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quarta-feira, 28 de outubro de 2009

DEN' D (2008)


Saudade daquelas divertidas e impagáveis picaretagens feitas na Turquia e na Itália dos anos 70-80, que refilmavam sem cerimônia (e sem pagamento de direitos autorais, lógico) obras de sucesso produzidos nos Estados Unidos, transformando-se em pérolas como "Seytan" (versão turca de "O Exorcista") e "Robowar" (versão italiana de "O Predador")?

Pois pode parar de se lamentar e vá correndo baixar uma obscura aventura russa chamada DEN' D ("Dia D", em português). Até porque dificilmente ela será lançada comercialmente fora da Rússia. Isso porque, amiguinhos, este filme é um remake cena a cena, mas "não-oficial", do clássico "Comando para Matar", aquele petardo dirigido por Mark L. Lester em 1985, e estrelado por um Arnold Schwarzenegger no auge da truculência, da canastrice e do sotaque ruim.


Se você nunca viu "Comando para Matar" (duvido que tal pessoa exista...), vá correndo para a locadora. Ele não é somente uma das mais perfeitas amostras de como eram exageradas e absurdas as aventuras dos anos 80, mas também um filme de ação no limite do exploitation, com todo tipo de cena de violência explícita, uma quantidade gigantesca de mortes (só o herói mata 81 pessoas, segundo o IMDB) e todo tipo de cena impossível de engolir, inclusive Schwarzenneger saltando de um avião em plena decolagem - e saindo da façanha sem qualquer arranhão, claro...

Já o objetivo de DEN' D foge à minha compreensão. Talvez "Comando para Matar" esteja proibido na Rússia desde o ano de seu lançamento, pois sinceramente não vejo outra explicação para os caras refazerem um filme popular como este nos seus mínimos detalhes, apenas trocando o nome dos personagens e, bem, mudando a ambientação dos EUA para a Rússia. E sem dar qualquer créditos aos realizadores do original de 1985, o que ultrapassa todos os limites da sem-vergonhice.


DEN' D é tão idêntico a "Comando para Matar", inclusive nos ângulos de câmera, que a comparação das imagens entre os dois filmes se transforma num verdadeiro jogo dos sete erros, como o prezado leitor pode conferir nas fotos que ilustram esta humilde resenha.

E se você duvida que dois filmes completamente diferentes, e produzidos em lugares tão diferentes, possam ser iguaizinhos, saiba que ambos começam do mesmo jeito: os vilões, disfarçados de trabalhadores em um caminhão (de lixo no original, de coleta de esgoto nesta versão russa), metralham um ex-soldado que vivia escondido sob identidade civil.



Outras mortes acontecem antes dos créditos iniciais, que trazem uma montagem piegas (como acontecia também no filme de 1985) de cenas do herói com sua filha pequena. Enquanto no filme americano Schwarzenegger interpretava um soldado chamado John Matrix, porque John é um nome comum nos EUA, e tinha uma filha chamada Jenny (Alyssa Milano), na versão russa temos um herói chamado Ivan, que é o nome comum da Rússia, e interpretado pelo Schwarzenegger genérico Mikhail Porechenkov (também diretor!!!). Já sua filha chama-se "Zhenya" (cuja pronúncia é bastante parecida com "Jenny"), interpretada por Varvara Porechenkova.

Como Schwarzenegger, Ivan mora numa casa isolada nas montanhas, onde recebe a visita do seu antigo superior, o comandante Filippov (Sergei Sosnovsky, no papel que foi de James Olson em 1985).

Ele alerta o herói sobre o assassinato de toda a sua antiga unidade, e deixa dois dos seus melhores soldados para defender Ivan e Zhenya de um possível ataque dos mesmos assassinos. Mas os inimigos logo atacam, matando os "guarda-costas" e seqüestrando a menina. (Até a cena do "Você vai ter que cooperar, certo?" - "Errado!" foi copiada integralmente!)



Se em "Comando para Matar" o herói saía no encalço dos vilões em fuga usando um carro em ponto-morto, aqui Ivan mostra que é muito mais criativo e usa um "snowmobile" para perseguir seus inimigos em plena estrada de chão batido. Mas ele logo é preso e levado à presença do grande vilão, que obriga o herói a matar o presidente da Rússia, ameaçando a vida da sua filha feita como refém. No original, Dan Hedaya era o ditador que obrigava Schwarzenegger a matar o presidente de uma república sul-americana fictícia, chamada Valverde.

Mas é claro que, como John Matrix, Ivan não tem qualquer intenção de seguir o plano dos malfeitores. Ainda seguindo as cenas de "Comando para Matar" nos mínimos detalhes, o herói é levado ao aeroporto por Stasik (Mikhail Trukhin, refazendo o Sully interpretado por David Patrick Kelly no original).

Dentro do avião, ele quebra o pescoço do bandido que o escoltava e foge da aeronave em decolagem - desta vez de maneira bem menos absurda, roubando o pára-quedas de uma equipe de paraquedistas que convenientemente estava no mesmo vôo!




A partir de então, a narrativa segue idêntica ao filme de Mark L. Lester, com Ivan conhecendo uma aeromoça, Aliya (Aleksandra Ursuliak, tão gracinha quanto a mulata Rae Dawn Chong do original), e forçando a moça a ajudá-lo na caçada aos bandidos.

