrelado por Bela Lugosi) antes de bater as botas.


Como isso não aconteceu, a sacanagem softcore e hardcore acabou sendo o legado do pobre Ed, seja pelos roteiros que escreveu para outros, seja pelo seu derradeiro trabalho como diretor, "Necromania" - há alguns anos, um outro pornô que teria sido dirigido por Wood, "The Young Marrieds", foi encontrado nos Estados Unidos, e ainda não se sabe com certeza se foi filmado antes ou depois de "Necromania".

Com a morte do seu grande colaborador, o diretor e produtor Apostolof também ficou desnorteado. Depois de THE BEACH BUNNIES, ele só fez mais um filme, "Hot Ice" (1978), a partir de um roteiro seu. Só que já não havia mais espaço para o softcore com a popularização do sexo explícito. Apostolof até tentou fazer algo mais arrojado, misturando sexo simulado a uma trama policial ao invés da comédia de costume, mas não funcionou e ele nunca mais dirigiu mais nada.


Hoje, seus filmes sacanas ficam como registro de uma época ingênua e divertida. Principalmente suas parcerias com Ed Wood, pois a pouca habilidade de Apostolof como diretor soma-se à inépcia de Ed como roteirista, dando origem a hilárias comédias involuntárias. Infelizmente, nada no nível de "Bride of the Monster" ou "Plan 9 From Outer Space". Ou mesmo do primeiro trabalho de Wood e Apostolof, "Orgia da Morte".

PS: "Night of Silence", o roteiro em que Wood trabalhava antes de morrer, foi filmado apenas em 1998, vinte anos após a morte do artista, pelo diretor Aris Iliopulos, e rebatizado como "I Woke Up Early the Day I Died". Ironicamente, o filme tem um elenco de atores famosos com o qual o pobre Ed jamais poderia sonhar quando vivo: Billy Zane, Tippi Hedren, Christina Ricci, Ron Pearlman, Andrew McCarthy, Karen Black, Sandra Bernhard, Tara Reid, John Ritter e até a veterana Vampira, de "Plan 9"!


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The Cocktail Hostesses (1973, EUA)
Direção: A.C. Stephen (aka Stephen C. Apostolof)
Elenco: Rene Bond, Terri Johnson, Kathy Hilton, Douglas
Frey, Forman Shane, Jimmy Longdale, Candy Samples,
Ric Lutze e Sandy Dempsey.

The Beach Bunnies (1976, EUA)
Direção: A.C. Stephen (aka... ah, você sabe muito bem!)
Elenco: Brenda Fogarty, Linda Gildersleeve, Marland Proctor,
Mariwin Roberts, Wendy Cavanaugh, Harvey Shain, Cory
Brandon, Forman Shane e Con Covert.

domingo, 25 de março de 2012

VOLUNTÁRIOS DA FUZARCA (1985)


Nos comentários recebidos sobre a atualização anterior, "A Última Festa de Solteiro", muita gente alegava que aquela era a única comédia decente que Tom Hanks havia feito. Lembrei, então, de um trabalho posterior do ator, e que ficou esquecido na sua trajetória rumo ao sucesso - uma espécie de nota de rodapé em sua filmografia. Trata-se de VOLUNTÁRIOS DA FUZARCA, uma comédia... digamos... esquisita.

Não sei exatamente o porquê de VOLUNTÁRIOS DA FUZARCA ter acabado na obscuridade, ainda mais considerando a quantidade de filmes fracos que Hanks protagonizou nessa primeira fase da sua carreira (como "O Homem do Sapato Vermelho", "Um Dia a Casa Cai" e "Dragnet - Desafiando o Perigo"). Mas tenho uma teoria: este talvez seja um dos únicos filmes do astro em que ele interpreta um sujeito REALMENTE mau caráter.