No final, carregado de armas, Ivan invade a ilha onde fica o quartel-general dos inimigos, promovendo um massacre tão numeroso quanto o do filme de 1985, embora sem cenas clássicas como a da cabana de jardinagem...


DEN' D é uma coisa simplesmente inacreditável: o diretor e astro Porechenkov refaz as cenas inteirinhas sem o menos constrangimento, e, embora tente mudar algumas das piadinhas do original (ao invés de "Gostei de você, por isso vou matá-lo por último", por exemplo, temos "Você é divertido, por isso vou matá-lo de uma forma divertida"), não dá para esconder o fato de que estamos diante do MESMÍSSIMO filme estrelado por Schwarzenegger, e que já faz parte da cultura pop.

A narrativa é tão igual que você pode assistir o filme sem legendas, mesmo que não entenda bulhufas de russo, pois já sabe tudo o que vai acontecer.

Porechenkov nem se preocupa em mudar algumas coisas para escapar de um possível processo por plágio. Pelo contrário, ele parece orgulhoso de seguir o original como se fosse um storyboard. Pode comparar as imagens dos dois filmes para ver que está tudo igual, do vilão empalado no pé de mesa à cena do duelo de facas entre Ivan e seu grande inimigo, Gelda (Bob Schrijber, refazendo o Bennett interpretado por Vernon Wells no original).



Por isso, chega a ser irônico ver o nome de dois (isso mesmo, dois!!!) roteiristas, Oleg Presnyakov e Vladimir Presnyakov, nos créditos iniciais, mas nenhuma menção a Steven E. de Souza, que escreveu o roteiro de "Comando para Matar" completamente plagiado nesta versão russa.

As poucas alterações que DEN' D introduz são para pior, como o fato de Zhenya ser uma cinéfila que cita Tarkovsky (famoso cineasta russo), Tarantino e Takeshi Kitano, ou a ausência da famosa cena em que Schwarzenegger "fazia compras" numa loja de armas e era preso pela polícia - aqui ele simplesmente rouba o armamento que os próprios vilões escondiam em blocos de gelo.


Outra mudança para pior é o senso de humor esquisito do filme russo. Enquanto "Comando para Matar" era involuntariamente engraçado graças às suas frases de efeito ("Libere um pouco dessa pressão, Bennett!") e aos defeitos especiais (soldados inimigos substituídos por manequins visíveis nas cenas de explosão), em DEN' D todos os vilões são exageradamente caricaturais, como Stasik, que parece ter saído de um filme do Guy Ritchie.

A propósito, eu nunca pensei que alguém pudesse exibir uma "interpretação" mais afetada que a de Vernon Wells como Bennett em "Comando para Matar" (com seus olhões arregalados e bigodão de Freddy Mercury), mas aqui Bob Schrijber ganharia qualquer Oscar de Interpretação Mais Forçada, já que seu vilão, quando nervoso, fica gritando com a língua pra fora, como se fosse Gene Simmons!


E se a produção russa parece melhorzinha que a do filme de Lester em várias cenas de ação (principalmente as explosões no final, que fazem dublês de carne e osso, e não manequins, voarem de um lado para o outro), DEN' D é muito mais "soft" do que o violentíssimo original, que era pura testosterona, músculos, balas e sangue. Até porque os humor deslocado e a péssima trilha sonora da cópia russa dão um ar cômico ao que era uma aventura séria lá em 1985.

Além disso, o "propósito" do filme, objetivo de sua existência, continua um completo mistério quando sobem os créditos finais. Será que os russos não conheciam "Comando para Matar" e os realizadores achavam que podiam lançar o "remake" como se fosse uma história original? Será que o objetivo era modernizar a trama (não, impossível, já que o filme é exatamente igual, e nunca vemos itens "modernos" como telefones celulares, que poderiam mudar os rumos da trama).


Ou será que a coisa toda é apenas uma "ego trip" do diretor e astro Porechenkov, que achava que podia fazer sombra a Schwarzenegger? Será que ele também vai se candidatar a governador lá na Rússia? Fico até imaginando os próximos projetos do sujeito: versões russas de "O Exterminador do Futuro" e "Conan". (Bem, desde que ele não faça o Senhor Frio em algum Batman russo, tudo bem...)

Mas confesso que me diverti muito vendo o filme, principalmente porque ficava comparando DEN' D e "Comando para Matar" o tempo inteiro, como num verdadeiro jogo dos sete erros. É outro filme que renderia um belo "drinking game" com os amigos: uma dose de destilado goela abaixo para cada cena idêntica ao filme norte-americano. Prepare-se para ficar bebum antes da metade do filme! Até porque o "galã" Porechenkov chega a copiar o figurino (repare que a camisa usada por ele no filme é idêntica à usada por Schwarzenegger no original), o corte de cabelo e até o modelo do relógio usados pelo herói no filme norte-americano!!!


Como atração extra, a aventura russa termina com erros de gravação durante os créditos finais, provavelmente a única coisa que não foi copiada literalmente do filme original.

Uma última dúvida: considerando que "Duro de Matar" surgiu de um roteiro não-aproveitado de "Comando para Matar 2", será que em breve teremos um DEN' D 2, com Ivan enfrentando terroristas em um prédio de luxo? É bom não dar idéia...

PS: Se a comparação de fotos nesta resenha não foi argumento suficiente para convencê-lo do tamanho do plágio, não deixe de ver o vídeo abaixo, que compara frame a frame os trailers de DEN' D e "Comando para Matar". Acredite se quiser, mas esses russos malandros copiaram ATÉ O TRAILER do filme do Schwarzenegger!!!

Trailer de DEN' D


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Den' D/ D-Day (2008, Rússia)
Direção: Mikhail Porechenkov
Elenco: Porechenkov, Aleksandra Ursuliak,
Varvara Porechenkova, Bob Schrijber,
Sergei Sosnovsky e Mikhail Trukhin.

domingo, 25 de outubro de 2009

Bem mais críticas rápidas para pessoas nervosas


VÍCIO FRENÉTICO (Bad Lieutenant - Port of Call New Orleans, 2009, EUA. Dir: Werner Herzog)
Quando o diretor alemão Werner Herzog anunciou, ainda em 2008, que pretendia fazer uma refilmagem de "Vício Frenético", um filme policial perfeito dirigido por Abel Ferrara em 1992, muita gente quis a cabeça do sujeito. Inclusive o próprio Ferrara, que, entre outras palavras carinhosas, disse que todos os responsáveis pelo remake deveriam "morrer no inferno"!!! O fato de Herzog ter escalado Nicolas Cage para o papel que originalmente pertenceu a Harvey Keitel inclusive parecia anunciar uma iminente bomba. Aí é que vem a surpresa: este novo filme, apesar do mesmo título, não tem absolutamente nada a ver com o original de Abel Ferrara, além da presença de um policial corrupto e viciado em drogas. São dois filmes totalmente diferentes, e até agora estou tentando adivinhar o que tinha no cachimbo que o diretor alemão fumou quando resolveu fazer uma obra com o mesmo nome de outra, mas sem que as duas tenham qualquer relação (UPDATE: Acabei de ler uma entrevista do Herzog explicando que o título foi imposição dos produtores, mas que, para ele, o nome do filme seria apenas "Port of Call New Orleans"). Enfim, o que vale é que o novo "Bad Lieutenant", exibido na Mostra de Cinema de SP com o mesmo título nacional do filme de Ferrara, "Vício Frenético", é muito bom, desde que o espectador não compare com o outro, bem entendido. Enquanto Ferrara fez um drama deprimente e sério, o filme de Herzog está mais para uma comédia de humor negro sobre um policial viciado em drogas (Cage) que, injustamente condecorado como herói por sua atuação durante o caos provocado em New Orleans pós-furacão Katrina, é promovido a tenente e investiga uma chacina comandanda por traficantes de drogas. Mas, durante 120 minutos, o "herói" faz de tudo - acumula dívidas de jogo, inferniza a vida da namorada prostituta interpretada por Eva Mendes, desvia droga da sala de evidências da delegacia... -, MENOS investigar o crime que deveria investigar. A atuação exagerada e caricatural de Cage é perfeita para o tipo de filme que Herzog está dirigindo, e o espectador até ri de nervoso nas cenas em que o "herói", completamente chapado, vê iguanas sobre a sua mesa ou ameaça atirar em duas velhinhas indefesas. A trama toma rumos imprevísiveis, e o inferno em que o personagem do ator mergulha acaba prendendo a atenção até o final fraquinho, que tenta descambar para uma absurda conclusão moralista. Resumindo: não compare com o maravilhoso policial dirigido por Abel Ferrara em 1992 e divirta-se!




DISTRITO 9 (District 9, 2009, EUA/Nova Zelândia. Dir: Neill Blomkamp)
Eis um ótimo filme que merece todos os numerosos elogios que recebeu (não, não é mais um caso de "hype" injustificado). "Distrito 9" é uma versão ampliada do curta-metragem feito pelo mesmo diretor, Neill Blomkamp, em 2005 (chamado "Alive in Joburg"). Em forma de "mockumentary", aquele curta apresentava, em 6 minutos, a tensa relação entre humanos e seres extraterrestres que chegaram à Terra e começaram a morar em Johannesburg, na África do Sul. O prólogo de "Distrito 9", que dura quase meia hora, apresenta a mesma situação através de várias câmeras "amadoras" (de segurança, de uma equipe de documentaristas, de televisão...), também tentando criar um clima de realismo para uma situação no mínimo interessante: o fato de uma raça alienígena estar vivendo à margem da sociedade e hostilizada pelos humanos em uma gigantesca favela na África do Sul. A reviravolta acontece quando uma multinacional decide desapropriar a favela (chamada de Distrito 9) e deportar todos os aliens para um local distante, onde viveriam em uma espécie de campo de concentração. Ao entregar as ordens de desapropriação, o burocrata Wikus Van De Merwe (Sharlto Copley, engraçadíssimo) é infectado por um organismo alienígena e começa a sofrer mutação, transformando-se em um dos extraterrestres, e obviamente sendo perseguido pelos humanos, que pretendem estudá-lo "a fundo". Ele terá que vencer o próprio preconceito e buscar a ajuda dos aliens que vivem no Distrito 9. O roteiro de Blomkamp e Terri Tatchell logo deixa a sátira e a crítica social (a metáfora para o "apertheid"; o fato praticamente inédito de vermos aliens no Terceiro Mundo, e não nos EUA) para entrar no terreno da ação e violência. É um amálgama de situações de vários outros filmes ("Missão Alien", "Inimigo Meu", a nojenta metamorfose de "A Mosca"), mas de uma forma criativa e muito original. E o fato de o cineasta Peter Jackson assinar a produção deve ter contribuído para que os burocratas de Hollywood não colocassem suas mãos no projeto e estragassem a história. Indiscutivelmente, um dos melhores filmes do ano: uma estranha combinação de aventura, ficção científica, humor negro, violência e crítica social, que milagrosamente funciona do início ao fim.