Quem conhece um mínimo da filmografia de Hanks já deve ter percebido que ele geralmente só faz caras bonzinhos, às vezes tão bonzinhos que chega a encher o saco. E mesmo quando faz papel de vilão - como em "Estrada Para a Perdição" e "Matadores de Velhinhas" -, são ou vilões "bonzinhos" e de bom coração, ou caricaturas à beira do desenho animado.

Já o playboy Lawrence Whatley Bourne III, que ele interpreta em VOLUNTÁRIOS DA FUZARCA, certamente não é um exemplo a ser seguido, e chega a ser até estranho ver Hanks, esse cara sempre tão associado ao bom-mocismo, na pele de um personagem cheio de defeitos e desvios de caráter.


Antes de mais nada, uma observação sobre o título nacional: é fácil um filme cair na obscuridade quando o título não ajuda, e vamos combinar que dá vontade de esganar o sujeito que inventou "Voluntários DA FUZARCA" para um filme que se chama apenas "Voluntários" no original. Lá em Portugal, a tradução foi muito mais inspirada, "Voluntários à Força".

Agora, quando você traduz o título e usa uma expressão do arco-da-velha como "fuzarca" (segundo o dicionário, "farra ruidosa, desordem, confusão"), está pedindo para que o público saia correndo. Afinal, quantas pessoas nascidas depois de 1950 sabem o que diabos é uma "fuzarca"?


Já os "voluntários" em questão são os membros do Peace Corps, criado pelo presidente John F. Kennedy em 1961. Era um programa em que jovens estudantes se voluntariavam (ahá!) para viajar até países estrangeiros com o objetivo de ajudar pessoas necessitadas.

VOLUNTÁRIOS DA FUZARCA se passa no início da década de 60, conforme anunciam os belíssimos créditos iniciais: uma montagem de imagens de arquivo da época, em que vemos gente como Doris Day, Rock Hudson, Kennedy e Marilyn Monroe, numa sessão de nostalgia regada a "Blue Moon", na voz da banda The Marcels.


Em seguida, vemos nosso "herói" Bourne III e sua namorada (Jude Mussetter) como as únicas pessoas brancas numa mesa de pôquer repleta de negros ameaçadores e estereotipados. Viciado em jogo e blefador nato, Lawrence fatura uma bolada, com a qual paga parte da sua dívida com o dono quase mafioso do local. Como ainda deve dinheiro, o rapaz convence seu credor a apostar toda aquela grana num jogo de basquete.

Após uma noite de sexo selvagem com a namorada no dormitório da faculdade (e essa deve ser uma das únicas vezes em que Tom Hanks aparece transando num filme, embora nada seja mostrado, apenas escutamos a barulheira), nosso herói se lembra que é o dia da sua formatura. Mas está mais interessado no resultado do jogo em que apostou a própria vida. E, claro, seu time perde, deixando-lhe automaticamente com uma exorbitante dívida de milhares de dólares que ele deve pagar antes da meia-noite - ou morrer.


Lawrence até tenta conseguir um empréstimo com o pai milionário, mas ele nega. Resta-lhe, então, uma única alternativa para salvar o pescoço: assumir a identidade de seu colega de quarto, Kent (Xander Berkeley, quando ainda tinha cabelo), e embarcar num avião do Peace Corps, como "voluntário", rumo à Tailândia! Na troca, Kent fica com a namorada e o carrão do colega.

O playboyzinho percebe já no início do voo a fria em que foi se meter, ao conhecer voluntários irritantemente idealistas como "Tom Tuttle from Tacoma, Washington" (John Candy, ainda na sua fase de figurante). Mesmo assim, encontra tempo para tentar seduzir Beth (Rita Wilson), que inicialmente pensa que ele é Kent e por coincidência trocava correspondências com o colega de quarto. Revelada a troca de identidades, Lawrence fica queimado com a moça, mas não desiste de passar o restante do filme tentando seduzi-la.


Pois Lawrence, "Tom Tuttle from Tacoma, Washington" (ele se apresenta assim toda vez, e são diversas ao longo do filme) e Beth são designados para a mesma aldeia pobre da Tailândia.

E enquanto os dois voluntários de verdade tentam ajudar os moradores locais, nosso herói está muito ocupado pervertendo-os: primeiro os ensina a jogar black jack com apostas em galinhas, porcos e frutas; depois, constrói um bar completo na aldeia, o "Lawrence's"! Numa frase genial, ele resume todo o seu mau-caratismo: "Não é que eu não possa ajudar essas pessoas. Eu simplesmente não quero ajudá-las!".


Não demora para ele ser contatado pelo bandidão Chung Mee (Ernest Harada), o maior traficante de ópio do país, que precisa que uma ponte seja construída sobre o rio ao lado da aldeia dos "voluntários" para facilitar o transporte das drogas. Como ele promete dinheiro e uma passagem de volta aos Estados Unidos, Lawrence se dedica a acelerar a construção da estrutura, surpreendendo os colegas com sua súbita mudança de comportamento.

É necessário situar-se no contexto histórico, social e político do mundo nos anos 1960 para entender melhor a trama de VOLUNTÁRIOS DA FUZARCA. Afinal, não faltam piadas sobre "vilões" comunistas, especialmente quando "Tom Tuttle from Tacoma, Washington" é aprisionado pelo exército local e sofre lavagem cerebral para odiar os "ianques capitalistas". Considerando que tudo isso perdeu o sentido depois do fim da Guerra Fria, as novas gerações provavelmente não vão entender a maior parte do filme sem antes fazer uma pequena pesquisa de história.


Durante a década de 80, Tom Hanks fez algumas comédias bem divertidas, como "Splash", "A Última Festa de Solteiro", "Quero Ser Grande" e "Meus Vizinhos São um Terror". Mas, vamos combinar, as outras comédias que ele estrelou no período eram ruins demais e só rendiam mesmo risos amarelos (ou alguém aqui realmente gosta de "Dragnet" ou "Uma Dupla Quase Perfeita"?).

Por isso, é surpreendente como o ator está bem interpretando um personagem imperfeito e cara-de-pau em VOLUNTÁRIOS DA FUZARCA. Ele tem tiradas hilárias, e, o que é melhor nesses tempos politicamente corretos, não passa por nenhum processo de "bom-mocismo" no final. Tudo bem, ele até realizará alguns atos de heroísmo (como resgatar Beth, sequestrada pelos vilões). Mas não recebe nenhuma lição de moral, não "aprende" nada e termina o filme tão mau caráter quanto começou, inclusive anunciando seus planos de construir um cassino na pequena aldeia e promover apostas em corridas de elefantes!


Particularmente, gosto muito desse filme e o incluiria tranquilamente numa relação dos meus trabalhos preferidos do Tom Hanks.

Porém, se ele está ótimo, o mesmo não se pode dizer de John Candy. Aliás, nada como o tempo para fazer justiça. Quando eu era moleque, eu adorava as comédias estreladas por Candy, como "As Grandes Férias" e "Quem É Harry Crumb?"; só agora, depois de "velho" e revendo esses filmes todos, percebo como o gorducho (falecido em 1994) era mala-sem-alça e sem graça - uma espécie de Jack Black dos anos 80.

Aqui, Candy felizmente aparece pouco, mas consegue irritar sempre que entra em cena pela sua interpretação caricatural e exagerada (embora a piada envolvendo sua lavagem cerebral quase instantânea seja muito engraçada).


Já Rita Wilson é uma mocinha apagada, mantendo a rotina "garota que odeia o protagonista no começo mas aprende a amá-lo da metade para o final do filme". O mais interessante de sua participação em VOLUNTÁRIOS DA FUZARCA foi o fato de Hanks ter se apaixonado por ela de verdade: eles começaram a namorar, casaram em 1988 e ainda estão juntinhos, comprovando como Tom Hanks é um bom moço também na vida real!