GAROTA INFERNAL (Jennifer's Body, 2009, EUA. Dir: Karyn Kusama)
A ex-stripper Diablo Cody ganhou o Oscar de Melhor Roteiro original pela comédia romântica "Juno", em 2008. Considerando que no roteiro daquele filme ela citava, com muita propriedade, obras de diretores como Dario Argento e Herschell Gordon Lewis, não deixa de ser um tanto frustrante este seu novo trabalho, "Garota Infernal", dirigido por Karyn Kusama. Vendido como horror adolescente, realmente não passa disso: um "terrir" PG-13 cuja idéia (a garota mais cobiçada da escola é possuída por um demônio e começa a devorar, literalmente, os colegas) nem é das mais originais, lembrando filmes como "Decoys" (2004) e o bastante superior "Possuída" (2000). A grande vedete da coisa toda é a linda Megan Fox ("Transformers"), no papel principal de "garota infernal". Mas o excesso de cenas "Vejam como sou gostosona", com a moça desfilando em câmera lenta, ou aparecendo apenas de calcinha e blusas decotadas, chega a cansar. Sim, Megan Fox É gostosa, mas depois do milésimo take dela caminhando em câmera lenta, até o mais tarado dos admiradores da atriz acaba cansando. Isso sem contar que ela só ameaça, mas nunca aparece pelada, o que seria uma das grandes atrações do filme. O que sobra é uma historinha bem-humorada de horror feita para adolescentes, com muito sangue e nojeira, mas pouquíssima violência. Para quem passou dos 20 anos (de idade física e mental), "Garota Infernal" já não assusta e nem surpreende; até diverte, mas não passa de "bonzinho". Resta, então, apreciar o corpitcho da srta. Fox e algumas boas sacadas do roteiro (como a cachoeira misteriosa), além de citações a obras como "Evil Dead" e "The Rocky Horror Picture Show" ("Não gosto de filmes sobre boxe", responde a moça convidada a ver este filme!). E por falar em citação, será que o título original, "Jennifer's Body", tem alguma coisa a ver com o giallo "What Are Those Strange Drops of Blood Doing on Jennifer's Body?" (1972, dirigido por Giuliano Carnimeo) ou foi apenas uma feliz coincidência?




O INFERNO DE CLOUZOT (L'Enfer D'Henri-Georges Clouzot, 2009, França. Dir: Serge Bromberg e Ruxandra Medrea)
Stanley Kubrick foi um diretor maluco e publicamente conhecido pela sua obsessão por detalhes e por infernizar a vida de seus atores e atrizes. Porém, perto do francês Henri-Georges Clouzot durante as filmagens de sua obra-prima inacabada, "L'Enfer", Kubrick fica parecendo um cordeirinho. Este interessante documentário francês, outra das atrações da Mostra Internacional de Cinema de SP, resgata imagens do filme nunca-lançado de Clouzot (diretor de clássicos como "O Salário do Medo"), acompanhadas de relatos de integrantes da equipe que viveram aquele pesadelo ao vivo durante todo o ano de 1964. Explicando para quem não conhece a história: Clouzot escreveu um roteiro sobre um homem (Serge Reggiani) consumido pelo ciúme doentio que sofria pela sua bela esposa (Romy Schneider). Embora fosse um filme com pouquíssimos atores e locações, o diretor torrou meses de filmagens (e muita grana também) só fazendo testes de efeitos para filmar as alucinações sofridas pelo personagem principal - principalmente trucagens fotográficas e efeitos de iluminação, numa época em que não havia CGI. Quando as filmagens da obra em questão finalmente iniciaram, Clouzot forçou seus atores ao limite, até que Reggiani, puto dos cornos, abandonou a produção, e o próprio diretor sofreu um ataque cardíaco quase fatal, decidindo, então, arquivar as 15 latas de negativos (com horas e horas de cenas e testes de filmagens), deixando "L'Enfer" inacabado e nunca exibido até a realização deste documentário. O trabalho de Bromberg e Medrea é bastante reverente a Clouzot (que morreu em 1977). Aliás, às vezes é reverente DEMAIS, e os diretores parecem tão preocupados em exibir as imagens inéditas de "L'Enfer" que esquecem de cuidar do ritmo do filme, obviamente pesado com a repetição "ad nauseum" das cenas e fragmentos filmados por Clouzot. O que sobra é um retrato bastante lúcido da loucura de um cineasta extremamente detalhista e perfeccionista, e do pesadelo que se tornou o seu sonho de fazer um filme perfeito (é uma pena que jamais vejamos uma versão finalizada de "L'Enfer", já que, pelas imagens exibidas no documentário, a obra tinha tudo para ser realmente genial). Acho que, em termos de megalomania cinematográfica, "O Inferno de Clouzot" fica na mesma linha de "Final Cut" (2004, dir: Michael Epstein), sobre as filmagens do mega-desastre "O Portal do Paraíso", de Michael Cimino, em 1980. Mas há um porém: este documentário francês, tão didático quando o tema é a pré-produção e as filmagens de "L'Enfer", falha ao não trazer explicações, na conclusão, sobre porquê, afinal, o filme foi cancelado. Também não informa que o mesmo roteiro de Clouzot foi filmado, em 1994, por seu colega Claude Chabrol, transformando-se no ótimo, mas pouco conhecido, "Ciúme - O Inferno do Amor Possessivo", em que a musa Emmanuelle Béart assumia o papel que fora de Romy Schneider. Mesmo assim, para quem curte documentários sobre os bastidores do mundo cinematográfico, este é obrigatório.