VOLUNTÁRIOS DA FUZARCA ainda tem duas participações ilustres e muito engraçadas: a primeira é Gedde Watanabe (à época cumprindo o papel de "rapaz oriental engraçadão" em filmes como "Vamp - A Noite dos Vampiros" e "Gatinhas e Gatões"), no papel do único rapaz da vila que fala inglês, e que logo se transforma em parceiro de Lawrence em suas presepadas; a outra é do astro de "Trancers" Tim Thomerson, que rouba todas as cenas em que aparece.


Thomerson interpreta John Reynolds, o piloto de helicóptero que transporta os voluntários do Peace Corps, e é mostrado como um sujeito legal e simpaticão no começo do filme. À medida que a história progride, porém, ele se revela um louco de pedra que vive conversando com sua faca (a quem chama de "Mike"), e que fica obcecado por Beth.

Outra personagem hilária é Lucille, a sensual e perigosa guarda-costas do traficante Chung Mee. Interpretada pela bela Shakti Chen ("O Rapto do Menino Dourado"), ela tem unhas compridas e letais, com as quais tenta matar o herói numa cena impagável.


O diretor no comando de toda essa "fuzarca" (pffff!) é Nicholas Meyer, um nome praticamente desconhecido para a maioria dos cinéfilos, e provavelmente mais lembrado pelos "trekkers" como o cara que dirigiu dois dos melhores longas baseados no seriado: "Jornada nas Estrelas 2 - A Ira de Khan" e "Jornada nas Estrelas 6 - A Terra Desconhecida" (este seu último filme para o cinema, feito em 1991).

Na verdade, Capitão Kirk e cia. à parte (e eu confesso que nunca vi nenhum "Jornada nas Estrelas"), Meyer tem uma filmografia bem decente que merece ser (re)descoberta: além desse interessante VOLUNTÁRIOS DA FUZARCA, ele também fez os ótimos "Um Século em 43 Minutos" e "The Day After - O Dia Seguinte", e o eficiente "Companhia de Assassinos".

Considerando que esta é a sua única comédia, até que o sujeito se saiu muito bem - dá até pra lamentar o fato de ele não ter se aventurado mais vezes no gênero. Embora o filme tenha algumas tiradas bem estúpidas, Meyer nunca ofende a inteligência do espectador, e o resultado é uma comédia em que até as piadas mais bestas tem um quê de sofisticação (algo difícil de encontrar, por exemplo, nos filmes recentes de Adam Sandler e Ben Stiller).


Já o roteiro é assinado pela dupla Ken Levine e David Isaacs, conhecidos roteiristas de seriados de TV e que geralmente trabalhavam juntos. Eles escreveram alguns diálogos divertidíssimos, como a conversa de Lawrence com Chung Mee:
- O ópio é o meu negócio. A ponte significa mais tráfico. Mais tráfico significa mais dinheiro. Mais dinheiro significa mais poder.
- Certo, certo. E vai ter espaço nesse esquema para mim?
- A rapidez é importante nos negócios. Tempo é dinheiro.
- Mas você disse que ópio é dinheiro!
- Dinheiro é dinheiro.
- Bem, e o que é o tempo mesmo?



Outro diálogo hilário acontece entre Lawrence e o seu pai, quando o ricaço lamenta as dívidas de jogo do filho:
- Você tem decepcionado a mim e à sua mãe desde o dia em que nós te tiramos do orfanato.
- Pare com isso, papai! Eu sei que não sou adotado!
- Sim, mas por favor, permita-me essa pequena fantasia!



O roteiro também brinca o tempo todo com o próprio cinema, satirizando cenas famosas de filmes famosos. O "Lawrence's", inaugurado pelo herói no centro da aldeia, é uma referência ao "Rick's" de Humphrey Bogart em "Casablanca". Lawrence até tem uma cena romântica com Beth ao som da eterna música de "Casablanca", "As Time Goes By", dedilhada por um nativo na cítara!

Também há brincadeiras explícitas com "A Ponte do Rio Kwai", "O Mágico de Oz" e "Lawrence da Arábia" - piadas estas que perdem todo o sentido para o público de hoje, e que só serão compreendidas por cinéfilos das antigas.


VOLUNTÁRIOS DA FUZARCA ainda mistura piadas convencionais (diálogos e situações-pastelão típicas do gênero) com umas tiradas nonsense no estilo do que Jim Abrahams, David e Jerry Zucker faziam na época, em produções como "Apertem os Cintos, O Piloto Sumiu!" e "Top Secret".

Há uma cena, por exemplo, em que os personagens assumem que estão num filme ao ler a legenda em inglês para compreender um diálogo em tailandês. Essa piada, por sinal, foi incluída pelo diretor, e enfureceu os roteiristas: Ken Levine chegou a queixar-se dela em seu blog, dizendo que "foi a cena que estragou o filme"!


Em outro momento, um mapa na tela mostra a perseguição de Lawrence pelos gângsters para quem ele deve dinheiro... até que o carro dirigido pelo herói atravessa e rasga o mapa como se ele fosse algo físico!

A própria ponte construída pelos voluntários na aldeia é um absurdo: trata-se de uma réplica, em madeira, da famosa Brooklyn Bridge, em Nova York! E, o que é mais curioso, o negócio foi construído DE VERDADE, inflacionando o orçamento do filme. Se fosse hoje, fariam alguma monstruosidade em CGI e pronto.


VOLUNTÁRIOS DA FUZARCA não foi exatamente um sucesso de bilheteria (custou 25 milhões e faturou "apenas" 19 milhões). Se o público não comprou a ideia, os críticos se dividiram entre quem gostou e quem odiou totalmente. Mas o relativo fracasso não arranhou nem a carreira de Hanks, nem a de Candy.

Os realizadores também tiveram conflitos com Robert Sargent Shriver Jr. diretor do Peace Corps na época da produção. Ele leu o roteiro e ficou enfurecido, alegando que desrespeitava o trabalho da organização e "cuspia na bandeira americana" (patriotismo realmente não é o forte do filme). Sargent chegou a sugerir várias mudanças e alterações no roteiro, mas elas não foram sequer consideradas; e, quando o filme finalmente estreou, o briguento já não era mais diretor da organização para poder questionar nada.


Hoje, eu diria que VOLUNTÁRIOS DA FUZARCA é uma comédia a ser conhecida, por todos os pontos positivos que eu já elenquei e por tantos outros que o espaço e o medo de soltar spoilers não me permitem citar. Mas principalmente por ser uma comédia que é inteligente mesmo em suas piadas mais idiotas, como a dos personagens lendo as legendas (piada copiada sem a menor vergonha na cara no terrível "Austin Powers em O Homem do Membro de Ouro").

E ainda mais recomendadíssima por trazer um Tom Hanks bem diferente do que estamos habituados a ver, menos "bom moço" e mais salafrário. Pena que o ator foi gradativamente abandonando esse tipo de personagem até se transformar num sinônimo de "cara legal" - e, consequentemente, cada vez mais chato.

PS: Olho vivo para identificar o gigantesco Professor Toru Tanaka, vilão de um sem-número de filmes de ação (brigou com Chuck Norris em "Ajuste de Contas", por exemplo), no papel de um dos homens de Chung Mee.

Trailer de VOLUNTÁRIOS DA FUZARCA



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Volunteers (1985, EUA)
Direção: Nicholas Meyer
Elenco: Tom Hanks, Rita Wilson, John Candy, Tim Thomerson,
Gedde Watanabe, George Plimpton, Ernest Harada, Xander
Berkeley, Shakti Chen e Professor Toru Tanaka.