PACTO SECRETO (Sorority Row, 2009, EUA. Dir: Stewart Hendler)
Refilmagem de um interessante slasher de 1983 ("The House on Sorority Row", de Mark Rosman), "Pacto Secreto" não só é um dos piores remakes do ano, como um dos filmes de horror mais estúpidos dos últimos tempos. Para começo de conversa, o roteiro deste suposto "remake" não tem nada a ver com o original, além do fato de a história se passar em uma casa de fraternidade. Analisando friamente, parece mais uma refilmagem de "Eu Sei o que Vocês Fizeram no Verão Passado" do que qualquer outra coisa. A trama é sobre fúteis garotas de uma fraternidade que, durante uma brincadeira que dá errado, provocam a morte de uma amiga. Resolvem ocultar o crime, apenas para serem aterrorizadas por um psicopata durante a sua festa de formatura. Nada de novo no front, hein? O original já não era nenhuma maravilha, mas pelo menos divertia e tinha um final-surpresa muito legal, com um assassino idem. Neste remake, resolveram partir para o vale-tudo, incluindo um absurdo "final Pânico" em que um dos personagens principais se revela o assassino, mas com um motivo tosco e absurdo para cometer os crimes. E se a bengala usada pelo assassino no filme de 1983 já era uma arma ridícula, o que dizer da CHAVE-DE-RODA NINJA usada pelo assassino agora, que funciona tanto para apunhalar pessoas quanto como arma de arremesso? O resultado é um filme patético, cheio de furos de roteiro, clichês e piadinhas fora de lugar, que poderia ser lançado com o título "Todo Mundo em Pânico 5". Dá até pena de Carrie Fisher, velha, acabada e decadente, numa "participação especial" que é o fundo do poço. (E se você ainda não está convencido da ruindade do filme, clique aqui para ler minha crítica na Boca do Inferno.)




SALVE GERAL (idem, 2009, Brasil. Dir: Sérgio Rezende)
O diretor Sérgio Rezende gosta de fazer filmes que têm como tema momentos da história do Brasil, como "Lamarca" (1994), "Mauá - O Imperador do Brasil" (1999) e "Zuzu Angel" (2006). Pois seus filmes parecem exatamente isso: uma aula de história, e das mais chatas, que nunca envolve nem emociona o aluno, ou melhor, o espectador. Rezende sempre esquece que o cinema tem que ser cinema, e não Telecurso Segundo Grau, e volta a repetir este erro em "Salve Geral" - que, como os bandidos do PCC retratados na história, atira para todos os lados, mas raramente acerta o alvo. Com roteiro do diretor e de Patrícia Andrade, o filme aborda o famoso mega-ataque do PCC que parou a cidade de São Paulo em 2006, agora sob a ótica de uma mãe de classe média (Andréa Beltrão), cujo filho, preso por um "homicídio acidental", está num dos presídios rebelados. Se fosse só isso, talvez "Salve Geral" encontrasse algum foco para desenvolver sua narrativa. O problema é que o roteiro de Rezende e Patrícia tenta criar um caleidoscópio de personagens e fatos, estilo "Crash - No Limite". Assim, o filme se transforma num festival de pequenas histórias que nunca chegam a envolver o espectador, mas que, sozinhas, até poderiam render bons filmes, tipo a relação da mãe desesperada com o Professor, um dos líderes do PCC (elemento tão gratuito na trama que podia ter ficado no chão da sala de edição), o policial linha-dura que aproveita a rebelião para sair fuzilando bandidos à la Capitão Nascimento, ou a forma como a mãe descobre o funcionamento do PCC fora dos presídios. Até um filme "men in a mission" com os bandidos ligados ao PCC aterrorizando São Paulo ficaria melhor que essa mistureba feita por Rezende. Mas, tudo junto, a coisa não funciona, e mortes como a do amigo do filho da protagonista (no início) ou a do Professor são tão repentinas e sem graça que o espectador acompanha tudo muito distante. O melhor do filme são as cenas que recriam os ataques do PCC, principalmente as longas tomadas aéreas da cidade "parada". Fora isso, é pura rotina: um novelão mal-dirigido e com um roteiro que tenta abraçar o mundo, mas não consegue nem deixar o espectador interessado. Tanto que, quando os créditos finais sobem, o mais comum é você se pegar perguntando: "Tá, e daí?". Além disso, enche o saco o fato de quase todos os bandidos mostrados no filme serem bonzinhos ou bem-intencionados - parece até um "Carandiru 2 - A Missão"!!!




A COLHEITA MALDITA (Children of the Corn, 2009, EUA. Dir: Donald P. Borchers)
"A Colheita Maldita" é um filme dirigido por Fritz Kiersch em 1984, inspirado num ótimo conto curto de Stephen King ("As Crianças do Milharal"), e que deu origem a seis continuações (!!!). Assisti todos os filmes para fazer um artigo no site Boca do Inferno e, sinceramente, é tudo muito ruim, inclusive o original, que adquiriu uma inexplicável aura de "cult movie" com o passar do tempo. Nunca gostei da adaptação de 1984, que destruía os melhores elementos do conto de King e ainda tinha um absurdo final feliz. Tudo isso foi corrigido com este novo "A Colheita Maldita", agora dirigido pelo produtor do filme de Kiersch, Donald P. Borchers, como produção para um canal de TV a cabo. O melhor de tudo é que não se trata de um remake do fraquinho filme de 1984, mas sim de uma readaptação fidelíssima do conto de Stephen King, com pouquíssimas liberdades poéticas. Torna-se, assim, a melhor coisa que já saiu com o título "A Colheita Maldita". A nova versão mostra um casal em crise, Burt e Vicky, viajando de carro pela zona rural do Nebraska nos anos 70. Após atropelar um garotinho que fugia do milharal, Burt resolve pedir ajuda na cidade mais próxima, Gatlin, apenas para descobrir que o local está deserto - ou quase, já que ali existe uma sinistra seita de crianças fanáticas. O restante é uma versão "live action" do conto sem tirar nem pôr, com muito sangue e violência, e resultado bastante corajoso para os padrões atuais, principalmente ao mostrar o "herói" matando crianças a sangue-frio e até uma cena de sexo, entre adolescentes rodeados de crianças, DENTRO DE UMA IGREJA. Nestes tempos em que até "Last House on the Left" é refilmado com final feliz, o novo "A Colheita Maldita" pode até não ser nenhum filmaço ou clássico do gênero, mas é muito superior ao filme original e uma das melhores adaptações de Stephen King feitas nos últimos anos.




CHE PARTE 1 - O ARGENTINO/CHE PARTE 2 - A GUERRILHA (Che Part One/Che Part Two, 2008, EUA/Espanha/França. Dir: Steven Soderbergh)
É praticamente impossível avaliar separadamente os dois capítulos da saga de Steven Soderbergh sobre o guerrilheiro Che Guevara, já que eles se complementam à perfeição. Seria o mesmo que analisar "Kill Bill" Volume 1 e Volume 2 como duas aventuras diferentes. Penso até que algum editor eficiente poderia juntar sem muita dificuldades os dois filmes para fazer um só, com umas três horas de duração (bastaria cortar as incontáveis cenas dos guerrilheiros perambulando pela selva, ou os longos apertos de mão e apresentações entre os personagens, por exemplo). O que importa é que, com a história separada em dois filmes, cada "episódio" acaba narrando etapas bem distintas da vida de Che, perfeitamente representado por Benicio Del Toro. A primeira parte, que tem o subtítulo "O Argentino", se passa em 1956, e mostra o argentino Ernesto "Che" Guevara integrando a tropa de revolucionários cubanos que pretende depor o ditador Fulgencio Batista. Após fantásticas batalhas contra o exército cubano, a Revolução sai vitoriosa e Fidel Castro assume o comando do país. Já a segunda parte, "A Guerrilha", apresenta fatos ambientados em 1967: Che abandona sua vida de regalias no governo de Cuba para tentar dar um novo golpe de estado, agora na Bolívia - só que dessa vez ele se dá mal, como contam os livros de história. Só a interpretação hipnótica de Benicio já faria valer os dois filmes, que somam quase 5 horas de duração. Mas há vários outros pontos positivos, como o tom humano e realista adotado pelo diretor Soderbergh (que só torna mais dramática a queda do protagonista no final do segundo filme), a belíssima fotografia, e ainda o fato de serem duas produções norte-americanas totalmente faladas em espanhol - ao contrário do "Che!" dirigido por Richard Fleischer em 1969. Acredito até que o tempo (e o lançamento em DVD) irá fazer mais justiça aos filmes, que no Brasil chegaram aos cinemas com um enorme intervalo entre um e outro, ao contrário do que acontecia lá fora. Na Europa, por exemplo, você podia sair de uma sessão da Parte 1 e já entrar direto na da Parte 2!




A ÓRFÃ (Orphan, 2009, EUA. Dir: Jaume Collet-Serra)
Casal em crise adota uma menininha sinistra, Esther, para viver com seus outros dois filhos biológicos. Coisas terríveis começam a acontecer. Quando a mãe adotiva percebe que há algo errado com Esther e tenta alertar o marido, quem passa por louca é ela. Afinal, como aquela inocente garotinha poderia ser malvada? Em resumo, "A Órfã" é só isso. O trailer até tenta vender um novo "A Profecia", mostrando uma criancinha demoníaca que apronta horrores. Mas não passa de um preview exagerado e que não condiz com a realidade, já que a trama do filme está mais para "O Anjo Malvado" (aquele suspensezinho descartável com Macaulay Culkin). O final dá uma guinada bizarra, com uma reviravolta que até surpreende o espectador, mas também destrói todo o conceito (e principalmente toda a coragem que o filme demonstrava até então). O que importa é que este novo trabalho do diretor Jaume Collet-Serra (diretor do legalzinho "A Casa de Cera") até diverte, especialmente se você estiver com pouca ou nenhuma expectativa. Apesar daquele climão de telefilme do Supercine, ele reserva alguns momentos escabrosos, como a pequena Esther matando uma freira a marteladas. O filme alterna momentos bastante corajosos (o destino do pai boa-pinta, essa cena da freira...) com outros de extrema covardia (por que Esther nunca consegue matar seus irmãos adotivos, mesmo quando sufoca um deles num hospital até ele ter uma parada cardíaca?). E a "reviravolta final", ainda que interessante e surpreendente, só torna tudo ainda mais covarde. O achado de "A Órfã" é a atriz mirim Isabelle Fuhrman, de apenas 12 anos, compondo uma daquelas vilãs que deixam o espectador morrendo de raiva. Com uma performance "adulta" e assustadora em vários momentos, ela inscreve sua Esther entre as grandes vilãs infantis da história do cinema. Pena que o filme esteja muito distante de outros contos com crianças assassinas, e abuse do tradicional "susto-TCHAM", motivado simplesmente pelo aumento da trilha sonora.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

THOU SHALT NOT KILL... EXCEPT (1985)


Sam Raimi, diretor da trilogia "Evil Dead", e seu irmão e ator Ted Raimi. Bruce Campbell, famoso astro do cinema classe B. Scott Spiegel, diretor de "Intruder" e "Um Drink no Inferno 2". Sheldon Lettich, roteirista de "Rambo 3" e diretor de vários filmes do Van Damme. Considerando o potencial "cult" de todos os envolvidos, é inexplicável o fato de THOU SHALT NOT KILL... EXCEPT ser um filme tão desconhecido mesmo para garimpeiros de podreiras e filmes obscuros. Trata-se de uma bizarra mistura de "revenge movie" ("Quando a violência exige vingança", dizia a frase no cartaz) com horror e humor negro, produzida por Josh Becker nos fundos da sua casa (literalmente!) em 1985, e que traz participações de toda essa galera aí de cima.

Josh era amigo de infância de Sam Raimi, e conseqüentemente também passou a fazer parte da turma de amigos que incluía Bruce Campbell, Robert G. Tapert (o produtor de "Evil Dead") e Scott Spiegel. Todos começaram a produzir pequenos filmes amadores em Super 8 entre a década de 70 e o começo dos anos 80. Becker chegou a filmar uma adaptação de "Édipo Rei", do grego Sófocles, estrelada por Bruce Campbell (!!!).


Quando Raimi começou a filmar o "Evil Dead" original, em 1981, pediu a ajuda de todos os seus parceiros para tocar o projeto em frente a custo zero. Se você olhar os créditos do filme, lá estão todos os conhecidos de Sam, alguns acumulando várias funções: Bruce Campbell, Robert G. Tapert, Scott Spiegel, Ted Raimi e até o futuro diretor Joel Coen (participando como assistente de edição). Josh Becker também deu sua colaboração: cuidou da segunda unidade de som e iluminação.

Alguns anos depois, em 1985, Becker resolveu fazer seu próprio longa-metragem, no esquema custo zero e improvisação que havia aprendido com Raimi durante as filmagens de "Evil Dead". E não pensou duas vezes em chamar toda a turma de amigos para dar uma força. Sam já estava em alta com o sucesso do seu primeiro longa. Mesmo assim, não negou o convite do parceiro e acabou interpretando o grande vilão de THOU SHALT NOT KILL... EXCEPT: um hippie malucão e assassino à la Charles Manson (foto abaixo)! Hoje, vendo Raimi todo almofadinha, de terno e gravata, no set de blockbusters como "Homem-Aranha", é impossível segurar o riso diante da sua participação nesse filme de baixíssimo orçamento.


THOU SHALT NOT KILL... EXCEPT (em tradução literal, algo como "Não Matarás... Exceto") começou a ser rodado com a mixaria de 18 mil dólares (!!!) e um roteiro escrito pelo diretor Becker a partir de uma história criada em colaboração com Bruce Campbell, Sheldon Lettich e Scott Spiegel. Embora a primeira parte do filme se passe no Vietnã, praticamente todas as cenas foram filmadas no quintal e na garagem da casa do diretor (!!!), e intercaladas com cenas de documentários.

Becker queria Bruce Campbell no papel principal de Jack Stryker, mas problemas com o Sindicato dos Atores, que exigia o pagamento de um salário mínimo para a função (neste caso, maior que todo o orçamento do filme!), impediu a participação do ator. Para não deixar o amigo Becker na mão, Campbell participou numa ponta não-creditada (como apresentador de TV, como você pode ver na foto abaixo) e ajudou na edição de som, reaproveitando vários efeitos sonoros de "Evil Dead"!!! Quem ficou com o papel principal foi Brian Schulz, que, misteriosamente, não está creditado no Internet Movie DataBase.


A história se passa em 1969 e começa em plena Guerra do Vietnã, quando o sargento Jack Stryker serve em uma pequena unidade cercada por tropas inimigas, e passa seus dias lembrando da namorada que deixou nos Estados Unidos, Sally (Cheryl Hausen, em seu único filme). Num daqueles toques de humor negro tipicamente "Raimianos", a unidade de Stryker anda perdendo seus superiores com uma velocidade espantosa, e o mais recente, o tenente David Miller (John Manfredi), resolve mostrar serviço com um plano mirabolante para atacar uma bem-guardada vila vietcongue.

Stryker protesta, mas é obrigado a liderar um batalhão formado por seus amigos, o sargento Walker J. Jackson (Robert Rickman, único filme) e o capitão Tim Tyler (Timothy Patrick Quill, que fez pequenas participações em diversos filmes de Sam Raimi, incluindo a trilogia "Homem-Aranha"). Mas eles são emboscados e massacrados; apenas Stryker, Jackson e Tyler sobrevivem, após uma investida heróica e suicida, sendo que nosso herói é ferido numa das pernas e fica inválido.


De volta à sua pequena cidade-natal nos Estados Unidos, e obrigado a andar com uma bengala por causa do ferimento na perna, Stryker tenta refazer sua vida, mudando-se para uma cabana no meio da floresta ("Evil Dead"?) e reaproximando-se da ex-namorada Sally. O problema é que o retorno do herói de guerra à cidadezinha coincide com a chegada de um grupo de malvados hippies satanistas, liderados por um malucão estilo Charles Manson (Sam Raimi!!!). Os vilões invadem casas para torturar e matar seus habitantes, não poupando nem bebês. Isso, claro, até se meterem a amada de Stryker.

Quando os velhos amigos do Vietnã - Jackson, Tyler e o tenente Miller - aparecem em sua cabana para uma visita, Stryker consegue convencê-los a voltar às armas para exterminar os hippies satanistas, numa longa e sangrenta batalha campal repleta de mortes criativos e momentos de puro humor negro (pessoas são esmagadas por capôs de carro, empaladas em galhos de árvore ou acabam com tesouras enfiadas nos olhos, entre outros belos momentos). O irmão de Sam, Ted, e Scott Spiegel aparecem como alguns dos hippies assassinos combatidos por Stryker e sua turma.


THOU SHALT NOT KILL... EXCEPT é um filme estranho, mas muito divertido, que não se decide entre ser história de ação séria ou comédia bizarra de humor negro. É claro que aqueles 18 mil dólares que Becker tinha para a produção não duraram nem uma semana, e os realizadores precisaram fazer um mutirão, pedindo dinheiro para seus familiares e amigos, completando o orçamento total de 200 mil dólares.

E é justamente pelo fato de ter um orçamento tão merreca que THOU SHALT NOT KILL... EXCEPT deve ser valorizado: o diretor-roteirista-editor-diretor de fotografia Becker conseguiu tirar água de pedra, filmando uma história ambiciosa, repleta de tiroteios, cenas de ação e sangue, usando um mínimo de recursos, inclusive reaproveitando próteses e "corpos falsos" usados em "Evil Dead" e emprestados pelo amigo Sam.


Embora o baixo orçamento esteja evidente nos cenários, atores e efeitos (as cenas no "Vietnã" lembram os filmes do diretor David A. Prior), o resultado é interessante principalmente pelo talento demonstrado pelo realizador para contornar o problema da falta de grana, embora o ritmo seja arrastado em todo o segundo ato.

Fãs incondicionais de "Evil Dead" vão perceber que Becker aprendeu muitas lições no set do clássico de Sam Raimi, como o uso da câmera em movimento pela floresta (nas cenas finais), ângulos muito parecidos com os de Raimi ou o bizarro senso de humor pastelão que o próprio Sam levaria às raias do absurdo em "Evil Dead 2", de 1987.

As mortes em THOU SHALT NOT KILL... EXCEPT geralmente são seguidas por improváveis alívios cômicos, num humor negríssimo que definitivamente não é para todos os públicos.


O resultado dessa união da turma de amigos de Raimi é um filme bastante esquisito, mas divertido e curto o suficiente para não chatear (não chega a durar 80 minutos). Claro que não pode e nem deve ser comparado com "Evil Dead", e muito menos ser levado a sério.

Até porque esta é apenas uma história classe C de vingança sangrenta rodada no fundo do quintal de alguém (literalmente). E é exatamente o tipo de brincadeira macabra e bizarra que se espera que uns caras tipo Sam Raimi e Bruce Campbell façam no seu tempo livre.

Sem contar que o fato de ter sido feita com pouquíssimo dinheiro é uma prova de amor à arte de fazer cinema, um exemplo para muitos cineastas independentes aqui do Brasil mesmo, daquele tipo que vive chorando pela falta de recursos ou de incentivo.

Trailer de THOU SHALT NOT KILL... EXCEPT


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Thou Shalt Not Kill... Except/
Stryker's War/ Bloodbath (1985, EUA)

Direção: Josh Becker
Elenco: Brian Schulz (não-creditado), John
Manfredi, Robert Rickman, Timothy Patrick
Quill, Sam Raimi, Ted Raimi e Scott Spiegel.